A capacidade das crianças de se moverem habilmente entre as novas
tendências e meios de comunicação é um reflexo e sintoma das mudanças globais na elaboração de significados, além de levar a uma revisão e redefinição de possíveis abordagens práticas para a alfabetização. Isso marca uma mudança e desenvolvimento na maneira como o texto é compreendido. Por muito tempo, dentro da sala de aula, os textos foram principalmente associados à escrita, como representação do discurso transcrito. São apresentados como se fossem gêneros estabelecidos e formas fixas. Nos últimos dez anos, a pesquisa multimodal desafiou as definições unimodais e demonstrou que a aprendizagem da alfabetização exige a compreensão da complexa inter-relação entre o material escrito e gráfico, juntamente com os modos corporais de construção de significado (Bearne, 2009). Os avanços tecnológicos e o desenvolvimento da comunicação global introduziram novos gêneros, formas e meios de comunicação, desafiando a visão do texto como algo fixo e estático, não suscetível a mudanças por parte dos responsáveis individuais pelo texto. Considerando que muitas vezes nas salas de aula houve uma abordagem cautelosa e, às vezes, até mesmo antagonista em relação às novas formas e modos de construção de significados, para as crianças pequenas os limites estabelecidos são menores, permitindo-lhes adaptar-se a mudanças nos cenários textuais de maneiras criativas, inovadoras e multimodais. Seus textos podem incluir escrita, imagens visuais e objetos em duas ou três dimensões, que podem ser feitos de papel, projetados na tela ou por meio de mídia, e que podem envolver efeitos visuais, musicais ou cinestésicos, e que talvez possam ser incorporados à linguagem, som, gesto ou ação (LANCASTER E ROWE, 2009).
Essas mudanças trazem importantes desafios teóricos, pedagógicos e
metodológicos para pesquisadores e profissionais. O processamento de dados de maneira a facilitar a análise de múltiplos sistemas de signos, mantendo a capacidade de gerenciamento, requer cuidado em sua abordagem e experiência no uso de técnicas digitais e software, para apoiar a pesquisa destinada à transformação da alfabetização nas salas de aula do século XXI. Carey Jewitt e Gunther Kress coordenaram a primeira coleção de artigos sobre alfabetização multimodal em 2003. Diferentes pesquisadores têm estudado o discurso nas salas de aula sob uma abordagem multimodal (LEMKE, 1998; KRESS, 2005; JEWITT, 2008 e STEIN, 2008), explorando os diversos tipos de linguagens usadas nas aulas e seus aspectos retóricos, incluindo linguagem oral, escrita, gestual e corporal. Esses estudos fornecem contribuições específicas a partir da linguagem oral e escrita e as relacionam com outros recursos utilizados por professores e alunos nas salas de aula, incluindo TICs, livros didáticos, imagens, entre outros. Dessa forma, a própria sala de aula pode ser vista como um espaço multimodal devido à sua disposição espacial, mobiliário, recursos audiovisuais, ferramentas e artefatos, além dos diversos discursos comunicativos que cercam o conhecimento. Kress (2005) propõe que a comunicação ocorre por meio de diferentes modos de construção de significado, como texto, imagens, gráficos, som, música, etc., simultaneamente. Portanto, para compreender o significado de um ato comunicativo, é necessário considerar todos os modos usados nele, pois estão intimamente interligados. O autor define o conceito de modo como um recurso semiótico social e cultural a partir do qual os significados são construídos. Assim, a escrita, o design, a música, os gestos, as palavras, as imagens e os objetos em 3D são exemplos visíveis dos diversos modos usados para representação e comunicação. Esses modos, empregados para diferentes propósitos e intenções comunicativas e pedagógicas, acarretam efeitos significativos no ensino e aprendizagem nas salas de aula contemporâneas, pois os alunos usam múltiplos recursos semióticos para expressar significados. Nessa perspectiva, uma abordagem de ensino multimodal vai além do ensino "tradicional" e do que a linguagem costumava significar: apenas ler e escrever.
Kress (2005) expressou que os novos meios de informação e comunicação
apresentam facilidades diferentes das mídias tradicionais, como livros, uma vez que têm maior potencial para ação por parte dos leitores, escritores e criadores de texto de forma interativa, o que implica que os sujeitos podem interagir e participar dos processos de construção e elaboração do conhecimento. A importância do conceito de multimodalidade ao considerar as práticas de ensino nos contextos de aprendizagem escolar reside no surgimento de novos modos de representação e comunicação que significam uma mudança de paradigma na alfabetização. As transformações que surgem do ensino "tradicional" para as práticas de ensino multimodal sinalizam uma mudança substancial no tema da alfabetização "tradicional", abrindo caminho para uma nova alfabetização que vê nas imagens, gestos, música, movimento, animação e outros modos de representação formas diferentes de expressar e acessar o conhecimento. Um exemplo disso é a facilidade com que os alunos podem desenhar, pintar, cantar e dançar, além de produzir seus próprios filmes digitais, dominar jogos de computador complexos e participar da criação de sites interativos, o que implica que a alfabetização hoje vai além do conhecimento e da codificação e decodificação das letras. Nas novas formas de alfabetização, as imagens e os sons ocupam um lugar proeminente, com o mesmo nível hierárquico do texto alfabético. A aquisição de habilidades para compreender textos icônicos e sons assume a mesma relevância que o texto alfabético tinha até recentemente.
Com o avanço dos equipamentos e programas para processamento
gráfico, a presença de imagens tem se tornado cada vez mais comum nos textos digitais, forçando os leitores a adquirir habilidades para interpretar e contextualizar as informações apresentadas nesses novos formatos. As novas formas de alfabetização buscam aproveitar os recursos multimodais e flexíveis oferecidos pelos hipermeios para desenvolver habilidades de pensamento, promover a aprendizagem e estimular a capacidade do estudante. O conceito de convergência midiática é baseado nas novas possibilidades de ação e participação dos usuários que foram abertas pela digitalização dos meios. A convergência, portanto, anuncia a coexistência dos novos meios digitais com o surgimento de uma cultura participativa, liderada por comunidades de usuários envolvidos em atividades quase frenéticas. Múltiplos modos de acessar o conteúdo Cultura participativa mediática de baixo para cima. Este autor está explorando fenômenos de transmidiação, ou seja, conteúdos e narrativas que atravessam diferentes plataformas. Uma excelente investigação sobre os novos fenômenos que surgem com a mudança do antigo paradigma da comunicação de massa e o início da cultura multimídia. Esses conceitos influenciam uma nova maneira de compreender a alfabetização e as implicações que isso pode ter. Analisamos abordagens que lidam com aspectos concretos da multimodalidade em sala de aula. Wohlwend e Mavers (2009) exploram o impacto das novas tecnologias nos primeiros anos de ensino, embora a partir de perspectivas muito diferentes. Este trabalho demonstra como as crianças podem combinar novas tecnologias, como celulares e jogos de vídeo, com o formato tradicional de folhas impressas, criando uma interação híbrida entre as novas tecnologias e as habilidades de alfabetização. Mavers demonstra a utilidade do uso de tecnologias simples, como quadros individuais, para contar histórias.
Esses espaços podem oferecer oportunidades magníficas para que as
crianças desenvolvam ideias e hipóteses, registrando-as como textos efêmeros, relevantes para o momento.
Pahl (2009) investiga a interação entre a conversação e o texto. Ele
explora a materialidade dos textos e demonstra como a conversação pode estimular e transformar de maneira imaginativa o material e o significado textual, indo além das estruturas imediatas da sala de aula.
Flewitt (2009) emprega descrições e análises multimodais para abordar
questões de diferença. Flewitt destaca evidências de um estúdio infantil envolvendo necessidades educacionais especiais. Esses autores ressaltam a importância das interações físicas entre adultos e crianças, reconhecendo a idiossincrasia e os significados multimodais que caracterizam seus eventos de alfabetização.
Albers et al. (2009) enfatiza o papel desempenhado pelas imagens visuais
na criação de textos infantis. Utiliza um esquema visual de palestras para avaliar as atitudes das crianças de acordo com seu gênero, analisando as imagens produzidas por crianças sobre crianças e pelas próprias crianças.
Bearne (2009) defende que a complexidade dos textos multimodais não é
adequadamente abordada pelos sistemas desenvolvidos para a linguagem oral e escrita. Seu trabalho estabelece um referencial para descrever a inter-relação dos elementos visuais, linguagem, som, olhar e movimentos das crianças na criação de textos multimodais. Ela também sugere como um referencial multimodal desse tipo pode ser expandido para incluir avaliação. Este artigo analisa a profundidade de sua proposta.
1. MULTIMODALIDADE, ANALFABETISMO E TEXTOS: UM NOVO DISCURSO
Além disso, incorporando a gramática da sentença em sua teoria
semiótica da linguagem, Halliday (1985) influenciou a teoria multimodal, ao levar em consideração outros elementos não linguísticos. Dessa forma, o significado está no centro da abordagem adotada para o ouvinte / leitor / observador e influencia a estrutura do texto. Uma vez que os elementos ideacionais e interpessoais são invisíveis, ou seja, elementos implícitos da comunicação, a forma do texto em si, sua gramática, compreende o significado por meio da representação de padrões.
A escrita agora não implica apenas um elemento visual, como um
desenho, talvez de tamanhos, formas e cores de letras e fontes variadas, mas também o design da página não será sequencial da mesma forma que o texto escrito contínuo. Além disso, os textos na tela, às vezes incluindo imagens e gráficos, frequentemente são acompanhados de efeitos sonoros e visuais. Os avanços tecnológicos também contribuíram para uma proliferação de livros ilustrados complexos para todas as idades, assim como tiveram um profundo impacto no design de livros informativos (MOSS, 2003). O material que está presente nas redes sociais e textualmente na tela e nos livros requer contribuições e mudanças nas teorias da alfabetização. A organização espacial dos materiais e das ideias implica uma forma diferente de compreender como os textos estão sendo construídos e mediados socialmente.
A mudança da página para a tela significa olhar "além da linguística"
(JEWITT, 2005, p. 315) em direção à semiótica: a partir de uma teoria de linguagem que leva em consideração os diferentes componentes do significado. O semiótico Halliday (1978) é um dos que mais influenciou as teorias atuais da multimodalidade e propõe três elementos de comunicação que operam simultaneamente para construir significado: ideacional, interpessoal e textual. O componente ideacional implica decisões sobre as relações interpessoais (audiência / leitores) dos componentes, e isso é realizado na forma de texto, que em última instância comunica ideias e intenções de maneira coesa.
Com a maior disponibilidade e acessibilidade da tecnologia digital, a
alfabetização passou por uma transformação espacial. A tela agora ocupa um lugar central nas comunicações públicas e cada vez mais nas instituições educacionais, alterando as formas como compreendemos a leitura e a escrita. A leitura na tela significa usar meios diversos e variados, caminhos e processos de leitura em contraste com a impressão contínua (HOLSANOVA e HOLMQVIST, 2006; KRESS, 2003A).
de comunicação, como gestos, movimentos, imagens, música, som e
cores, juntamente com a linguagem escrita e falada (COPE E KALANTZIS, 2000; MACKEN, 2004; MARTINEC E SALWAY, 2005; KRESS E VAN LEEUWEN, 2006). Para Halliday, a gramática de qualquer expressão, apresentação ou texto descreve os padrões que tornam compreensíveis para os membros da cultura em que foram concebidos e recebidos (COPE E KALANTZIS, 2000, p. 24).
A multimodalidade, portanto, é uma parte essencial de uma teoria da
alfabetização como um fenômeno fundamentalmente social (BARTON et al, 1999). Textos multimodais contribuem para uma ecologia mutável da alfabetização (MACKEY, 2002), onde a experiência das crianças com diversos textos impressos e digitais amplia seu potencial para compor e compreender outros tipos de textos.
A sintaxe descreve a gramática da sentença: a maneira pela qual uma
comunidade linguística espera que uma sentença seja estruturada para ser o modelo de sentido e referência nessa comunidade. De maneira semelhante, os textos gramaticais representam as expectativas de que alguns textos serão organizados de acordo com convenções desenvolvidas. No entanto, a teoria semiótica também incorpora a noção de intencionalidade. Embora a gramática dos textos possa ser culturalmente estabelecida, mediada e mantida, ainda existe a possibilidade de aplicá-la e contextualizá-la para cada situação. Essa posição pode parecer paradoxal, mas se alinha bem com a perspectiva de Bourdieu sobre práticas sociais como "improvisações regulamentadas" (BOURDIEU, 1977, p. 78). Longe de considerar a gramática como um conjunto rígido de regras, a noção de padrões de representação permite flexibilidade, transformação e criatividade.
O cerne da multimodalidade é o conceito de design e intencionalidade
(KRESS, 2003B; KRESS E VAN LEEUWEN, 2006), que se manifesta através de uma dinâmica enfatizando tanto as relações sociais em qualquer ato comunicativo quanto as possibilidades de transformação na construção dos textos. Um elemento crucial é a análise crítica reflexiva dos textos e "os contextos culturais e situacionais em que parecem operar".
A multimodalidade, portanto, integra uma teoria da alfabetização
essencialmente social (BARTON et al, 1999), e os textos multimodais contribuem para uma ecologia em constante mudança da alfabetização (MACKEY, 2002). Nesse contexto, a experiência das crianças com uma variedade de textos impressos e digitais amplia seu potencial para compor e compreender outros tipos de textos.
Especificamente, o conhecimento das crianças sobre textos da cultura popular,
muitas vezes em casa, proporciona a base para uma compreensão crítica dos textos e dos contextos em que eles são produzidos (MARSH, 2004; VÁSQUEZ, 2005). Para potencializar essa capacidade crítica em ambientes educacionais, é necessário contar com um discurso por meio do qual seja possível descrever e analisar textos multimodais (BEARNE, 2003; MACKEN, 2004). Isso é fácil de dizer, mas esse discurso precisa ser moldado por um Por um lado, esse discurso precisa ser suficientemente flexível para abranger diferentes modos semióticos e, por outro, deve ser capaz de descrever tanto um texto técnico quanto um romance, assim como a ampla variedade de um texto de filme. No entanto, talvez devido à necessidade de uma abordagem global, o desenvolvimento de um quadro analítico está sendo amplamente pressionado, principalmente porque em muitas áreas da educação, especialmente aquelas relacionadas à alfabetização, espera-se que os alunos produzam textos multimodais.