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Querido Papai Noel...

Já faz 10 anos em que Sandy morreu, mas Marcus nunca conseguiu superar a forma cruel
e fria que suas mãos o obrigaram a fazer.
Ninguém nunca acreditou nele, colocando-o em um manicômio.
***
Tudo começou um dia antes da véspera Natal de 1976, quando Marcus tinha 13 anos e
brincava com Sandy, de 18. Ele era apaixonado por ela, mas as meninas daquela idade
não se importavam com o que chamavam de “crianças”. Elas queriam os mais velhos e
mais cobiçados da cidade, os membros da gang CrodEagles. Eles eram conhecidos por
aterrorizarem as cidades vizinhas e aumentarem a população daquela cidade – se é que
me entendem.
Mas Marcus nunca foi dessa forma. Sempre prezou cuidar das pessoas e fazer todo mundo
sorrir com suas histórias. Nunca renunciaria a sua liberdade para dormir com uma garota
– ou era o que parecia. Sua mãe o colocava em um pedestal por ter sido um garoto
exemplar e confiável, nada parecia fora de controle. Tinha boas notas na escola, elogios
dos professores e dos amigos. Mas nada que é bom dura para sempre. Não para Marcus.
Nesse mesmo dia, à noite, Marcus estava embalando os presentes das crianças no seu
quarto, quando ouviu uma voz vindo da janela. Ele estava sozinho. Sua mãe e Sandy, que
era sua vizinha, tinham saído para comprar mais os itens finais da decoração de Natal
para o dia seguinte. Desceu para ver se tinham chegado, mas se enganou. Abriu a porta e
deu de cara com o vento forte que quase o carregava sala adentro, se não fechasse a tempo.
Subiu novamente para o quarto e fechou as janelas, quando deu um suspiro de alívio e foi
carregado pelos pés por algo que ele não conseguia ver – provavelmente entrou na hora
que abriu a porta –, apenas sentir o aperto nas pernas. Tudo escureceu para Marcus
naquele momento.
***
– Alguém me tira daquiiii! Socorro! – Marcus gritava com os olhos vendados, em uma
sala escura e fria.
– Soube que você tem escrito cartas para mim. – Uma voz misteriosa de uma criatura
desconhecida invade os ouvidos de Marcus causando um eco.
– Quem é você? Cadê minha mãe?!
– HAHAHA! Sua mãe? Mil perdões, pobre Marcus. Eu precisei adormecê-la por umas
horas. Ela terá que dormir mais um tantinho se você não parar de gritar. – Ele diz com um
tom sarcástico.
– O que você quer de mim? A que diabo de carta você se referiu?!
– Deixa eu te explicar: todo Natal, as crianças veem uma chance estúpida de conseguir o
que querem apenas escrevendo cartas idiotas para um alguém que nem sabe se existem.
Mas adivinha? Existe! Ou melhor, existia.
– Então quer dizer que você é o pap...
– Não, droga! Eu estou cansado de ser excluído do mundo humano. Eu não sou ele, nem
nunca serei. Ele está morto, eu o matei. Matei porque não conseguia viver com a
maldição, e ele com a benção. Ele entregava presentes, e eu... eu... entrego o oposto. Você
me pede algo e dou exatamente o que você não quer. Mas não me culpe, Marcus. Vocês,
humanos, vivem pedindo o que nunca podem ter, o que nunca DEVEM ter. O meu papel
é apenas dar a vocês a dura realidade. – A criatura corta a venda de Marcus com uma faca,
ferindo o seu rosto profundamente na testa e embaixo do olho. Desse modo, ele revela a
sua aparência não assustadora e nada intimidante. Apenas um velho com sobrepeso e uma
espada em sua cintura.
– O que exatamente eu te devo? Eu não lembro de te pedir nada que não devia.
– Só não lembra. Não significa que não o fez. – Ele tira sua espada e aponta para a mão
de Marcus, ameaçando-o. – A Sandy não é e nem pode ser sua. Ela é mais velha que você
e praticamente da família. Você me pediu, em sua carta, que fizesse com que vocês
ficassem juntos, mas tudo o que posso fazer é o oposto.
– Eu não acredito em você, seu velho nojento. Eu só escrevi aquela carta porquê... porque
eu tinha sentimentos de uma criança comum, você não entende? Eu gosto de estar com
ela, o me pedido foi apenas para prolongar a nossa amiz...
– Amizade? Deixe-me refrescar a sua memória. – Ele tira uma carta do bolso e inicia a
leitura: “Querido papai Noel, quero pedir uma coisa muito secreta que ninguém deve
saber. Por favor, não espalhe a ninguém: eu gosto muito da Sandy. Ela me faz ter
sensações estranhas que eu não se explicar. Acho que é amor, né? Ela é bem mais velha
que eu, mas quero casar com ela. Ela me faz muito bem, apesar de sair com outros caras.
Eu não entendo. Eu seria o suficiente para aquela dama. Eu preciso que faça ela gostar de
mim, como um presente de Natal. Me comportei bem todos esses 3 anos de minha vida
desde quando comecei a amá-la para poder viver com ela. Engoli todo tipo de desaforo
para poder pedir isso. Fui obrigado a tirar boas notas na escola, tratar a minha família
bem, tudo isso que eu nunca me importei em fazer. Agora eu a quero comigo, senão eu
dou o meu jeito para acabar com essa merda de Natal e fazer todas as crianças te odiarem
também.
20 de dezembro de 1976
Marcus.”
–Seu filho da puta!
– Epa, epa! Crianças não xingam, rapazinho!
– Quando eu sair dessa cadeira eu vou acabar com você!
– A única coisa que você vai fazer quando sair dessa cadeira, será o que EU mandar você
fazer. – Furando-o com a espada na mão, a criatura diz as seguintes palavras: Eu, o terror
do Natal, amaldiçoo-o usar a mesma mão com que escrevestes a carta, para o que mais
desprezaria fazer. Eu te ordeno matar o seu amor, enquanto a confessa tudo o que fez.
Se não o fizer, tirarei a sua vida!
– Inconscientemente, Marcus se solta da cadeira com uma força sobrenatural extrema,
quando sobe as escadas e, com fúria nos olhos, vai até o quarto em que Sandy está
desacordada, pega uma caneta que estava na escrivaninha daquele quarto e cumpre a sua
maldição, a fazendo acordar e confessando todo o seu amor não correspondido. As
lágrimas rolam junto com o sangue no corpo de Sandy. Marcus olha para a porta, vendo
a sua mãe aos desesperos e correndo pela casa. Ele não encostaria a mão na mãe, mas a
farsa já tinha acabado. Com o rosto sangrando do ferimento de mais cedo, ele corre atrás
da mãe, que já estava ligando para a polícia na cozinha.
Ele tira o telefone da mão dela com força, e quase a golpeia no ombro. A mãe pega uma
faca do faqueiro no balcão, e tenta intimidar Marcus, que já não consegue pensar em mais
nada a não ser em sua próxima vítima.
Sua mãe o esfaqueia no braço após outra tentativa de golpe de Marcos. Quando ele grita,
ela corre para chamar ajuda pela rua, na esperança de os vizinhos ouvirem e chamarem a
polícia. Funcionou. Dona Marta, a fofoqueira do bairro, ligou para a ajuda e deixou
Matilde, mãe de Marcus, entrar em sua casa para se esconder.
5 minutos depois a polícia chegou. No local do crime havia uma carta. A carta que
incriminou Marcus, além da testemunha da mãe.
Marcus tentou fugir, mas não foi muito longe. Pegaram-no chorando em cima de um
viaduto prestes a se jogar. Em seu relato à polícia, disse que a sua mão fora amaldiçoada
e que ele não tinha a intenção de fazer aquilo.
Internaram-no em um manicômio não muito longe dali, onde as pessoas o tratavam com
falso afeto, da mesma maneira que tratara todos em volta. Um jogo de interesses. Eles
fingem que tratam bem, e no final do mês ganham a recompensa. Assim que Marcus se
sentira ao longo desses 10 anos preso, pagando por sua crueldade.
Sua mãe parou de visitá-lo quando ele fez 18. A única visita que recebeu um dia foi numa
noite de véspera de Natal.
– Soube que você tem escrito cartas para mim.

Lorrana S. Santana
12/10/2023

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