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Fracasso Escolar – Desvendando as Causas e Buscando Soluções:

Um Olhar Abrangente sobre os Desafios da Educação

Rodrigo Littig da Silva


Fracasso Escolar - Desvendando as Causas e Buscando Soluções:
Um Olhar Abrangente sobre os Desafios da Educação

Rodrigo Littig da Silva

RESUMO

Buscando entender os meandros da problemática do fracasso escolar, este trabalho tem em vista
uma discussão de cunho histórico, social e com uma abordagem psicológica, passando por
marcos da educação e das intervenções sobre problemas educacionais de aprendizagem,
especificamente aqueles relacionados ao fracasso, a repetência e a evasão escolares. A partir de
análises de dados e estatísticas oriundas de veículos de pesquisa, busca-se clarear ao leitor o
cenário atual da educação e os desafios que os novos tempos têm trazido para alunos e
educadores. Por fim, uma discussão com um viés psicológico conclui este apanhado de modo
a salientar o caráter de urgência no que se refere às intervenções políticas e multidisciplinares
que o fracasso escolar tem exigido nos dias correntes.

PALAVRAS-CHAVE: Fracasso escolar. Atraso escolar. Repetência. Evasão escolar.


Educação.

ABSTRACT
Seeking to understand the intricacies of the problem of school failure, this work aims at a
discussion of a historical, social nature and with a psychological approach, passing through
milestones of education and interventions on educational learning problems, specifically those
related to failure, grade repetition and school dropout. Based on analysis of data and statistics
from research vehicles, we seek to clarify for the reader the current scenario of education and
the challenges that new times have brought to students and educators. Finally, a discussion with
a psychological bias concludes this summary in order to highlight the urgency with regard to
political and multidisciplinary interventions that school failure has demanded nowadays.

KEYWORDS: School failure. School delay. Repetition. School dropout. Education.

1. NOTAS INTRODUTÓRIAS

Quando se fala em fracasso escolar, diversas questões entram em jogo. Questões


relacionadas à saúde do estudante, questões em relação às políticas públicas, questões
relacionadas a fatores sociais, questões ligadas ao suporte familiar, à renda, à própria escola,
entre outros. No presente trabalho busca-se analisar algumas obras literárias que abordam a
temática e propor, nessa empreitada, uma discussão a partir de um viés psicológico, uma vez
que a psicologia está inserida dentro do ramo da educação e tem múltiplas e importantes
participações nos processos do ensino/aprendizagem, inclusive e principalmente em questões
ligadas ao mau rendimento dos alunos no âmbito escolar.
Uma ampla possibilidade de abordagens surge quando se discorre acerca do fracasso,
da repetência e da evasão escolares. Muitos fatores e entendimentos estão presentes no que se
refere à situação de um aluno que não tem um rendimento esperado. As queixas escolares, nesse
sentido, parecem girar em torno de (pelo menos) duas vias: O rendimento acadêmico e o
comportamento do aluno. Em alguns momentos essas queixas deixam de levar em conta os
fatores que estão por detrás desse mau rendimento do aluno. Outras vezes esses fatores são
usados, quase que exclusivamente, para explicar e dar sentido ao fracasso escolar dos alunos,
desconsiderando diversos outros construtos que podem estar presentes nesse processo.
O que o leitor encontrará nesse texto o ajudará a ter uma noção mais clara e global
desses determinantes para o fracasso escolar, a partir da literatura já produzida a esse respeito.
Percebe-se que as dimensões do problema ultrapassam a esfera individual do aluno e de sua
família, se mostrando também, e principalmente, uma problemática que afeta o estado (país)
em diversos setores. Será revisto, por fim, o que já foi proposto em caráter de intervenção junto
ao problema e propor-se-á um olhar psicológico no entorno dessa importante questão.

2. A EDUCAÇÃO – Dever do estado e da família

Para melhor consolidarmos nosso entendimento acerca da uma das grandes


problemáticas da educação brasileira hoje, é de suma importância, relembrarmos brevemente o
que é a educação no Brasil e como ela é construída. De saída, é importante a clareza ao leitor
de que, a priori, a educação é uma responsabilidade do estado. Enquanto construto básico e
fundamental para a construção e consolidação de sua sociedade com justiça e equidade, a
educação é um dever do estado e uma garantia a todos os cidadãos. A constituição de 1988, em
seu artigo 205, prevê:

Art. 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida
e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206. (BRASIL, 2016, p. 123).

Desse modo, é coerente que mudanças, melhorias, intervenções, projetos, verbas, entre
outros sejam cobrados do poder público, uma vez que as arrecadações da união são de
destinação para saúde, educação, segurança e assim por diante. É dever do estado assumir as
diretrizes e parametrizar a educação pública no país e isso através de políticas públicas que
visem o amplo acesso à educação a todos os níveis da sociedade, especialmente se
comprometendo a atender as classes mais carentes, uma vez que os maiores prejudicados se
encontram ali.
Além do que já foi dito, cabe ressaltar que também é um compromisso da família,
junto ao governo e sociedade, prover o necessário para que os filhos possam frequentar a escola.
Assessorá-los nos estudos quando possível. Acompanhá-los e incentivá-los.
Ademais da constituição federal de 88 temos ainda outro importante marco para a
educação básica no Brasil, esse muito mais recente, temos a Emenda Constitucional nº 59, de
11 de novembro de 2009. Esta, em seu artigo 208 busca estabelecer o intervalo de idade em que
o ensino obrigatório deve acontecer. É dito: “Art. 208 - Educação básica obrigatória e gratuita
dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para
todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria”.
No texto em questão é ressaltado que a educação básica é um direito de todos e um
dever do estado. Ela é gratuita e deve acontecer, preferencialmente, dos quatro aos dezessete
anos e, aos que não puderem ser alfabetizados na idade ideal, também é assegurado o direito do
acesso a educação de adultos.

2.1. Fracasso escolar – uma definição:

Adentrando o problema em questão é preciso, inicialmente, entender os termos e nos


situar dentro da discussão. Conceitualmente falando, tem-se em curso, entre os estudiosos da
aprendizagem, dois termos que são muito recorrentes, a saber, ‘atraso escolar’ e ‘fracasso
escolar’. Ambos buscam estudar e descrever construtos ligados ao mau rendimento dos alunos
em uma perspectiva de comparação entre idade e série escolar. Aqui também serão usados esses
termos como sinônimos.
Em termos práticos, os estudiosos da área da educação parecem concordar que o
fracasso escolar é caracterizado pela discrepância existente entre a idade do estudante e a série
a qual ele está cursando. Ou seja, os conhecimentos necessários, tradicionalmente atribuídos ou
relativos a uma determinada idade/série, não estão presentes ainda naquele estudante. Ele está,
desse modo, “em atraso” em relação ao currículo nacional empregado e, por consequência, em
relação aos demais estudantes que já consolidaram tais conhecimentos. Segundo PAULA,
FRANCO e SILVA (2018, p.888): “O aluno que apresenta dois anos ou mais de diferença da
idade recomendada para a série que cursa está em atraso escolar, contribuindo para a origem de
imperfeições no fluxo escolar.” Tem-se, portanto, uma definição em torno da qual se possa
buscar evidências e formular respostas e, ainda, tentar estabelecer uma relação de causalidades
e de consequências.
3. Como a escola percebe o fracasso

Há muitos fatores apontados pelas escolas como gênesis do fracasso escolar de suas
crianças. Estão entre esses fatores a condição alimentar, a condição social, de habitação, (por
vezes) às distâncias a serem percorridas, a necessidade de trabalhar para ajudar nos proventos
familiares, etc. No entanto, aqui busca-se desmistificar um discurso amplamente difundido por
parte das escolas que, na busca por um culpado, professam o discurso de que o maior causador
dos problemas de aprendizagem e, portanto, do fracasso escolar é a fome, a escassez alimentar
vivida por uma parcela considerável de crianças e adolescentes que frequentam a rede de ensino
público.1
Está bastante claro que, da parte da escola, há uma tentativa de “medicalizar” o
fracasso escolar. Dessa forma a responsabilidade é tirada de si e o fracasso é, agora, algo que
diz respeito ao aluno, a alguma causa orgânica nele. Seria necessário, então, levar a demanda
do fracasso escolar para a área médica e ser tratada, corrigida, ali.
É evidente que uma criança malnutrida terá déficits em diversos campos e instâncias
do seu desenvolvimento. E está muito claro também que, em determinadas situações, há sim
causas orgânicas envolvidas no fracasso escolar e que merecem, por isso, um olhar médico
multidisciplinar para uma intervenção adequada. Mas será a desnutrição um fator com tamanho
potencial a ponto de ser contribuinte para o fracasso escolar? Sobre isso temos que:

Tal constatação reforça minha afirmação de que nas escolas existem muitas crianças
portadoras de desnutrição leve. Hoje, até talvez em número maior que o de 1980, uma
vez que a situação econômica da população vem paulatinamente se deteriorando nos
últimos anos. Entretanto, é preciso não se esquecer do tipo de deficiência de que elas
são portadoras, ou seja, desnutrição leve. Não existem em todo o mundo trabalhos de
pesquisa que obedeçam, minimamente, a critérios de metodologia científica, que se
proponham a estudar a relação de desnutrição leve com rendimento escolar, e quando
algum pesquisador tenta encontrar tal relação, não a consegue estabelecer, como é o
caso de SCHUFTAN (1974) e POLLITT (1984), que não conseguiram encontrar
significância no resultado dessa relação e relatam ser impossível isolar a desnutrição
da rede complexa de fatores sociais da qual faz parte, ou seja, do "complexo de doença
social" que assola o meio no qual a criança escolar pobre está inserida. (COLLARES,
1996, p. 26 - 27).

Ora, como evidencia a referida autora, as crianças malnutridas que frequentam o


sistema público escolar na atualidade são crianças com desnutrição leve, ou, de primeiro grau
como chamam os especialistas. Esta, por sua vez, não é apontada, dentro das pesquisas e estudos
científicos, como limitadora da capacidade intelectual. Como segue:

Entretanto, o que estamos querendo enfatizar é que este grau de desnutrição não afeta
o desenvolvimento do sistema nervoso central, não o lesa irreversivelmente e,

1
CAVALCANTE; ARAÚJO; NETO; FERREIRA; PEIXOTO, 2017, p. 240
portanto, não torna a criança deficiente mental, incapaz de aprender o que a escola
tem a lhe ensinar. A criança portadora de desnutrição leve apenas sacrifica o seu
crescimento físico para manter o seu metabolismo. Exames clínico e laboratorial
indicam que a criança é normal, com exceção de um déficit de peso e estatura em
relação à sua idade. (COLLARES, 1996, p. 27).

E continua:

Geralmente, estas crianças são encaminhadas a um serviço médico ou a um serviço


de saúde mental, onde são atendidas por médicos ou psicólogos imbuídos dos mesmos
preconceitos da professora - são profissionais que, embora na maioria dos casos sem
formação adequada, não hesitam em atribuir às crianças, sem avaliação aprofundada,
um retardo mental, que justificam ser conseqüência do estado de desnutrição. Para as
crianças pobres, assim, fracasso escolar é sinônimo de deficiência intelectual.
(COLLARES, 1996, p. 26).

Em resumo, é do entendimento dos estudiosos da aprendizagem que a desnutrição leve,


presente na grande maioria dos alunos de classe baixa, não pode ser um determinante para o
fracasso escolar desses estudantes. Ainda que ela tenha um papel dentro de todo o contingente
de fatores que podem ser associados ao fracasso, ela não está, nem de longe, no centro do radar
que escrutina os contribuintes para a defasagem de aprendizado dos alunos, o fracasso, a
repetência e a evasão.
Ora, os fatores que podem ser elencados como fomentadores do fracasso escolar são
variados e dependem de ainda outros fatores como a cultura, região e país, por exemplo. Está
claro que, quando há uma abordagem unilateral no discurso que busca culpabilizar ou encontrar
as raízes do fracasso escolar, o que se propõe na verdade é eximir-se da própria
responsabilidade. Nessa perspectiva, temos que:

De certo muitos ignoram esses fatores e acabam constantemente culpando a criança,


um exemplo disso é dizer que ela não está tendo um bom aproveitamento escolar
porque tem “problemas de aprendizagem”. Os membros da escola muitas vezes
preferem não enxergar os fatos e deslocam a responsabilidade da instituição diante do
fracasso escolar. (CAVALCANTE; ARAÚJO; NETO; FERREIRA; PEIXOTO,
2017, p. 237).

A isso, também COLLARES (1996, p. 27) respalda, quando afirma:

Se a criança escolar [que] apresenta desnutrição leve, não possui lesões no sistema
nervoso que a torne incapaz de aprender, por que então, ao entrevistarmos na escola
professores, diretores e especialistas, esta deficiência é apontada como uma das
principais causas do fracasso escolar? Pensamos que colocar as causas desse mau
rendimento nas crianças, individualmente, é uma forma de, até inconscientemente, se
tentar minimizar ou mesmo ocultar a falha da escola, em particular, e de todo o sistema
educacional em geral.

Desse modo temos que o cenário pintado pela escola, em grande parte, passa pela via
da culpabilização apontando para os fatores externos a ela. Isso se evidencia de maneira especial
no que tange a questão referente à saúde nutritiva dos alunos, questão essa que é apontada pela
escola como fator preponderante para a explicação do fracasso desses alunos. Esses últimos,
por sua vez, acabam sendo encaminhados a diversos serviços ligados ou não à área da saúde,
como é o caso da fonoaudiologia, da neurologia e, mais recentemente, da psicopedagogia, entre
outros.2

4. Como o aluno percebe o fracasso

Se de um lado, o lado da escola, as atribuições causais para os problemas relacionados


ao fracasso, repetência e evasão escolares são colocados (ainda que inconscientemente) sob a
jurisdição do aluno, da parte do aluno essa atribuição causal é ainda mais complexa.
A verdade é que, dada a natural condição de questionadores – especialmente natural
nas crianças e adolescentes, os alunos vão desenvolvendo diferentes explicações acerca de seus
sucessos ou fracassos, seja no que se refere à escola ou a qualquer outra área da vida. Em
ALMEIDA; MIRANDA e GUISANDE (2008, p. 170), tem-se o seguinte:

Na longa tradição da psicologia cognitiva, o ser humano formula percepções e


avaliações sobre os seus comportamentos e desempenhos (Heider, 1944), buscando
também uma explicação para os níveis de rendimento atingidos. Na escola, em
particular, os alunos vão desenvolvendo justificativas que os ajudam a interpretar os
seus melhores e mais fracos resultados acadêmicos.

Tomando por base que os alunos já estão naturalmente inclinados a buscar


justificativas e explicações a respeito de seus mais diversos comportamentos e rendimentos,
encontra-se, então, um cenário em que múltiplas possibilidades de explicação surgem para as
problemáticas do fracasso escolar. Tem-se, ainda, uma variação dessas explicações a depender
do gênero e da idade da criança. Um aluno repetente de 9 anos atribuirá uma explicação
diferente de um aluno repetente de 15 para justificar sua condição escolar. Pode-se colocar da
seguinte forma:

Tomando a diversidade de explicações que os alunos invocam para explicar o seu


sucesso e fracasso na escola, Weiner (1986, 1988) organiza-as em seis fatores: 1)
capacidade, que reflete o grau em que considera as suas próprias habilidades e
aptidões como relevantes para a realização da tarefa; 2) esforço, que reflete a
intensidade e energia que o sujeito imprime para levar a cabo uma determinada tarefa;
3) estratégias, que se refere aos diferentes processos e métodos que o sujeito
implementa para melhorar os seus resultados na aprendizagem; 4) tarefa, que diz
respeito à dificuldade ou facilidade das tarefas escolares; 5) professores, que se
relaciona com a percepção do papel que o professor assume no rendimento do aluno,
por exemplo, em função das suas características de personalidade e de destrezas
profissionais; e 6) sorte, que expressa o peso que o aluno atribui ao azar ou à sorte nos
seus desempenhos acadêmicos. (ALMEIDA; MIRANDA e GUISANDE, 2008, p.
170).

2
COLLARES, 1996, p. 27
Certamente o leitor terá clareza de que há ainda muitas outras atribuições causais
trazidas pelos alunos, mas no cômputo geral essas, acima ditas, são as principais a serem
observadas, segundo as pesquisas na área. Para dar melhor entendimento ainda sobre a dinâmica
dessas causas apontadas no texto e o modo como elas dialogam com a realidade, os autores
sistematizaram-nas em causas internas e externas, em causas estáveis e instáveis e em causas
controláveis e incontroláveis.
A grande discussão a que tudo isso nos leva é: qual a relevância que tais justificativas
exercem na vida e, especialmente, na saúde emocional e cognitiva desses alunos? Sobre isso é
dito o seguinte:

As atribuições causais têm conseqüências, tanto para as expectativas de sucesso e de


fracasso futuro, como para o auto-conceito e a auto-estima dos alunos. [...] As
dimensões de causalidade e as crenças individuais responsáveis pelos sucessos e
fracassos escolares desempenham um importante papel no rendimento subseqüente
do aluno, nas emoções e na própria motivação para a aprendizagem. Logicamente que
estas atribuições, a sua diferenciação entre os alunos e a própria importância que
assumem em cada aluno refletem as experiências anteriores de aprendizagem e de
desempenho, marcando igualmente as suas experiências futuras. (ALMEIDA;
MIRANDA e GUISANDE, 2008, p. 170).

Portanto, entender o alcance das atribuições de causalidade feitas pelos alunos com
dificuldades de aprendizagem significa entender também o impacto que tais justificativas geram
e irão gerar nesse aluno ao longo do seu desenvolvimento. É correto afirmar, assim, que, no que
se refere a pessoa do aluno, os problemas advindos do fracasso escolar são diversos, e poderão
facilmente serem levados por toda a vida, impactando diretamente as demais áreas de seu
desenvolvimento humano. Psicologicamente falando o aluno irá, numa tentativa de manutenção
de sua autoestima e numa tentativa de dirimir a carga emocional negativa gerada pelo seu mau
rendimento, atribuir valores a respeito de si mesmo e de suas capacidades, valores esses que
podem estar em desacordo com a realidade. A situação pode ser tal que, os problemas
relacionados ao seu mau rendimento podem acabar sendo associados a fatores externos a ele
próprio e que fogem à capacidade dele de resolução, quando na verdade essa pode não ser a
realidade. Alguns podem, ainda, desenvolver atitudes que são, a curto prazo, ainda mais
potencialmente danosas. Sobre isso, ALMEIDA; MIRANDA e GUISANDE, 2008, p. 170, nos
dizem:

Quando essa estratégia defensiva não pode ser prolongada, alguns estudantes invertem
o valor da situação crítica, por exemplo, organizam-se em torno de uma cultura anti-
institucional, em que se valoriza precisamente o “ser mau” na escola ou se apresenta
comportamentos característicos do estatuto adulto (ingestão de bebidas alcoólicas,
fumar, ter relações sexuais etc.
É urgente que se entenda de modo mais claro as raízes do fracasso escolar e dos
constituintes desse processo. Tratar desse que é um problema social equivale a tratar de
problemas individuais de crianças que virão a se tornar adultos com diversos enfrentamentos
psicológicos e emocionais por terem sido vítimas dessa situação na escola. Falar sobre o
fracasso escolar e, mais do que isso, buscar novas soluções para ele, equivale a dirimir, antes
mesmo que surjam, problemas clínicos bastante característicos e presentes naqueles indivíduos
adultos que enfrentaram essa situação durante a jornada escolar.

4.1. O cenário atual da educação

Entender o cenário no qual o país se encontra em termos de educação nos dias correntes
nem sempre é tarefa fácil. Isso se dá por variados motivos, nem todos passíveis de serem
abordados com profundidade nesse trabalho. Para que se possa, no entanto, avaliar o cenário
atual da educação e fazer-se consciente de tais variáveis, é mister que tenhamos algum
parâmetro em mente, a nível de comparação. Dadas as dimensões do território brasileiro e a
heterogeneidade de seu povo, é preciso que esse parâmetro faça justiça ao cenário demográfico
que nos pertence. Levando tudo isso em conta, pode-se partir do pressuposto que:

Um sistema educacional é de qualidade quando seus alunos aprendem e passam de


ano. Além disso, tem que atender a todas as suas crianças e jovens. Quando todas as
crianças têm acesso à escola, diz-se que o acesso à escola está universalizado. O ideal
é que todos os jovens concluam o Ensino Fundamental (EF) e o Ensino Médio (EM).
Como isso é difícil, diz-se que a conclusão do EF (EM) está universalizada se mais
de 95% dos jovens o concluem. No Brasil, o acesso à escola está universalizado, mas,
como veremos mais adiante, a conclusão do EF e do EM está longe de ser
universalizada. (KLEIN, 2006, p. 140).

No texto em questão Klein faz um recorte do que pode ser chamado de sistema de
educação de qualidade. Para a autora, um sistema educacional de qualidade está intrinsecamente
vinculado a dois pressupostos básicos: O primeiro diz respeito a aprender e seguir em frente
(progredir de série), o segundo tem a ver com abranger todos aqueles que precisam de acesso à
educação. No entanto, percebem-se problemas nos dois pressupostos básicos estabelecidos para
firmar a educação de qualidade. Atualmente temos problemas com aprendizado e progressão, a
repetência mediante reprovação ainda permanece alta e, em decorrência dela, tem-se também o
fracasso e, por fim, a evasão escolar. O que nos leva já ao segundo ponto, que diz respeito a
abrangência da educação ofertada. É evidente que nem todas as crianças e jovens (e também
adultos) têm total e completo acesso a educação hoje. As barreiras enfrentadas na conjuntura
atual incluem a situação de renda, barreiras geográficas que dificultam o acesso à escola,
escassez de docentes especialmente em regiões mais remotas (interior/escola rural), entre
outros. Ou seja, ainda há o que se fazer em termos de políticas públicas que atendam a essas
demandas que a educação básica brasileira levanta. Assim, como o cenário atual não comporta
um atendimento a 100% dos escolares, conveniou-se que a medida usada para a definir a
universalização da educação seria uma média mais “atingível”, chegando-se assim ao número
de 95%. Como aponta ainda a autora, embora o Brasil tenha atingido os parâmetros para a
universalização da adesão ao ensino regular (95%), ainda há muito o que se observar para que
a marca de conclusão desse ensino seja igualmente aceitável. Uma parcela considerável desses
alunos, que têm acesso a educação básica, ainda encontram grandes dificuldade em permanecer
e concluir seus estudos, o que nos faz retornar ao centro desta discussão a respeito do fracasso
escolar.

A evasão, que se mantém nos últimos anos, após uma política de aumento
significativo da matrícula no ensino médio, aponta para uma crise de legitimidade da
escola, que resulta não apenas da crise econômica ou do declínio da utilidade social
dos diplomas, mas também da falta de outras motivações para os alunos continuarem
estudando. (KRAWCZYK, 2009, p. 756).

Como apontado, o avanço tecnológico, cultural e científico parece ter colocado a


escola em face de um problema ideológico no que tange a visão que o aluno tem a respeito dela.
Associada a algo desconectado do mundo, ela parece vir perdendo o seu caráter de importância
e sua razão de ser. O aluno vem, cada vez, mais passando por um processo de desmotivação
para levar a termo os seus estudos. É dito também que:

Quanto ao interesse intelectual, na maioria dos casos, a atração ou rejeição dos alunos
por uma ou por outra disciplina está vinculada à experiência e aos resultados escolares.
O interesse pela disciplina está diretamente associado à atitude do docente: seu modo
de ensinar; a paciência com os alunos; e a capacidade de estimulá-los e dialogar com
eles. (KRAWCZYK, 2009, p. 756).

Aqui fica claro que não se enfrenta hoje apenas um problema de falta de contingente
de educadores (especialmente no que se refere às escolas rurais), mas também uma situação
interna, que diz respeito a capacidade do educador de dialogar com a realidade na qual o aluno
está inserido. Essa falta de comunicação assertiva leva o momento didático para um âmbito
chato, entediante, desmotivador, cansativo e, no fim das contas, pouco realista no que se tange
às questões que o aluno vivencia e com as quais lida diária e constantemente. É necessário que
os professores desçam ao nível do aluno para olhá-lo de igual para igual, conhecendo assim sua
realidade própria, suas questões, seus pontos fortes e fracos e ali, na sua realidade, o estimule a
desenvolver o melhor de suas capacidades. Para fortalecer o entendimento, KRAWCZYK
(2009, p. 767) formula:
A escola tem que estar comprometida com a comunidade na qual está inserida, mas
também com os desafios apresentados pela realidade, complexa e controversa. Há que
deixar o mundo e suas contradições entrarem na escola por meio do cinema, teatro,
Internet, da arte de todo tipo, do conhecimento de política internacional, do
conhecimento das diversidades culturais etc.

As demandas postas pela realidade socioeconômica do Brasil, que se caracteriza pela


desigualdade e concentração de renda, somadas à grave situação educacional do ensino público
vêm mostrando que os problemas relacionados à educação são amplos, recebem nuances e
configurações distintas e carecem de pesquisas e planos de ação para fazer com que a escola
novamente dialogue com a realidade atual dos seus alunos. A escola precisa parar para levantar
alguns questionamentos importantes diante da evasão escolar. Como novamente os alunos?
Onde entram as novas tecnologias? Elas são ferramentas que podem auxiliar o processo de
aprendizagem ou são inimigas contra quem a escola deve travar uma batalha? O aluno, está
sendo ouvido nesse processo todo?
No que se refere à política, é necessário que haja menos políticas de governo e mais
políticas de estado. Infelizmente o que se nota é que políticas são implementadas e
desenvolvidas, mas, enquanto ainda estão em fase embrionária, são engavetadas porque o
próximo governante não quer ser associado ao governante anterior. Desse modo, pouco é feito
e menos ainda é levado a cabo, visto intervenções dessa magnitude demoraram anos, por vezes
décadas para surtirem reais resultados. Encerram esse entendimento as palavras de
KRAWCZYK (2009, p. 767).

Sem dúvida, a escola precisa mudar e reencontrar seu lugar como instituição cultural
em face das mudanças macroculturais, sociais e políticas e não apenas das
transformações econômicas. Uma mudança que não seja uma simples adaptação
passiva, mas que busque encontrar um lugar próprio de construção de algo novo, que
permita a expansão das potencialidades humanas e a emancipação do coletivo:
construir a capacidade de reflexão.

5. O que já foi feito?

Talvez uma das maiores problemáticas em termos de intervenção institucional por


parte das políticas governamentais tenha sido, como já dito anteriormente, a que diz respeito a
dados errados. Em diversas ocasiões é-nos mostrado que estatísticas erradas levaram a
implantação de políticas que não atingiam de maneira visceral o problema do fracasso escolar.
Sobre essa dinâmica problemática de intervenção sob pressupostos errados temos:

No Brasil, muitas políticas educacionais foram baseadas em diagnósticos errados. Um


exemplo disso foi considerar a evasão entre séries, especialmente na 1ª série, como
um dos grandes problemas da educação brasileira. Por isso concluía-se que faltavam
escolas e se culpavam as famílias por não manterem os filhos nas escolas. A taxa de
evasão sem correção na 1ª série, em 1982, era de 28%, e a taxa de repetência era
também de 28%. A ênfase era na evasão. Após a correção das taxas, verificou-se que
a taxa de evasão era de somente 2%, mas que a taxa de repetência era muito mais alta,
de 60%. O problema é a repetência e não a evasão. (KLEIN, 2006, p. 140).

Ou seja, visto que o diagnóstico estava errado, as intervenções feitas pelo governo
eram também equivocadas. Priorizavam, em grande medida, a criação de novas escolas que
viabilizassem o acesso e a permanência por parte dos alunos, especialmente aqueles localizados
em zonas rurais. A métrica tomada aqui era a evasão, já na primeira série do ensino
fundamental. No entanto, os dados corretos mostravam que o real problema vivido pelo sistema
público de ensino da época era a repetência, e não a evasão.3
Apesar das dificuldades geradas por intervenções pouco eficazes provenientes de
dados estatísticos errados, a escola pública sempre esteve ciente de suas problemáticas. E nessa
perspectiva algumas considerações sobre alguns programas implantados valem ser feitas.
LADEIRA e INSFRÁN (2020, p. 01) aborda essa questão com o seguinte:

Ao levarmos em conta a realidade da evasão escolar no Brasil, caracterizando-se como


grande desafio para as escolas e para o sistema educacional, podemos destacar que
historicamente políticas públicas vêm sendo implementadas a fim de conter os
movimentos de fracasso e evasão escolar. Falar de políticas públicas é sem dúvida
levar em conta as políticas de progressão continuada, cujo objetivo principal é garantir
a permanência do aluno na escola pela via da eliminação da repetência, flexibilizando
o tempo escolar e a progressão entre os anos escolares.

A Política de Progressão Continuada, ou escola em ciclos, não é uma invenção


brasileira, pelo contrário, é uma tentativa de adaptação de uma intervenção europeia, da França
mais especificamente, para tratar dos mesmos problemas de repetência, fracasso e evasão
escolar. Cabe, talvez, um fundo histórico para nos situar:

Foi implementada na França, a partir de 1989, uma política de renovação da escola


primária, denominada política de ciclos, que tinha como objetivos obter uma redução
maciça dos atrasos escolares e uma melhoria da qualidade das aprendizagens na escola
primária. Esta política não representou uma reforma estrutural, mas tratou de, no
quadro das estruturas existentes, instituir um novo funcionamento da escolaridade, em
ciclos plurianuais. (CRESAS, 2016, p.01).

Em termos práticos, o que se propunha era que as reprovações fossem limitadas ao


máximo, fosse dentro do próprio ciclo, ou na transição de um ciclo ao outro. Quando julgadas
inevitáveis, essas reprovações deveriam ocorrer não mais como uma retomada idêntica de um
ano escolar, mas como uma ampliação daquele ciclo. A escolaridade elementar, neste sentido,
podia ser prolongada por um ano apenas, e todos os alunos deveriam entrar no colégio ao mais

3
KLEIN, 2006, p. 140
tardar na idade de doze anos. De modo demonstrativo, no estado de São Paulo o Ensino
Fundamental foi dividido em três ciclos: o inicial, que correspondia aos três primeiros anos
letivos; o intermediário, aos três seguintes; e o ciclo final, as antigas 7ª e 8ª séries.4
Já desde a década de 1920 já se falava em compor algum tipo de adaptação da política
escolar de ciclos dentro da educação pública brasileira. No entanto, mais três décadas se
passariam até que essa proposta ganhasse forma e fosse de fato implementada como tentativa
de controle da evasão e dos determinantes que levavam a ela (repetência e fracasso escolares).
Sobre essa origem da política de Progressão Continuada no Brasil, é afirmado:

O estado do Rio Grande do Sul foi o primeiro no Brasil a adotar em 1958 uma
modalidade de progressão continuada baseada em classes de recuperação para alunos
que eles consideravam ter maiores dificuldades de aprendizado, levando em conta que
tais alunos, uma vez recuperados de suas dificuldades, voltariam a suas classes de
origem. A partir dos anos 1960, persistiam em todo o país altos índices de repetência
escolar e evasão, inflamando em todo o território nacional perspectivas favoráveis à
progressão continuada. É importante destacar que a adoção do regime de ciclos
escolares, até a década de 1980, teve como seu modelo os sistemas de ciclos adotados
nas escolas básicas dos Estados Unidos e da Inglaterra, que eram referência na
aprovação dos alunos, independentemente do aproveitamento que tais alunos
apresentassem. (LADEIRA e INSFRÁN, 2020, p. 01).

Os autores supracitados levantam questões realmente muito pertinentes e que beira ao


horror no que se refere a implementação da política de ciclos no Brasil. Entenda o leitor que,
uma vez que dentro dessa política, como já foi dito, o aluno “não reprova”, passando por um
período maior de absorção do conteúdo defasado, mas progredindo para os ciclos posteriores,
muitas vezes, sem o domínio pleno dos saberes. No estado de São Paulo, onde essa política
educacional foi amplamente difundida pelo sistema de ensino público, os próprios pais e
professores reclamaram do modelo alegando os mesmos pressupostos, como observa-se:

... torna-se importante trazer a contribuição de Avancini (2001) ao destacar uma


pesquisa realizada com cerca de 10 mil professores da rede estadual de São Paulo que
revelou que a maioria deles (91.9%) discorda desse tipo de sistema de ensino,
afirmando que “os alunos passam de uma série para a outra sem o domínio do
conteúdo”. (LADEIRA e INSFRÁN, 2020, p. 02 op cit AVANCINI, M., 2001).

E ainda:

Com o discurso de que “agora a escola não reprova” e, portanto, “não exclui os
alunos”, é passada a idéia que todos terão as mesmas oportunidades de acesso ao
conhecimento, o que é uma ilusão, na medida em que os depoimentos das famílias e
dos professores mostram uma insatisfação muito grande em relação a esta proposta,
indicando o desejo de retorno ao sistema de avaliação anterior. [...] No que se refere
às famílias, a mídia, nos últimos anos, apresentou vários depoimentos de pais
insatisfeitos com o novo regime adotado nas escolas. Eles alegam que seus filhos
passam de uma série para a outra sem “saber”. (AUGUSTO; GODOI, 2004, p. 8).

4
CRESAS, 2016, p.01
Mas, o leitor pode estar se perguntando: como tal sistema se perpetuou e foi inclusive
implementado por outros estados (Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Rio Grande do Norte,
Rio de Janeiro e Minas Gerais) se os próprios professores não acreditavam no processo e
abertamente exibiam suas opiniões contrárias? Ora, o que estava em jogo ia além do
aprendizado dos alunos ou mesmo da tentativa de tratar um problema, a saber, a evasão escolar
e os índices de fracasso/repetência. Estava em jogo também uma questão de verba internacional
(em caráter de empréstimos), dedicada a países emergentes, para ser investida no âmbito da
educação, na tentativa internacional de aumentar os índices de alfabetizados nesses países, dos
quais, o Brasil fazia parte. BARRETO (2001, p. 125) diz:

Com isso, é bastante pertinente a fala de Freitas (2002, p. 96) ao afirmar que “para o
Estado é muito melhor que o aluno seja reprovado pela vida, devido à sua
incompetência e falta de esforço, do que na escola, de modo a atrapalhar as estatísticas
governamentais e gerar custos adicionais". A fim de tornar mais enriquecida esta
discussão, cabe admitir que analisar a questão da progressão continuada é também ter
que levar em conta uma educação subordinada aos organismos internacionais, pondo
em destaque os financiamentos do Banco Mundial e de outros organismos
internacionais à educação brasileira, sobretudo em forma de empréstimos. De acordo
com Santos (2010), o primeiro empréstimo concedido ao governo brasileiro pelo
Banco Mundial ocorreu no início da década de 1970 e visava implementar o ensino
profissionalizante de nível médio industrial e agrícola. (LADEIRA e INSFRÁN,
2020, p. 02).

É realmente um desalento pensar que, embora estivesse sendo feito alguma coisa para
a situação do fracasso escolar e suas consequências, não era exatamente isso que estava no radar
das políticas governamentais nas décadas anteriores à virada do século.
Mas nem tudo parece conduzir a uma conclusão pessimista a respeito das intervenções
político-governamentais sobre o fracasso escolar. Mais recentemente novos programas têm sido
pensados e parecem estar muito mais próximos da realidade brasileira no que se refere aos
problemas da ordem da educação básica.
Em 2012, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) foi lançado
pelo Ministério da Educação. Ele é considerado um avanço positivo pela maioria dos estudiosos
da área da educação, uma vez que sua abordagem dialoga mais diretamente com as dificuldades
que são vivenciadas pelos alunos. O plano apresenta cinco objetivos:

I - garantir que todos os estudantes dos sistemas públicos de ensino estejam


alfabetizados, em Língua Portuguesa e em Matemática, até o final do 3º ano do ensino
fundamental; II - reduzir a distorção idade-série na Educação Básica; III - melhorar o
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB); IV - contribuir para o
aperfeiçoamento da formação dos professores alfabetizadores; V - construir propostas
para a definição dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças nos três
primeiros anos do ensino fundamental. (BRASIL, 2012, p. 23).
O PNAIC foi um avanço nas políticas que buscam tratar das inconsistências do ensino
público, uma vez que vem promovendo um real investimento na formação continuada dos
professores. Isso equivale a atacar o problema do fracasso escolar pela via contrária ao
tradicional, que busca intervenções diretas no aluno. Com o PNAIC, também se formulou um
conjunto de direitos de aprendizagem que constituíam um real currículo coerente para todo o ciclo
inicial, e este currículo, por sua vez, partia do respeito à diversidade, assumindo e defendendo a
heterogeneidade dentro da sala de aula e buscando uma progressão nítida ao longo do primeiro, segundo
e terceiro anos do ensino fundamental. O PNAIC também caminhou pela via do aproveitamento de todos
os recursos disponíveis para assessorar a aprendizagem, livros didáticos, obras complementares, caixa
de jogos, recursos audiovisuais, entre outros. E, por fim, e não menos importante, enquanto política
pública federal, o PNAIC representou o efetivo envolvimento das Universidades públicas de nosso país
na formação continuada dos alfabetizadores.5
Certamente ainda há muito que ser feito em termos de políticas públicas para a melhoria do
ensino público, para o controle das variáveis que interferem nesse ensino e para, finalmente, dirimir os
problemas de defasagem curricular, de discurso escolar aquém da realidade do aluno, problemas
diversos de aprendizagem, atraso, repetência e evasão. Mas o cenário parece, ainda assim, promissor.
E, claro, como relata KLEIN (2006, p. 140): “As políticas implementadas, por sua vez, também
precisam ser avaliadas para verificar sua eficácia e se há necessidade de mudanças. Até os
conceitos e diagnósticos precisam ser questionados e corrigidos quando necessário.”

6. Considerações finais

A partir do que foi refletido e dos desdobramentos a que chegou essa discussão é
tornado claro como urge que se desenvolvam mais pesquisas na área da educação, e que, junto
delas sejam propostas novas e melhores intervenções para os difíceis cenários vividos em
termos de atraso na aprendizagem dos alunos. A revisão bibliográfica mostra que ainda se tem
dificuldades tanto em levantar os dados quanto na interpretação deles. Mostra também a
necessidade de se adotar uma postura mais séria no que tange a assumir que o problema do
fracasso existe de fato e que ele pertence não somente ao aluno, mas a família, a escola, ao
governo e a sociedade como um todo.
Como evidenciado, quase sempre a postura de enfrentamento ao fracasso escolar
envolve muito mais estabelecer culpados sem grande apreciação crítica, apenas a título de
livrar-se da própria parcela de responsabilidade. Nesses discursos ouve-se que a família é

5
MORAIS, 2022, p. 4
culpada por não manter os filhos na escola, que o aluno não tem real interesse, que o meio social
está completamente deturpado e assim por diante. Na outra ponta estão discursos igualmente
acalorados de que é a escola que não tem condições boas para uma boa educação, que há falta
de interesse público na educação de crianças e adolescentes, que os professores estão
deficitados em conhecimento etc.
No que concerne aos docentes, se cabe aqui uma alegoria, dentro da escola, o professor
precisa assumir uma postura de quem orienta alpinistas, os alunos, na escalada de uma
montanha. Os alunos são diversos, com habilidades diversas para serem empregadas na
escalada. O professor entra aqui como aquele que vai se valer dessas habilidades, fomentando
o uso delas e ajudando no desenvolvimento de outras para que a escalada acontece de maneira
mais facilitada. Haverá, é claro, aqueles alpinistas com maior dificuldade, seja em empregar
suas próprias habilidades, seja em desenvolver novas. Ora, se o professor tratar a todos de
maneira igual é evidente que uma parcela dos alpinistas conseguirá concluir a subida, enquanto
outros ficarão para trás, ou o farão com grandes dificuldades, podendo, inclusive, desistir no
meio do processo. O que precisa ser amplamente defendido é que todos podem chegar ao topo
da escalada, e, com um olhar particularizado do professor isso se dará de maneira muito mais
eficiente e prazerosa.
É preciso apontar também que o fracasso é hoje uma problemática que chega
diretamente nos cofres públicos. Um aluno de uma família pobre, vivendo em condições
precárias de moradia, tendo problemas sérios no que se refere a qualidade de sua alimentação,
cujos pais não dispõe de tempo de qualidade para devotar atenção aos filhos, é um aluno que
entra no ensino público enfrentando inúmeras dificuldades para levar a termo sua educação.
Não obstante, esse aluno é um forte candidato a ser um repetente, um aluno com baixo
rendimento e, portanto, rotulado de um aluno em “atraso escolar”. Esse aluno pode,
posteriormente, em função da própria desmotivação gerada no processo de aprendizagem e
somado a isso as dificuldades enfrentadas para a sobrevivência da família, abandonar a escola.
Sem uma formação de qualidade essa pessoa acabará sendo se direcionando para funções
precárias do mundo do trabalho, por vezes, o mercado informal. Logo, sair de uma situação de
pobreza na qual nasceu será indiscutivelmente mais difícil. Ou seja, aquela família inicial, que
(provavelmente) era alvo de políticas de subsistência, permanece agora novamente dependente
de tais políticas por causa de um problema de evasão advindo de um mau rendimento de um
aluno que não recebeu a devida atenção na escola. É um ciclo retroalimentador.
De modo especial precisamos deixar claro que o preço emocional pago por alunos em
mau rendimento na escola é incalculável. Sabe-se que o fracasso é gerador de estresse,
ansiedade, depressão, sentimentos de menos valia, comprometimento da autoimagem etc. nos
alunos que se encontram em tal situação, mas precisar as dimensões que tal sofrimento psíquico
alcança não possível de mensuração. É verdade que a singularidade humana faz com que cada
um lide com tais dificuldades em maior ou menor grau de sofrimento, mas é fato que o
desarranjo psicológico está presente e deve ser tratado com a devida importância. Diversos
estudos têm mostrado que a escola tem se tornado, sob várias perspectivas, um ambiente hostil,
seja pelo bullying feito e sofrido pelos alunos, seja pela violência armada, seja pelo preconceito
etc. Não deve o ensino, em si, ser um dos construtos promotores de sofrimento injustificado
para a pessoa humana ali presente no ato de aprender. Por isso, novamente, cabe dizer que toda
a sociedade precisa se debruçar, com urgência, sobre a questão do fracasso escolar com o firme
compromisso de lidar responsavelmente com essa problemática, afinal, o futuro da educação
brasileira depende do compromisso dos cidadãos de hoje.

Referências

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