Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
Em português, pode-se encontrar πρώτην ὕλην traduzida por “matéria prima”. Opto por traduzir a
locução por matéria primeira para destacar o significado de ordem (pois há referências a substra-
tos segundo e terceiro) e para evitar duas confusões, uma com a palavra composta matéria-prima
e outra com a tradução para o latim materia prima – neste trabalho, lidando com traduções para
o latim, é conveniente diferenciar bem quando se trata de uma ou quando se trata do conceito,
discutido aqui em português.
2
Ver Schmitt, C. Philoponus’ Commentary on Aristotle’s Physics in the Sixteenth Century, pp.
251.267.
3
Ver Sorabji, R. Matter, Space and Motion: Theories in Antiquity and their Sequel, pp. 38-39. Sorabji
comenta sobre o assunto na introdução ao livro Philoponus and the Rejection of the Aristotelian
Science, em 1987 e, após revisar sua interpretação, em nova edição em 2010.
4
Ver Évora, F. R. R. Filopono e Descartes: conceito de extensão material, pp. 83-104.
5
Ver De Hass, F. A. J. John Philoponus’ New Definition of Prime Matter: Aspects of its Background
in Neoplatonism and the Ancient Commentary Tradition, p. xii.
Carvalho, J. D.; Correia, A.; Simon, S.; Tossato, C. R. Filosofia da natureza, da ciência, da tecnologia e69
da
técnica. Coleção XVII Encontro ANPOF: ANPOF, p. 69-83, 2017.
Matheus Henrique Gomes Monteiro
6
“Na natureza das coisas, a quantidade ocupa a segunda posição. Pois, como tem sido frequen-
temente dito, a matéria prima que é, antes de ser dado a ela o volume, sem corpo, sem forma
ou figura, recebe as três dimensões e torna-se tridimensional. E isto, que Aristóteles chama de
segundo substrato, então recebe as qualidades e constitui os elementos, tal que a qualidade tem
o terceiro grau entre as coisas que há” (João Filopono, in Categorias, [83,13–19] apud Évora,
F. R. R. Filopono de Alexandria e a crítica ao conceito de matéria prima, p. 62. A tradução é da
autora do artigo).
7
“A matéria, e substrato segundo – quero dizer, o corpo que é extenso em três dimensões e sem qua-
lidade –, mesmo podendo subsistir por si mesma, nunca subsiste sem qualidades. Assim também a
extensão espacial, mesmo se pudesse subsistir por si mesma (pois, o que impediria o espaço de estar
vazio do corpo, como dissemos, se pensamos no recipiente não contendo nenhum corpo dentro de
si?), de nenhum modo ela permanece vazia do corpo, totalmente por si” (in Physica, Corolário sobre o
lugar, [579,3-9]. Trad. David Furley).
8
“E por isso é que <o tridimensional> é o substrato primeiro para todas as formas físicas, da qual,
com a adição subseqüente de qualidades substanciais, vêm a ser na existência o fogo, a água e
70
O conceito de matéria primeira segundo João Filopono
de Alexandria e sua recepção no século XVI, em latim
o restante” (João Filopono, contra Proclum, l. 11, c. 6, [425,11–14]. Trad. Michael Share). Outra
tradução feita com base no texto grego, editado por Hugo Rabe (1899), e disponível em publica-
ção recente é esta: “É por isso que esta <tridimensionalidade> é o primeiro substrato de todas as
formas naturais. É a partir dela e pela reunião das qualidades essenciais que o que foi produzido
na existência torna-se corpo, fogo, água, etc.” (Trad. Mueller-Jourdan).
9
Sobre o éter, sua existência, natureza e ausência de contrariedade, cf. Aristóteles. De caelo l. 1, c.
1-4.
10
Simplício reproduziu, no in De caelo commentaria, vários argumentos de Filopono que este teria
desenvolvido no contra Aristotelem. Wildberg selecionou esses trechos, no esforço de reconsti-
tuir a obra de Filopono, que está perdida, e o resultado foi publicado, com a tradução para inglês
feita pelo próprio Wildberg (cf. Against Aristotle, On the Eternity of the World). Sendo assim, Filo-
pono teria afirmado em contra Aristotelem que “porque as <coisas> no céu e as <coisas> abaixo
da lua são ambas tridimensionais, nada as distingue uma da outra” (frag. IV/17 apud Simplício,
in De caelo commentaria, [138,16-18]. Trad. Wildberg).
11
Duhem, P. Le système du monde: histoire des doctrines cosmologiques de Platon à Copernic.
12
Wohlwill, E. Galilei und sein Kampf für die copernicanische Lehre.
13
Crombie, A. C. Augustine to Galileo the History of Science from 400 to 1650.
14
Wolff, M. Fallgesetz und Massebegriff: zwei wissenshaft-historische Untersuchungen zur Kos-
mologie des Johannes Philoponus, p. 146-8. Do mesmo autor, há o artigo: “Philoponus and the
Rise of Preclassical Dynamics”, p. 84-120. (De aeternitate mundi contra Aristotelem).
15
Schmitt, 1987.
16
Wildberg, C. John Philoponus’ Criticism of Aristotle’s Theory of Aether.
17
Sorabji, 1988.
18
De Haas, 1997.
19
Ver Évora, F. R. R. Filopono de Alexandria e a crítica ao conceito de matéria prima.
71
Matheus Henrique Gomes Monteiro
20
Há algumas edições desses textos, publicadas recentemente. Ver Commentaire sur le De anima
d’Aristote. Gérard Verbeke (Ed.). Louvain: Publications Universitaires de Louvain, 1966. Com-
mentaire sur le traité Du ciel d’Aristote. Fernand Bossier (Ed.). Louvain: Leuven University Press,
2004. Crombie (1953, p. 246) comenta que os argumentos de Filopono se tornaram conhecidos
no séc. XIII em razão da tradução, feita por Moerbeke, do comentário de Simplício a Sobre o céu.
21
Ver Grant, E. A History of Natural Philosophy: From the Ancient World to the Nineteenth Cen-
tury, pp. 130-7.
22
Ver Wildberg, C. “John Philoponus”.
23
Considera-se, por exemplo, o caso do in De generatione et corruptione, de Filopono. “A Idade Média
latina parece desconhecer este comentário, ao De generatione et corruptione, mesmo que alguns
fragmentos apareçam presentes nas glossas marginais da translatio vetus, feita por Burgundio de
Pisa. A primeira tradução latina do comentário de Filopono parece ser aquela realizada por Hie-
ronymus Bagolinus, com base na edição aldina de 1527, publicada em Veneza por Hieronymus
Escoto, em 1540; a segunda, realizada por Andreas Silvius, foi publicada por Vagrisius em 1564”
(Kupreeva, I. “Introduction” In: Philoponus. On Aristotle On Coming-to-Be and Perishing 2.5-11, p.
3. Ancient Commentators on Aristotle).
72
O conceito de matéria primeira segundo João Filopono
de Alexandria e sua recepção no século XVI, em latim
24
“Os humanistas também, apesar das suas invectivas contra os ‘bárbaros’ das universidades dos
séculos XIII e XIV, recorreram com freqüência às suas idéias, geralmente sem fazer a referência.
É impressionante, por exemplo, que o grande estudioso helenista George Trebizond haja resolvi-
do um dos poucos problemas examinados na sua scholia a respeito da Física – o problema sobre
o movimento no vácuo — com uma paráfrase da visão de Tomás de Aquino sobre o assunto. Ed-
ward Cranz destacou que a impressão dos comentários medievais sofreu uma contração acen-
tuada depois de 1535, mas o significado desse fenômeno não deve ser exagerado. Por um lado,
houve notáveis exceções a essa tendência, por exemplo, o sucesso duradouro dos comentários
de Tomás de Aquino e de João de Jandun. Por outro lado, o declínio da impressão das expositio-
nes e quaestiones medievais deveu-se mais provavelmente à saturação do mercado livreiro do
que à falta de interesse, dado que os grandes filósofos aristotélicos do século XVI demonstravam
um excelente conhecimento da exegese medieval” (Bianchi, 2007, p. 61).
25
Ver Hankins, J. Humanism, Scholasticism, and Renaissance Philosophy, pp. 30-48.
26
Ver Copenhaver, B. P. Translation, Terminology and Style in Philosophical Discourse. c. 3. 3., p. 95.
73
Matheus Henrique Gomes Monteiro
27
Ver Black, R. The Philosopher and Renaissance Culture. In: Hankins, J. (Ed.), 2007, pp. 13-29.
28
“A disponibilidade dessas novas ferramentas interpretativas teve um grande impacto sobre o
debate filosófico. Só para citar dois exemplos, a descoberta dos comentários de Alexandre de
Afrodísia e de Simplício a De anima intensificaram as já acirradas controvérsias sobre a inter-
pretação correta da psicologia aristotélica, enquanto um melhor conhecimento sobre os comen-
tários de Filopono, que eram bem críticos dos ensinamentos da Física e do De caelo, provocou
uma profunda reconsideração da filosofia natural de Aristóteles que ainda ecoou em Galileo”
(Bianchi, 2007, p. 60).
29
Sobre o texto grego, a edição crítica de Hugo Rabe (1899, p. iii–ix) estabelece que ele é de auto-
ridade textual simples e descomplicada. Os códices disponíveis são:
M Codex Marcianus graec. 236, saec. IX/X
p Parisinus graec. 2058, saec. XV
t Editio Veneta a Trincavelo parata (1535)
30
Rabe fala de um Codex Antonianus, que é mencionado por Jean Mahot, em uma carta publicada com
sua tradução de contra Proclum, em 1557, mas que, segundo Rabe, estaria ausente da biblioteca vene-
ziana de Santo Antônio já por volta de 1650. De todo modo, a biblioteca fora destruída em um incêndio
no século XVIII. Lang e Macro (2001, pp. 34-5) mencionam ainda um Codex Escorialensis Σ III 19. Em
nota, publicada juntamente com a edição de 1535 de contra Proclum, Victor Trincavello mostra-
-se persuadido de que Filopono respondeu a Próclo, defendendo a fé contra “o ódio e o furor”
do pagão. Schmitt (1987, pp. 253-5) entende que Filopono parecia interessante aos filósofos do
séc. XVI, porque ele era cristão, defendia racionalmente a doutrina da criação contra os pagãos
e, sendo identificado com certo platonismo, mostrava-se alguém à procura de uma convergên-
cia possível entre Platão e Aristóteles. A esse respeito, observo que há duas abordagens, que
precisam ser distinguidas: uma que se atenta aos produtores do texto (o projeto editorial de
Aldo Manúcio, os editores e os tradutores), e outra que se dirige aos leitores do texto e ao modo
como o receberam, cada um. O entendimento de Schmitt, ao meu ver, está mais alinhado com a
segunda abordagem.
74
O conceito de matéria primeira segundo João Filopono
de Alexandria e sua recepção no século XVI, em latim
31
Ioannis Grammatici Philoponi Alexandrini contra Proclum de mundi aeternitate. Pela casa edi-
torial de Bartolomeu (Bartholomaeus Casterzagensis), com a diligentia de Giovanni Francesco
Trincavello (Ioannis Franciscus Trincauellus). Para referência: t [Parte da publicação] Página,
linha–Página, linha. As partes da publicação são as notas (prefácio, cartas dedicatórias, etc.),
numeradas segundo a ordem em que aparecem, e os livros (I a XVIII).
32
Ioannis Grammatici cognomento Philoponi libri duo de viginti adversos totidem Procli successo-
ris rationes de mundi aeternitate, ad octauum Physicorum Aristotelis librum atinentes. Tradutor:
Gaspare Marcello (Gaspar Marcellus). Ano de publicação: 1551 (em Veneza, pela casa editorial
de Hieronymus Scotus). Para referência: GM 1551 [Parte da publicação] Página, linha – Página,
linha. A página A está à esquerda no original, e a página B à direita. Nessa publicação, além dos
livros que compõem o contra Proclum, há duas cartas dedicatórias: uma, no início, dirigida ao
papa Júlio III, e outra, nas páginas 45B e 46A, dirigida a Ioannes Cernelius.
33
Ioannes Grammaticus Philoponus Alexandrinus in Procli diadochi duodeuiginti argumenta. De
mundi aeternitate. Opus uaria multiplicique Philosophiae cognitione refertum. Tradutor: Jean Ma-
hot (Ioannis Mahotius). Ano de publicação: 1557 (em Lyon, cum privilegio regis). JM 1557 [Parte
75
Matheus Henrique Gomes Monteiro
da publicação] Página, linha – Página, linha. Nessa publicação, há nove notas: quatro cartas, qua-
tro poemas e um prefácio (escrito por Clément Mahot, parente de Jean Mahot, o tradutor). Duas
das cartas são de Jean Mahot para o cardeal François de Tournon. No prefácio, Clément Mahot
expõe sistematicamente o que entende por filosofia e como Filopono se insere nela.
34
Ver Lohr, C. H. Renaissance Latin Translations of the Greek Commentaries on Aristotle, Nota 15.
35
O neolatim foi a variedade da língua que surgiu na Renascença. Nasceu do desejo de retornar
aos modelos clássicos, enquanto saía do âmbito das discussões teológicas e teoréticas das uni-
versidades para se expandir rumo aos temas profanos e comuns. Tornou-se, na época e por
alguns séculos, a língua internacional da difusão da cultura científica e literária.
36
cf. Copenhaver, 2007, pp. 77-110. Copenhaver emprega a expressão “tradução filosófica” para
se referir às traduções feitas nesse período.
76
O conceito de matéria primeira segundo João Filopono
de Alexandria e sua recepção no século XVI, em latim
37
Em nota, Jean Mahot comenta: “Neque uero in hisce conuertibus, orationis cultum aut elegantiam
consectatus sum. Philosophicum enim hoc scribendi genus, eiusmodi esse persuasum habeo, ut dum
Latina sit oratio, interpres de reliquis non debeat laborare, e re enim omnis hic cura suscipitur: quam
in hac disputandi subtilitate exprimere haud temere qui orationis ornatum consectari uolet. Graece
enim orationis felicitas uerbis ad haec exprimenda accomodis abundat, quae in Latinum conversa,
prioris elegantiae gratiam amittant, nec nisi sententiae dispendio, aut secure omiti, aut temere com-
mutari possint”. (JM 1557 [Nota 1] 1,33-2,7). A nota 1 é uma carta de Jean Mahot dirigida ao cardeal
François de Tournon, sem data nem local indicados.
38
GM 1551 [Nota 1] 1, 3-4.
39
JM 1557 [Nota 1] 1, 2-3.
40
O original, neste caso, refere-se à edição do texto grego feita por Victor Trincavello, em 1535.
Ainda que, na época, houvesse disponibilidade de manuscritos em bibliotecas, o mais provável é
77
Matheus Henrique Gomes Monteiro
que Gaspare Marcello se tenha baseado na edição de 1535 para fazer a tradução de contra Pro-
clum. Nesse ponto, a tradução de Jean Mahot é mais suscetível de debate, considerando-se que,
nas cartas publicadas conjuntamente, ele revelou ter procurado por manuscritos completos.
78
O conceito de matéria primeira segundo João Filopono
de Alexandria e sua recepção no século XVI, em latim
41
M. Share traduz por the three-dimensional, e P. Mueller-Jourdan por la tridimensionalité.
42
Gaspare Marcello usa regularmente a primeira forma, a outra se encontra uma vez em 63B,15-16.
43
Jean Mahot traduz τὸ τριχῇ διαστατὸν de vários modos: “triplici dimensione [...] diffusum”
(185,33), “triplex dimensio” (187,39; 188,1), “trifariam interualla” (187,41), “triplex inte-
ruallum” (187,43), “tria interualla” (188,1; 188,2) e “trifariam extensum” (188,6).
44
Essa interpretação não é isenta de problemas, inclusive para Filopono, pois que, na definição
que ele dá à matéria primeira, o tridimensional não poderá ser composto de forma e substrato,
mas deve ser simples. Mas não seria o próprio tridimensional composto pelas dimensões? Esse
problema é examinado no livro XI, capítulo 7. Não cabe discuti-lo agora, mas para efeito de pro-
blematização já se pode notar a conveniência de tratar de uma dimensão, una e trina, em vez de
um volume, de três dimensões.
79
Matheus Henrique Gomes Monteiro
80
O conceito de matéria primeira segundo João Filopono
de Alexandria e sua recepção no século XVI, em latim
Bibliografia
Bibliografia primária47
Edição do texto grego feita por Victor Trincavello (1535):
Ioannes Philoponus de Aeternitate mundi contra Proclum. Hugo Rabe (Ed.). Lip-
sae: B. G. Teubneri, 1899.
47
Os textos da bibliografia primária, de domínio público, estão disponíveis, na internet, no sítio
eletrônico do Google Play Livros e no do Archive.org. Deve-se destacar também o serviço pres-
tado pela Münchener Digitalisierungs Zentrum Digitale Bibliothek, em cujo sítio se encontram
vários manuscritos e publicações digitalizados.
81
Matheus Henrique Gomes Monteiro
______. Against Proclus, On the Eternity of the World 9-11. Michael Share (Trad.).
London: Bloomsbory, 2010. (Ancient Commentators on Aristotle).
Place, Void and Eternity. Philoponus: Corollaries on Place and Void. David Fur-
ley (Trad.). Simplicius: Against Philoponus on the Eternity of the World. Chris-
tian Wildberg (Trad.). Ithaca, New York: Cornell University Press, 1991. (Ancient
Commentators on Aristotle).
Bibliografia secundária
Black, R. The Philosopher and Renaissance Culture. In: Hankins, J. (Ed.). The
Cambridge Companion to Renaissance Philosophy. Cambridge: Cambridge Univer-
sity Press, 2007, pp. 13-29.
Crombie, A. C. Augustine to Galileo the History of Science from 400 to 1650. Cam-
bridge: Harvard University Press, 1953.
______. A History of Natural Philosophy: From the Ancient World to the Nineteenth
Century. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.
82
O conceito de matéria primeira segundo João Filopono
de Alexandria e sua recepção no século XVI, em latim
Lang, H. S.; Macro, A. D. Introduction. In: Proclus. On the Eternity of the World. S. H.
Lang, A. D. Macro e J. McGinnis (Trad.). Berkley: University of California Press, 2001.
83