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1ª Dica p/ Novos Jogadores – Conheça Melhor o Hobby

Esse é o primeiro, de uma série de textos, contendo dicas para os novos jogadores, que eu
resolvi escrever, com base na minha própria experiência, para ajudar de alguma forma quem
iniciou no hobby agora. Para facilitar eu gostaria de esclarecer que daqui em diante, qualquer
menção a jogos ou jogadores, se refere aos assim chamados board games modernos (será
melhor explicado adiante) e seus entusiastas os boardgamers. Isso é importante para evitar
qualquer confusão com outros tipos de jogos como vídeo games, bem como outros jogos que não
se encaixam nessa categoria de “jogos de tabuleiro”, embora esses limites sejam amplamente
discutíveis.
A priori esse texto é direcionado para novos jogadores, então muito do que será dito aqui é de
conhecimento geral de quem está no hobby há mais tempo. Além disso, os temas aqui abordados
serão tratados de forma geral, sem muito aprofundamento, dada as limitações de espaço, e
mesmo com essas o texto ficou enorme, bem como as minhas próprias limitações pessoais.
Portanto, convido a todos aqueles que sabem mais do que eu, que certamente são muitos, a
contribuírem civilizadamente nos comentários, principalmente no caso de eventuais
escorregadelas ou imprecisões de minha parte. O debate respeitoso e bem embasado é
fundamental, não só aqui, mas em qualquer lugar, para que possamos contribuir com o
desenvolvimento do nosso hobby, e principalmente dar uma força aos recém chegados.
Boa parte da comunidade boardgamer começou com o RPG no anos 80, embora alguns “mais
maduros” até tenham jogado os “miniature wargames” nos anos 70 (meu caso). E aqui não se
pode deixar de mencionar o “Hero Quest” de 1989, que muitos consideram o primeiro board game
lançado no Brasil, em 1994. E isso apesar do jogo ser anterior ao “Colonizadores de Catan”, que
é considerado o jogo que deu início a era dos jogos de tabuleiro modernos, mas isso será melhor
explicado mais adiante. Depois veio o “Magic: The Gahering”, no anos 90, os primeiros anos de
jogos de tabuleiro importados em “2000 e alguma coisa”, e finalmente o mercado nacional de
jogos, mais estabelecido, e com mais lançamentos por aqui, de 2010 em diante. Por fim, temos
os recém chegados ao hobby, que ingressaram em algum momento de 2015 para cá. Essa é a
historia de quase todas as pessoas que compõem o nosso atual mercado de boarg games.
Porém, evidentemente, os jogos de tabuleiro, propriamente ditos, são mais antigos. Muito mais
antigos.
A origem dos jogos de tabuleiro se perde nas areias do tempo, durante os primórdios da
civilização, portanto não é possível precisar qual exatamente teria sido o primeiro deles a ser
criado. Um exemplo disso é o “Mancala”, que não é apenas o nome de um único jogo, mas sim
de toda uma família de jogos, com grandes afinidades entre si e fortes traços em comum. De uma
maneira geral, “Mancala” é composto de um conjunto de peças iguais (sementes secas, feijões,
contas e assemelhados) e um “tabuleiro”, digamos assim, que consiste de duas ou quatro fileiras
de orifícios paralelos, e ele é jogado passando as sementes de um “buraco” para o outro. Assim,
o “Mancala” tem uma óbvia associação com o ato de plantar, e com a agricultura, o que a
princípio leva à conclusão de que ele seria tão antigo quanto os primeiros assentamentos
humanos fixos. No entanto, essa tese carece de base científica, pela falta de evidências físicas
que a corroborem. Os registros mais antigos do jogo, de que se tem notícia, são bem mais
recentes (tabuleiros em argila e rochas esculpidas, encontrada na Etiópia e Eritréia, com datação
dos séculos VI e VII d.C.). É claro que a simplicidade dos componentes pode ser uma explicação
para essa ausência de evidências físicas, afinal não faria muito sentido gastar tempo e
ferramentas (recursos importantes), para escavar um pedaço de madeira, ou fazer um tabuleiro
de argila, quando é perfeitamente possível jogar o “Mancala”, com algumas pedrinhas e alguns
buracos no chão. Apesar disso, o “Mancala” é certamente um dos jogos antigos, largamente
ainda jogados nos dias de hoje, principalmente na África, Oriente Médio e em algumas
comunidades étnicas nos Estados Unidos.
Por outro lado existem jogos que são comprovadamente muito antigos, na medida em que,
diferentemente do “Mancala”, estes jogos possuem evidências físicas que corroboram a sua
ancestralidade. Esse é o caso do “Jogo Real de Ur”, cujos tabuleiros foram encontrados durante a
década de 1920, em escavações arqueológicas da antiga cidade-estado mesopotâmica de Ur.
Esse jogo é tão antigo (acredita-se que ela surgiu entre 2.600 a 2.400 a.C.), que o seu próprio
nome se perdeu. Por isso ele é chamado simplesmente de “Jogo Real de Ur”, porque somente a
mais alta nobreza poderia dispor do luxo de ter tempo para se distrair (o resto do povo se distraía,
trabalhando), bem como possuir objetos mais sofisticados como seus componentes (o resto do
povo possuía normalmente instrumentos de trabalho, e talvez alguns ornamentos).
Outro jogo ancestral é o “Senet”, que tem origem no Egito e é um possível antepassado do
“Gamão”. Os registros mais antigos desse jogo são papiros datados entre 1.000 e 1.500 a. C.,
aparecendo ainda retratado em várias tumbas egípcias. Outro jogo muito popular no Egito foi o
“Cães e Chacais”, como ele é modernamente conhecido. Seu surgimento se deu
aproximadamente por volta de 2.000 a. C. Esse jogo inclusive aparece em uma cena do clássico
“Os Dez Mandamentos” (1956), de Cecil B. DeMille, com Charlton Heston e Yul Brynner.
Desses tempos imemoriais para cá, muitos outros jogos de tabuleiro foram criados, ao longo dos
séculos, em diferentes momentos, como o Xadrez, o Go, o Jogo de Damas, o Gamão, variados
jogos de cartas e de dados, até o século XX, que é o período que nos interessa. Nessa época,
principalmente na Europa central, os jogos de tabuleiro surgiram como uma alternativa barata e
viável, para que as famílias pudessem se distrair, ao longo dos rigorosos meses de inverno, em
que a neve e o frio intensos tornavam praticamente impossíveis as atividades de lazer fora de
casa. Essa situação se agravou ainda mais, no período pós II Guerra Mundial, quando boa parte
dos países da Europa Central, tais como Alemanha (principalmente a Alemanha), a Áustria, a
Polônia, a antiga Checoslováquia, haviam sido destruídos. Isso fez com que as famílias de um
modo geral, acabassem desenvolvendo o hábito de se reunir para jogar “jogos de tabuleiro”,
principalmente na Alemanha.
Esse dado é muito importante, porque influenciou diretamente o estilo de jogos europeus, os
“eurogames”, ou mais simplesmente “euros” (favor não confundir com a moeda). Após o fim da II
Guerra Mundial, havia uma real preocupação de que a situação posterior à I Guerra Mundial se
repeti-se, de modo que, após algumas décadas a Alemanha se reergue-se como uma potência
bélica, lançando o mundo em uma eventual III Guerra Mundial (nessa época a Guerra Fria ainda
estava começando). O receio, pelos próprios alemães, de serem submetidos a um segundo
“Tratado de Versalhes” desenvolveu um sentimento de forte repulsa social a quaisquer elementos
bélicos. Do mesmo modo, havia também, uma forte necessidade de se desassociar de
absolutamente qualquer coisa, que tivesse a mínima relação com o nazismo, cujas atrocidades
ainda eram uma lembrança muito recente, vergonhosa e dolorosa. Por outro lado, a Alemanha
vivia um período de reconstrução, de maneira que, gestão de pessoas e gerenciamento de
recursos eram os assuntos da pauta, e amplamente discutidos dentro das famílias alemãs. Como
não poderia deixar de ser, essa conjuntura social teve forte impacto inclusive sobre os jogos de
tabuleiro. Assim sendo, o estilo alemão de jogos de tabuleiro acabou sendo muito mais focado na
gestão de recursos, do que propriamente no confronto direto entre os jogadores. A estratégia não
estava focada em derrotar o inimigo, através da sua eliminação por combate, mas sim derrotá-lo,
por utilizar os recursos em comum, de uma forma melhor e mais eficiente.
Enquanto isso, do outro lado do Oceano Atlântico, os Estados Unidos, uma das duas
superpotências emergentes da II Guerra Mundial (a outra era a antiga URSS), se via como uma
nação guerreira, orgulhosa de ter vencido a guerra. É claro que o fato dos horrores da guerra
terem ocorrido em outro continente, e de nenhuma cidade norte-americana ter sido bombardeada
ou destruída, contribuíram muito para isso (o ataque à Pearl Harbor, apesar de covarde, foi a uma
base naval, não a uma cidade). Esse sentimento ainda levaria os norte-americanos a se
envolverem diretamente em dois outros conflitos armados, a Guerra da Coréia e do Vietnam, na
sua ávida busca por barrar a expansão do comunismo e aumentar sua esfera de influência
mundial, principalmente através do desenvolvimento do seu poderio militar. Por tal motivo, faz
todo o sentido, que boa parte dos jogos de tabuleiro americanos, tivesse o foco no conflito direto
e eliminação de adversários. Isso inclusive resultou na criação de toda uma categoria de jogos,
com essa premissa que foram os “war games”, que se tornaram muito populares, na década de
1970. Esse estilo acabou levando a criação dos famosos jogos “ameritrash”, em que se valoriza o
confronto direto entre jogadores, ou a cooperação, e semi-cooperação, deles contra o próprio
jogo, o tema é fundamental e sempre muito bem trabalhado, o fator sorte não é tanto um tabu
como nos jogos euro, bem como, o uso de miniaturas é um diferencial. Algumas pessoas
preferem hoje o termo “amerigame”, por entender que “ameritrash” (lixo americano) é um termo
depreciativo, cunhado para hostilizar os apreciadores desse estilo, como se eles não tivessem
imaginação necessária para os jogos abstratos, nem a capacidade intelectual suficiente, para
jogar jogos euro, o que é uma besteira sem tamanho e não tem o menor cabimento. Apesar disso
o termo “ameritrash” pegou e hoje é utilizado como um contraponto aos jogos “euro”.
Em 1978 ocorreu um evento muito importante para o hobby dos jogos de tabuleiro, cujo impacto
repercute, principalmente nos dias de hoje. Foi nesse ano que um grupo de jornalistas alemães,
entre eles Tom Werneck e Jugen Herz, preocupados com a baixa cobertura da mídia para os
novos jogos alemães, resolveram criar uma premiação para o melhor jogo lançado na Alemanha
naquele ano. Para isso eles selecionaram um júri, composto de pessoas sem nenhuma ligação
com a indústria alemã de jogos, e que experimentariam todos os jogos lançados nos dozes
meses anteriores. Nascia o “Spiel des Jahres”, que veio a se tornar, e é até hoje, a mais
importante premiação do mundo, nesse setor, mais ou menos como se fosse um “Oscar dos
jogos de tabuleiro”. No início a coisa não era muito organizada, tanto que houve um ganhador em
1978, “A Lebre e a Tartaruga”, um jogo inglês de 1974, lançado pouco depois na Alemanha pela
empresa Ravensburguer. Mas esse “primeiro lugar” precisou ser repetido em 1979, porque em
1978 o grupo de jornalista não conseguiu organizar o evento da premiação. Apesar desse início
nada auspicioso, o fato é que o “Spiel des Jahres” foi crescendo cada vez mais e se tornando
cada vez mais relevante para a indústria de jogos de tabuleiro. Posteriormente, foram lançadas
mais duas categorias, sendo a primeira, em 1989, dedicada a jogos infantis, o “Kinderspiel des
Jahres” (Jogo do Ano para Crianças), e a segunda, em 2011, para jogos mais complexos e mais
pesados, o “Kennerspiel des Jahres” (Jogo do Ano para Especialistas).
Nesse final dos anos 1970 e início da década de 1980, o surgimento dos videogames domésticos,
em especial o Atari 2600, começou a diminuir o público, a relevância e o interesse pelos jogos de
tabuleiro. Ninguém queria mais passar horas ao redor do mesmo jogo, quando era muito mais
legal juntar os amigos e passar a tarde jogando os mais variados jogos de computador e
cartuchos de jogos eletrônicos. Durante quase duas décadas, houve um declínio da indústria de
jogos de tabuleiro, e apenas o fato deles serem muito mais baratos, que sua contraparte
eletrônica, parecia impedir que eles ficassem relegados a um nicho de mercado muito restrito de
entusiastas saudosistas e colecionadores excêntricos.
Essa situação perdurou até 1995, quando foi lançado um jogo verdadeiramente revolucionário, o
“Colonizadores de Catan” ou simplesmente “Catan”. Esse jogo foi tão importante que ele será
tratado em outro texto, mais apropriado. Por hora basta saber, que ele é um jogo excelente e que
fez muito sucesso, tanto no mercado europeu, quanto no norte-americano. Esse sucesso foi tanto
que as pessoas voltaram a se interessar por jogos de tabuleiro em geral, inaugurando desse jeito
a nova era dos jogos de tabuleiro modernos.
No Brasil, no início dos anos 2000, havia uma única empresa que lançava jogos de tabuleiro
modernos, que era a Devir Editora, que lançou aqui tanto o “Catan”, quanto o “Carcassonne”,
outro verdadeiro clássico. Essa editora, já tinha uma longa história, tendo iniciado como uma
livraria em 1987, e trabalhava basicamente com histórias em quadrinhos (nacionais e importadas)
e com livros de RPG, mas acabou migrando para o mercado de jogos de tabuleiro modernos.
A outra grande editora nacional é a Galápagos Jogos, fundada em 2009. A empresa começou
publicando jogos nacionais como “Máfia”, “Brasilis” e “O Útimo Grande Campeão” (que hoje são
praticamente desconhecidos), mas rapidamente começou a lançar jogos importados, como o
“Summoner Wars” e os jogos relacionados à série de TV Game of Thrones (Board e Card
Game). Logo em seguida a editora passou para os jogos consagrados no cenário internacional
como “Zombicide”, “Dixit”, “The Resistence”, “Love Letter”, “Dobble”, “7 Wonders”, “Ticket to
Ride”, “King of Tokyo”, entre muitos outros, que são campeões de venda até hoje. Atualmente a
Galápagos é a maior editora nacional de jogos de tabuleiro modernos. Vale destacar também,
que a GROW, a gigante do ramo de brinquedos e quebra-cabeças, teve uma rápida passagem
pelo mercado de jogos de tabuleiro modernos, lançado os jogos “Puerto Rio”, “Castles of
Burgundy”, “Broom Service”, além de edições do “Carcassonne” e do próprio “Catan”, mas a
experiência teve curta duração, e a empresa não atua mais nesse setor.
Antes de prosseguir é preciso explicar uma característica do hobby de jogos de tabuleiro
modernos, para que se evitem eventuais confusões futuras. O termo amplamente aceito e
utilizado para se referir a essa categoria de jogos é ”board games”, que em tradução literal
significa exatamente “jogos de tabuleiro”. Dessa maneira, “board games” é normalmente usado
para se referir aos “jogos de tabuleiro modernos”, em oposição ao “classic board games”, que
seriam os “jogos de tabuleiro clássicos”, tais como “WAR/Risk”, “Detetive/Clue” “Banco
Imobiliário/Monopoly”, etc. Assim sendo, de um modo geral, quando se fala em baord games, na
verdade está se falando em jogos de tabuleiro modernos, que diferem dos jogos clássicos, como
será melhor explicado adiante..Existe ainda outra questão que é a abrangência do termo, porque
board games, ou jogos de tabuleiro modernos, se aplica tanto aos jogos que efetivamente
necessitam de um tabuleiro, como “Pandemic” ou “Zombicide”, quanto àqueles que possuem
tabuleiro, mas que podem ser jogados perfeitamente sem ele, como o “Dixit” ou “Ascension” e até
mesmo os que não possuem tabuleiro, como é o caso dos “card games”, ou jogos que usam
exclusivamente cartas, como o “Coup” e o “Pega em 6”. Todos esses tipos são englobados pelo
termo “board games” ou “jogos de tabuleiro modernos”.
Outro fator importante na produção de jogos de tabuleiros modernos diz respeito ao trabalho de
tradução e localização. A grande maioria dos board games lançados no Brasil são lançamentos
internacionais, que recebem uma versão brasileira, em português e devidamente localizada.
Todos sabem o que é tradução, mas a localização é um pouco diferente e vai um pouco além da
tradução. Isso porque ela envolve pegar o texto que foi traduzido e adaptá-lo da melhor forma
possível às características lingüísticas e culturais do país em que ele será lançado. Dessa
maneira, digamos que o jogo use a expressão “skeleton in the closet” significa “fato embaraçoso
ou escandaloso do passado, que uma pessoa prefere manter em segredo”, só que a sua tradução
para o português é literalmente “esqueleto no armário”. Dessa maneira, vamos imaginar que a
descrição de um personagem de um jogo tenha a seguinte frase no original: “He has many
skeleton in the closet.” A tradução pura e simples da frase seria “Ele tem muitos esqueletos no
armário”, o que para um brasileiro, não faria o menor sentido, a menos que o personagem fosse
algum “Norman Bates” ou “Hannibal Lecter” da vida. É aí que entrar a localização, de modo que
a tradução adaptada passa a ser “fantasma do passado”, por exemplo, cujo significado em
português, é muito mais próximo do que a tradução literal “esqueleto no armário”. Assim, a frase
poderia ser traduzida como “Ele tem muitos fantasmas do passado”, que seria bem mais fácil de
entender, para um público falante da língua portuguesa.
Na metade dos anos 1990 os jogos eram produzidos localmente, em cada país, e as tiragens
eram menores. O crescimento e desenvolvimento dessa indústria acabou levando a tiragens cada
vez maiores, cujas estruturas de produção local não davam mais conta. Nessa mesma época, o
mundo assistiu ao enorme crescimento econômico da China, que sempre se baseou na produção
em larga escala. No início, os produtos chineses, de modo geral, eram sinônimos de “cópias
baratas com qualidade ruim”. Mas ao longo do tempo, os chineses aprenderam a lição, e pouco a
pouco começaram a investir mais no controle de qualidade, sem deixar de lado a produção em
larga escala. O resultado disso foi que se tornou cada vez mais barato produzir o que quer que
fosse, na China, e os jogos de tabuleiro não fugiam a essa regra. O problema é que as fábricas
chinesas só trabalhavam no atacado, por isso para atingir os seus baixíssimos custos de
produção, eram necessária uma demanda por tiragens verdadeiramente “gargantuescas”, que
não poderiam ser atendidas por nenhum mercado isolado. Para resolver essa questão, e diminuir
ainda mais o custo de produção dos jogos, surgiram as tiragens mundiais de jogos, que atendem
a diversos mercados ao redor do globo, e que é o atual formato padrão de produção. Em um
cenário desses, se um determinado mercado, por exemplo, o brasileiro, perde a oportunidade de
participar de uma tiragem de um determinado jogo, ele acaba ficando dependente de ocorrer uma
nova tiragem mundial, o que pode demorar anos, ou nem mesmo acontecer. Nesse caso, o
mercado brasileiro simplesmente fica sem a versão nacional do jogo, porque apenas as editoras
locais não têm como bancar uma nova tiragem exclusiva. Isso, inclusive é um acontecimento até
comum.
Primeiramente, essas tiragens mundiais eram mais aplicadas aos casos dos jogos iconográficos
ou sem dependência de idioma, cuja ausência de texto, permitia a produção indiscriminada dos
componentes (cartas, peças e assemelhados), independente do mercado a que ele se
destinasse. Veja o exemplo do jogo “Uno”. Como ele não usa texto escrito, apenas números,
desde que não existam variações locais de regras, uma pessoa pode pegar um exemplar do jogo
produzido para o mercado do Azerbaijão, que ele não terá problema algum para jogar. Isso
favorecia muito a produção em larga escala, e diminuição dos custos de produção, de modo que
faz todo o sentido produzir jogos assim na China. Com o desenvolvimento do mercado de jogos
de tabuleiro moderno, as fábricas chinesas começaram a se especializar cada vez mais nesse
setor, inclusive na produção de jogos com cartas, e demais componentes, contendo texto.
Portanto se pegarmos um jogo como Zombicide, por exemplo, que faz amplo uso de miniaturas, o
custo para produzi-las na China é absolutamente imbatível, devido à larga escala de produção e
especialização das fábricas chinesas. Por isso esses componentes são e continuarão sendo, por
longo tempo, produzidos na China, a menos que ocorra algum fato ou situação imprevista, que
altere o atual cenário econômico, e outro país ofereça preços melhores, afinal o dinheiro não tem
cheiro, nem pátria.
Desse modo, o sistema funciona mais ou menos assim, a Editora CMON lança o jogo XYZ, e ele
faz tanto sucesso, que desperta o interesse de outros mercados estrangeiros de jogos de
tabuleiro. A CMON resolve então fazer uma nova tiragem mundial e entra em contato com as
suas parceiras em cada país, para ver se elas têm interesse na produção local desse jogo XYZ.
Nesse exemplo, vamos dizer que tanto a “Galápagos” do Brasil, quanto a “Bureau de Juegos” da
Argentina demonstram interesse em lançar o jogo em português e em espanhol, respectivamente.
Uma vez concluídas as negociações, cada editora local tem de pagar a parte que lhe cabe na
produção total do jogo. Isso às vezes gera alguns problemas, porque se todas as editoras
pagarem corretamente a sua parte, mas apenas uma delas deixar de pagar, ou atrasar, a
produção do jogo também atrasa e pode até ser cancelada. Então não basta a Galápagos,e todas
as outras editoras pagarem certinho a sua parte, porque se a “Bureau de Juegos” atrasar ou
deixar de pagar, todo o projeto pode ir para o ralo, ou atrasar muito, o que é o mais comum.
Depois disso, vem a parte do frete da China até o Brasil, que normalmente é feito por via
marítima, até um porto brasileiro, e isso é outra parte sujeita a muitos problemas (quem quiser
saber mais a respeito, pode pesquisar aqui no Ludopedia o caso dos jogos “Tsukiji” e “Ancient
Terrible Things” da antiga Editora RedBox, atual Buró). Quando as unidades do jogo chegam ao
Brasil, elas ainda têm de passar por todo o processo de liberação aduaneira e pagamento de
impostos, que é sempre muito caro, e pode até inviabilizar o lançamento do jogo, apesar dele já
ter chegado no Brasil (mais uma vez quem quiser saber mais a respeito, pode pesquisar aqui no
Ludopedia o caso das 512 cópias retidas do jogo “Lucidity: Seis Faces do Pesadelo”). Uma vez
liberado o produto no porto, aí entra a fase da logística e distribuição, até o jogo chegar à loja de
jogos de tabuleiro moderno de cada cidade, ou na casa dos apoiadores, para quem comprou em
financiamento coletivo.
Falando em financiamento coletivo, é bom saber que existe mais de uma forma de comprar um
jogo, além de ir à loja física ou comprar através de sites de venda. Existe, além disso, a
possibilidade de apoiar a produção do jogo, através do financiamento coletivo, normalmente feito
pelo site Catarse. Desse modo, uma pessoa pode pagar antecipadamente um preço diferenciado
pelo jogo (o valor do apoio, e aquilo que o apoiador vai receber, podem variar bastante). É
possível também participar de financiamentos coletivos de jogos internacionais, e muitos
entusiastas do hobby o fazem, mas isso é assunto para outro texto.
Outra questão que pode suscitar dúvidas é o uso reiterado, pelos jogadores mais experientes,
das siglas BGA e BGG. No caso da sigla BGA ela se refere ao boardgamearena.com, que é um
site com versões eletrônicas dos jogos de tabuleiro. Inicialmente isso pode parecer uma
contradição, porque jogos de tabuleiro são feitos justamente para reunir os amigos, então não
faria sentido, recorrer a um site para fazer virtualmente o que deveria ser feito presencialmente.
Ocorre, em primeiro lugar, que nem sempre é possível reunir os amigos, e o isolamento social
imposto pelo combate à pandemia de covid19, e um ótimo exemplo disso. Da mesma forma, pode
ser que a pessoa esteja em outra cidade, e só possa falar com os amigos através de vídeo
conferência. Nesse caso o BGA é uma ótima opção para viabilizar as jogatinas. Ele também é
excelente para resolver o problema daqueles cujos amigos não curtem jogos de tabuleiro, ou que
não gostem daquele jogo especifico que a pessoa gosta, porque no BGA é possível jogar com
pessoas de todo mundo. Em segundo lugar o BGA também é uma ótima ferramenta para que
uma pessoa possa experimentar um jogo, e ver se realmente ele vale a pena, antes de comprar a
versão física.
Já a sigla BGG remete ao site boardgamegeek,com, que é um dos principais sites de jogos de
tabuleiro modernos do mundo. Nesse site é possível dar notas aos jogos, e fazer comentários a
respeito. Ele funciona mais ou menos com o Ludopedia, porém em uma escala global. O ranking
do BGG é muito respeitado e normalmente é levado em consideração pelos jogadores, na hora
de avaliar um jogo. Por isso, uma colocação alta no BGG, quase sempre é um forte indício de que
aquele jogo é bom. Mas existe uma pegadinha aí. De uma forma geral, principalmente nas
primeiras colocações, os rankings da Ludeopedia e do BGG coincidem, porque normalmente elas
são ocupadas por jogos consagrados, lançados no mundo todo. Porém quanto mais se desce
nesses rankings mais aumentam as discrepâncias, porque obviamente, a grande maioria dos
jogos do BGG não foi lançada no Brasil e há certa tendência, até natural, de prestigiar mais os
jogos que foram lançados nacionalmente, do que aqueles que só existem no exterior. Isso sem
falar que para muitos grupos de jogadores, ou para algumas pessoas desses grupos, o idioma
estrangeiro é um fator altamente impeditivo, o que os leva sempre a optar por jogos que tenham
versão nacional. Mas apesar disso, o BGG, ainda assim, é uma excelente referência, para avaliar
os jogos de tabuleiro modernos, e também para aprender um pouco mais sobre eles.
Outra fonte de informação importante sobre jogos de tabuleiro modernos são os diversos canais
do Youtube, especializados no assunto. Lá os jogadores podem assistir resenhas, receber
notícias sobre lançamentos e acompanhar partidas, inclusive ao vivo, para conhecer e avaliar
melhor os jogos (isso é muito útil antes de uma compra), bem como tirar dúvidas sobre regras.
Dentre os diversos canais, merecem destaque o “Meeple TV” do Jack Explicador, o “Covil dos
Jogos”, da Karine (meninas primeiro) do Paulo do Pikachu e do Jean, o “De Quem é a Vez?” do
Rafael Studart, o “After Match” do Fabrício, o “Direto ao Ponto” do Alan Farias, o “BGG II – Board
Game Guará II” do Paladino Monge, o “Romir Play House” do Romir, o “CasaNERDLol” do Rafael
Sanzio, o “Igor Knop Jogos” do Igor e Maritza, o “Tábula Quadrada” do Renato Lopes, e o “Siga o
Coelho” do Davi Coelho. Se a língua inglesa não for um problema, o “Dice Tower” do Tom Vassel
também é um canal muito respeitado e uma excelente indicação.
Além de Galápagos e Devir, existem ainda várias outras editoras de destaque com a Meeple BR,
a Conclave, que junto com as duas primeiras são as “Quatro Grandes” do mercado nacional, bem
como diversas outras editoras de porte similar como Grok, Mandala, Paper Games, e Buró (Ex-
RedBox), e também editoras de porte menor como Mosaico, Ludofy e Geek’N’Orcs, entre muitas
outras. Mas, independente do seu porte todas essas editoras têm excelentes jogos, no catálogo.
Portanto, o mercado nacional de jogos de tabuleiro é um setor consolidado do ramo de
jogos/brinquedos, com a participação de diversas empresas, mas que ainda carece de uma maior
profissionalização, principalmente na parte de tradução e revisão. Essa carência inclusive explica
diversas falhas graves, que aconteceram em lançamentos recentes principalmente de Galápagos
e Conclave (pesquisar “Masmorra do Mago Louco”, “Western Legends” e “Nemesis”). Outro
problema são os altos preços cobrados atualmente pelas editoras, que têm dificultado bastante a
expansão do hobby e a entrada de novos jogadores. Existem diversos tópicos aqui no Ludopedia
debatendo essa questão dos preços, que valem uma olhada. Os preços são um fator fundamental
para o aumento das tiragens dos jogos e o conseqüente crescimento e desenvolvimento do nosso
mercado nacional, para que os grandes lançamentos de jogos internacionais (e suas expansões),
também sejam lançados no nosso país.
Por fim, espero que esse longo texto, e bota longo nisso, tenha sido suficiente para dar aos recém
chegados ao hobby, uma visão geral (muito geral) de como ele funciona e tenha ajudado os
iniciantes a se situarem melhor, nesse incrível mundo dos jogos de tabuleiro modernos.
Um abraço e boas jogatinas.
Iuri Buscácio

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