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RESUMO
Buscando entender os meandros da problemática do fracasso escolar, este trabalho tem em vista
uma discussão de cunho histórico, social e com uma abordagem psicológica, passando por
marcos da educação e das intervenções sobre problemas educacionais de aprendizagem,
especificamente aqueles relacionados ao fracasso, a repetência e a evasão escolares. A partir de
análises de dados e estatísticas oriundas de veículos de pesquisa, busca-se clarear ao leitor o
cenário atual da educação e os desafios que os novos tempos têm trazido para alunos e
educadores. Por fim, uma discussão com um viés psicológico conclui este apanhado de modo
a salientar o caráter de urgência no que se refere às intervenções políticas e multidisciplinares
que o fracasso escolar tem exigido nos dias correntes.
ABSTRACT
Seeking to understand the intricacies of the problem of school failure, this work aims at a
discussion of a historical, social nature and with a psychological approach, passing through
milestones of education and interventions on educational learning problems, specifically those
related to failure, grade repetition and school dropout. Based on analysis of data and statistics
from research vehicles, we seek to clarify for the reader the current scenario of education and
the challenges that new times have brought to students and educators. Finally, a discussion with
a psychological bias concludes this summary in order to highlight the urgency with regard to
political and multidisciplinary interventions that school failure has demanded nowadays.
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS
Art. 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida
e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206. (BRASIL, 2016, p. 123).
Desse modo, é coerente que mudanças, melhorias, intervenções, projetos, verbas, entre
outros sejam cobrados do poder público, uma vez que as arrecadações da união são de
destinação para saúde, educação, segurança e assim por diante. É dever do estado assumir as
diretrizes e parametrizar a educação pública no país e isso através de políticas públicas que
visem o amplo acesso à educação a todos os níveis da sociedade, especialmente se
comprometendo a atender as classes mais carentes, uma vez que os maiores prejudicados se
encontram ali.
Além do que já foi dito, cabe ressaltar que também é um compromisso da família,
junto ao governo e sociedade, prover o necessário para que os filhos possam frequentar a escola.
Assessorá-los nos estudos quando possível. Acompanhá-los e incentivá-los.
Ademais da constituição federal de 88 temos ainda outro importante marco para a
educação básica no Brasil, esse muito mais recente, temos a Emenda Constitucional nº 59, de
11 de novembro de 2009. Esta, em seu artigo 208 busca estabelecer o intervalo de idade em que
o ensino obrigatório deve acontecer. É dito: “Art. 208 - Educação básica obrigatória e gratuita
dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para
todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria”.
No texto em questão é ressaltado que a educação básica é um direito de todos e um
dever do estado. Ela é gratuita e deve acontecer, preferencialmente, dos quatro aos dezessete
anos e, aos que não puderem ser alfabetizados na idade ideal, também é assegurado o direito do
acesso a educação de adultos.
Há muitos fatores apontados pelas escolas como gênesis do fracasso escolar de suas
crianças. Estão entre esses fatores a condição alimentar, a condição social, de habitação, (por
vezes) às distâncias a serem percorridas, a necessidade de trabalhar para ajudar nos proventos
familiares, etc. No entanto, aqui busca-se desmistificar um discurso amplamente difundido por
parte das escolas que, na busca por um culpado, professam o discurso de que o maior causador
dos problemas de aprendizagem e, portanto, do fracasso escolar é a fome, a escassez alimentar
vivida por uma parcela considerável de crianças e adolescentes que frequentam a rede de ensino
público.1
Está bastante claro que, da parte da escola, há uma tentativa de “medicalizar” o
fracasso escolar. Dessa forma a responsabilidade é tirada de si e o fracasso é, agora, algo que
diz respeito ao aluno, a alguma causa orgânica nele. Seria necessário, então, levar a demanda
do fracasso escolar para a área médica e ser tratada, corrigida, ali.
É evidente que uma criança malnutrida terá déficits em diversos campos e instâncias
do seu desenvolvimento. E está muito claro também que, em determinadas situações, há sim
causas orgânicas envolvidas no fracasso escolar e que merecem, por isso, um olhar médico
multidisciplinar para uma intervenção adequada. Mas será a desnutrição um fator com tamanho
potencial a ponto de ser contribuinte para o fracasso escolar? Sobre isso temos que:
Tal constatação reforça minha afirmação de que nas escolas existem muitas crianças
portadoras de desnutrição leve. Hoje, até talvez em número maior que o de 1980, uma
vez que a situação econômica da população vem paulatinamente se deteriorando nos
últimos anos. Entretanto, é preciso não se esquecer do tipo de deficiência de que elas
são portadoras, ou seja, desnutrição leve. Não existem em todo o mundo trabalhos de
pesquisa que obedeçam, minimamente, a critérios de metodologia científica, que se
proponham a estudar a relação de desnutrição leve com rendimento escolar, e quando
algum pesquisador tenta encontrar tal relação, não a consegue estabelecer, como é o
caso de SCHUFTAN (1974) e POLLITT (1984), que não conseguiram encontrar
significância no resultado dessa relação e relatam ser impossível isolar a desnutrição
da rede complexa de fatores sociais da qual faz parte, ou seja, do "complexo de doença
social" que assola o meio no qual a criança escolar pobre está inserida. (COLLARES,
1996, p. 26 - 27).
Entretanto, o que estamos querendo enfatizar é que este grau de desnutrição não afeta
o desenvolvimento do sistema nervoso central, não o lesa irreversivelmente e,
1
CAVALCANTE; ARAÚJO; NETO; FERREIRA; PEIXOTO, 2017, p. 240
portanto, não torna a criança deficiente mental, incapaz de aprender o que a escola
tem a lhe ensinar. A criança portadora de desnutrição leve apenas sacrifica o seu
crescimento físico para manter o seu metabolismo. Exames clínico e laboratorial
indicam que a criança é normal, com exceção de um déficit de peso e estatura em
relação à sua idade. (COLLARES, 1996, p. 27).
E continua:
Se a criança escolar [que] apresenta desnutrição leve, não possui lesões no sistema
nervoso que a torne incapaz de aprender, por que então, ao entrevistarmos na escola
professores, diretores e especialistas, esta deficiência é apontada como uma das
principais causas do fracasso escolar? Pensamos que colocar as causas desse mau
rendimento nas crianças, individualmente, é uma forma de, até inconscientemente, se
tentar minimizar ou mesmo ocultar a falha da escola, em particular, e de todo o sistema
educacional em geral.
Desse modo temos que o cenário pintado pela escola, em grande parte, passa pela via
da culpabilização apontando para os fatores externos a ela. Isso se evidencia de maneira especial
no que tange a questão referente à saúde nutritiva dos alunos, questão essa que é apontada pela
escola como fator preponderante para a explicação do fracasso desses alunos. Esses últimos,
por sua vez, acabam sendo encaminhados a diversos serviços ligados ou não à área da saúde,
como é o caso da fonoaudiologia, da neurologia e, mais recentemente, da psicopedagogia, entre
outros.2
2
COLLARES, 1996, p. 27
Certamente o leitor terá clareza de que há ainda muitas outras atribuições causais
trazidas pelos alunos, mas no cômputo geral essas, acima ditas, são as principais a serem
observadas, segundo as pesquisas na área. Para dar melhor entendimento ainda sobre a dinâmica
dessas causas apontadas no texto e o modo como elas dialogam com a realidade, os autores
sistematizaram-nas em causas internas e externas, em causas estáveis e instáveis e em causas
controláveis e incontroláveis.
A grande discussão a que tudo isso nos leva é: qual a relevância que tais justificativas
exercem na vida e, especialmente, na saúde emocional e cognitiva desses alunos? Sobre isso é
dito o seguinte:
Portanto, entender o alcance das atribuições de causalidade feitas pelos alunos com
dificuldades de aprendizagem significa entender também o impacto que tais justificativas geram
e irão gerar nesse aluno ao longo do seu desenvolvimento. É correto afirmar, assim, que, no que
se refere a pessoa do aluno, os problemas advindos do fracasso escolar são diversos, e poderão
facilmente serem levados por toda a vida, impactando diretamente as demais áreas de seu
desenvolvimento humano. Psicologicamente falando o aluno irá, numa tentativa de manutenção
de sua autoestima e numa tentativa de dirimir a carga emocional negativa gerada pelo seu mau
rendimento, atribuir valores a respeito de si mesmo e de suas capacidades, valores esses que
podem estar em desacordo com a realidade. A situação pode ser tal que, os problemas
relacionados ao seu mau rendimento podem acabar sendo associados a fatores externos a ele
próprio e que fogem à capacidade dele de resolução, quando na verdade essa pode não ser a
realidade. Alguns podem, ainda, desenvolver atitudes que são, a curto prazo, ainda mais
potencialmente danosas. Sobre isso, ALMEIDA; MIRANDA e GUISANDE, 2008, p. 170, nos
dizem:
Quando essa estratégia defensiva não pode ser prolongada, alguns estudantes invertem
o valor da situação crítica, por exemplo, organizam-se em torno de uma cultura anti-
institucional, em que se valoriza precisamente o “ser mau” na escola ou se apresenta
comportamentos característicos do estatuto adulto (ingestão de bebidas alcoólicas,
fumar, ter relações sexuais etc.
É urgente que se entenda de modo mais claro as raízes do fracasso escolar e dos
constituintes desse processo. Tratar desse que é um problema social equivale a tratar de
problemas individuais de crianças que virão a se tornar adultos com diversos enfrentamentos
psicológicos e emocionais por terem sido vítimas dessa situação na escola. Falar sobre o
fracasso escolar e, mais do que isso, buscar novas soluções para ele, equivale a dirimir, antes
mesmo que surjam, problemas clínicos bastante característicos e presentes naqueles indivíduos
adultos que enfrentaram essa situação durante a jornada escolar.
Entender o cenário no qual o país se encontra em termos de educação nos dias correntes
nem sempre é tarefa fácil. Isso se dá por variados motivos, nem todos passíveis de serem
abordados com profundidade nesse trabalho. Para que se possa, no entanto, avaliar o cenário
atual da educação e fazer-se consciente de tais variáveis, é mister que tenhamos algum
parâmetro em mente, a nível de comparação. Dadas as dimensões do território brasileiro e a
heterogeneidade de seu povo, é preciso que esse parâmetro faça justiça ao cenário demográfico
que nos pertence. Levando tudo isso em conta, pode-se partir do pressuposto que:
No texto em questão Klein faz um recorte do que pode ser chamado de sistema de
educação de qualidade. Para a autora, um sistema educacional de qualidade está intrinsecamente
vinculado a dois pressupostos básicos: O primeiro diz respeito a aprender e seguir em frente
(progredir de série), o segundo tem a ver com abranger todos aqueles que precisam de acesso à
educação. No entanto, percebem-se problemas nos dois pressupostos básicos estabelecidos para
firmar a educação de qualidade. Atualmente temos problemas com aprendizado e progressão, a
repetência mediante reprovação ainda permanece alta e, em decorrência dela, tem-se também o
fracasso e, por fim, a evasão escolar. O que nos leva já ao segundo ponto, que diz respeito a
abrangência da educação ofertada. É evidente que nem todas as crianças e jovens (e também
adultos) têm total e completo acesso a educação hoje. As barreiras enfrentadas na conjuntura
atual incluem a situação de renda, barreiras geográficas que dificultam o acesso à escola,
escassez de docentes especialmente em regiões mais remotas (interior/escola rural), entre
outros. Ou seja, ainda há o que se fazer em termos de políticas públicas que atendam a essas
demandas que a educação básica brasileira levanta. Assim, como o cenário atual não comporta
um atendimento a 100% dos escolares, conveniou-se que a medida usada para a definir a
universalização da educação seria uma média mais “atingível”, chegando-se assim ao número
de 95%. Como aponta ainda a autora, embora o Brasil tenha atingido os parâmetros para a
universalização da adesão ao ensino regular (95%), ainda há muito o que se observar para que
a marca de conclusão desse ensino seja igualmente aceitável. Uma parcela considerável desses
alunos, que têm acesso a educação básica, ainda encontram grandes dificuldade em permanecer
e concluir seus estudos, o que nos faz retornar ao centro desta discussão a respeito do fracasso
escolar.
A evasão, que se mantém nos últimos anos, após uma política de aumento
significativo da matrícula no ensino médio, aponta para uma crise de legitimidade da
escola, que resulta não apenas da crise econômica ou do declínio da utilidade social
dos diplomas, mas também da falta de outras motivações para os alunos continuarem
estudando. (KRAWCZYK, 2009, p. 756).
Quanto ao interesse intelectual, na maioria dos casos, a atração ou rejeição dos alunos
por uma ou por outra disciplina está vinculada à experiência e aos resultados escolares.
O interesse pela disciplina está diretamente associado à atitude do docente: seu modo
de ensinar; a paciência com os alunos; e a capacidade de estimulá-los e dialogar com
eles. (KRAWCZYK, 2009, p. 756).
Aqui fica claro que não se enfrenta hoje apenas um problema de falta de contingente
de educadores (especialmente no que se refere às escolas rurais), mas também uma situação
interna, que diz respeito a capacidade do educador de dialogar com a realidade na qual o aluno
está inserido. Essa falta de comunicação assertiva leva o momento didático para um âmbito
chato, entediante, desmotivador, cansativo e, no fim das contas, pouco realista no que se tange
às questões que o aluno vivencia e com as quais lida diária e constantemente. É necessário que
os professores desçam ao nível do aluno para olhá-lo de igual para igual, conhecendo assim sua
realidade própria, suas questões, seus pontos fortes e fracos e ali, na sua realidade, o estimule a
desenvolver o melhor de suas capacidades. Para fortalecer o entendimento, KRAWCZYK
(2009, p. 767) formula:
A escola tem que estar comprometida com a comunidade na qual está inserida, mas
também com os desafios apresentados pela realidade, complexa e controversa. Há que
deixar o mundo e suas contradições entrarem na escola por meio do cinema, teatro,
Internet, da arte de todo tipo, do conhecimento de política internacional, do
conhecimento das diversidades culturais etc.
Sem dúvida, a escola precisa mudar e reencontrar seu lugar como instituição cultural
em face das mudanças macroculturais, sociais e políticas e não apenas das
transformações econômicas. Uma mudança que não seja uma simples adaptação
passiva, mas que busque encontrar um lugar próprio de construção de algo novo, que
permita a expansão das potencialidades humanas e a emancipação do coletivo:
construir a capacidade de reflexão.
Ou seja, visto que o diagnóstico estava errado, as intervenções feitas pelo governo
eram também equivocadas. Priorizavam, em grande medida, a criação de novas escolas que
viabilizassem o acesso e a permanência por parte dos alunos, especialmente aqueles localizados
em zonas rurais. A métrica tomada aqui era a evasão, já na primeira série do ensino
fundamental. No entanto, os dados corretos mostravam que o real problema vivido pelo sistema
público de ensino da época era a repetência, e não a evasão.3
Apesar das dificuldades geradas por intervenções pouco eficazes provenientes de
dados estatísticos errados, a escola pública sempre esteve ciente de suas problemáticas. E nessa
perspectiva algumas considerações sobre alguns programas implantados valem ser feitas.
LADEIRA e INSFRÁN (2020, p. 01) aborda essa questão com o seguinte:
3
KLEIN, 2006, p. 140
tardar na idade de doze anos. De modo demonstrativo, no estado de São Paulo o Ensino
Fundamental foi dividido em três ciclos: o inicial, que correspondia aos três primeiros anos
letivos; o intermediário, aos três seguintes; e o ciclo final, as antigas 7ª e 8ª séries.4
Já desde a década de 1920 já se falava em compor algum tipo de adaptação da política
escolar de ciclos dentro da educação pública brasileira. No entanto, mais três décadas se
passariam até que essa proposta ganhasse forma e fosse de fato implementada como tentativa
de controle da evasão e dos determinantes que levavam a ela (repetência e fracasso escolares).
Sobre essa origem da política de Progressão Continuada no Brasil, é afirmado:
O estado do Rio Grande do Sul foi o primeiro no Brasil a adotar em 1958 uma
modalidade de progressão continuada baseada em classes de recuperação para alunos
que eles consideravam ter maiores dificuldades de aprendizado, levando em conta que
tais alunos, uma vez recuperados de suas dificuldades, voltariam a suas classes de
origem. A partir dos anos 1960, persistiam em todo o país altos índices de repetência
escolar e evasão, inflamando em todo o território nacional perspectivas favoráveis à
progressão continuada. É importante destacar que a adoção do regime de ciclos
escolares, até a década de 1980, teve como seu modelo os sistemas de ciclos adotados
nas escolas básicas dos Estados Unidos e da Inglaterra, que eram referência na
aprovação dos alunos, independentemente do aproveitamento que tais alunos
apresentassem. (LADEIRA e INSFRÁN, 2020, p. 01).
E ainda:
Com o discurso de que “agora a escola não reprova” e, portanto, “não exclui os
alunos”, é passada a idéia que todos terão as mesmas oportunidades de acesso ao
conhecimento, o que é uma ilusão, na medida em que os depoimentos das famílias e
dos professores mostram uma insatisfação muito grande em relação a esta proposta,
indicando o desejo de retorno ao sistema de avaliação anterior. [...] No que se refere
às famílias, a mídia, nos últimos anos, apresentou vários depoimentos de pais
insatisfeitos com o novo regime adotado nas escolas. Eles alegam que seus filhos
passam de uma série para a outra sem “saber”. (AUGUSTO; GODOI, 2004, p. 8).
4
CRESAS, 2016, p.01
Mas, o leitor pode estar se perguntando: como tal sistema se perpetuou e foi inclusive
implementado por outros estados (Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Rio Grande do Norte,
Rio de Janeiro e Minas Gerais) se os próprios professores não acreditavam no processo e
abertamente exibiam suas opiniões contrárias? Ora, o que estava em jogo ia além do
aprendizado dos alunos ou mesmo da tentativa de tratar um problema, a saber, a evasão escolar
e os índices de fracasso/repetência. Estava em jogo também uma questão de verba internacional
(em caráter de empréstimos), dedicada a países emergentes, para ser investida no âmbito da
educação, na tentativa internacional de aumentar os índices de alfabetizados nesses países, dos
quais, o Brasil fazia parte. BARRETO (2001, p. 125) diz:
Com isso, é bastante pertinente a fala de Freitas (2002, p. 96) ao afirmar que “para o
Estado é muito melhor que o aluno seja reprovado pela vida, devido à sua
incompetência e falta de esforço, do que na escola, de modo a atrapalhar as estatísticas
governamentais e gerar custos adicionais". A fim de tornar mais enriquecida esta
discussão, cabe admitir que analisar a questão da progressão continuada é também ter
que levar em conta uma educação subordinada aos organismos internacionais, pondo
em destaque os financiamentos do Banco Mundial e de outros organismos
internacionais à educação brasileira, sobretudo em forma de empréstimos. De acordo
com Santos (2010), o primeiro empréstimo concedido ao governo brasileiro pelo
Banco Mundial ocorreu no início da década de 1970 e visava implementar o ensino
profissionalizante de nível médio industrial e agrícola. (LADEIRA e INSFRÁN,
2020, p. 02).
É realmente um desalento pensar que, embora estivesse sendo feito alguma coisa para
a situação do fracasso escolar e suas consequências, não era exatamente isso que estava no radar
das políticas governamentais nas décadas anteriores à virada do século.
Mas nem tudo parece conduzir a uma conclusão pessimista a respeito das intervenções
político-governamentais sobre o fracasso escolar. Mais recentemente novos programas têm sido
pensados e parecem estar muito mais próximos da realidade brasileira no que se refere aos
problemas da ordem da educação básica.
Em 2012, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) foi lançado
pelo Ministério da Educação. Ele é considerado um avanço positivo pela maioria dos estudiosos
da área da educação, uma vez que sua abordagem dialoga mais diretamente com as dificuldades
que são vivenciadas pelos alunos. O plano apresenta cinco objetivos:
6. Considerações finais
A partir do que foi refletido e dos desdobramentos a que chegou essa discussão é
tornado claro como urge que se desenvolvam mais pesquisas na área da educação, e que, junto
delas sejam propostas novas e melhores intervenções para os difíceis cenários vividos em
termos de atraso na aprendizagem dos alunos. A revisão bibliográfica mostra que ainda se tem
dificuldades tanto em levantar os dados quanto na interpretação deles. Mostra também a
necessidade de se adotar uma postura mais séria no que tange a assumir que o problema do
fracasso existe de fato e que ele pertence não somente ao aluno, mas a família, a escola, ao
governo e a sociedade como um todo.
Como evidenciado, quase sempre a postura de enfrentamento ao fracasso escolar
envolve muito mais estabelecer culpados sem grande apreciação crítica, apenas a título de
livrar-se da própria parcela de responsabilidade. Nesses discursos ouve-se que a família é
5
MORAIS, 2022, p. 4
culpada por não manter os filhos na escola, que o aluno não tem real interesse, que o meio social
está completamente deturpado e assim por diante. Na outra ponta estão discursos igualmente
acalorados de que é a escola que não tem condições boas para uma boa educação, que há falta
de interesse público na educação de crianças e adolescentes, que os professores estão
deficitados em conhecimento etc.
No que concerne aos docentes, se cabe aqui uma alegoria, dentro da escola, o professor
precisa assumir uma postura de quem orienta alpinistas, os alunos, na escalada de uma
montanha. Os alunos são diversos, com habilidades diversas para serem empregadas na
escalada. O professor entra aqui como aquele que vai se valer dessas habilidades, fomentando
o uso delas e ajudando no desenvolvimento de outras para que a escalada acontece de maneira
mais facilitada. Haverá, é claro, aqueles alpinistas com maior dificuldade, seja em empregar
suas próprias habilidades, seja em desenvolver novas. Ora, se o professor tratar a todos de
maneira igual é evidente que uma parcela dos alpinistas conseguirá concluir a subida, enquanto
outros ficarão para trás, ou o farão com grandes dificuldades, podendo, inclusive, desistir no
meio do processo. O que precisa ser amplamente defendido é que todos podem chegar ao topo
da escalada, e, com um olhar particularizado do professor isso se dará de maneira muito mais
eficiente e prazerosa.
É preciso apontar também que o fracasso é hoje uma problemática que chega
diretamente nos cofres públicos. Um aluno de uma família pobre, vivendo em condições
precárias de moradia, tendo problemas sérios no que se refere a qualidade de sua alimentação,
cujos pais não dispõe de tempo de qualidade para devotar atenção aos filhos, é um aluno que
entra no ensino público enfrentando inúmeras dificuldades para levar a termo sua educação.
Não obstante, esse aluno é um forte candidato a ser um repetente, um aluno com baixo
rendimento e, portanto, rotulado de um aluno em “atraso escolar”. Esse aluno pode,
posteriormente, em função da própria desmotivação gerada no processo de aprendizagem e
somado a isso as dificuldades enfrentadas para a sobrevivência da família, abandonar a escola.
Sem uma formação de qualidade essa pessoa acabará sendo se direcionando para funções
precárias do mundo do trabalho, por vezes, o mercado informal. Logo, sair de uma situação de
pobreza na qual nasceu será indiscutivelmente mais difícil. Ou seja, aquela família inicial, que
(provavelmente) era alvo de políticas de subsistência, permanece agora novamente dependente
de tais políticas por causa de um problema de evasão advindo de um mau rendimento de um
aluno que não recebeu a devida atenção na escola. É um ciclo retroalimentador.
De modo especial precisamos deixar claro que o preço emocional pago por alunos em
mau rendimento na escola é incalculável. Sabe-se que o fracasso é gerador de estresse,
ansiedade, depressão, sentimentos de menos valia, comprometimento da autoimagem etc. nos
alunos que se encontram em tal situação, mas precisar as dimensões que tal sofrimento psíquico
alcança não possível de mensuração. É verdade que a singularidade humana faz com que cada
um lide com tais dificuldades em maior ou menor grau de sofrimento, mas é fato que o
desarranjo psicológico está presente e deve ser tratado com a devida importância. Diversos
estudos têm mostrado que a escola tem se tornado, sob várias perspectivas, um ambiente hostil,
seja pelo bullying feito e sofrido pelos alunos, seja pela violência armada, seja pelo preconceito
etc. Não deve o ensino, em si, ser um dos construtos promotores de sofrimento injustificado
para a pessoa humana ali presente no ato de aprender. Por isso, novamente, cabe dizer que toda
a sociedade precisa se debruçar, com urgência, sobre a questão do fracasso escolar com o firme
compromisso de lidar responsavelmente com essa problemática, afinal, o futuro da educação
brasileira depende do compromisso dos cidadãos de hoje.
Referências