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Capítulo 13

0 início da psicanálise
________________________________________________________________________________I _________________________________________________________________________________________ I

Foi apenas um sonho? A neurose de Freud


0 desenvolvimento da psicanálise Aanálise dos sonhos
Uma nova escola de pensamento auge do sucesso
A s influências anteriores sobre a psicanálise Freud vai para os Estados Unidos
As teorias da mente inconsciente Divergência, doença e fuga
inconsciente vem a público Métodos de tratamento de Freud
As primeiras abordagens para tratar distúrbios mentais Freud como terapeuta
Tratamentos mais humanos Freud e a psicologia tradicional
desenvolvimento do tratamento psiquiátrico Apsicanálise como um sistema de personalidade
A hipnose Os instintos
A hipnose se torna respeitável: Charcot e Janet Os níveis de personalidade
A influência de Charles Darwin Aansiedade
Sexo antes de Freud Os estágios psicossexuais do desenvolvimento da personalidade
Catarse e sonhos antes de Freud O mecanicismo e o determinismo no sistema de Freud
Sigmund Freud (1856-1939) Psicanálise versus psicologia acadêmica
Uso de cocaína A validação científica dos conceitos psicanalíticos
Casamento e filhos A s críticas apsicanálise
estranho caso de Anna . Coleta de dados
Os fatores sexuais da neurose Visão sobre as mulheres
Os estudos sobre a histeria A s contribuições da psicanálise
A controvérsia sobre a sedução infantil A cultura popular norte-americana e a psicanálise
A vida sexual de Freud Questões para discussão

Foi apenas um sonho?


314 História da psicologia moderna

0 desenvolvimento da psicanálise
Capítulo 13 0 início da psicanálise 315

Uma nova escola de pensamento

As influências anteriores sobre a psicanálise

As teorias da mente inconsciente

Monadoloqia: teoria de Leibniz , . , , , , . , ,


s o b re a s entid a de s psíqu ica s, r n n
d e n o m in a d a s m ô n a d a s s im ila r e s
à s pe rc e pç õ e s .
316 Historia da psicologia moderna

0 inconsciente vem a público


Capítulo 13 0 início da psicanálise 317

As primeiras abordagens para tratar distúrbios mentais

Tratamentos mais humanos


318 Historia da psicologia moderna

0 desenvolvimento do tratamento psiquiátrico


Capítulo 13 0 início da psicanálise 319

A hipnose
3 20 Historia da psicologia moderna

A hipnose se torna respeitável: Charcot e Janet


Capítulo 13 0 início da psicanálise 321

A influência de Charles Darwin


322 História da psicologia moderna

Sexo antes de Freud

Catarse e sonhos antes de Freud

Catarse: p ro c e s s o de redu ç ão ou
elim inaç ão de um complexo,
tra n s fe rin do -o para o c o ns c ien te e,
a ssim , pe rmitindo a s u a ex pres sã o .
Capítulo 13 0 início da psicanálise 323

Sigmund Freud (1856-1939)

figurau.i Sigmund Freud.


3 24 História da psicologia moderna

Uso de cocaína
Capítulo 13 0 início da psicanálise 325

Casamento e filhos

0 estranho caso de AnnaO.


326 Historia da psicologia moderna

Transferência: p ro c e s s o pelo qual


um paciente re s p o n d e ao terapeuta
c om o s e ele fo s s e um a p e s s o a
im portante (c om o o pai ou a mãe)
em su a vida.

Os fatores sexuais da neurose


Capítulo 13 0 início da psicanálise 327

Livre associacào: tècnica


f

psi co te ràp ica em que o paciente diz


o que vem à mente.
328 Historia da psicologia moderna

Os estudos sobre a histeria

A controvérsia sobre a sedução infantil


Capítulo 13 0 início da psicanálise 329
3 30 Historia da psicologia moderna

A vida sexual de Freud

A neurose de Freud
Capítulo 13 0 início da psicanálise 331

A análise dos sonhos

Analise do sonho: tecnica


psi co te ràp ica que env olve a
interpretaç ão dos s o n h o s para
revelar o s c o nflito s inc o nsc ie nte s.

0 auge do sucesso
332 História da psicologia moderna

Atos falhos: ato s de e squ ec im e nto


ou l a p s o s de fala que refletem
m o tivo s i n c o n s c ie n te s ou
ansiedade.

Freud vai para os Estados Unidos


Capítulo 13 0 início da psicanálise 333

Divergência, doença e fuga


3 34 História da psicologia moderna

FIGURA13.2 Na C la r k U niversity , 1909. S e n t a d o s, da e sq u e r d a para a direita: S i g m u n d Freud, G. S t a n l e y Hall,


C a r i Jun g. De pé, da e sq u e r d a para a direita: A. A. Brill, E r n e st Jo ne s, S a n d o r Ferenczi.
Capítulo 13 0 início da psicanálise 3 35

Texto o rig in a l
Trecho sobre histeria, extraído da primeira lição de Sigmund Freud, na Clark University, em 9 de setembro de 19091

N
este tre ch o da p ale s tra inicial a p r e s e n t a d a p o r Freu d na C l a rk (m in is trad a em ale m ão), ele disc u te o c a s o de A n n a 0.
S e n h o r a s e s e n h o r e s : p a ra mim, e s t a é u m a e x p e riê n c i a n o va e, de a l g u m a fo rm a, s i n t o - m e até c o n s t r a n g i d o em me
a p r e s e n t a r c o m o p a le s tra n te diante d o s e s t u d a n t e s do N o vo M u n d o . E s to u ciente de que d e v o e s s a h o n ra à a s s o c i a ç ã o do m e u
n o m e c o m o tem a da p s ic a n á l i s e e, c o n se qu e n te m e n t e , é à p s i c a n á l is e que devo d ire c io n a r a m in ha fala. Tentarei p ro p o rc io n a r- lh e s ,
de fo rm a b e m re s u m id a , um p a n o r a m a h is tó ric o da o rig e m e do p o s te ri o r d e s e n v o lv im e n to d e s s e n o vo m ét o do de p e s q u is a e cura.
R e c o n h e ç o s e r u m a h o nra h a v e r c ria do a p s ic a n á l i s e ; no entanto, o m érito nã o é meu. N a époc a, eu era e s tu d a n te e e stav a
p r e o c u p a d o em p a s s a r n o s e x a m e s finais, q u a n d o outro m é d ic o de Vie na, dr. J o s e p h Breuer, re aliz o u a prim eira a p li c a ç ã o d e s s e
m é to d o no c a s o de um a m o ç a c o m histeria ( 1 8 8 0 - 1 8 8 2 ) . V a m o s a g o ra e x a m in a r o h is tó ric o d e s s e c a s o e o s e u tratam ento, que
e s tã o d e t a lh a d o s no livro Studies on hysteria, p u b lic a d o p o s t e r io r m e n te p o r dr. B re u e r ju n ta m en te c o m i g o [...].
A pac ie nte do dr. B re u e r era u m a jo ve m de 21 a n o s, d o tada de alto grau de inteligênc ia. Ela a p re s e n to u , no c u r s o de d o is a n o s
da s u a d o en ça , u m a s é rie de d i s tú rb io s fís i c o s e m e n t a is que re a lm en t e m e re c ia m s e r a n a l i s a d o s c o m s e rie d a d e . S o f re u de um a
g rav e p a ra lis ia d o s m e m b r o s s u p e r io r e inferior do la do direito do corpo, c o m a u s ê n c ia de s e n s ib i lid ad e , e, a l g u m a s v eze s, o m e s m o
p r o b l e m a e m a m b o s o s m e m b r o s do lad o e s q u e rd o , d istú rb io do m o v im e n to d o s o l h o s e p ro fu n d a d ific ulda d e v is ua l, in c a pa ci d a d e
para m a n te r a p o s i ç ã o da c a be ça, u m a int en sa Jussis nervosa [t o s s e inco ntro lá ve l], n á u s e a s q u a n d o tentava s e a li m e n ta r e, em
certa o c a s iã o , p o r v á r i a s s e m a n a s , u m a p e rd a da c a p a c id a d e de beber, a p e s a r de se n tir muita sede. Teve t a m b é m a c a p a c id a d e de
fala d iminuída, e e s s e q u a d ro s e a g r a v o u de tal form a, que ela ficou in c a pa c i ta da para fa la r e até m e s m o c o m p re e n d e r a própria
lín g u a m aterna; e, finalm en te, p a s s a r a por e s t a d o s de "a us ên c ia" , c o n fu s ã o , delírio, alte ra ç ã o total da p e rs o n a lid a d e . Deixare i para
a b o r d a r e s s e s e s t a d o s m in u c io s a m e n t e m a i s tarde.

Q u a n d o s e o u ve um c a s o c o m o e s s e , n ão é n e c e s s á r i o s e r m é di co para emitir u m a o pinião de qu e s e trata de um da no sério,


m uito p ro v a v e lm e n te do c érebro, pa ra o qua l há p o u c a s e s p e r a n ç a s de cura e que, p o s s iv e lm e n t e , o c a s io n a r á a m orte p re c o c e da
paciente. O s m é d ic o s diriam , no entan to, que, e m um tipo de c a s o c o m s i n t o m a s tão d e s f a v o r á v e is , o u tra opinião, m u ito m a is
fa vo ráv el, é justific ável. Q u a n d o s e vê u m a s é rie de s i n t o m a s d e s s e tipo, no c a s o u m a jo v em c u jo s ó r g ã o s vitais (c o ra ç ã o e rin s) s e
m o s t r a m n o r m a i s n o s t e s t e s o bje tiv o s, m a s qu e a in da a s s i m s o f r e de f o r t e s d i s t ú r b i o s e m o c io n a is , e o s s i n t o m a s d ife rem em
c e rt a s c a r a c te r ís t ic a s m a i s s u t is do que l o g i c a m e n te s e e sp e ra , o s m é d i c o s n ã o fic am m uito p e rt u rb a d o s . E l e s c o n s i d e r a m não
h a v e r le s ã o o r g â n ic a do cérebro, m a s, sim, a qu el e e s ta d o enigm á ti co, c o n h e c id o d e s d e o tem p o d o s m é d ic o s g r e g o s c o m o histeria,
em que s e é c a p a z de s im u l a r u m a s éri e de s i n t o m a s de d i v e r s a s d o e n ç a s . C o n s id e r a m , n e s s a s itua çã o , que a vida da pac iente não
c o rre r is c o e que a re s t a u ra ç ã o da s a ú d e d e p e n d e dela própria.
0 d istú rbio a p a r e c e u p ela prim eira vez q u a n d o a pac ie nte c u ida v a do pai, po r q u e m ela nutria um a m o r c a r in h o s o , durante
u m a d o e n ç a g ra v e que o lev ou à morte, tarefa que ela foi o b r i g a d a a a b a n d o n a r po r ela m e s m a ter fica do doente. [...]
3 36 Historia da psicologia moderna

O b s e r v o u - s e que a paciente, du ra n t e o s e s t a d o s de a u s ê n c ia , de a l te ra ç ã o p s íq u ic a , n o r m a l m e n t e m u r m u r a v a d i v e r s a s
p a la v ra s , c o m o s e e s t i v e s s e fa l a n d o c o n s i g o m e s m a . E s s a s p a l a v r a s pa re c i a m s u r g i r de a s s o c i a ç õ e s c o m o s p e n s a m e n t o s que
o c u p a v a m a s u a mente. 0 m édico , ao c o n s e g u i r c ap ta r a s p a l a v ra s , c o l o c a v a a p acie nte em u m a e s p é c ie de e s ta d o de h ip n o s e e
repetia o s t e r m o s d i v e r s a s v e z e s pa ra ela, a fim de d e s c o b r ir s e existia a l g u m a a s s o c i a ç ã o . A pa ciente c edia ao s u g e s t io n a m e n t o
e re p ro d u z ia para ele a s c ri a ç õ e s p s íq u i c a s q ue co n t ro la v a m s e u s p e n s a m e n t o s du ra n te a s a u s ê n c ia s , e qu e s e re v e l a v a m n e s s a
s i m p l e s e x p r e s s ã o de p a la vra s . E s s a s c r ia ç õ e s e ram il u s õ e s [fa n ta si as ] de p ro fu n d a tristeza, m u i t a s v e z e s de b e le z a po étic a -
d e v a n eio s, p o d e m o s a s s i m c h a m á - l a s - que fre q u en t e m e n t e tinham c o m o po nto de partida a s it u a ç ã o de u m a g aro ta p o s t a d a na
c a be c e ira do pai doente. S e m p re que c o n s e g u i a e s ta b e le c e r a s s o c i a ç õ e s c o m a l g u m a s d e s s a s fan ta sia s, ela ficava, c o m o realm e nte
ac ontecia , livre e re s t a b e l e c id a a s e u e s t a do m e n t al no rm al. E s s e e s ta d o de s a ú d e d u ra v a v á r ia s ho ras , e, então, no dia seg uin te,
m a is u m a a u s ê n c ia , re m o v id a da m e s m a m aneira, ou seja, r e l a c i o n a n d o a s fa n t a s ia s r e c é m -c ria d a s .

Era i m p o s s í v e l n ão fic ar c o m a i m p r e s s ã o de que a a lte ra ç ã o p s íq u i c a e x p r e s s a dura nte a a u s ê n c ia f o s s e u m a c o n s e q u ê n c i a


da e xcita ção p r o v o c a d a po r e s s a s i m a g e n s f a n t a s i o s a s c a r r e g a d a s de em o ç ão . A p ró pria paciente, que a e s s a altura da do enç a,
e s tra n h a m e n t e , c o n s e g u i a fa la r e e n te n d e r a p e n a s ing lê s, c h a m o u e s s e n o v o tipo de tra tam ento de " c u ra da fala", ou, em um tom
de brinc ad eira, "lim p e z a de c h a m i n é "
0 m é d ic o lo g o s e viu diante da p o s s ib il id a d e de, po r m eio d e s s a lim p ez a da alm a, o bter a l go m a i s que a e lim in a ç ã o t e m p o r á ­
ria d a s c o n s t a n t e s e r e c o r r e n t e s t u r v a ç õ e s m e n t a is . O s s i n t o m a s da d o e n ç a p o d e ri a m d e s a p a r e c e r se, d u r a n t e a h i p n o s e , a
pac iente f o s s e ind uzi da a s e l e m b ra r d a s c i rc u n s t â n c ia s e d a s r e l a ç õ e s a s s o c i a t i v a s em que a s c o n d i ç õ e s s e m a n i fe s t a r a m pela
prim e ira vez, pe rm itin d o a livre v a z ã o d a s e m o ç õ e s que a s p ro v o c a ra m .
Era um v e rã o de in te n s o calor, e a pa c ie n te s e n tia muita se d e; no entanto, s e m n e n h u m a r a z ã o ap are nte, de re pente, n ão
c o n s e g u i a be be r ág ua . P e g a v a um c o p o d'água, m a s, a s s i m que o e n c o s t a v a na boca, a fa s ta v a o recipiente, c o m o s e s o f r e s s e de
h id ro fo b ia [m e d o de á gua ]. O b via m e n te, d u ran te e s s e s p o u c o s s e g u n d o s , ela s e e n c o n t r a v a em e s t a d o de a u s ê n c ia . E la co m i a
a p e n a s frutas, c o m o m elão, pa ra aliv iar a p ro fu n d a sede . Q u a n d o e s s a s i t u a ç ã o já s e p ro lo n g a v a por m a is ou m e n o s s e i s s e m a n a s ,
em u m a s e s s ã o de h ipn o se , ao falar de u m a g o v e r n a n t a in g le s a de qu e m nã o go s ta v a , a pac iente a c a b o u c o nta n do , d e m o n s t r a n d o
total re p u gn â n c ia , s o b r e u m a o c a s iã o em que entrara no qu arto da g o v e r n a n t a e vira o c a c h o r ro desta, que ela ab o m i n a v a , b e b e n ­
do á g u a e m um copo. Po r re sp eito à s c o n v e n ç õ e s , a pa ciente nã o c o m e n to u o e p i s ó d i o c o m ning ué m . A s s im , d e p o is de dar v a z ã o à
fúria co ntida, ped iu um c o p o d 'águ a, b e b e u b a s t a n t e s e m q u a lq u e r d ific u l d a d e e d e s p e r t o u da h i p n o s e c o m o c o p o n a boc a. A
partir de então, o s in to m a d e s a p a r e c e u para se m p re.
P e rm it a m -m e que eu m e d e ten h a um p o u c o m a is n e s s a e xp eriênc ia. N e n h u m a outra p e s s o a j a m a is hav ia c u ra d o um s in t o m a
de histeria d e s s a forma, ou c h e g a d o tão pró x im o de c o m p r e e n d e r a s u a ca u s a . E sta s e ria um a d e s c o b e r t a [de g r a n d e s c o n s e q u ê n ­
cias], c o m a c o n f ir m a ç ã o da expec tativa de que outro s, talvez a m aio ria d o s s in to m a s , s e o r i g i n a s s e m d e s s a fo rm a e p u d e s s e m s e r
e l im in a d o s c o m o m e s m o método. B re u e r n ão p o u p o u e s f o r ç o s para c o n v e n c e r - s e d e s s a h ip ó te se e in ve stigo u a pa to ge nia de o u tro s
s i n t o m a s m a is s é r io s , de fo rm a m a i s o rga n iza d a .
A e xpec ta tiv a foi re alm en te c o n firm ad a ; pratic am e n te t o d o s o s s i n t o m a s o r ig in a v a m - s e d e s s a fo rma, c o m o in d íc io s s ú b i t o s
ou, s e preferirem, da ex periên cia de fun d o afetivo, que po r i s s o c h a m a m o s de trauma psíquico. A natu re za d o s s i n t o m a s t o r n a v a - s e
c lara q u a n d o s e e s t a b e l e c ia a re la ç ã o c o m a c e n a que o s teria p ro v o c a d o . O s s i n t o m a s eram, p ara u s a r o term o técnico, "d e t e rm i­
n a d o s " pe la c en a da q ua l i n c o r p o ra v a m in d íc io s de le m b ra n ç a e, a s s im , n ão p o d ia m m a is s e r d e s c r i t o s c o m o f u n ç õ e s e n ig m á t ic a s
ou a rb it rá ria s da n e u ro s e.

O b s e r v o u - s e a p e n a s u m a v a r ia ç ã o de n tro d a s e x p e c ta tiv a s . N e m s e m p r e o s in t o m a era p r o v o c a d o p o r u m a ú n ic a e x p e ­


riência; e m ge ral, e ra m v á ria s ; ta lv e z v á r i o s t r a u m a s s e m e l h a n t e s re p e t id o s m o t i v a s s e m e s s e efeito. E ra n e c e s s á r i o repetir
to da a s é ri e de l e m b r a n ç a s p a t o g ê n i c a s na s e q u ê n c i a c r o n o l ó g ic a e, é claro , na o rd e m in v e rs a, pr im e i ro re pe t in do a ú ltima, e
v i c e - v e r s a . Era p ra ti c a m e n te i m p o s s í v e l c h e g a r d ire t a m e n t e ao p rim e iro e p ri n c ip a l tra u m a , s e m a n t e s e s c l a r e c e r t o d o s o s que
v in h a m em s e g u id a .
V o c ê s de s e j am , é claro, o u v ir o u t r o s re l a t o s de c a u s a d o s s i n t o m a s de histeria, a lé m d e s s a in c a p a c id a d e de b e b e r á g u a
de vid o à re p u g n â n c ia p ro v o c a d a pelo ato do c a c h o rr o de be be r á g u a no copo. Devo, no entanto, para m e ater ao p ro gra m a , limitar-
-m e a a l g u n s p o u c o s e x em p lo s. B re u e r relata, po r exem plo, que o s d is t ú rb io s v is u a is da pa cie nte re m et eria m a c a u s a s e x te rn a s da
s e g u in te form a: ela c h o ra va, s e n t a d a à c a b e c e i ra da c a m a do pai doente, qua nd o , de repente, ele lhe p e rgu n t o u a s ho ra s. P o r c a u s a
Capítulo 13 0 início da psicanálise 337

d a s l á g rim a s , ela nã o c o n s e g u i a e n x e rg a r direito e fo rç o u o s o l h o s para v er melhor, a p ro x im o u o re ló g io p ara v is u a liz a r b em o s


p o n te iro s ou, então, tentou c o nt e r o c h o ro pa ra o pai nã o p e rc e be r qu e e sti ve ra c h o ra n do .

T o d a s a s i m p r e s s õ e s p a t o g ê n i c a s e m e r g ia m do tem po em que c u id ara do pai doen te. U m a noite, ela e s t a v a muito p r e o c u p a ­


da, o lh a n d o o pai, que tinha u m a febre muito alta, e e s t a v a a n s io s a , po rq u e a g u a r d a v a um c iru rg iã o v ind o de V ie n a para o pe rá-lo.
A m ã e dela havia s a í d o por um instante, e A n n a s e n t a r a - s e ao lado da c a b e c e ira da c am a, c o m o b ra ç o direito s o b r e o e s p a l d a r da
cadeira. E ntro u em delírio e viu u m a c o b ra preta, co m o em um s o n h o , s u rg i r da p a red e e a p ro x i m a r -s e do doente, c o m o se f o s s e dar
um bote (é be m p r o v á v e l que e la re a lm e n t e tenha v is to m u it a s c o b r a s na c a m p in a lo ca l iz a d a a trá s da c a s a , que já h o u v e s s e s e
a s s u s t a d o c o m e l a s e que e s s a s e x p e r iê n c ia s a n te rio re s t e nh a m p ro p o rc i o n a d o o m a terial para a a lu c in a ç ã o que e s ta v a tendo).
Ela tentou d e s v ia r a criatura, m a s s e se ntiu c o m o q ue pa ra lis a d a. 0 braç o direito p o u s a d o s o b r e o e s p a l d a r da c ade ira ficou
" d o rm en te ", a n e s t e s i a d o e p a r a l i s a d o [ in s e n s í v e l e c o m f o rm ig a m e n t o ], e, e n q u a n to ela o l h a v a para o m e m b ro , s e u s d e d o s s e
t r a n s f o r m a r a m em p e q u e n a s c o b r a s c o m c a b e ç a em fo rm a de c ave ira [as u nh a s ]. Pro v a v e lm e n te , ela tentou e nx o ta r a c o b ra co m
o bra ço direito p a r a l is a d o e, a s s im , o e n t o rp e c im e n to e a pa ra lis ia do m e m b r o fo r m a r a m a s s o c i a ç õ e s c o m a a lu c i n a ç ã o da cobra.
Q u a n d o e s s e s in t o m a d e s a p a re c e u , ela, ag o n ia da , tentou falar, m a s não pôde. N ã o c o n s e g u i a s e e x p r e s s a r em n e n h u m idioma, até
fin alm e n te s e le m b r a r de a l g u m a s p a l a v r a s e m in g l ê s de um a c a n ç ã o de ninar, e, então, c o n s e g u ia p e n s a r e falar s o m e n t e n e s s a
língua. Q ua n d o a l e m bra n ça d e s s a c ena foi revivida durante a hipn os e, a para lisia do bra ço direito, o c o rrid a d e s d e o início da doen ça,
foi cura da, e o tratam ento, enc e rrad o .

V á r io s a n o s de po is , c o m e c e i a utilizar a s p e s q u i s a s e o tra ta m e n t o de B re u e r em m e u s pa ci en te s , e m i n h a s e x p e riê n c i a s


c o in c id ira m to ta lm e nte c o m a s dele. [...]
S e n h o r a s e s e n h o r e s , s e m e pe rm ite m generalizar, c o m o é i n d is p e n s á v e l em um a b rev e a p r e s e n t a ç ã o c o m o esta, d e v e r ía m o s
e x p r e s s a r o s r e s u l t a d o s o bt id o s até aqui na fó rm u la: o sofrimento dos nossos pacientes está nas lembranças. O s s in t o m a s s ã o o s
v e s t íg i o s e r e p re s e n t a m a s r e c o r d a ç õ e s de a l g u m a s e x p e ri ê n c ia s tra um á tica s.

Métodos de tratamento de Freud

Resistência: bloq ueio ou re cu s a em


revelar l e m b r a n ç a s d o l o r o s a s
r

durante uma s e s s ã o de livre


a s s o c ia c#ã o .

Repressão:p ro c e s s o de barrar
ideias inaceitáveis, m e m ó ria s ou
de s ej o s do consc iente, d e i x a n d o -o s
o pe rar livrem e nte no inconsciente.
3 38 História da psicologia moderna

TABELA13.1 Fa to s ou s í m b o l o s de s o n h o s e o s r e s p e c t iv o s s i g n if ic a d o s p s ic a n a l í t ic o s l at e nt e s

SÍMBOLO INTERPRETAÇÃO i

C a s a co m frente lisa C o rp o m a s c u lin o

C a s a co m s a liê n c i a s ou s a c a d a s Co rpo feminino

Rei e rainha Pais

A n im a is de pe queno porte C ria n c a s


9

C ria n ç a s
9
O r g ã o s genitais

B rin c ar co m cri a n c a s9
M a s tu rb a ç ã o 9

Calvície,» extração de den tes


9
C a st ra ç ã o 9

Objetos a l o n g a d o s (por exemplo, tronco de árvore, g ua rd a-c hu va, O rgã o genital m as c u lin o
gravata, cobra, vela)
9

E s p a ç o s f e c h a d o s (p o r exem plo, caixa, forno, arm ário , ca ve rn a, O rgã o ge nita lfem in ino
bolso)

S u b ir d e g r a u s ou e s c a d a s ; dirigir a u t o m ó v e l ; m o n t a r a c a v alo ; Re la ç ão sexu al


9

a t ra v e s s a r um a ponte

Tom ar banh o N a sc im en to

C o m e ç a r uma viagem Morte

E star nu no meio de um a multidão Desejo de s e r notado

Vo ar Desejo de se r adm irado

Cair De sejo de re to rn a ra um estado (como a infância) em que a p e s s o a


se sentia satisfe ita e s e g u ra
Capítulo 13 0 início da psicanálise 339

Freud como terapeuta

Freud e a psicologia tradicional


340 História da psicologia moderna

A psicanálise como um sistema de personalidade

Os instintos

Instintos: para Freud, as


re p re s e n ta ç õ e s m e ntais do s
e s tí m u lo s interno s (como a fome)
que m otivam a p e rs o n a lid a d e e o
c om po rtam ento .

Instintos de vida: o im p u lso para


g a r a n t ira s o bre viv ê n c ia do
indivíduo e da e sp éci e por meio da
s a tisfa ç ão d a s n e c e s s id a d e s de
t

alimento, água, a r e sexo.

Instintos de morte: o im pu ls o
inc o nsc ie nte em direção à
decadênc ia,i d es truiç/ão e
a gre ss iv id ad e.

Libido: para Freud, a energia


psíq u ic a que direciona o indivíduo
na bu s c a de p e n s a m e n t o s e
c o m p o rt a m e n t o s pra z e ro so s.
Capítulo 13 0 início da psicanálise 341

Os níveis de personalidade

ld: fonte de energia psíquic a e o


a s p e c t o da p e rso n alida d e
re la cio n a do a o s instintos.

Ego: a sp ec t o ra cio nal da


perso na lidad e , r e s p o n s á v e l pelo
co ntrole d o s instintos.
3 42 Historia da psicologia moderna

Superego: a sp ect o m oral da


perso na lidad e , produto da
internaliz acão d o s v a lo re s e
p a d rõ e s rec eb id o s do s pais e da
so ciedade.

Aansiedade

Mecanismos de defesa:
c o m p o rt a m e n t o s que rep res en ta m
n e g a ç õ e s in c o n s c ie n te s ou
d is to rç õ e s da realidade, m a s que
s ã o a d o t ad o s para pro teger o ego
contra a ansiedade .

Os estágios psicossexuais de desenvolvimento da personalidade


Capítulo 13 0 início da psicanálise 343

TABELA13.2 M e c a n i s m o s de d e f esa fr e u d ia n o s

Negação
N e g a ç ã o da existê ncia de uma a m ea ç a externa ou de um aco nte cim ento traumático; por exemplo: uma p e s s o a co m do e nç a terminal pode nega r
a iminência da morte.

Deslocamento
Transferência do s i m p u l s o s do id de uma am e a ça ou de um objeto indisponív el para um objeto disponível, c o m o a substituiç ão da hostilidade para
co m o chefe para a hostilidade para c om o filho.

Projeção
Atribuição de um im p u lso perturba do r a outra pe s so a , c o m o dizer que vo cê não odeia seu pr o fe s s o r e que, ao contrário, é ele quem o odeia.

Racionalizacão
Reinterpretação do c o m p o rtam e nto para to rn á-lo m a is aceitável e m e n o s am eaçador, co m o dizer que o e m p re go do qual vo cê foi des pe dido não
era tão bom ass im .

Formação reativa
E x p r e s s ã o de um im p ulso do id que é o op osto daquilo que im pulsio na a pe ss o a . Por exemplo: o indivíduo pertu rb ado por paixões s ex u a is pode
to rn ar-s e um com baten te feroz da pornografia.

Regressão
Retorno a um período anterior, m e n o s frustrante da vida, a c o m p a n h a d o da exibição de um c o m po rtam e nto depe ndente e infantil, carac terístico
d e s s e período m ais seguro .

Repressão
N e g a ç ã o da existência de um fator pro v o c a d o r da a nsiedade , c o m o a elim inação involuntária da co n s c iê nc ia de a l g u m a s le m b ra n ça s ou pe rc e p ­
ç õ e s que c a u s a m descon fo rto.

Sublimação
Alteração ou o d es lo c am e n t o d o s i m p u ls o s do id, d es vian do a en ergia instintiva para o s c o m po rta m e n t o s s o cialm en te aceitáveis, c o m o de sviar
a energia se x ua l para um c o m po rt am e n to de c riação artística.

Estágios psicossexuais: na teoria


psicanalitica, o s e s t á g i o s de
de s e n v o lv im e n to infantil c e nt ra d o s
n a s z o n a s eró gena s.
344 Historia da psicologia moderna

Complexo de Edipo: a o s h ou 5
ano s, o desejo in co n sc ie nte do
m e nino pela m ãe e de substitu ir ou
destruir o pai.

0 mecanicismo e o determinismo no sistema de Freud


Capítulo 13 0 início da psicanálise 345

I—

FIGURA13.3 Freud t r a ba lh a em s e u e sc r it ó r io e m Viena, em 1937. Ele e st á r o d e a d o po r s u a c o le ç ã o de a n t ig ui­


d a d e s g r e ga s, r o m a n a s e egípc ias.

Psicanálise versus psicologia acadêmica


3 46 Historia da psicologia moderna

A validação científica dos conceitos psicanalíticos


Capítulo 13 0 início da psicanálise 347

As críticas à psicanálise
Coleta de dados
348 Historia da psicologia moderna

Visão sobre as mulheres


Capítulo 13 0 início da psicanálise 349

As contribuições da psicanálise
350 Historia da psicologia moderna

A cultura popular norte-americana e a psicanálise


Capítulo 13 0 início da psicanálise 351

QUESTÕES PARADISCU SSAO


Capítulo 14

Psicanálise: período
pós-fundação
J J
Um garotinho perdido e solitário A ansiedade básica
As facções concorrentes na psicanálise As necessidades neuróticas
Os neofreudianos e a psicologia do ego Aautoim agem idealizada
Anna Freud (1895-1982) Horney e o fem inism o
Uma infância infeliz Comentários
Uma crise de identidade A evolução da teoria da personalidade: a psicologia humanista
A an á lis e in fa n til A s in fluên cia s ante riores na psicolo gia humanista
Comentários A natureza da psicolo gia humanista
CarlJung (1875-1961) Abraham Maslow (1908-1970)
A biografia de Jung: outra infân cia terrív e l A biografia de Maslow
Freud, o pai Assistindo a um desfile
0 rom pimento A autorre alizaçáo
A psicologia ana litica de Jung Comentários
0 inconsciente coletivo Cari Rogers (1902-1987)
Os arquétipos Uma criança so litá ria
A intro versão e a extroversão Fantasias bizarras
Os tipo s psico ló gicos: funções e atitudes Um colapso
Comentários A autorre alizaçáo
As teorias da psicologia social: o ressurgimento do Zeitgeist Pessoas em pleno funcionam ento
Alfred Adler (1870-1937) Comentários

A biog rafia de A dler As contribuições da psicologia humanista


Tornando-se uma celebridade nos Estados Unidos A psicologia positiva: a ciência da felicidade
A psicologia individu al Martin Seligman (1942-)
O sen lim e n to d e infe rio ridade Uma adolescência d ifícil
0 estilo de vida 0 rápido crescim ento da psicologia positiva
0 poder cria tivo do se lf Dinheiro e felicida de
A ordem de nascim ento Saúde e idade
Reações às visões de A dle r Casamento
Suporte de pesquisas Personalida de
Comentários Outros fatores que in flue nciam a felicida de
Karen Horney (1885-1952) 0 que vem p rim eiro : fe licida de ou sucesso?
H o rney e se u p a i Florescim ento: um novo n ive l de felicid ade
Casamento, depressão e sexo Comentários
As divergências com Freud A tradição psicanalitica na história
Questões para discussão

Um garotinho perdido e solitário


O m en in o solitário viu dois gatin h o s perdidos c os pegou. Precisava de algo para am ar, algo de que se sentir
pe rto c, talvez, ser am ado em troca. Ele sabia que n in g ué m m ais o amava. Ele os levou para casa c ten tou
escondê-los no porão, m as sua m ãe os to m o u dele violentam ente c os arrem essou de cabeça contra a parede,
repetidas vezes, até que m orressem . Isso era típico de seu com portam en to desequilibrado. Ele devia saber que
ela faria algo parecido.
Capítulo 14 Psicanálise: período pós-fundação 353

As facções concorrentes na psicanálise


354 História da psicologia moderna

Dois im portantes teóricos, A braham M aslow с C ari R ogers, aspiravam su bstitu irá psicanálise (bem com o
o behaviorism o) pela sua visão da natureza hum ana. U nía variação contem poránea с expansão da psicologia
hum anista, atu alm en te, с a psicologia positiva, que aplica o m étodo exp erim ental para estudar as em oções
positivas с a felicidade. E preciso te r cm m en te que não im po rta qu anto esses teóricos divergissem dos ensi-
nam entos de Freud, todos derivaram suas ideias do trabalho dele, aperfeiçoando-o ou opo ndo-se a ele.

Os neofreudianos e a psicologia do ego


N em to d o teórico с profissional seg uid or da tradição psicanalítica freudiana sentia necessidade de abandonar
ou suplantar o sistem a de Freud. C o n serv ou -se um grupo razoável de analistas neofreudianos que, m esm o
adotan do as prem issas centrais da psicanálise, m odificaram o sistem a. A principal m udança introduzida por
esses leais seguidores foi a expansão d o conceito de ego, o qual, para eles, era dotado de um papel m ais abran -
gente d o qu e apenas serv ir ao id.
A psicologia do ego incluía a noção de m aior independência do ego cm relação ao id, ou seja, ele era
dotado de energia própria, с não derivada deste, с com funções separadas das do id. O s analistas neofreudia-
nos tam bém sugeriam a isenção do ego cm relação ao co n flito produzido pela pressão dos im pulsos do id cm
busca da satisfação. N a visão de Freud, o ego sem pre respondia ao id, jam ais estava livre das suas dem andas.
E m u m a visão revisada, o ego fun cio naria in dependentem ente do id - perspectiva bem distante do pensa-
m en to o rto d ox o freudiano.
O u tra alteração in troduzida pelos neofreudianos foi a redução da ênfase na influên cia das forças biológi-
cas sobre a personalidade. Ao contrário, m ais ênfase foi dada ao im pacto das forças psicológicas e sociais. O s
neofreudianos tam bém m inim izavam a im portância da sexualidade infantil с do com plexo de Edipo, suge-
rin d o q ue o desenvolvim ento da personalidade era determ inado, principalm ente, pelas forças psicossociais с
não pelas psicosscxuais. Dessa form a, as interações sociais na infancia passaram a assum ir m aior im portância
do que as interações sexuais reais ou im aginárias.

Anna Freud (1895-1982)


A filha de Freud, A nna (Figura 14.1), foi a líder da psicologia do ego neofreudiana. C açula entre os seis filhos, Anna
Freud afirm ou que não teria nascido sc, na cpoca, existissem métodos contraceptivos mais seguros. Em um a carta
que escrevera a um amigo, Freud anunciara o nascimento da filha com um tom de resignação с não de entusiasmo,
com entando que, sc fosse u m m enino, teria m andado um telegrama para contara novidade (Young-Bruehl, 1988).
N o entanto, o ano do nascimento de A nna (1895) foi simbólico, talvez até profético, já que coincide com o surgi-
m ento da psicanálise. A nna seria a única entre os filhos de Freud a seguir a carreira do pai, tom ando-sc analista.

Uma infância infeliz


Sendo a m enos favorecida das m eninas da fam ília, A nna teve um a infancia infeliz. Ela sc lem brava de ter sido
um a criança triste e solitária, m uitas vezes excluída das brincadeiras pelos irm ãos m ais velhos. Sentia ciúm es
da irm ã Sophic, claram ente a favorita da m ãe. A nna torno u-se a predileta do pai; ele “ ficou viciado na caçu-
la, tan to qu anto era viciado nos ch arutos" (A ppignancsi с Forrester, 1992, p. 277).
Capítulo 14 Psicanálise: período pós-fundação 355

f ig u r a A n n a Freud.

Uma crise de identidade


3 56 História da psicologia moderna

A análise infantil

Comentários

CarlJung (1875-1961)

Psicologia analítica- teoria da


pe rs o na li d a d e de Jung.
Capítulo 14 Psicanálise: período pós-fundação 357

A biografia de Jung: outra infância terrível

FIGURAU .2 C a r lJ u n g.
358 História da psicologia moderna

Freud, o pai

0 rompimento
Capítulo 14 Psicanálise: período pós-fundação 359

A psicologia analítica de Jung

/
360 História da psicologia moderna

0 inconsciente coletivo

Inconsciente pessoal: loc al em que


se arm a z e n a o que, em a lgum
mome nto, foi consc iente, m a s que
foi e s q u e c id o ou suprim ido.

Inconsciente coletivo: nível m ais


pro fundo da psique, que contém a s
e xpe riên c ia s h e rd a d a s das
e s p é c i e s h u m a n a s e p ré -h u m a n a s.

Os arquétipos
Capítulo 14 Psicanálise: período pós-fundação 361

Arquétipos: te nd ê nc ia s h erdadas,
c o n tid a s no in c o n scie nte coletivo,
que le vam o indivíduo a se
c o m po rt ar de form a s e m e lh a n te
a o s a n c e s tra is que p a s s a r a m por
s it u a çt õ e s sim ilares.

A introversão e a extroversão
3 62 Historia da psicologia moderna

Os tipos psicológicos: funções e atitudes

Comentários
Capítulo 14 Psicanálise: período pós-fundação 363

As teorias da psicologia social: o ressurgimento do Zeitgeist


364 Historia da psicologia moderna

Alfred Adler (1870-1937)

A biografia de Adler
/

Cd

K -

Od
L i-

.3 A lfre d Adler.
Capítulo 14 Psicanálise: período pós-fundação 365

Tornando-se uma celebridade nos Estados Unidos

Psicologia individual: teoria de


A dle r s o b re a pe rs on alida d e, que
inc o rpo ra fatores tanto s o c ia i s
quanto bio ló gic os.

A psicologia individual

Interesse social: conceito de Adle r


s o b re o po ten cial inato de
c o o p e ra ç ã o c om a s p e s s o a s , a fim
de atingir a s m eta s p e s s o a is e
so ciais.
3 66 Historia da psicologia moderna

0 sentimento de inferioridade

Complexo de inferioridade:
c o ndi ção que o indivíduo
de se n v o lve qu ando é in capaz de
c o m p e n s a r o s se n t im e n to s n o rm a is
de inferioridade.

0 estilo de vida

0 poder criativo do self


Capítulo 14 Psicanálise: período pós-fundação 367

A ordem de nascimento

Reações às visões de Adler

Suporte de pesquisas
368 Historia da psicologia moderna

Comentários

V
Capítulo 14 Psicanálise: período pós-fundação 369

Karen Horney (1885-1952)

Horney e seu pai

FiGURAH.4 K are n Horney.

Casamento, depressão e sexo


370 História da psicologia moderna

As divergências com Freud


Capítulo 14 Psicanálise: período pós-fundação 371

A ansiedade básica

Ansiedade básica: definição de


H o r n e y p a r a so lid ã o in vas iva e
impotência, s e n t im e n t o s que dão
o rig em à neurose.

As necessidades neuróticas
372 Historia da psicologia moderna

lidar com a ansiedade básica, esse padrão deixa de ser suficientem ente flexível, não perm itind o, assim, co m -
po rtam ento s alternativos.
Q u an d o um co m p o rtam en to fixo m ostra-se inadequado para determ inada situação, o indivíduo e inca-
paz de m ud ar em reação às exigências que ela dem anda. Esse tipo de co m portam ento enraizado intensifica
as dificuldades do indivíduo, pois afeta toda a personalidade, as relações com as pessoas, consigo m esm o c
com a vida com o u m todo.

A autoimagem idealizada
A autoim agem idealizada fornece à pessoa u m falso retrato da personalidade ou do sel/. E um a máscara enga-
nosa c im perfeita, que im pede a pessoa neurótica de com preender c aceitar o seu verdadeiro sei/. Ao vestir a
m áscara, o indivídu o nega a existência de seus conflitos internos. Ele acredita ser verdadeira a autoim agem
idealizada, e essa crença faz que se considere superior ao tip o de pessoa que realm ente é.
H o rn ey não afirm ava serem inatos ou inevitáveis tais conflitos neuróticos. A pesar de resultantes de si-
tuações indesejáveis da infancia, eles p odiam ser evitados, caso a vida fam iliar da criança fosse rodeada de
calor, com preensão, segurança c am or.

Horney e o feminismo
As opiniões de H o rn ey sobre a psicologia fem inina são consideradas u m a contribuição im portante. M uitas de
suas posições feministas, declaradas há quase um século, têm um forte apelo contem porâneo. Ela com eçou a
trabalhar com psicologia fem inina cm 1922, c foi a prim eira m ulher a apresentar u m trabalho sobre o assunto
cm u m congresso internacional de psicanálise. A reunião, sediada cm B erlim , foi presidida por Sigm und Freud.
H o rn ey fez u m a distinção entre a m u lh er tradicional, que busca sua autoidentidade por m eio d o casa-
m en to c da m aternidade, c a m u lh er m oderna, que p rocura a identidade po r m eio de um a carreira. O co n -
flito en tre am o r c trabalho, segundo H orney, caracterizou sua própria vida. Ela op tou por se concentrar no
trabalho, o que lh e gerou eno rm e satisfação, em bora continuasse buscando o am or ao longo da vida.
Seu dilem a p erm an ece tão relevante para m u lheres do scculo X X I quanto foi para ela, que lutou para
que as m ulheres tivessem o d ireito de to m ar suas próprias decisões diante das restrições im postas po r um a
sociedade d om inada p or hom ens.

Comentários
O o tim ism o de H o rn ey cm relação à possibilidade de evitar o surgim en to de neuroses foi bem recebido por
psicólogos e psiquiatras, que v iram isso com o um alívio do pessim ism o de Freud. Seu trabalho tam bém m e-
receu destaque, porque ela descrevia o desenvolvim ento da personalidade cm term os de forças sociais, atri-
bu in d o pouca im po rtância aos fatores herdados.
As provas para sustentar a teo ria de H orney, assim com o m encionam os no caso de F reud, J u n g c Adler,
foram extraídas de observações clínicas de pacientes c, assim, estavam sujeitas aos m esm os questionam entos
cm relação à credibilidade científica. Pouca pesquisa foi realizada com base nos conceitos do seu sistem a.
Freud não chegou a e m itir n e n h u m co m en tário d ireto sobre o trabalho dela, mas um a vez com entou a res-
peito de H orney, dizend o que “ela é capaz, m as m aliciosa” (apud B lanton, 1971, p. 65). E m ou tra ocasião,
cm um a discreta alusão dissim ulada ao trab alho de H orney, F reud disse: “ N ão ficaríam os m uito surpresos
Capítulo 14 Psicanálise: período pós-fundação 373

A evolução da teoria da personalidade: a psicologia humanista

As influências anteriores na psicologia humanista


374 Historia da psicologia moderna

R aízes da posição hum an ista tam b ém podem ser observadas na psicanálise. Adler, H orney e outros te ó -
ricos da personalidade discordavam da noção de Freud sobre o d o m ínio exercido pelas forças inconscientes
na vida d o indivíduo. Esses dissidentes da psicanálise o rtodoxa acreditavam 110 indivíduo com o u m ser cons-
ciente, dotad o de espontaneidade c liv re-arbítrio, influenciado tan to pelo presente c pelo futuro qu anto pelo
passado. Esses teóricos creditavam à personalidade a força criativa responsável pela própria m oldagem .
O Zeitgeist é sem pre in flu en te na organização dos precedentes c das tendências para form ar um a visão
coesa. A psicologia h u m an ista refletia o sen tim ento de desco ntentam ento m anifestado 11a década de 1960
contra os aspectos m ecanicistas c m aterialistas da cultura ocidental. A contracultura da época era constituída
pelos denom inados hippies, p rincip alm ente estudantes universitários os que abandonavam os estudos, alguns
dos quais usavam drogas alucinógenas para estim ular c ex pand ir suas experiências conscientes.
C o m o gru po, com partilhavam ideais com patíveis com a abordagem hum anista da psicologia, 0 11 seja, o
enfoque na realização pessoal, a crença na perfeição hu m ana, a ênfase 110 presente c no hedonism o (a satisfa-
ção da p rocura da satisfação do prazer instintivo), a tendência à exteriorização do sclf (dar vazão ao conteúdo
da m ente) c a valorização dos sentim entos cm d etrim en to da razão e do intelecto.

A natureza da psicologia humanista


N a visão dos psicólogos hum anistas, a psicologia co m portam cntal consistia cm um a abordagem lim itada,
artificial c im produtiva da natureza hum ana. Eles consideravam que o foco no com portam en to m anifesto era
desu m anizador c que essa visão reduzia o ser h um ano ao status de simples anim al ou m áqu ina. Discordavam
da visão de com portam ento do hom em com o um a form a predeterm inada cm resposta aos fatos de estím ulo da
vida. E, ainda, consideravam o hom em u m ser m uito mais com plexo do que ratos de laboratório ou autóm a-
tos, de form a qu e ele não p od eria ser analisado de form a objetiva, quantificado c reduzido a unidades de
cstím ulo-rcsposta (E -R ).
O s psicólogos hum anistas tam b ém se o p u nh am às tendências determ inistas da psicanálise freudiana e à
form a com o se m inim izav a o papel da consciência, além de criticarem Freud por estudar apenas indivíduos
neurótico s c psicóticos. Eles argum entavam que, se os psicólogos se concentravam apenas 110 estudo da dis-
função m ental, com o seria possível com preender a natureza da saúde em ocional c de outras qualidades posi-
tivas d o hom em ? Ao ab rir m ão de analisar prazer, alegria, êxtase, bondade, generosidade, por exem plo, para
estudar o lado obscuro da personalidade hum ana, a psicologia estava ignorando as virtud es c as forças exclu-
sivam ente hum anas.
Assim, em resposta às lim itações observadas tanto no bchaviorism o com o na psicanálise, os psicólogos
hum anistas desenvolveram o que, esperavam que fosse a terceira força na psicologia. O s trabalhos de A braham
M aslow c de C ari R ogcrs consistem 11a m elhor expressão da psicologia h um anista, aprcscntando-sc com o
estudos sérios dos aspectos ignorados da natureza hum ana.

Abraham Maslow (1908-1970)


M aslow (Figura 14.5), considerado o pai espiritual da psicologia hum anista, provavelmente foi quem mais con -
tribuiu para incentivar o m ovim ento c conferir-lhe ccrto grau de respeitabilidade acadêmica. D otado do inte-
resse de com preender a capacidade de grandes realizações do indivíduo, estudou um a pequena am ostragem de
pessoas notáveis para determ in ar com o estas se diferenciavam daquelas com saúde m ental m ediana o u norm al.
Capítulo 14 Psicanálise: período pós-fundação 375

A biografia de Maslow

á
f ig u r a i« Abraham Maslow.

Assistindo a um desfile
376 Historia da psicologia moderna

A autorrealizacão

Autorrealizacão:
# desenvolvimento
pleno das habilidades de um
indivíduo e realização
/ de seu
potencial.

Necessidade
de autorrealização

Necessidade de estima
(de si e dos outros)

Necessidades de
pertinência e amor

Necessidades de segurança,
ordem e estabilidade

Necessidades fisiológicas:
comida, água e sexo

FiGURAH.ó Hierarquia das necessidades de Maslow.


Capítulo 14 Psicanálise: período pós-fundação 377

T e x to o r i g i n a l
Trecho sobre a psicologia humanista, extraído de Motivation and Personatity (1970), de Abraham Maslow1

C
onstante e renovada contemplação. A p e s s o a a u t o rr e a t iz a d o r a é d o t a d a da m a r a v i l h o s a c a p a c id a d e de c o n t e m p l a r
r e p e t id a s v e z e s , de m o d o r e n o v a d o e até m e s m o in g e n u o , a s c o i s a s s i m p l e s da vida, c o m a d m ira ç ã o , prazer, s u r p r e s a e até
ê xta se , m e s m o qu e a s o u t ra s p e s s o a s v ej am e s s a s e x p e r iê n c i a s c o m o c o rr i q u e i ra s . [...] A s s i m , p a ra e s s e indiv íduo , q u a l q u e r
p ô r do s o l é tão be l o q u a n t o o p r im e i ro t e s t e m u n h a d o , q u a l q u e r flo r tem u m e n c a n t o d e s l u m b r a n t e , m e s m o já t e n d o v is t o
m i l h a r e s de fl o re s . 0 m i l é s i m o b e b ê p a r e c e - l h e um s e r tão m i l a g r o s o q u a n t o o p rim e i ro visto . M e s m o d e p o i s de 3 0 a n o s de
c a s a m e n t o , c o n t in u a a c o n s i d e r a r - s e um a p e s s o a de s o r t e e a s e s u rp r e e n d e r , c o m o há AO a n o s , c o m a b e lez a da e s p o s a , m e s m o
ela e s t a n d o c o m 6 0 a n o s . P a ra e s s a s p e s s o a s , até m e s m o o t r a b a l h o c o t idia n o ro tine iro ou c a d a m o m e n t o do ato de v iv e r pode
s e r exc itante, e m o c io n a n t e e a rre b a t a d o r. E s s a s s e n s a ç õ e s i n t e n s a s n ã o o c o r r e m o t e m p o todo; e l a s s u r g e m o c a s i o n a l m e n t e
em v e z de n o r m a l m e n t e , m a s n o s m o m e n t o s m a is i n e s p e r a d o s . A p e s s o a p o d e a t r a v e s s a r o rio de b a l s a d e z e n a s de v e z e s , e na
d é c i m a p ri m e ira t r a v e s s i a re v iv e r i n t e n s a m e n t e a s m e s m a s s e n s a ç õ e s , a m e s m a r e a ç ã o di an te da b e l e z a e i g u a l e x c it a ç ã o
c o m o da p r im e ira v e z e m que p is a ra na e m b a r c a ç ã o .
O b s e r v a m - s e a l g u m a s d i f e r e n ç a s entre a s e s c o l h a s d o s o b j e to s de c o n t e m p l a ç ã o . A l g u n s in d iv í d u o s e s c o l h e m p r i n c i ­
p a lm e n t e a n at urez a . O u t r o s o p ta m p r in c i p a l m e n t e p o r c r i a n ç a s , e, p ara a l g u n s , a e s c o l h a re ca i na m ú s i c a de b o a qu a lid a d e .
N o e ntan to , é p o s s í v e l a fir m a r qu e t o d a s e s s a s e s c o l h a s r e s u l t a m êx tas e , i n s p ir a ç ã o e in t e n s id a d e d a s e x p e r iê n c ia s b á s i c a s
da vida. N e n h u m d e s s e s i n d i ví d u o s , po r e x e m p lo , t erá e s s e m e s m o tipo de r e a ç ã o p o r f re q u e n t a r u m a da n c e te ria , o b te r muito
d in h e i ro ou até m e s m o p o r s e d i v e r t i r e m u m a festa.

A experiência (mística) de pico. E s s a s e x p r e s s õ e s su bj etiva s, c h a m a d a s e x pe riê n c i a s m íst ic as , tão b e m d e s c ri t a s p or


W il lia m J a m e s , s ã o ra z o a v e l m e n t e c o m u n s para e s s e s in div ídu os , e m b o ra n ão para to do s. A s f o rt es e m o ç õ e s d e s c ri t a s na s e ç ã o
an terio r à s v e z e s t o r n a m - s e su fic ie n t e m e n t e i n ten sa s, c a ó t ic a s e g e n e r a l i z a d a s para s e r e m c h a m a d a s de e x p e riê n c i a s m ístic a s.

0 in t e r e s s e e a a te n ç ã o s o b re e s s e a s s u n t o fo ra m inicia lm ente d e s p e r t a d o s em m im p ela d e s c r iç ã o feita po r e s s e s ind iv ídu o s


da s e n s a ç ã o do o r g a s m o s e x u a l , e m t e r m o s m a is ou m e n o s fa m ili a re s, que, m a i s tarde, le m bre i te re m s i d o u s a d o s po r v á r i o s
e s c r it o re s para d e s c r e v e r o qu e etes c h a m a v a m de ex pe riên ci a místic a. O b s e r v o u - s e a m e s m a s e n s a ç ã o do h o rizo n te infinito s e
a b rin d o diante d o s o lh o s , o s e n t im e n to n u n c a a n t e s viv ido de s e r ao m e s m o te m p o m a i s v ig o r o s o e m a is impotente, a s e n s a ç ã o total
de êxtase, e n c a n t a m e n t o e a dm ira ç ã o , a pe rda da n o ç ã o de te m p o e de e s p a ç o e, finalm ente, a c o n vi c ç ã o de h a v e r e xp e rim e n t a d o
a lg o e x t re m a m e n te im po rtan te e va lio s o , de m o d o que a p e s s o a s e se ntiu de a l g u m a m a n e ira t r a n s f o r m a d a e fo rtalec ida po r e s s a s
e xpe riê nc ia s , até m e s m o na vida cotidiana.
/
E im portante d e s v i n c u l a r e s s a s e x p e riê n c ia s de q u a l qu e r re fe rênc ia te o ló g ic a ou s o b re n a tu ra l, em b o ra, po r m ilh a r e s de ano s ,
f o s s e m v i n c u l a d a s . Po r s e tratar de ex p eriên c ia natural, be m de a c o rd o c o m a área de a tu a ç ã o da ciência, c h a m o - a de e xp e riê n c ia
de pico.
378 Historia da psicologia moderna

T a m b é m a p r e n d e m o s c o m e s s a s p e s s o a s que tais e x p e r iê n c ia s p o d e m o c o rr e r em m e n o r grau de inten si da de. A literatura


t e o l ó g i c a tem, g e r a lm e n te , a s s u m i d o u m a d ife re n ç a a b s o l u t a e q ua litativ a entre a e x p e riê n c i a m ís tic a e a s d e m a i s . A s s i m que
d e s v i n c u l a d a da re fe rê nc ia s o b re n a t u ra l e e s t u d a d a c o m o um f e n ó m e n o natural, t o r n a -s e p o s s í v e l s itu a r a e x pe riê nc ia m ístic a em
u m a s é rie c o ntínu a do in t en s o ao brando. D e s c o b r im o s , então, que a ex periê n c ia m ístic a branda o co rre para m uitos, talvez até para
a m a io ria d o s ind ivíd uo s; e, para a s p e s s o a s fa v o re cid a s, c o m freq uênc ia, talvez até m e s m o diariam e nte.

A m ístic a a g u d a ou a experiên ci a de pico p a re c e s e r um a extrem a in te n s ific aç ã o de qualquer d a s e x p e riê n c ia s em que há pe rd a


de s i ou t r a n s c e n d ê n c ia da e xp e riê n c ia , po r ex e m pl o , a c e n t r a li z a ç ã o do p ro b l e m a , a c o n c e n t r a ç ã o in t e n s a [...] a e x p e ri ê n c ia
s e n s u a l intensa, o d e sfru t e p ro fu n d o e altru istico de u m a m ú s i c a ou um a arte.

O interesse social ( G e m e in sch a ftsg e fu e h l ). E s s a patavra, in ve n tada po r A lfre d Adler, é a únic a d i s p o n ív e l para d e s ­
c re v er p erfe ita m e n te o s a b o r d o s s e n t im e n t o s que p e s s o a s c o m c a r a c t e rís t ic a s de a u t o rre a li z a ç ã o e x p r e s s a m pela h u m a nida d e .
E s s a s p e s s o a s têm pelo s e r hu m a n o , de m o d o geral, um p ro fu n d o s e n tim e n t o de identificaç ão , c o m p a i x ã o e afeto, a p e s a r de o c a ­
s i o n a l m e n t e s e n t ir e m raiva, im p a c iê n c ia ou re p u g n â n c ia , d e s c r i t a s a segu ir. P o r c a u s a d e s s e s s e n t im e n t o s , e s s e s in d iv íd u o s
/
p o s s u e m um v e rda d e iro de se jo de con tribuir c o m a raça h u m a n a. E c o m o s e f o s s e m t o d o s m e m b r o s de u m a únic a família. 0 s e n t i ­
m en to d e s s a s p e s s o a s em re la ç ã o a s e u s i r m ã o s s e r ia m a fe t u o s o s , m e s m o que e l e s s ej a m tolo s, f r a c o s ou até m e s m o d e s a g r a d á ­
veis. E l e s s e ria m p e r d o a d o s m a i s fa cilm e n te que o s e s tra n h o s .
S e a v is ã o do indivíd uo não for g e ra l o s ufic ien te e não for p ro p a g a d a d urante u m l o n g o período , talvez ela não e n x e rg u e e s s e
s e n t im e n to de i dentific aç ã o c o m a e s p é c ie h u m a na . A p e s s o a a u to rre a liz a d o ra é, afinal, b em diferente d a s o u t ra s no p e n s am e n t o ,
no im pulso , no c o m p o rt a m e n t o e na e m o ç ã o . E m re s u m o , em a l g u n s a s p e c t o s b á s ic o s , ela s e pa re c e c o m um fo ras te iro em um a
terra de e s t ra n h o s . B e m p o u c o s a c o m p r e e n d e m , m a s m u it o s g o s t a m dela.
Ela s e s e n t e m u ita s v e z e s aflita, a m a r g u r a d a e, até m e s m o , irada p e l a s l im ita ç õ e s d o s in d iv íd u o s m e d ia n o s ; enqu an to , para
ela, e s s e s i n d iv íd u o s m e d ia n o s c o s t u m a m s e r a p e n a s s im p l e s a m e a ç a s , o u tr a s v e z e s s e to rn a m v e rd a d e ira s tra gé dias . A s vezes,
n ão im po rta qu ã o distante esteja de les, a i nd a n utre um s e n t im e n to su b ja ce n te b á s i c o de b o n d a d e po r e s s a s c ria tu ra s c o m a s qu a is
deve s e preo c up ar, nã o po r c o n d e s c e n d ê n c ia , m a s po r s e s a b e r c a p a z de re a liza r muito m a is do que elas, de e n x e rg a r c o i s a s que
e la s não c o n s e g u e m ver, po rqu e a v e rd a d e q ue lhe é tão c lara é o b s c u r a ou o culta para a m a io ria d a s p e s s o a s . E s s e c o m p o r t a m e n ­
to é o que A d le r c h a m o u de atitude de irm ão m a is velho.

Comentários
Capítulo 14 Psicanálise: período pós-fundação 379

Cari Rogers (1902-1987)

Uma crianca solitária


/
380 Historia da psicologia moderna

Fantasias bizarras

Um colapso

/
C a p itu lo U Psicaná lise: periodo p ós-lund açà o 381

Dessa form a, o tipo de pessoa tratada consistia, basicam ente, de jovens inteligentes c extrem am ente co m un i-
cativos. O s problem as, cm geral, relacionavam -se a questões de ajuste c não de distúrbios em ocionais graves.
Essa população de pessoas era b em distinta daquela tratada p or Freud ou p o r outros psicólogos clínicos de
consultórios particulares.

A autorrealizacão 0

R ogcrs (1961) acreditava que a m aior força m otivadora da personalidade é o im pulso para a realização do sclf.
E m bora essa ânsia pela autorrealizacão seja inata, pode ser incentivada ou reprim ida por experiências da in -
fancia c p o r aprendizagem . R ogcrs enfatizava a im portân cia da relação e ntre m ãe c filho, p o r ela afetar o
senso de sclf c m evolução da criança. Se a m ãe satisfaz a necessidade de am or
Atenção positiva: amor
d o bebe, que R ogcrs cham ou de a te n ç ã o p o sitiv a , ele, provavelm ente, terá
incondicional da mãe pelo bebé
um a personalidade saudável.
N o entanto, se a m ãe condiciona o am or pelo filho a um com portam ento adequado (atenção positiva con-
dicional), ele internalizará essa sua atitude c desenvolverá condições de valor. Nesse caso, a criança se sentirá
valorizada som ente cm determ inadas condições, c tentará evitar com portam entos considerados reprováveis.
C onsequentem ente, a noção de si m esm a não se desenvolverá plenam ente. A criança não será capaz de expressar
todos os aspectos de si própria, porque aprendeu que alguns desses com portam entos produzem rejeição.
Desse m odo, o principal requisito para o desenvolvim ento da saúde psicológica c a atenção positiva in -
condicional na infancia. O ideal seria que a m ãe dem onstrasse am or c aceitação à criança, independentem en -
te de seu com po rtam ento . A criança que recebe atenção positiva incon dicional não desenvolve condições de
valorização c, assim, não terá de re p rim ir n enhu m a parte em ergente de si. Som ente dessa m aneira a pessoa,
p o r fim , será capaz de o b ter a autorrealização.
A autorrealização consiste no m ais elevado nível da saúde psicológica. O con ceito de R og crs c sem e-
lh ante, em princípio , ao de M aslow , em b ora am bos divirjam em algum as características de pessoas psico -
lo g icam en te saudáveis. R o g c rs considerava que elas tin h a m alcançado u m estágio q u e ele ch am ava de
fu n cio n am en to pleno.

Pessoas em pleno funcionamento


Para R ogcrs, as pessoas plenam ente funcionais o u psicologicam ente saudáveis apresentam essas características:

• m en te aberta para aceitar qualq uer tip o de experiência c de novidades;


• tendência a viver plenam ente cada m om ento;
• capacidade para se orien tar pelos próprios instintos c não pelas opiniõ es o u razões de outras pessoas;
• senso de liberdade no pensam en to c na ação;
• alto grau de criatividade;
• necessidade con tín u a de m ax im izar o seu potencial.

R o gcrs descrevia as pessoas plenam ente funcionais com o realizadoras, cm vez de realizadas, para indicar
que a evolução d o sclf está cm constante and am ento. Essa ênfase na espontaneidade, na flexibilidade c na
capacidade contín ua de crescim ento está perfeitam ente expressa no títu lo do livro m ais fam oso de Rogcrs:
Tornar-se pessoa [On becoming a persoti] (1961).
3 82 Historia da psicologia moderna

Comentários

Contribuições da psicologia humanista


C a p itu lo U Psicaná lise: periodo p ós-lund açà o 383

hoje, m ais dc 30 anos depois de R o g ers ter feito essa avaliação pessimista, a psicologia hum anista é vista com o
u m ram o que ofereceu grandes contribuições para a evolução contínua da psicologia.
E m bora a psicologia hum anista não ten ha transform ado a psicologia, ela fortaleceu na psicanálise a ideia
da capacidade qu e as pessoas têm de, consciente c livrem ente, m o ld a ra própria vida. A psicologia hum anista,
p o r ter surgido con com itan tem en te ao m o vim ento da psicologia cognitiva e te r se tornado parte do Zeitgeist,
ajudou in diretam en te a restaurar o estudo da consciência na psicologia experim ental acadêmica.
U m dos fundadores da psicologia cognitiva afirm o u que tin h a sido “mais tocado pelo espírito dos psicó-
logos hum anistas [c] visto a abordagem cognitiva com o um a visão mais hum anista do organism o hu m an o"
(Neisser apud Baars, 1986, p. 273).
D c m o d o geral, a psicologia hum anista ajudou a ratificar as m udanças já cm andam ento na área, c, ana-
lisada desse p o n to dc vista, p ode ser considerada bem -suced ida. Além disso, provocou im pacto ainda po r
q uatro décadas na psicologia contem porânea, (ver N icholson, 2007)

A psicologia positiva: a ciência da felicidade


O tem a da psicologia hu m anista c a noção dc que os psicólogos deviam estudar tan to os m elhores atributos
hum anos com o os piores, tan to as características positivas com o as negativas, foi reprisado na fala do presi-
d en te da APA, M artin S eligm an, cm 1998. D iscursando cm um sim pósio sobre a ciência do o tim ism o c da
esperança, Seligm an observou que o “ incansável enfoque nos aspectos negativos cegou a psicologia para os
m uitos exem plos de crescim ento, perícia, esforço c insight resultantes até m esm o de acontecim entos dolorosos
c indesejáveis da vida" (Seligm an, 1998, p. 1). C o m opinião não m uito diferente da que havia sido m anifes-
tada po r M aslow, 30 anos antes, Seligm an ainda acrescentou:

Por que as ciências sociais enxergam o potencial e as virtudes humanas - como altruísmo, coragem, hones-
tidade, obediência, alegria, saúde, responsabilidade e bom estado de espírito - como ilusões absolutas, defen-
sivas ou secundárias, enquanto a fraqueza e as motivações negativas —como ansiedade, luxúria, egoísmo,
paranoia, raiva, desordem e tristeza - são consideradas autênticas? (Seligman, 1998, p. 1)

Seu objetivo era persuadir psicólogos a desenvolver conceitos mais positivos sobre a natureza c o p o te n -
cial hum anos, o que iria se con cretizar com base no trabalho pioneiro dc M aslow c R ogers (ver Seligm an,
Stecn, P art c Peterson, 2005).

Martin Seligman (19A2-)


S eligm an, que in tro d u ziu a ciência da felicidade na psicologia n orte-am e rican a , antecipando, assim , outra
escola de pensam ento, não foi u m rapaz p artic u la rm e n te feliz. Apesar dc seu sucesso, ele ad m ite que raras
vezes se sente alegre. Em 2010, ele se classificou en tre os últim os 30% dc pessoas com sentim entos c e m o -
ções positivas.
A u m rep órter do jo rn a l Philadelpliia Itiquirer, ele disse que "um a vida p ode ser perfeitam ente boa c ple-
n am ente satisfatória sem n en h u m sentim ento positivo. M inha vida gira am plam ente cm to rn o dc significado
c p ropósito agora" (citado em liu rlin g , 2010, p. 14). E m u m a pesquisa anterior, realizada com estudantes
384 História da psicologia moderna

Uma adolescência difícil

0 rápido crescimento da psicologia positiva


Capítulo 14 Psicanálise: período pós-fundação 385

Dinheiro e felicidade

Saúde e idade
386 Historia da psicologia moderna

Casamento

Personalidade

Outros fatores que influenciam a felicidade


Capítulo 14 Psicanálise: período pós-fundação 387

0 que vem primeiro: felicidade ou su c e sso ?

Florescimento: um novo nível de felicidade


388 Historia da psicologia moderna

Scligm an diz que pretend e estender o co nceito de florescim ento para o local de trabalho, a sala de aula
c a cultu ra geral, para gerar u m aum ento 110 nível geral de bem -estar. O exército dos Estados U nido s capa-
cita, atualm ente, mais de 1 m ilh ã o de soldados com aulas sobre psicologia positiva p o r m eio d o C om preh en -
sivo Solvier Fitncss P ro gram , em urna tentativa de to rná-los m enos vuln eráveis ao tran storno de estresse
pós-traum ático c outras form as de estresse. Scligm an continua otim ista sobre o futuro da psicologia positiva.
“A credito que está d en tro da nossa capacidade fazer que, 110 ano de 2051, 51% da população h um ana esteja
florescendo. Essa c m inh a responsabilidade. E o nosso objetivo" (citado em B urling, 2010, p. 3).

Comentários
A pesquisa c teo rização n o cam p o da psicologia positiva captam o interesse de u m n úm ero cada vez m aio r
de psicólogos c, talvez, rep resente o legado m ais d urad o u ro do m o v im e nto da psicologia hu m anista, em
especial o trab alh o de A b raham M aslow sobre autorrealização. E para o futuro desenvo lvim ento da psico -
logia positiva co m o u m m o v im en to form al ou urna escola de pensam ento, Scligm an c outros psicólogos
positivos p ion eiro s tê m u m objetiv o b em m eno s estru tu rad o. “ Vemos a psicologia positiva com o urna m era
m ud ança de enfo q u e da psicologia", disse S clig m an, " d o estudo de alguns dos piores aspectos da vida para
o cstudo dos seus fatores valiosos. N ão vem os a psicologia positiva com o um sub stituto de tu d o o que foi
desenvolvido antes, m as apenas u m co m p lem ento e um a ex tensão dos estudos an teriores" (Scligm an, 2 00 2 ,
p. 2 66 -26 7 ).
A lgun s co ncord am com a avaliação inicial de Scligm an. D ois pesquisadores escreveram que "a v arie-
dade de tópicos c agora tão g rand e, q ue a psicologia positiva, com certeza, pod e ser considerada u m a psi-
cologia geral" (S im onto n c B aum eister, 2005, p. 100). E, parafraseando com entários sem elhantes feito p or
outros: “ O fu tu ro da psicologia positiva? E psicologia pura" (Gablc c H aidt, 2005 , p. 108). Q u a lq u er q ue
seja o status final da psicologia positiva, esse cam po vem ad o tand o um a visão am plam ente distinta da na-
tu reza hu m an a e m relação à proposta p o r S igm und F reud, q ue com eçou os estudos da personalidad e há
m ais de u m scculo.

A tradição psicanalítica na historia


D escrevem os algum as das divergencias surgidas na escola psicanalítica durante a época de Freud c posterior-
m ente a cia. A lgum as posições contem porâneas m antém pouca sem elhança com as visões freudianas, sendo
cham adas de "psicanalíticas" apenas p o r convenção, para distingui-las, 11a psicologia, da tradição exp erim en -
tal com po rtam en tal. A psicanálise foi m ais d ividida que o behavio rism o pelos seus teóricos revisionistas.
Apesar das m udanças introduzidas pelos neobchavioristas e os nco-ncobchavioristas, todos com partilhavam
da crença de W atson cm m an ter o co m p ortam ento co m o o foco central de estudo. E ntretanto, poucos segui-
dores de Freud concordavam em co ncen trar o enfo que do estudo nas forças biológicas do inconsciente ou na
m otivação sexual ou agressiva do indivíduo.
T odo esse m o vim ento resultou m u ito mais subeseolas da psicanálise que do behaviorism o. Essa diversida-
de de pontos de vista, no en tanto , pode ser considerada um sinal de vitalidade o u de fraqueza. O s aconteci-
m entos são recentes dem ais para serem julgados. M ais de cem anos após Freud ter iniciado seu m onum ental
trabalho, os fatos ainda são histórias em andam ento.
Capítulo 14 Psicanálise: período pós-fundação 3 89

QUESTÕES PARADISCUSSAO

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