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FISIOLOGIA DO

EXERCÍCIO FÍSICO

Patrick Gonçalves
Utilização do substrato
durante o exercício —
intensidade e duração
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Discutir as diferentes rotas metabólicas e sua integração para obtenção


de energia.
„„ Enumerar os processos químicos presentes em cada uma das rotas
metabólicas.
„„ Analisar diferentes esportes e identificar qual a rota metabólica
predominante.

Introdução
As rotas metabólicas mostram a sucessão de processos bioquímicos dos
quais nossos organismos se utilizam de determinados substratos para
gerar outros, de forma sucessiva até chegar a um produto final. No estudo
da fisiologia do exercício, nosso foco é o papel das rotas metabólicas que
usam dos carboidratos, das gorduras e das proteínas para chegar, como
produto final, à energia que realiza as contrações musculares.
Neste capítulo, você vai estudar as rotas metabólicas de produção
de energia, os principais processos químicos e, ao final, terá um breve e
interessante panorama sobre a predominância das vias energéticas em
diferentes esportes.

Rotas metabólicas e obtenção de energia


O metabolismo pode ser definido como o conjunto de processamentos que
ocorrem com e nas biomoléculas. Ou seja, a formação de moléculas maiores a
partir de moléculas menores e, no caminho oposto, a degradação de moléculas
2 Utilização do substrato durante o exercício — intensidade e duração

grandes em moléculas pequenas. Essas transformações moleculares podem


ser denominadas de:

„„ anabolismo ou vias biossintéticas, quando ocorre o aumento molecular


proporcionado por pequenas moléculas;
„„ catabolismo ou vias degradativas, quando as moléculas mais com-
plexas são divididas em moléculas de menor tamanho e complexidade.

As reações sequenciais de síntese ou degradação de moléculas podem ter


diversos estágios até chegarem a um produto final. O conjunto dessas reações
é denominado de rotas metabólicas ou vias metabólicas (POWERS; HOW-
LEY, 2017). Importante destacar que existem diversas rotas metabólicas no
organismo, desempenhando funções essenciais à manutenção da homeostase
e garantindo o desenvolvimento e o desempenho das diversas células que
compõem o corpo humano. Como exemplo, podemos citar as rotas metabólicas
de formação de aminoácidos e de produção de ureia.
Entre tantas rotas metabólicas, existem aquelas que desempenham a função de
gerar energia e que se alteram conforme a atividade física que o organismo está
desenvolvendo. Dessa forma, a produção de energia que os músculos utilizam
durante o exercício físico resulta de rotas metabólicas em que ocorre a utilização
de substratos energéticos. Estamos falando dos caminhos que percorrem as
gorduras, as proteínas e os carboidratos quando são degradados, dando origem ao
produto final: energia e novos substratos, que contribuem para reiniciar o ciclo.

Enzimas
Para que estas rotas sejam percorridas, possibilitando a utilização dos substratos
na produção de energia, é fundamental a ação das enzimas. As enzimas são
moléculas grandes, formadas por proteínas e têm a função de regular a taxa ou
a velocidade do fornecimento dos substratos necessários às reações nas vias
metabólicas. Para cada substrato, há uma ação enzimática específica. Ou seja,
cada tipo de enzima possui um sulco e cristas específicas para o substrato sobre
o qual vai agir. Podemos fazer uma boa analogia, associando esses sulcos e
cristas aos desenhos de uma chave e de um cadeado. Assim como cada chave
só se encaixa em um cadeado, o substrato só se “encaixa” em sua enzima. A
Figura 1 demonstra como a enzima age em relação aos substratos. Note que
a enzima, após o processo, não se altera. Porém, os substratos utilizados dão
origem a outros novos substratos, diferentes dos iniciais.
A+B →
Enzima
C+D
(reagentes) (produtos)

Substrato A
Produto C

Sítios ativos

Enzima Produto D
Substrato B
Enzima e substratos Complexo enzima-substrato Produtos da reação e enzima (inalterada)

Figura 1. Modelo de ação enzimática.


Fonte: Powers e Howley (2017, p. 45).
Utilização do substrato durante o exercício — intensidade e duração
3
4 Utilização do substrato durante o exercício — intensidade e duração

As enzimas, assim, desempenham papel fundamental na degradação e


formação dos substratos. Esses, por sua vez, através das reações químicas que
lhes são próprias, dão origem à energia necessária ao movimento humano.

Substratos utilizados como combustível


durante o exercício
As moléculas de carboidratos, as gorduras e as proteínas são substratos que
originam as rotas metabólicas. Possuem características específicas e produzem
diferentes quantidades de energia. A seguir, discutiremos sobre cada um destes
substratos, que se classificam em três grupos:

„„ os carboidratos;
„„ as gorduras;
„„ as proteínas.

Carboidratos: são moléculas compostas por átomos de carbono, hidrogênio


e oxigênio. Cada 1 g de carboidrato produz cerca de 4 kcal de energia. Os
carboidratos são encontrados em diversos alimentos de origem vegetal e animal,
como pães, arroz, leite, mel, etc. (KENNEY; WILMORE; COSTILL, 2015). Ao
serem ingeridos, as ações enzimáticas quebram as moléculas de carboidratos,
dando origem às moléculas de glicose. Essas, podem ser utilizadas de imediato
pelas células, na corrente sanguínea, ou armazenadas para suprir posteriores
necessidades de energia. Uma das formas do corpo para armazenar a glicose
é através de glicogênio, ou seja, a ligação de diversas moléculas de glicose
promovida pela ação da enzima glicogênio sintase. Para utilizar o glicogênio
como energia, as células musculares quebram o glicogênio novamente em
pequenas moléculas de glicose, no processo chamado de glicogenólise.
Gorduras: também são formadas por carbono, hidrogênio e oxigênio,
entretanto em proporções diferentes das que encontramos nos carboidratos.
Cada 1 g de gordura, nesse caso, rende ao organismo aproximadamente 9
kcal de energia. São encontradas em produtos de origem animal, como carnes
diversas e também de origem vegetal, como as oleaginosas. Ao serem inge-
ridas, são armazenadas no organismo na forma de triglicerídeos, formados
a partir de ácidos graxos e glicerol. Embora a maior parte dos estoques de
triglicerídeos se concentrem nas células que compõem o tecido adiposo, elas
podem ser armazenadas em diversas outras células, inclusive as musculares
Utilização do substrato durante o exercício — intensidade e duração 5

esqueléticas (FLECK; KRAEMER, 2017). Para que sejam utilizados como


energia, os triglicerídeos devem ser quebrados pelas enzimas da família das
lipases. Com a quebra, denominada de lipólise, os ácidos graxos são utiliza-
dos pelo tecido muscular como fonte energética direta, enquanto o glicerol é
convertido em glicose pelo fígado.
Proteínas: são formadas por diversas moléculas de aminoácidos. Cada
1 g de proteína produz cerca de 5 kcal. A maior parte dos aminoácidos é
produzida pelo próprio organismo. Entretanto alguns deles, chamados de
aminoácidos essenciais, não são produzidos pelo corpo e devem ser ingeridos
através de alimentos. Existem duas formas de produzir energia a partir de
proteínas e ambas requerem sua quebra em seus aminoácidos. A primeira
forma é conversão do aminoácido alanina em glicose, pelo fígado (FLECK;
KRAEMER, 2017). A segunda é a quebra da proteína diretamente nas células
musculares, utilizando praticamente todos os aminoácidos diretamente na
produção de energia.
Verificamos que os carboidratos, as proteínas e as gorduras são os substratos
que originam as vias metabólicas de produção de energia. Embora a necessidade
de energia seja uma constante para o organismo, ela se intensifica durante a
prática de exercícios físicos, utilizando alguns substratos mais do que outros.

O corpo humano utiliza diversos tipos de substratos como fonte energética ao mesmo
tempo. Embora haja a predominância da utilização de um substrato em específico, os
outros continuam contribuindo na síntese de energia.

Rotas metabólicas e formação de ATP


A energia que gera a contração muscular esquelética é realizada através da
quebra de moléculas de ATP (adenosina trifosfato), também chamado de
sistema fosfagênio. As reservas de ATP nas células musculares são escassas
e isso determina a necessidade de formação constante de novas destas molé-
culas para que os tecidos musculares continuem realizando o exercício físico.
Existem três formas de produzir novas moléculas de ATP:
6 Utilização do substrato durante o exercício — intensidade e duração

„„ através da quebra de fosfocreatina (ou sistema ATP-CP);


„„ através da glicólise (degradação da glicose ou glicogênio);
„„ através da formação oxidativa de ATP.

Nos dois primeiros casos – formação de ATP pelo ATP-CP ou pela glicólise
– não é necessário o O2. Por isso, as duas primeiras vias são chamadas de vias
anaeróbias. Na formação oxidativa de ATP, porém, a presença do O2 é indis-
pensável. Por isso, a chamamos de via aeróbia (POWERS; HOWLEY, 2017).
Apesar de ouvirmos falar bastante em exercícios aeróbios e exercícios
anaeróbios, quase toda atividade emprega as duas vias de produção de energia
ao mesmo tempo, além de uma ampla gama de substratos. Dessa forma, per-
cebemos durante o exercício a presença concomitante das rotas metabólicas,
mas com a predominância de algumas delas. Essa predominância é deter-
minada conforme as variáveis – em especial, o volume e a intensidade – de
cada atividade. As Figuras 2 e 3 mostram como a intensidade e o volume do
exercício físico recrutam os substratos energéticos conforme essas variáveis
se modificam.

100
Porcentagem de energia das
gorduras e dos carboidratos

80

60
Carboidratos

40 Gorduras

20

0
0 20 40 60 80 100
% do VO2 máx
Figura 2. Intensidade do exercício físico e utilização de substratos.
Fonte: Adaptada de Powers e Howley (2017, p. 79).
Utilização do substrato durante o exercício — intensidade e duração 7

70
% de metabolismo de gorduras ou carboidratos

65
% Gorduras
60

55

50

45

40
% Carboidratos
35

30
0 20 40 60 80 100 120
Tempo de exercício (minutos)
Figura 3. Volume do exercício físico e utilização de substratos.
Fonte: Adaptada de Powers e Howley (2017, p. 80).

Percebemos, nas duas figuras, que a seleção de substratos é influenciada


pelo volume e pela intensidade de cada exercício físico. Os de baixa intensi-
dade utilizam como substrato primário a gordura, enquanto exercícios de alta
intensidade se utilizam de carboidratos. Já em exercícios de maior volume,
verificamos predominância da utilização de gorduras como fonte de energia.
As proteínas também são utilizadas, sendo degradas em maior quantidade
principalmente em exercícios físicos de grande volume.
8 Utilização do substrato durante o exercício — intensidade e duração

Processos químicos presentes nas


rotas metabólicas
Como as reservas de ATP nas células musculares são bastante limitadas, é
necessária a constante ressíntese desta molécula durante a prática de exer-
cícios físicos para produzir energia e garantir continuidade às contrações
musculares. Retomando o que vimos na seção anterior, existem três formas
de produzir novas moléculas de ATP: através do sistema ATP-CP, através da
glicólise e através da formação oxidativa de ATP. Estes sistemas, para gerar
a contração muscular, produzem energia a partir de reações químicas que
iremos detalhar a seguir.

Sistema ATP-CP
Essa é a fonte mais rápida de energia no metabolismo, pois requer poucas
reações químicas, envolvendo apenas uma enzima e os substratos necessários
– o difosfato de adenosina e a fosfocreatina – que já se encontram presentes
no músculo.
As reservas de fosfocreatina, porém, são muito limitadas e a sua ressín-
tese requer ATP, que ocorre apenas durante o repouso. Assim, esse sistema
predomina nos exercícios físicos intensos e de curta duração, como uma
série de 10 repetições a 90% de 1 RM, a exemplo da musculação, ou de uma
corrida rápida em uma partida de futebol. De modo geral, podemos dizer
que o sistema ATP-CP predomina nos primeiros segundos de exercício
físico intenso.
O processo químico presente no sistema ATP-CP consiste na ligação
entre a fosfocreatina e o ADP. Ao se ligarem quimicamente, a reação
catalisadora da enzima creatina quinase forma uma molécula de ATP
e uma de creatina, promovendo a produção de energia que promove a
contração muscular.
Utilização do substrato durante o exercício — intensidade e duração 9

Glicólise
A glicólise também é uma fonte rápida de produção de energia, que predomina
entre 30 a 120 segundos de exercício físico intenso. Contudo, resulta de um
número maior de reações, o que requer algum tempo a mais para o início de
sua ativação, em relação ao ATP-CP.
Assim como no sistema anterior, esta rota metabólica dispensa a utilização
de O2. A glicólise consiste na utilização da glicose ou do glicogênio, formando
duas moléculas de lactato ou piruvato. A velocidade da glicólise é regulada
por ações enzimáticas. A primeira transformação que ocorre é a passagem da
glicose em glicose-6-fosfato. Esta fosforilação acontece pela ação da enzima
hexoquinase, que impede a glicose de sair da célula novamente. A taxa de ação
desta enzima aumenta com a presença de glicose e diminui com a presença
de glicose-6-fosfato.
Quando o exercício começa, os níveis de ADP e fosfato inorgânico sobem
em decorrência do sistema ATP-CP, resultando na ativação e na ação da
enzima fosfofrutoquinase (PFK), que age no início dessa rota. Quando os
níveis de ATP celular se encontram elevados, a PFK é inibida, diminuindo a
taxa da glicólise. Essa inibição da PFK também ocorre quando se elevam os
níveis de hidrogênio e o citrato produzido no ciclo de Krebs. Dessa forma, a
glicose-6-fosfato é transformada em frutose-6-fosfato.
Junto à ação da hexoquinase e fosfofrutoquinase, outro fator que regula
a velocidade de glicólise é a ação da enzima piruvato quinase. Esta enzima
atua ao final da glicólise anaeróbica e é regulada negativamente pela presença
de ATP, acetil-CoA e ácidos graxos de cadeia longa ou ativada pela presença
de frutose-1,6-bisfosfato.
Assim, essa via metabólica ocorre no sarcoplasma da célula muscular em
duas fases, uma denominada fase de investimento de energia, onde moléculas
de ATP são necessárias para dar início à rota, e a outra chamada de fase de
geração de energia, quando as reações químicas geram novas moléculas de
ATP, em quantidade superior à primeira fase, havendo ganho no saldo final
(POWERS; HOWLEY, 2017).
Durante a fase de investimento de energia, ocorrem cinco reações que
consistem na adição de fosfato inorgânico (por isso a necessidade de molé-
culas de ATP) à glicose, gerando fosfatos de açúcar. A Figura 4 demonstra os
processos bioquímicos da glicólise.
10 Utilização do substrato durante o exercício — intensidade e duração

Figura 4. Etapas da glicólise.


Fonte: Nelson e Cox (2014, p. 545).
Utilização do substrato durante o exercício — intensidade e duração 11

Como podemos perceber na figura, a rota da glicólise se desenvolve em


10 fases, iniciando com a quebra do glicogênio e da glicose, que vão sendo
degradados até o produto final. Ao utilizar o glicogênio, o investimento de
fosfato inorgânico requer a quebra de um ATP (KENNEY; WILMORE;
COSTILL, 2015). Quando ocorre a partir da glicose, são necessários dois
fosfatos inorgânicos, que quebram duas moléculas de ATP. Deste modo, ao
final do processo são geradas 3 moléculas de ATP, quando produzidas a partir
de glicogênio, e duas moléculas de ATP, quando produzidas pela glicose.
Na sexta fase, percebemos a presença do NAD+. O NAD+ e o FAD são
coenzimas oxidativas encontradas nas células e que têm basicamente a função
de captar elétrons de alta energia, que serão liberados durante a oxidação das
substâncias e transferidos para outras, como aquelas encontradas na cadeia
respiratória. Durante a glicólise, a oxidação do gliceraldoídeo-3-fostfato resulta
na liberação de duas moléculas de hidrogênio. Um dos hidrogênios é aceito
pelo NAD+ e o restante fica livre no sarcoplasma, em solução. Ao aceitar o
hidrogênio, o NAD+ se transforma em NADH. Para que a glicólise continue,
é necessário que o NADH volte a sua forma original, participando novamente
da retirada de hidrogênio (POWERS; HOWLEY, 2017).
Para que o NADH se transforme novamente em NAD+, ele pode transportar
e liberar o hidrogênio na cadeia transportadora de elétrons, que será utilizado
na produção de ATP, junto a uma molécula fosfato ou pode liberá-lo para e
unir ao produto final da glicólise, o piruvato, formando lactato.
Ao fim da glicólise ocorre a produção de piruvato, substrato que pode ser
utilizado como precursor da degradação aeróbia de carboidratos. Após esse
processo, o piruvato se liga ao hidrogênio através da ação dos monocarboxi-
latos (MCTs), formando o lactato, através da enzima lactato desidrogenase.
Assim, torna-se importante a atuação dos transportadores de monocarboxi-
latos (MCTs). Existem 14 isoformas de MCT com capacidade de transporte
de hidrogênio, regulando o equilíbrio acidobásico no interior das células e
formando ou inibindo a formação de lactato.
Após a produção do lactato, ele é transportado para a corrente sanguínea,
onde será utilizado por outros órgãos. Assim, o lactato não atua diretamente
na produção de energia, mas é transportado até o fígado para formar a glicose,
que será, entre outras finalidades, utilizada como combustível para a atividade
física. Este processo cíclico, em que a glicose é degradada formando o piruvato,
que pode gerar ácido lático e consequentemente novas moléculas de glicose,
é chamado de ciclo de Cori.
12 Utilização do substrato durante o exercício — intensidade e duração

Historicamente, o lactato foi associado somente a fadiga e dores musculares, sendo


por isso considerado como “inimigo” do desempenho do corpo humano. Entretanto,
estudos recentes têm sugerido que o lactato, além de atuar como fonte energética,
executa um papel de promotor da neurogênese e da neuroplasticidade (PROIA, 2016;
BROOKS, 2007).

Formação oxidativa de ATP


Como o nome sugere, esta rota necessita de oxigênio para iniciar a degradação
de substratos. Demora algum tempo para que predomine na produção de
energia durante a atividade física porque o sistema cardiovascular necessita
de certo período para se adaptar à intensidade do exercício físico e fornecer
adequadamente o oxigênio às células (POWERS; HOWLEY, 2017). Atuando na
produção de energia no ciclo de Krebs, o oxigênio tem a função de auxiliar na
separação e transformação dos substratos, combinando-se com o hidrogênio,
para impedir a acidificação.
Por outro lado, a formação oxidativa de ATP é a rota que predomina na
produção energética durante as atividades do dia a dia. É que inicia utilizando
maior diversidade de substratos e aproveita o substrato final para recomeçar,
num sistema cíclico.
O início da produção aeróbia de ATP pode ocorrer a partir do piruvato
produzido pela glicólise, através da quebra da proteína em aminoácidos e dos
triglicerídeos em ácidos graxos. Como vimos anteriormente, a glicólise con-
siste na degradação de carboidratos para formar energia. No caso dos lipídeos,
este processo se chama lipólise. A degradação dos lipídeos acontece ainda no
decido adiposo, com a ação das lipases. A liberação de glucagon durante o
exercício provoca a metabolização de triglicerídeos no tecido adiposo que, ao
serem liberados na corrente sanguínea, são transportados por lipoproteínas de
baixa intensidade (VLDL e LDL) até o fígado. Neste órgão, os triglicerídeos
são metabolizados e dão origem a dois compostos que podem gerar energia:
o glicerol e os ácidos graxos. No caso do glicerol, ele é metabolizado no
fígado e dá origem à glicose, em um processo chamado de gliconeogênese,
participando da glicólise. Já os ácidos graxos são metabolizados nas células
musculares, dando origem ao Acetil-CoA graxo, uma etapa denominada de
Utilização do substrato durante o exercício — intensidade e duração 13

betaoxidação. Além do glucagon, o hormônio adrenalina também participa


como indutor da lipólise.
Desta forma, o piruvato, os ácidos graxos e os aminoácidos são oxidados e
transformados em acetil-CoA (acetilcoenzima A) na mitocôndria, que liga-se
ao oxaloacetato, dando início à produção de energia. A rota de produção aeróbia
de energia ocorre na soma de dois estágios: durante o Ciclo de Krebs e na
cadeia de transporte de elétrons (também chamada de cadeia respiratória).
A Figura 5 mostra um panorama geral dessa rota metabólica.

Figura 5. Ciclo de Krebs e cadeia de transporte de elétrons.


Fonte: Murray et al. (2014, p. 165).
14 Utilização do substrato durante o exercício — intensidade e duração

Como percebemos na figura, ao início do ciclo de Krebs, o oxaloacetato e a


Acetil-CoA se ligam, formando o citrato, que vai se modificando e formando
novos substratos a partir das ações de diversas enzimas. Ao fim do ciclo,
temos novamente o oxaloacetato, que se ligará à acetil-CoA, reiniciando a rota.
Também percebemos que ocorre a produção de três NADH e um FADH. A
produção total de ATP na rota aeróbia está relacionada ao número de NADH
e FADH, que são produzidos ainda na glicólise e na oxidação de gorduras.
Além disso, ocorre também a produção de água (H2O), gás carbônico (CO2)
e GTP (guanosina trifosfato).
O GTP é um composto de alta energia que transfere seu fosfato para a
cadeia de transporte de elétrons. Desta forma, a cadeia de transporte de elétrons
consiste em diversos carregadores (geralmente proteínas) capazes de receber
ou doar elétrons. Além da doação de fosfato do GTP, este processo também
transporta e utiliza prótons de hidrogênio, gerados na glicólise e durante a
oxidação de ATP, presentes tanto no NADH como no FADH. Os prótons de
hidrogênio e o fosfato são processados entre as membranas celulares através
da enzima ATP sintase, fazendo com que as moléculas de ADP se transformem
em ATP. Após a utilização dos prótons de hidrogênio, os elétrons de hidrogênio
resultantes são ligados ao oxigênio, incidindo na produção de H2O.
Assim, a glicólise fornece, ao final do ciclo, entre 36 e 39 moléculas de
ATP. As gorduras necessitam ser oxidadas, transformando-se em ácidos graxos
e gerando, ao final, mais de 100 moléculas de ATP (POWERS; HOWLEY,
2017). As proteínas, embora também sejam utilizadas como fonte de energia,
contribuem pouco, mas sua degradação é fundamental para a formação dos
aminoácidos não essenciais.

Rota metabólica predominante


em diferentes esportes
Diferentes esportes podem ser caracterizados pelos volumes e intensidades
de atividade física que exigem de seus praticantes. Como vimos ao longo
deste capítulo, as rotas metabólicas têm períodos distintos de ativação e de
predominância, sendo algumas mais lentas que outras. Ao analisarmos um
esporte, percebemos que a predominância de uma rota metabólica está dire-
tamente ligada ao tempo de execução do exercício físico e à intensidade na
realização dos movimentos.
Utilização do substrato durante o exercício — intensidade e duração 15

Em esportes que exigem sequências rápidas e intensas de movimentos,


predominam as rotas metabólicas anaeróbicas. Por outro lado, em modalidades
de longa duração e movimentos menos intensos, percebemos a predominância
de vias aeróbias (FLECK; KRAEMER, 2017). Aqui, é importante salientar
que, em esportes coletivos, nem sempre todos os atletas trabalham com a
mesma utilização de rotas metabólicas na produção de energia muscular. O
futebol é um bom exemplo. Nos dois tempos de 45 minutos, o goleiro costuma
ficar todo o jogo sem movimentos significativos mas, nos seus momentos de
ação, podem precisar de verdadeiras explosões de energia. Os jogadores que
atuam na lateral, entretanto, passam praticamente toda a partida em picos de
corrida, tanto para invadir o campo adversário como para retornar ao campo de
defesa da sua equipe. A Figura 6 apresenta uma síntese geral de metabolismo
de alguns dos principais esportes.
Com base na figura, percebemos que, em modalidades caracterizadas por
movimentos de bastante intensidade e pouco volume, temos predominância
das vias anaeróbias de produção de energia. Por outro lado, em esportes com
intensidades menores, verificamos a predominância da via aeróbia.
Importante salientar que a duração de uma competição está relacionada
com a predominância de uma rota metabólica, mas não é um fator exclusivo
(FLECK; KRAEMER, 2017).
Podemos tomar como exemplo uma partida de basquete, que se desenvolve
em quatro períodos de dez minutos, ou de vôlei, que é disputada por pontos
mas, frequentemente, se estende por cinco sets que podem durar mais de 30
minutos. Uma avaliação superficial nos levaria ao engano de caracterizar
esses esportes como predominantemente aeróbios. Contudo, uma análise
mais profunda observará que eles exigem movimentos de intensidade aguda,
seguidos por intervalos de intensidade bem menor. Assim, caracterizam-se
como esportes predominantemente anaeróbios. Ou seja, para verificar a pre-
dominância das formas de geração de energia em cada esporte ou atividade
física, precisamos considerar, além do volume, as intensidades e a quantidade
dos movimentos realizados.
16 Utilização do substrato durante o exercício — intensidade e duração

% Aeróbio % Anaeróbio

Levantamento de peso 0 100 Corrida de 100 m


Mergulho Futebol
Ginástica artística americano
Corrida de 200 m
Luta romana 10 Basquete
90
Hóquei no gelo Beisebol
Esgrima Vôlei
Corrida
20 80 de 400 m
Tênis
Hóquei no campo
30 70 Futebol
Nado de 100 m

40 60
Corrida de 800 m Nado de 200 m
Boxe Patinação
50 50 (1.500 m)

Remo (2.000 m)
Corrida de 1,6 km 60 40
Nado de 400 m

70 30
Corrida
de 1.500 m

80 20
Corrida de 3,2 km Nado
de 800 m
Patinação de
90 10 Corrida
10.000 m
cross-country
Esqui
Maratona de cross-country
10.000 m 100 0 Corrida leve

Figura 6. Esportes e predominâncias de rotas metabólicas.


Fonte: Powers e Howley (2017, p. 63).

É fácil identificar as rotas metabólicas predominantes nos esportes em que


há continuidade na intensidade de movimentos. Na maratona, por exemplo,
o atleta mantém certo padrão de movimentação durante toda a prova, que
dura cerca de duas horas. Como o maratonista normalmente não chega à
Utilização do substrato durante o exercício — intensidade e duração 17

fadiga muscular durante a competição, constatamos que suas necessidades


energéticas estão sendo contempladas. Assim, pelo volume evidente deste
esporte específico, é fácil caracterizá-lo como predominantemente aeróbico.
Da mesma forma, ao analisarmos modalidades que exigem movimentos
constantes de um mesmo padrão, mas explosivos porque demandam a maior
velocidade possível, é tranquilo defini-los como anaeróbios. Como exemplos,
lembramos a corrida de 100 m, o lançamento de disco e o levantamento de peso.
Há esportes, porém, em que não identificamos tão facilmente a principal
rota metabólica. Nesses casos, é fundamental realizarmos observações diag-
nósticas para verificar a predominância de produção energética. Para tanto, é
necessário avaliar os tipos de movimento e a quantidade de vezes que ocorrem
durante uma partida ou prova. Barbanti (1986), ao buscar compreender a rota
metabólica predominante em jogadores de futebol, analisou a movimentação
dos atletas durante uma partida e constatou que a distância média percorrida
pelos jogadores foi de 8.680 m. Destes, 3.187 m foram trotes (corridas leves);
2.150 m caminhando; 1.810 m correndo em velocidade submáxima; 974 m em
velocidade máxima e 559 m correndo de costas. Assim, no estudo de Barbanti,
percebemos que, nesta partida, a atividade física utilizou predominantemente
a forma aeróbia de produção de energia.

No link a seguir, você terá acesso ao canal Fisio Ex - Prof.


Alvaro Reischak de Oliveira no YouTube, em que está dispo-
nível uma série de videoaulas que apresentam uma visão
mais aprofundada sobre diferentes aspectos da fisiologia
do exercício.

https://goo.gl/zD87Gs

No mesmo estudo, o autor observa diferenças consideráveis entre a movi-


mentação dos atletas, de acordo com as posições em que jogam. Atacantes e
laterais correm mais frequentemente em velocidade máxima do que zaguei-
ros. Jogadores de meio-campo percorrem maiores distâncias em velocidade
máxima. Uma comparação entre o estudo de Barbanti e a análise realizada
por Powers e Howley (Figura 6) nos permite perceber que o futebol ora foi
18 Utilização do substrato durante o exercício — intensidade e duração

caracterizado como predominantemente aeróbio, ora como anaeróbio. Logo,


em esportes em que a movimentação dos atletas difere de acordo com sua
posição e as circunstâncias são volúveis, a caracterização de rota metabólica
varia de acordo com as funções de cada atleta e também com a história de
cada partida.
Retomando o que foi apresentado neste capítulo, compreender as rotas
metabólicas é essencial para os profissionais ligados ao esporte e ao exercício
físico. Ao entendermos como a energia é produzida, a partir de quais substratos
ela é gerada e quais são os processos de degradação de substratos energéticos,
podemos prescrever e adaptar treinamentos físicos de forma adequada aos
objetivos e às necessidades de cada atleta ou praticante de atividade física.
É crucia identificar a rota metabólica predominante nos esportes a partir da
incidência de movimentos, uma vez que os treinos devem ser planejados para
atender ao aperfeiçoamento da via energética exigida de cada atleta.

BARBANTI, V. J. Treinamento físico: bases científicas. 3. ed. São Paulo: CLR Balieiro,
1996. 116 p.
BROOKS, G. A. Lactate. Sports Medicine, Cham, v. 37, n. 4-5, p. 341-343, Apr. 2007. Dis-
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Utilização do substrato durante o exercício — intensidade e duração 19

Leituras recomendadas
HEYWARD, V. Avaliação física e prescrição de exercícios: técnicas avançadas. 6.ed. Porto
Alegre: Artmed, 2013. 486 p.
MARIEB, E; HOEHN, K. Anatomia e fisiologia. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. 1072 p.
SHARKEY, B. Aptidão física ilustrada: seu guia rápido para definir o corpo, ficar em forma
e alimentar-se corretamente. Porto Alegre: Artmed, 2012. 330 p.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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