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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E TRANSTORNO DEPRESSIVO MAIOR:

EXISTE INTERAÇÃO?
Domestic violence and major depressive disorder: is there interaction?

Ana Victoria Santos Soares1


Fernanda Macedo Cabral1
Lara Pires Firpo Dantas1
Melissa Cristina Bruno Antonio1
Thaís Silva Batista1
Jefferson Petto2
RESUMO

Introdução: A violência doméstica contra a mulher é apresentada como um fenômeno


complexo e historicamente associado ao machismo remanescente estabelecido em
uma cultura patriarcal, que promove e perpetua relações de desigualdades de gênero
na sociedade. Muitas vezes, a violência doméstica pode acarretar traumas e provocar
danos à saúde mental das vítimas como isolamento social e dependência emocional,
que podem resultar em sinais e sintomas psíquicos. Objetivo: Descrever a
porcentagem de mulheres violentadas que possuem sinais e sintomas de Transtorno
Depressivo Maior e suas características sociodemográficas. Metodologia:
Abordagem quantitativa, estudo observacional de corte transversal: estudo piloto,
substanciado por dados coletados em uma população feminina, vítimas de violência
doméstica que já atingiram a maioridade e são assistidas na Coordenadoria Estadual
das Mulheres em situação de Violência Doméstica de Salvador- BA. Para coleta dos
dados foram aplicados dois questionários elaborados pelas autoras do projeto, um
primeiro onde identificou-se a existência dos sinais e sintomas depressivos,
sintetizado com base nos critérios diagnósticos do Manual de Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais 5ª edição (DSMV). As participantes que pontuaram 5 ou mais
dos 9 critérios apresentados, responderam um segundo questionário que avaliou o
tipo de violência e a relação com os sinais e sintomas. Resultados: Nesse estudo
foram entrevistadas 39 mulheres das acolhidas pela Coordenadoria Estadual das
Mulheres, e dessas, 92% apresentaram sinais e sintomas de Transtorno Depressivo
Maior, foi constatado que a grande maioria das vítimas são remuneradas e com ensino
médio completo. Conclusão: 92% das mulheres vítimas de violência doméstica,
assistidas pela Coordenadoria Estadual das Mulheres em situação de Violência
Doméstica de Salvador- BA, apresentaram critérios compatíveis com sinais e
sintomas de Transtorno Depressivo Maior. A análise dos dados sugere que a violência
doméstica está associada a percepção negativa da saúde mental da mulher,
independente da renda, ensino ou situação conjugal, mas com forte destaque para
aquelas que são remuneradas, com nível de formação médio e em relacionamento
estável.

Palavras-chaves: Depressão. Violência. Mulher. Cônjuge. Vítima.


1Centro Universitário FTC, Curso de Medicina, Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: victoria.soares@ftc.edu.br
1Centro Universitário FTC, Curso de Medicina, Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: fernanda.cabral@ftc.edu.br
1Centro Universitário FTC, Curso de Medicina, Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: lara.dantas@ftc.edu.br
1Centro Universitário FTC, Curso de Medicina, Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: melissa.antonio@ftc.edu.br
1Centro Universitário FTC, Curso de Medicina, Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: silva.batista@ftc.edu.br
2Centro Universitário FTC, Docente do Curso de Medicina, Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: petto@cardiol.br
ABSTRACT

Introduction: Domestic violence against women is presented as a complex


phenomenon and historically associated with remaining machismo established in a
patriarchal culture, which promotes and perpetuates relations of gender inequality in
society¹,². Domestic violence can often lead to trauma and cause damage to the
victims' mental health, such as social isolation and emotional dependence, which can
result in psychic signs and symptoms. Objective: To describe the percentage of
abused women who have signs and symptoms of Major Depressive Disorder and their
sociodemographic characteristics in the 2ª Court of Domestic Violence in Salvador-
BA. Methodology: Quantitative approach, observational cross-sectional study: pilot
study, substantiated by data collected from a female population, victims of domestic
violence who have already reached the age of majority and are assisted at the State
Coordination of Women in Situations of Domestic Violence in Salvador-BA. For data
collection, two questionnaires prepared by the authors of the project were applied, the
first one where the existence of depressive signs and symptoms was identified,
synthesized based on the diagnostic criteria of the Diagnostic and Statistical Manual
of Mental Disorders 5th edition (DSMV). Participants who scored 5 or more of the 9
criteria presented answered a second questionnaire that assessed the type of violence
and the relationship with the signs and symptoms. Results: In this study, 39 women
from those welcomed by the State Coordination for Women were interviewed, and of
these, 92% showed signs and symptoms of Major Depressive Disorder, it was found
that the vast majority of victims are paid and have completed high school. Conclusion:
92% of the women victims of domestic violence, assisted by the State Coordination of
Women in Situations of Domestic Violence of Salvador-BA, presented criteria
compatible with signs and symptoms of Major Depressive Disorder. Data analysis
suggests that domestic violence is associated with a negative perception of women's
mental health, regardless of income, education or marital status, but with a strong
emphasis on those who are paid, with a high school education and in a stable
relationship.

Keywords: Depression. Violence. Woman. Spouse. Victim.

INTRODUÇÃO

A violência doméstica contra a mulher é apresentada como um fenômeno complexo e


é historicamente associado ao machismo remanescente estabelecido em uma cultura
patriarcal, que promove e perpetua relações de desigualdades de gênero na
sociedade¹. Compreende-se violência doméstica como “qualquer ato, conduta ou
omissão que sirva para infligir, reiteradamente e com intensidade, sofrimentos físicos,
sexuais, mentais ou econômicos, de modo direto ou indireto (por meio de ameaças,
enganos, coação ou qualquer outro meio) a qualquer pessoa que habite no mesmo
agregado doméstico privado (pessoas – crianças, jovens, mulheres adultas, homens
adultos ou idosos – a viver em alojamento comum) ou que, não habitando no mesmo
agregado doméstico privado que o agente da violência, seja cônjuge ou companheiro
marital ou ex-cônjuge ou ex-companheiro marital”².

Ao mesmo tempo em que é um fenômeno global de alta complexibilidade e


impetuosidade, a violência doméstica exerce um papel discriminatório atemporal em
todas as classes sociais, culturais, econômicas e raciais. Essa faceta social perpetua-
se por anos e esta realidade percorre os tempos com particularidades análogas em
países cultural e geograficamente distintos e, com diferentes graus de
desenvolvimento³. Ela apresenta-se de inúmeras formas, seja por uma agressão
física, psicológica, moral, sexual e/ou patrimonial4. Com a evolução e o avanço das
problemáticas acerca da Violência Doméstica, as consequências diretas dessa
realidade perpassam pela necessidade de compreender esse fenômeno sob uma
ótica psicossocial capaz de avaliar as sequelas análogas ao bem-estar psicológico da
mulher, tais como: insônia, ansiedade, fadiga, medo, transtornos alimentares,
vulnerabilidade, isolamento social, depressão e tentativa de suicídio 5.

O transtorno mental é uma síndrome caracterizada por uma perturbação clinicamente


significativa na cognição, na regulação emocional ou no comportamento de um
indivíduo que reflete uma disfunção nos processos psicológicos, biológicos ou de
desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental. Transtornos mentais estão
frequentemente associados a sofrimento ou incapacidade significativos que afetam
atividades sociais, profissionais e pessoais6.

Dentro desse contexto, o transtorno depressivo maior é o que mais se relaciona com
a Violência Doméstica uma vez que durante a situação de violência, a mulher se sente
sozinha, sem apoio, e muitas vezes culpada pela agressão que lhe é infligida, isso
afeta a saúde psicológica da mulher de forma imediata e a longo prazo 5.

O transtorno depressivo maior (TDM) é a definição mais comum da síndrome de


depressão pelo Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5.ª edição
(DSM-5), elaborado pela American Psychiatric Association. que caracteriza transtorno
depressivo por humor deprimido persistente, perda de disposição e interesse a partir
de um diagnóstico subjetivo estabelecido por critérios. Para que a depressão seja
diagnosticada é necessário que cinco ou mais sintomas/critérios estejam presentes
diariamente por, no mínimo, duas semanas consecutivas sendo pelo menos um deles
humor deprimido ou desinteresse e desprazer pela maioria das atividades cotidianas,
os demais critérios incluem: perda ou ganho significativo de peso, insônia ou excesso
de sono, agitação ou retardo psicomotor, fadiga ou perda de energia, culpa excessiva
ou sentimentos de inutilidade, capacidade de concentração diminuída, ideação suicida
recorrente, tentativa de suicídio perpetrada ou planejada6.

No município de Salvador na Bahia a violência doméstica acometia cerca de 1700


mulheres baianas no ano de 2020 com números cada vez mais crescentes com base
em dados apurados pelo Núcleo de Defesa da Mulher da DPE/BA7. Nesse ínterim,
uma das instituições que acolhem essas vítimas é a Coordenadoria Estadual das
Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar sediada em Salvador-BA,
fundada pelo Decreto Judiciário nº 547, em cumprimento à Resolução nº 128, do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A coordenadoria tem como objetivo prevenir e
combater a violência doméstica, além de fornecer suporte multiprofissional com o
intuito de acolher as vítimas, orientar sobre a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha)
e conscientiza-las quanto aos seus direito8. Acredita-se que na Coordenadoria
Estadual das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar desse
município haja grande incidência dessa realidade para uma efetiva coleta de dados e
que pode ser auxiliada através da adoção de determinadas medidas de apoio.
O aumento da intensidade e complexidade desses acontecimentos tornam-se uma
problemática de saúde pública, uma vez que atinge todas as classes e segmentos
sociais.

Diante do contexto acima descrito esta pesquisa objetiva descrever a porcentagem de


mulheres violentadas que possuem sinais e sintomas de Transtorno Depressivo Maior
e suas características sociodemográficas.

MÉTODOS

A população constitutiva foi de 39 mulheres acolhidas pela Coordenadoria Estadual


das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar sediada em Salvador-
BA, no mês de novembro de 2022. A organização oferece atualmente apoio a
mulheres vítimas de violência doméstica em consonância com seus direitos previstos
pela Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006).

Para a obtenção da amostra foi solicitado à Coordenadoria da Mulher, a listagem de


aproximadamente 40 mulheres cadastrados nessa rede de apoio. Assim, foram
analisadas mulheres vítimas de violência doméstica que tinham sinais e sintomas de
Transtorno Depressivo Maior e as vítimas não acometidas por essa doença.
Necessariamente foram inclusas mulheres com maioridade. Como critérios de
exclusão, mulheres que apresentaram outro transtorno psiquiátrico como
esquizofrenia, transtorno de personalidade, psicose, dentre outros.

Para coleta de dados foram utilizados dois questionários estruturados, avaliando as


seguintes variáveis:

- Variável Dependente: Transtorno Depressivo Maior, para fins de análise e de estudo


da possível causa. Para obtenção dessa informação, foi realizado um questionário
elaborado pelas autoras da pesquisa com base nos critérios diagnósticos do Manual
de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5.ª edição ou DSM-5. O
questionário foi submetido às mulheres voluntárias por meio de uma entrevista e
preenchido pelas autoras do projeto.

Para identificar a depressão foram considerados critérios diagnósticos maiores e


menores durante um período de pelo menos duas semanas consecutivas. Os critérios
maiores incluem humor deprimido e anedonia, e os menores incluem perda ou ganho
significativo de peso, insônia, agitação ou retardo psicomotor, fadiga ou perda de
energia, culpa excessiva ou sentimentos de inutilidade, capacidade de concentração
diminuída, pensamentos de morte e ideação suicida.

Os critérios avaliados foram contabilizados, as participantes que atingiram pontuação


de cinco, ou mais, critérios positivos com pelo menos um dos critérios maiores foram
designadas à um outro questionário de variável independente.

- Variáveis Independentes: Identificação, situação conjugal (casada, solteira, viúva);


Situacional, como dependência financeira (parceiro), ocupação (sim, não), situação
de moradia (própria, alugada, cedida/de favor); característica da violência (física,
psicológica, moral, sexual e/ou patrimonial); Relação da violência com danos
psicológicos (tristeza, redução do interesse sexual, sentimento de culpa, cansaço
excessivo).

O questionário que avaliou a variável independente, diz respeito à caracterização da


violência doméstica e foi aplicado pelas autoras do projeto; os critérios avaliados
tiveram como intuito classificar o tipo de violência e relacioná-la com os sinais e
sintomas da possível melancolia.

É importante salientar que a pesquisa teve início após aprovação do Comitê de Ética
em Pesquisa a partir do CAAE 59010322.8.0000.5032. As mulheres sujeitas aos
questionários foram previamente consultadas e comunicadas de que as informações
dispostas foram mantidas em anonimato, por meio da decodificação de cada
participante em números randomizados. Foram informadas também, quanto a
participação voluntária e a recusa em participar não acarretaria qualquer penalidade
ou modificação na forma em que é assistido pela Coordenadoria Estadual das
Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar sediada em Salvador-BA.
Além disso, foi requerido um termo de Consentimento Livre e Esclarecido através do
qual as participantes concordaram em colaborar com a pesquisa.

RESULTADOS

Os resultados apresentados foram organizados a partir da coleta de dados feita por


dois questionários estruturados, avaliando as variáveis depressão – onde foram
considerados critérios diagnósticos maiores e menores durante um período de pelo
menos duas semanas consecutivas segundo o DSM-V – e perfil sociodemográfico das
vítimas – a partir do qual foram analisados se determinados aspectos foram
determinantes ou contribuíram em algum grau para a violência.

Foram entrevistadas 39 mulheres. No que diz respeito às recusas, o número


registrado foi significativo, o que dificultou a operacionalidade da coleta (n = 15).
Assim, o total de mulheres que participaram desta amostra foi de 24, o que perfaz um
total de 61% das mulheres das acolhidas pela Coordenadoria Estadual das Mulheres
em Situação de Violência Doméstica e Familiar sediada em Salvador-BA no dia da
coleta.

É possível destacar no presente estudo que aspectos sociodemográficos, como


remuneração e nível de formação não são um fator protetor da violência, uma vez que
79% da amostra foram de mulheres remuneradas e um valor superior a esse (84%)
representou as mulheres com escolaridade até o ensino médio como é possível
analisar na tabela 1.
No que se refere ao estado civil, a amostra geral demonstra maior prevalência de
solteiras; desse modo, ao considerarmos as casadas e as de união estável, estas
representam no seu total 45%, um dado que se aproxima ao de mulheres sem
companheiros (54%), porém, quando comparadas em relação à presença de sinais e
sintomas de transtorno depressivo, as casadas representam maior vitimização.
Portanto, pode-se inferir que o grau de exposição à violência relaciona-se
significativamente à situação conjugal, esperava-se que o fato de ter um companheiro
fosse um fator de proteção à violência.

Tabela 1 - Características sociodemográficas das mulheres acolhidas pela coordenadoria estadual


das mulheres em situação de violência doméstica e Familiar sediada em Salvador-BA, 2022.
Vítimas de Violência Dano psicológico (Sinais e sintomas
Características doméstica de Transtorno depressivo)
IDADE % Nº de respostas % Nº de respostas
20 - 39 58% 14 54% 13
40 - 59 42% 10 42% 10
OCUPAÇÃO
Remunerada 79% 19 79% 19
Estudante/D. de
casa/desempregada 21% 5 4% 1
SITUAÇÃO
CONJUGAL
Solteira 54% 13 46% 11
União estável/
divorciada/ casada 45% 11 50% 12
ESCOLARIDADE
Até Ensino Médio 84% 20 70% 17
Ensino Superior 16% 4 25% 6

Ao analisar a escolaridade no gráfico 1, pode-se inferir que não existe discrepância


muito significante entre mulheres com depressão e sem depressão em relação ao
grau de escolaridade, no entanto, vale destacar que apenas 51% (n=6) do total da
amostra apresentam segundo grau completo e 16% (n=4) que estão cursando o nível
superior, ou seja, as mulheres acolhidas pela instituição citada representam ainda
uma tímida inserção em faculdades.
16% (n=4) 23% (n=5)

10% (n=2)

51% (n=12)

Fundamental completo Fundamental incompleto Ensino Médio completo


Ensino Médio incompleto Superior completo
Gráfico 1: Distribuição do grau de escolaridade segundo vitimização entre as mulheres acolhidas
pela Coordenadoria Estadual das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e familiar sediada
em Salvador-BA, 2022.

Ao relacionar a violência doméstica com sinais e sintomas de depressão, percebe-se


que entre as mulheres vítimas de violência, 95% (N=23) referem danos psicológicos
relacionados à Depressão, como é possível observar no gráfico a seguir:

25 95% (n=23)

20 75% (n=18)
77% (n=16)
15

10 33% (n=8)
25% (n=6)
5
5% (n=1)
0
DANO PSICOLÓGICO DIAGNÓSTICO PRÉVIO DE ACOMPANHAMENTO
TRANSTORNO DEPRESSIVO PSICOLÓGICO/PSIQUIÁTRICO

SIM NÃO

Gráfico 4: Relação entre o dano psicológico, diagnóstico prévio de Transtorno Depressivo e


acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico das mulheres acolhidas pela Coordenadoria Estadual
das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar sediada em Salvador-BA, 2022.

Quando se observa a Depressão, de acordo com a exposição à situação de violência,


percebe-se que entre as que foram expostas a tais situações, apenas 33% (N= 8)
fazem acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico, enquanto que 77% (N= 16) não
o fazem, como observado no gráfico acima.

Em relação às formas de expressão da violência vivida, as mais citadas foram as


agressões emocionais/psicológicas 88% (n=22) seguida da violência física 76%
(n=18).
Tabela 2: Distribuição das formas de violência sofridas pelas mulheres acolhidas pela Coordenadoria
Estadual das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar sediada em Salvador-BA,
2022.
Formas de expressão da violência % N

Violência Física 76 18
Violência Emocional/Psicológica 88 22
Violência Patrimonial 72 18
Violência Sexual 44 11

Quanto ao perfil da violência, foi analisada à frequência das agressões, um achado


importante foi o tempo médio em que as mulheres vinham sofrendo a violência
doméstica, observou-se predominância daquelas que são vitimizadas há mais de 5
anos, com 80%, seguido de mais de um ano (8%) e de mais de dois anos (4%), como
observa-se no gráfico 2.

Quando analisada a frequência dos atos violentos, os dados demonstraram que 42%
sofriam violência pelo menos 1 vez por semana, 21% pelo menos 2 ou 3 vezes por
semana e 29% afirmaram sofrer atos violentos todos os dias. Esses dados revelam
que os atos violentos e/ou agressivos, faziam parte do cotidiano, numa frequência
expressiva.

TEMPO DAS AGRESSÕES


100%
80% (n=19)
80%
60%
40%
20% 8% (n=2)
0% (n=0) 0% (n=0) 4% (n=1)
0%
Há mais de Há mais de Há mais de Há mais de Há mais de
um mês seis meses um ano dois anos cinco anos
Gráfico 2: Tempo médio em que as mulheres estão submetidas à violência doméstica.
Coordenadoria Estadual das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar sediada em
Salvador-BA, 2022.

Em análise da sintomatologia, de acordo com a exposição à situação de violência,


percebe-se que muitas mulheres relataram ter sentimentos de solidão, medo,
ansiedade e ou tristeza, num total de 92%, enquanto 4% negaram qualquer um desses
sentimentos.

É importante salientar que os números revelados podem estar subnotificados, uma


vez que, para esta variável, foi considerada como vítima quando a condição de
violência era auto referida, ou seja, quando a mulher entendia que determinadas
atitudes caracterizavam a violência.

Dentre a sintomatologia apresentada pelas entrevistadas, com base no Manual


Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, foi possível elencá-los nos grupos
de sintomas: Cansaço e estresse (91%), humor deprimido (70%), raiva (66%), choro
e sensibilidade (83%), capacidade diminuída de pensar e dificuldade em se concentrar
(83%), pensamentos recorrentes de morte ou suicida (41%), aumento ou diminuição
do sono (54%), incapaz de atingir objetivos (75%) e teme ao futuro (79%). Para as
sintomatologias descritas, vale destacar cansaço e estresse, choro e sensibilidade,
dificuldade em se concentrar e temer ao futuro, como os mais associados à
vitimização das mulheres analisadas.

A pesquisa foi realizada em consonância com a resolução 466/12 do Conselho


Nacional de Saúde e aprovada sob o protocolo nº 5.481.932 do Comitê de Ética em
Pesquisa do Centro Universitário FTC (UNIFTC) em Salvador.

DISCUSSÃO

A violência doméstica contra a mulher, vem crescendo gradativamente, sendo


considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Organização Pan-
Americana de Saúde (OPAS) um grave problema de saúde pública. Diante disso, faz-
se necessário termos uma perspectiva mais capacitada perante esta vicissitude, com
o intuito de estabelecer diretrizes de políticas públicas mais eficientes 12, 13. À vista
disso, o presente estudo trouxe considerações sobre como a violência doméstica afeta
psiquicamente as vítimas.

A prevalência das mulheres vítimas de violência doméstica e sinais e sintomas de


Transtorno depressivo maior encontradas na 2ª Vara foi de 95%, o que corrobora a
correlação entre ambas e ratifica o adoecimento psicológico dessas mulheres. Além
disso, um estudo de revisão sistemática realizado por Devries (2013) mostrou que a
violência doméstica pode aumentar o risco de desenvolvimento de transtornos
mentais em mulheres14.

Outro elemento significativo desse estudo, que complementa essa associação foi o
predomínio das agressões emocionais/psicológicas (88%), na qual precede maior
vulnerabilidade a sentimentos como: solidão, medo, ansiedade e ou tristeza. Embora
não haja a ocorrência de marcas físicas, esse tipo de agressão acarreta profundos
danos à autoestima da mulher e à sua saúde em geral. Dentre as sintomatologias
apresentadas pelo o DSMV, observamos a preponderância de sintomas de cansaço
e estresse o que evidencia o desgaste mental ao qual são submetidas. Congênere a
essa análise, um outro projeto, elaborado com 117 mulheres na cidade de Campinas,
SP, por Cabral, também relatou que as vítimas vivenciam sentimentos de solidão,
tristeza crônica, desamparo, irritação e descrença15. As vítimas da violência doméstica
que desenvolvem depressão passam a ter sentimentos inapropriados de
desesperança, desprezando-se como pessoa e até mesmo se culpando pelo contexto
de violência doméstica16.

Outro aspecto relevante encontrado neste estudo foi o fato de que uma parte muito
pequena (32%) faz acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, dado que enfatiza a
necessidade de detecção precoce para uma estratégia preventiva, levando em
consideração que sentimentos depressivos e a baixa autoestima, gerados pela
violência, atrapalham a busca de resoluções para esse sofrimento, como aborda o
estudo de Maryse Rinfret-Raynor, Solange Cantin e Lise Fortin17. Com isso, pode-se
questionar que a dificuldade em abandonar os parceiros violentos e procurar por ajuda
está relacionada com o medo, insegurança, dependência emocional e financeira e
esperança de mudança futura.

O grau de exposição à violência relaciona-se também à situação conjugal, na qual as


mulheres de união estável, apresentam maior percentagem de vitimização, o que se
percebe é que essa violência acontece em suas residências, de forma silenciosa e
mal testemunhada, por indivíduos que esperava ser fator protetor, contrariando o
pensamento de que ter uma relação conjugal, traga proteção no que tange a violência.
Paralelo a isso, os estudos publicados por Jacobucci (2004) e Rovinski (2004),
atestam a possibilidade de que uma relação conjugal, na qual o parceiro assume a
figura do agressor, tem consequências diretas à integridade física e mental da mulher,
além de ser um fator de risco para o aumento da morbimortalidade das mesmas18, 19.

Do ponto de vista sociodemográfico, observamos pelos dados coletados que as


vítimas entrevistadas na Coordenadoria são em sua maioria entre vinte e nove anos,
possuem união estável/ divorciada/ casada, com segundo grau completo e
renumeradas.

A correlação indireta encontrada no que se refere a escolaridade e remuneração


demonstra que o esclarecimento da mulher não leva a um menor grau de exposição
à violência, porém, está ligada a um menor grau de tolerância. Uma vez que a maioria
das vítimas acolhidas pela Coordenadoria são de mulheres remuneradas e com nível
de escolaridade médio, pode-se inferir que o acesso a informação as aproxima ainda
mais da busca pelo acolhimento. Essas características perpassam por questões
complexas, e evidenciam que a precarização das condições de vida, pobreza,
desemprego não são os únicos potenciais fatores de risco para a violência doméstica.
Com isso, nota-se que o acesso à informação e o nível educacional, são fatores
positivos para que as vítimas sejam capazes de lidar com episódios adversos, seja
com intervenção externa ou ação própria da vítima, porém não as protegem de
episódios de violência. Contudo, a Conferência Nacional de Saúde (1997), acredita
que o trabalho remunerado é uma forma válida de diminuir a violência doméstica, uma
vez que quebra uma das possíveis ligações que a sustenta – dependência financeira.

Algumas limitações devem ser esclarecidas na elaboração deste projeto. Primeiro, os


questionários foram aplicados no formato de entrevista, o que teria gerado alguma
intimidação por parte das mulheres, fazendo com que elas omitissem alguma
informação. Outra desvantagem, é que estudos transversais não medem a incidência
e sim, a prevalência dos dados obtidos. Dessa forma, fica difícil a identificação do
momento exato da exposição à violência, ou seja, se esta precede realmente ao
Transtorno depressivo Maior. A verificação bibliográfica mostrou-se reduzida de
trabalhos realizados na Coordenadoria Estadual das Mulheres em situação de
Violência Doméstica de Salvador- BA, que pudesse ser utilizado como comparação
com esta pesquisa.
No que concerne aos benefícios dessa pesquisa, espera-se que o projeto colabore
com conhecimento científico acerca do perfil clínico-epidemiológico existente na
relação entre violência doméstica e Transtorno Depressivo Maior, sendo capaz de
contribuir na melhoria de políticas públicas para o controle e prevenção dessa
temática. Visamos ainda, a diminuição da prevalência de mulheres, vítimas de
violência doméstica, que sofrem com sintomas depressivos, os quais prejudicam e
trazem sofrimento para esse gênero.

Percebe-se, portanto, a necessidade de que esse ciclo da violência seja estudado e


pesquisado de modo aprofundado uma vez que, a falta de um diagnóstico preciso traz
sérias consequências não só às mulheres agredidas, mas também para o sistema de
saúde. Em suma, a violência doméstica e o Transtorno Depressivo Maior são
questões complexas que exigem uma abordagem multifacetada para uma melhor
abordagem e atenção às vítimas.

CONCLUSÃO

Em conclusão, foi constatado que 92% das mulheres vítimas de violência doméstica,
assistidas pela Coordenadoria Estadual das Mulheres em situação de Violência
Doméstica de Salvador- BA, apresentaram critérios compatíveis com sinais e
sintomas de Transtorno Depressivo Maior, com subsidio no Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V). A análise dos dados infere que a
violência doméstica está correlacionada à percepção negativa da saúde mental da
mulher, independente da renda, ensino ou situação conjugal, mas com forte destaque
para aquelas que são remuneradas, com nível de formação médio e em
relacionamento estável.

REFERÊNCIAS

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