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L I N H A DE C H A M A D A

Edith Derdyk - Exposição individual

Edith Derdyk é uma artista radical. Não se contenta


em ficar na superfície das coisas. Está
permanentemente experimentando, dando
continuidade a uma pesquisa incansável acerca do
desenho – seu tema e sua linguagem por excelência –,
tentando entendê-lo não como mero instrumento de
representação, mas como forma de estar no mundo.
“Desenho não é só coisa de lápis e papel”, repete ela,
parafraseando Mário de Andrade na tentativa de
explicar seu combate permanente contra uma visão Ou o conjunto batizado de Épuras (formado por
cartesiana, instrumental e reducionista do meio. desenhos impressos e trabalhados em diferentes tipos
Em “Linha de Chamada”, pesquisa que nasceu da de papel, que configuram uma espécie de arquivo de
vontade de aproveitar o momento de paralisia da experimentações e serão reunidos num livro de artista,
pandemia para repensar modelos e paradigmas, Edith linguagem tantas vezes e tão bem explorada por ela.
parte de uma base muito específica. Elege como Outras obras trazem à tona uma forte pulsão
ponto de partida a Geometria Descritiva ou construtiva, uma clara intenção de reconfiguração
Mongeana, técnica desenvolvida pelo matemático performática do espaço. É o caso de Projectante,
francês Gaspard Monge (1746 – 1818). Originalmente instalação que a artista considera como uma espécie de
destinada à engenharia militar, este método-base do polo gerador de toda a exposição.
desenho técnico, que permite representar É interessante notar que, apesar dos diferentes
esquematicamente máquinas, instrumentos, objetos formatos e suportes, os trabalhos reunidos na mostra
em representações bidimensionais, é um agente atual compartilham não apenas o anseio por questionar
fundamental da revolução industrial, tornando possível uma visão reducionista do desenho, como derivam de
a repetição fiel e exata de modelos objetivos. uma poética extremamente coerente, que vem sendo
Visualmente, remete à estética de movimentos como pouco a pouco construída por Edith, num longo
o construtivismo russo ou o futurismo italiano, processo iniciado ainda nos anos 1980. Neles estão
marcados por um forte grafismo e intimamente evidentes as recorrências, que ela chama de
vinculados à uma ideia otimista de progresso. E, na “mitologias pessoais” e que constituem o chão no qual
reconfiguração formal e poética de Edith, torna-se um trabalha. A linha preta; o desenho que passa do plano
material ao mesmo tempo físico e simbólico. para o espaço, numa clara vocação arquitetônica; o
O que eram originalmente simples ilustrações de movimento inquieto e repetitivo do traço; um certo
livros didáticos da década de 1950 recolhidos pela caráter de improviso são alguns desses elementos que
artista em sebos, transformam-se em ponto de partida compõem a gramática da artista.
para um processo de improvisação semelhante àquele Seu leque de procedimentos e gestos é enxuto, seco,
desenvolvido por um DJ. São recombinados, mas seu leque de interesses é vasto. Edith parte de
condensados, desconstruídos, sampleados, gerando símbolos concretos como a Bíblia, ou de pequenos
trabalhos de diferentes linguagens e intensidades. gestos da natureza como o vai-e-vem das formigas ou a
Alguns deles têm um caráter mais projetivo, são sensibilidade construtiva das aranhas, para investigar
elaborados de forma mais calculada e vagarosa, no estruturas fundamentais da ação humana. Associa
silêncio do ateliê, como a série Alfabeto da Reta, nas poesia, religião, filosofia e, procura, incansavelmente
quais lida com questões como espelhamento e encontrar o que está na base dos acontecimentos,
simetria. mobiliza procedimentos artísticos e poéticos que
permitem ao mesmo tempo questionar esse modelo
unívoco de crescimento através da produção em série e
propor uma reflexão acerca dos limites desse modelo
vigente que, paradoxalmente, combina razão e
insanidade.
Não se trata, de forma alguma, de uma rejeição à
ciência ou a herança da modernidade, mas de uma
necessidade premente de olhar para as nossas origens,
voltar ao germe dessa ideia de desenho cartesiano, que
condensaria em si essa ideia de progresso, de evolução
pelo consumo e produção incessante, que nos tempos
atuais dá claros sinais de esgotamento.

Maria Hirszman
SP, agosto de 2021

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