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Espectro do Autismo, Criatividade e Emoções

(talentos e oportunidades criativas)

Um novo olhar sobre o Espectro do Autismo


através da obra de

Camila Falchi

Elisabete Castelon Konkiewitz


Edward Benjamin Ziff
Copyright © 2017 by Pulso Editorial Ltda. ME
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conforme Decreto no. 1.825, de 20 de dezembro de 1907.

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de autor (Lei no 5.988/73) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Editor responsável: Vicente José Assencio Ferreira


Diagramação e capa: Alexandre Marinho Vicente
Figura da capa: Camila Falchi Parra Carvalho Silva
Impressão e acabamento: Gráfica Meta Solutions

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Konkiewitz, Elisabete Castelon


Espectro do Autismo, Criatividade e Emoções: (talentos e
oportunidades criativas) : um novo olhar sobre o
Espectro do Autismo / Elisabete
Castelon Konkiewitz, Edward Ziff ; através da obra
de Camila Falchi. -- São José dos Campos, SP :
Pulso Editorial, 2017.

Bibliografia
ISBN: 978-85-8298-028-6

1. Autismo 2. TEA (Transtorno do Espectro Autista)


3. TEA (Transtorno do Espectro Autista) - Diagnóstico
4. TEA (Transtorno do Espectro Autista) - Tratamento
I. Ziff, Edward. II. Falchi, Camila. III. Título.

17-06368 CDD-616.85882
NLM-WM 203.5

Índices para catálogo sistemático:

1. Autismo : TEA : Transtorno do Espectro Autista:


Ciências médicas 616.858
Sobre os autores

Elisabete Castelon Konkiewitz é médica graduada pela UNIFESP, em 1993, e


doutora em Neurologia pela Technische Universität München - Alemanha, em 2002. Possui
o título de especialista em Neurologia pela Academia Brasileira de Neurologia e o título de
especialista em Psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria. Desde 2008 atua como
docente na Faculdade de Ciências da Saúde (Universidade Federal da Grande Dourados
– UFGD), no cargo de professora associada. Contribuiu com diversos livros nas áreas de
Neurociências, Aprendizagem e Educação, incluindo a obra Altas Habilidades/Superdota-
ção, Inteligência e Criatividade: Uma Visão Multidisciplinar, que recebeu o prêmio Jabuti
na categoria Educação em 2015. Faz parte do programa de pós-graduação em Ciências da
Saúde da UFGD, pesquisando os efeitos cognitivos e neuropsiquiátricos da infecção pelo HIV.
Dedica-se à divulgação médica e científica em seu blog Neurociências em Debatee através
de vídeos de orientação sobre diversos temas da Neurologia e da Psiquiatria no seu canal
no youtube. Elisabete mora em Dourados, MS, é praticante de yoga e mãe de dois filhos,
Marcelo e Lucas Maurício.

Edward Ziff formou-se em Química pela Columbia University, em Nova York,


em 1963 e concluiu o doutorado em Bioquímica pela Princeton University, em 1969. Como
aluno de pós-doutorado sob orientação de Fred Sanger (laureado duas vezes com o prêmio
Nobel de Química), conduziu em Cambridge estudos pioneiros sobre o sequenciamento
de genoma. Edward Ziff trabalhou nas faculdades do Imperial Cancer Research Fund, em
Londres, e na Rockfeller University, em Nova York. Desde 1982 é professor de Bioquímica e
Farmacologia Molecular e de Neurociência na Faculdade de Medicina da New York Univer-
sity, tendo sido pesquisador do Instituto Médico Howard Hughes. Atualmente, Edward Ziff
pesquisa na área da neurobiologia molecular e atua na UFGD como pesquisador visitante
em um projeto de investigação dos efeitos do vírus HIV sobre o cérebro. O autor vive em
Nova York, escreve artigos para o New York Review of Books, é coautor de um livro popular
sobre DNA, além de ser um praticante amador de fotografia, cinema e pintura.
Dedicatória

Dedicamos este livro a todas as pessoas do espectro do autismo e às suas famílias. Que ele possa
contribuir para um melhor reconhecimento das potencialidades que habitam o espectro e para a com-
preensão de que o ser humano não tem limites, nem se deixa enquadrar em categorias.

Agradecimentos

Elisabete gostaria de agradecer aos pais de Camila, Eliana Falchi Parra Carvalho da Silva e José
Antônio Carvalho da Silva, que muito a apoiaram e estimularam na elaboração desta obra, à professora de
artes Gisele Villanova Benages, com quem Camila descobriu a paixão pela pintura, e principalmente à pró-
pria Camila, que ensinou à autora, através do seu rico universo imagético, um novo olhar sobre o autismo e
sobre a mente humana.

Ed gostaria de agradecer aos seus estudantes e colaboradores pelo estímulo e suporte em suas
pesquisas em neurobiologia que o levaram ao seu atual interesse pelo autismo. Particularmente, ele gosta-
ria de agradecer à Elisabete por apresentá-lo à Camila Falchi e à sua arte e também agradecer à UFGD e aos
seus alunos pela generosa hospitalidade e pelas muitas discussões instigantes sobre o cérebro.

Os autores também gostariam de agradecer à Pâmela Berton Costa e à Bruna Rafael Neira
Muñoz pela tradução e formatação do manuscrito.
Sumário

Prefácio .................................................................................................................................................. 13

1. Um pouco sobre Cacá Silva ................................................................................................................ 19

2. Quantas cores tem o espectro? Todas e ainda outras mais: a arte de Cacá Silva ............................. 21

3. Processando a informação social: compreendendo o que vai além da lógica ................................... 25

O que é a informação social e por que precisamos dela? ............................................................. 25

O que são emoções e sinais sociais? ............................................................................................. 25

Prosódia e a expressão de sinais emocionais no discurso ............................................................. 26

Como a emoção é processada no nosso cérebro? ........................................................................ 31

O hipotálamo, a vasopressina e a oxitocina .................................................................................. 31

4. O espectro do autismo: neurônios, cérebro e comportamento ........................................................ 35

Uma breve apresentação ............................................................................................................... 35

Aspectos definidores e universais ................................................................................................. 35

Bebês e crianças no espectro: desenvolvimento neurológico e comportamento ......................... 36

Genética e espectro do autismo .................................................................................................... 40

O desenvolvimento do cérebro ..................................................................................................... 40

Interesses restritos, obsessões e genialidade ................................................................................ 43

As dificuldades de empatia de uma mente sistematizadora .......................................................... 44

Compreensão social e Teoria da Mente ......................................................................................... 49

Como podemos testar a presença de Teoria da Mente? ............................................................... 49

Teoria da Mente em crianças do espectro ..................................................................................... 53

Regiões do cérebro ativas durante a Teoria da Mente e suas respectivas funções........................ 53

Como a atividade cerebral é afetada pelo autismo? ...................................................................... 54


5. Uma nova visão: vendo talentos e oportunidades de integração – arte, inteligência e criatividade .. 61

A música e a pintura: dois refúgios acolhedores ................................................................................ 61

Música e pintura: porque a mente autista percebe um mundo diferente.......................................... 62

Cada pessoa tem seu próprio espectro: um olhar individualizado na escolha do caminho
terapêutico e a importância do tratamento dos transtornos concomitantes.................................... 66

Adequar o comportamento versus criar relacionamento: a importância do tratamento


precoce e as controvérsias sobre a ABA ........................................................................................... 70

Comunicação verbal e comunicação alternativa............................................................................... 74

Terapia cognitivo-comportamental................................................................................................... 77

Processamento sensorial e Terapia de Integração Sensorial............................................................. 81

Terapias assistidas por animais......................................................................................................... 82

Musicoterapia e Arteterapia: rompendo a casca e descobrindo a semente.................................... 85

Adolescência e vida adulta: socialização, treino de habilidades socioemocionais e sexualidade..... 86

Um perfil de inteligência mal compreendido................................................................................... 93

Pessoas do EA podem ser criativas?................................................................................................. 97

O cérebro normal é um mito: Síndrome de Asperger e Neurodiversidade...................................... 102

A escola como um espaço de oportunidade: a integração, o bullying e as intervenções


mediadas por pares......................................................................................................................... 106

O emprego como espaço de oportunidade: todas as formas de pensamento podem


ser construtivas................................................................................................................................ 110

6. Conclusões .......................................................................................................................................... 117

7. Palavras de uma mãe ........................................................................................................................... 121

8. Referências .......................................................................................................................................... 129


As pinturas de Cacá Silva

I. Olho ......................................................................................................................................................... 11

II. A Teia ....................................................................................................................................................... 15

III. Outra Vida .............................................................................................................................................. 17

IV. Origem .................................................................................................................................................... 23

V. O Arco Íris ................................................................................................................................................ 27

VI. Maravilhosa ............................................................................................................................................ 29

VII. As Películas ............................................................................................................................................ 33

VIII. A Bola .................................................................................................................................................... 37

IX. Ciclo de Bolinhas ...................................................................................................................................... 41

X. O Mundo Sombrio .................................................................................................................................... 45

XI. Quadrados ............................................................................................................................................... 47

XII. Vida ......................................................................................................................................................... 51

XIII. Futuro .................................................................................................................................................... 55

XIV. Primavera ................................................................................................................................................ 59

XV. Gelo ......................................................................................................................................................... 63

XVI. A Linda ................................................................................................................................................... 67

XVII. Ciclo de Bolinhas ................................................................................................................................... 71

XVIII. Borboleta .............................................................................................................................................. 75


XIX. Labirinto ................................................................................................................................................ 79

XX. Tempo .................................................................................................................................................... 83

XXI. Pôr do Sol ............................................................................................................................................. 87

XXII. Caminho ............................................................................................................................................. 91

XXIII. Felicidade .......................................................................................................................................... 95

XXIV. Relíquias ............................................................................................................................................. 99

XXV. Terra .................................................................................................................................................... 103

XXVI. Minha Família .................................................................................................................................... 107

XXVII. Balão ................................................................................................................................................ 111

XXVIII. A Esperança .................................................................................................................................... 115

XXIX. Mundo ............................................................................................................................................. 119

XXX. Imaginação ........................................................................................................................................ 123

XXXI. Brasil ................................................................................................................................................ 127


I. Olho 35 cm x 35 cm – tinta acrílica, 2014.

“Olho – Um centro de energia radiante, algo precioso circunscrito por círculos de fogo, uma gema rara, enfim, algo muito forte e
enigmático. E o enigma se revela ainda mais instigante quando se pensa que Cacá, assim como a maioria das pessoas do espectro,
normalmente não estabelece contato visual. A imagem, porém, talvez aponte para uma forma muito particular e sensível de perceber o
poder do olhar do outro” (Elisabete Castelon Konkiewitz – ECK).
“Eu quero a luz que vem de dentro, quero que as cores representem emoções” (Vincent van Gogh).
“Pensei em um olho mesmo” (Cacá Silva).
Prefácio

Em primeiro lugar, este é um livro sobre arte, a arte da pintura. É um livro para a degustação do belo,
para o prazer sensorial, para o deleite visual. O leitor deve folhear estas páginas livremente, sem método, sem
regras, e simplesmente se deixar encantar pela beleza despretensiosa das imagens. Que seja esse um embalo
leve e sem esforço. Que a sua mente descanse e deixe que respostas espontâneas e intuitivas emerjam, sem
a intermediação intelectual.
Em segundo lugar, este livro conta, através das imagens, a história da artista plástica Camila Falchi, que
é uma pessoa do espectro do autismo. Seus quadros testemunham a complexidade do seu mundo interior, a
variedade de temas que o preenchem, a intensidade de sentimentos, os devaneios, as fantasias e os sonhos,
e é justamente essa complexidade que nos instiga a questionar e a rever concepções sobre o espectro do
autismo, a mente e a criatividade. Por isso, este é também, em terceiro lugar, um livro sobre o cérebro, as
neurociências e a cognição. A proposta é trazer, através do exemplo dessa artista plástica, uma ampliação do
que se entende sobre o autismo, suas características e suas potencialidades.
Elisabete conheceu Camila Falchi e seus quadros em 2014, através de um de seus alunos do curso de
Medicina da UFGD, Marcelo Falchi Parra Carvalho Silva, irmão da artista. Os resultados desse encontro foram
duas exposições de arte durante a segunda e a terceira edições do Simpósio Internacional de Neurociências
da Grande Dourados, em 2014 e em 2015, respectivamente. O impacto dessas exposições foi muito positivo,
pois trouxeram à tona uma nova identidade. Camila passou a se definir e a ser vista pelos demais como ar-
tista plástica. As exposições revelaram um talento que já era evidente. A crosta da antiga imagem, baseada
apenas em necessidades especiais, foi parcialmente rompida e deu espaço ao vislumbre de um brilho até
então desconhecido.
Este livro poderia simplesmente apresentar as obras da artista plástica, sem nenhuma discussão sobre
o espectro do autismo (EA), pois elas já trazem em si toda a força e a beleza suficientes para sustentarem a
apreciação do público e o convencerem do seu valor estético. No entanto, o EA é abordado aqui justamente
porque essas pinturas, tão vibrantes e tão intensas, quebram estereótipos, revelam um universo emotivo e
impulsionam para novas direções de pensamento e ação.
O livro se inicia com uma breve apresentação de Camila Falchi, no capítulo 1, e um comentário sobre
sua arte, no capítulo 2. O capítulo 3 explica como o cérebro processa a informação social, uma capacidade
que pode ser um desafio para pessoas do espectro.

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O capítulo 4 discorre sobre o EA com informações bastante atualizadas sobre frequência, manifes-
tação e diagnóstico, expondo novos modelos cognitivos que o explicam tanto em seus aspectos deficitários,
como também em seus talentos específicos. Discutimos o papel da genética na origem do EA. Exploramos
como os mais modernos exames psicológicos e de neuroimagem têm revelado diferenças entre neurotípicos1
e pessoas do EA em relação aos circuitos de processamento social e como esses estudos têm oferecido uma
nova compreensão sobre os fundamentos da interação social. Revisamos o que estudos clínicos têm mostrado
sobre como o cérebro autista se diferencia durante o desenvolvimento, tanto de maneira neurofisiológica
quanto psicologicamente.
O capítulo 5 discute como uma pessoa do EA tem uma particular percepção visual e auditiva, um
perfil próprio de interesses, um foco intenso e uma capacidade duradoura de permanecer atento a algo,
características tradicionalmente vistas como problema, mas que, como mostraremos, podem ser também
qualidades positivas. Até mesmo dificuldades na comunicação verbal e na compreensão emocional podem
ter uma face positiva pois, se por um lado causam isolamento, por outro também proporcionam liberdades
que decorrem da independência criativa em relação às expectativas sociais. Nesse cenário, destacamos a
pintura e a música como caminhos de expressão particularmente atraentes e adaptados à mente autista, pois
geram oportunidades singulares de dedicação, envolvimento e desempenho. Em seguida, apresentamos as
diferentes abordagens de tratamento e apoio, como a psicoterapia, a fonoaudioterapia, a terapia assistida por
animais, a terapia de integração sensorial, assim como a arteterapia e a musicoterapia. Também discutimos
os desafios sociais na adolescência.
Em seguida, propomos uma revisão dos conceitos e das formas de avaliação da inteligência e da criati-
vidade dentro do espectro, mostrando como essas potencialidades vêm sendo constantemente subestimadas
nesse grupo. A Neurodiversidade é, nesse contexto, um movimento de conscientização iniciado pelas pessoas
do EA que reivindica maior participação social, inclusão nas escolas e no mercado de trabalho e, acima de
tudo, um novo conceito de saúde mental e de normalidade.
No capítulo 6, sintetizamos a obra, colocando Camila e suas pinturas sob uma perspectiva mais ampla,
baseada no que se sabe atualmente sobre o autismo, e expressamos a nossa esperança de que pessoas do
EA sejam mais bem integradas ao sistema educacional e à sociedade como um todo. Finalmente, o livro se
encerra no capítulo 7, com o depoimento da mãe de Camila sobre sua trajetória de lutas e conquistas. Sem
dúvida, uma história de amor e coragem.

1
Neurotípico é um termo usado pelo movimento da neurodiversidade (discutido no capítulo 5) para indicar pessoas supostamente sem
alterações neuropsiquiátricas diagnosticadas.

14
II. A Teia 60 cm x 120 cm – tinta acrílica, 2015.

“A cor é uma energia que influencia diretamente a alma” (Wassily Kandinsky).

“Queria fazer uma aranha, mas não deu muito certo, então fiz a teia da aranha” (Cacá Silva).
III. Outra Vida .
40 cm x 50 cm – cola colorida sobre tinta acrílica, 2013

“Outra Vida – O tema dessa obra é de natureza espiritual e revela a consciência da transitoriedade da vida e das perdas, mas também o
entendimento disso tudo como um ciclo. O fundo desse jogo cósmico tem a cor suave como o colo de uma Grande Mãe” (ECK).

“Uma obra é uma realidade expressa, é algo pronto em si mesmo e não corresponde às intenções conscientes do seu autor” (Georges
Braque).
“Significa quando você renasce novamente” (Cacá Silva).
1. Um pouco sobre Cacá Silva

Camila Falchi Parra Carvalho Silva nasceu em 28 de março de 1991, em Votuporanga, SP, e mora com seus pais e
sua irmã Beatriz, em São José do Rio Preto, SP. Além da pintura, que pratica desde 2009 com a professora Gisele Villanova
Benages, Camila toca piano e tem interesse especial por filmes e bichos, assuntos da sua vida cotidiana que também apa-
recem nas suas obras. Seus filmes preferidos são Harry Potter e Senhor dos Anéis, que ela já assistiu várias vezes porque
tem a coleção completa de ambos, e a saga dos vampiros de Crepúsculo.
Entretanto, na realidade, o mundo para Camila nem sempre é assim tão simples. Por vezes, pequenas decisões cotidia-
nas podem representar um empasse angustiante. O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) faz com que objetos ou palavras
isoladas adquiram um significado peculiar e ameaçador, obrigando-a a rituais longos e torturantes. Outras vezes, ela nem mesmo
sabe o que causou a ansiedade, sentindo apenas a necessidade de obedecer às compulsões. Apesar disso, Camila é uma jovem
feliz e autoconfiante. Tem uma natureza calma, tranquila, afetiva e bem-humorada. Ela sabe de sua história e não se julga como
“uma pessoa com problema”, ela se vê como uma pessoa que possui algumas limitações, mas ainda assim normal, como todas
as outras. Sua autoestima é muito boa. Mesmo não sendo especialmente vaidosa, ela se acha bonita e gosta de socializar.
2. Quantas cores tem o espectro?
Todas e ainda outras mais: a arte de Cacá Silva

O universo pictórico de Camila Falchi é, acima de tudo, um universo colorido. As cores são protagonistas
e instrumentos de expressão. Não há perspectiva, nem volume, nem nuances de luz e sombra. A composição
resulta da combinação de cores em formas simples e claras, sem sobreposições monocromáticas, mas quase
sempre em contrastes. São cores vivas, fortes e, na maioria das vezes, claramente delimitadas umas das ou-
tras. As linhas não são geométricas, mas irregulares, curvilíneas e despreocupadamente assimétricas, o que
as torna mais aconchegantes, mais humanas, menos duras.
Mesmo quando supostamente representa um objeto externo, a composição apenas remete a ele como
uma inspiração inicial, mas não o retrata de fato. É como se tomasse um caminho próprio, sempre rumo ao
universo interior. Não há elaboração conceitual, nem planejamento e não há contenção. O que ocorre é uma
atividade fluida, altamente concentrada e intuitiva.
Camila parece não ter inibições ou medo de errar. Sua arte vai se constituindo espontaneamente,
sem arrependimentos e sem correções. As cores intensas, os contrastes vibrantes e as linhas grossas revelam
essa energia pulsante e impulsiva. Por exemplo, a belíssima Teia (página 15) surge de um improviso, como
ela mesma explica: “queria fazer uma aranha, mas não deu muito certo, então fiz a teia da aranha”. Ora, isso
dá provas de grande flexibilidade cognitiva e de equilíbrio emocional diante de frustrações, características
distantes da rigidez comportamental tradicionalmente esperada para uma pessoa do espectro do autismo.
A visão que Camila tem da sua obra e do seu fazer artístico é igualmente espontânea. Ela não submete
seu trabalho a uma análise intelectiva, não tenta explicar, justificar, nem mesmo entender. Quando questionada
sobre o que pensou ao criar uma determinada tela, suas respostas são muitas vezes “não sei”, ou então, são
tão diretas e simples que fazem o interlocutor duvidar do sentido da própria pergunta. Por exemplo, em rela-
ção ao quadro O olho (página 11), ela responde: “pensei em um olho mesmo”. É como se dissesse: “não está
vendo que é um olho? Ora, em que outra coisa eu poderia ter pensado?” De fato, ela deixa a interpretação
da complexidade e dos múltiplos significados das imagens que cria a cargo de quem queira se ocupar disso e
essa indiferença e até mesmo inconsciência lhe conferem liberdade e autenticidade. Nada é construído para
significar alguma coisa ou defender alguma ideia.
Camila Falchi é fascinada por algumas formas, que se repetem em sua obra, como bolinhas, quadrados,
círculos, linhas paralelas e linhas divergentes. Essas formas e cores em si já são o tema, elas não estão neces-
sariamente copiando nada exterior. A atribuição de um título às suas telas ou as explicações das suas obras

21
são como que uma concessão da artista ao nosso desejo de interpretação. Na realidade, Camila fica horas
entretida com suas bolinhas e linhas, seus pontos e círculos. Eles já são para ela cheios de significado próprio
e singular. Suas infinitas possibilidades de variação e combinação compõem um universo que se basta e se
explica. Essas predileções não são limitantes, ao contrário, sua obra é muito variada e testemunha o desejo
de experimentação e a abertura para o desconhecido de um espírito otimista e curioso.
A natureza abstrata das telas cria um espaço de expressão e de comunicação num patamar intuitivo,
imediato e alógico. É como uma janela de acesso ao fluxo livre de associações mentais e de estados emotivos.
O espectador se detém diante da imagem e pode se esforçar para decifrá-la e traduzi-la em palavras, mas o
que capta a sua atenção é a beleza, que é puramente resultante das cores e das formas. Não há explicação,
mas vivência. Os comentários de Elisabete Castelon Konkiewitz (ECK) sobre os quadros não devem então
ser entendidos como uma exegese, mas apenas como uma resposta subjetiva e muito pessoal. Qualquer
esforço de interpretação psicológica das imagens seria provavelmente ingênuo e equivocado.

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IV. Origem .
40 cm x 60 cm – cola colorida e tinta acrílica, 2013

“Origem – Um grande ovo com várias camadas protetoras e a vida se formando em seu centro, ou vários espermatozoides com a
esperança de poder fecundar e vir a ser, ou o ciclo infinito do universo de expansão e retração” (ECK).
“Pintura é autodescoberta. Todo bom artista pinta aquilo que é” (Jackson Pollock).
“Significa muitas coisas, a origem das coisas, por exemplo, a origem da vida” (Cacá Silva).
3. Processando a informação social: compreendendo o que vai além da lógica

O que é a informação social e por que precisamos dela?

Pessoas do EA normalmente apresentam comportamentos que confundem as pessoas neurotípi-


cas e que podem prejudicar sua socialização. Apesar de o autismo possuir diferentes formas, as pessoas do
espectro normalmente apresentam um prejuízo em reconhecer, responder e emitir sinais sociais. Por isso,
com o objetivo de entender os desafios do autismo, é preciso considerar como essas formas de comunicação
acontecem e para que servem.
Como somos seres sociais e vivemos em um mundo intensamente interconectado, precisamos ser
sensíveis aos sentimentos e às necessidades de familiares, amigos, colegas de trabalho e outros membros da
comunidade para conduzir diariamente nossas vidas com sucesso. Sentimentos e necessidades sociais geral-
mente são expressos indiretamente através de sinais verbais e não verbais. Se conseguimos reconhecê-los,
nossas vidas se tornam mais harmoniosas. É preciso também ser capaz de exteriorizar os próprios sinais sociais
a fim de que outros possam compreender nossas necessidades e emoções.

O que são emoções e sinais sociais?

Os sinais sociais refletem as emoções, que são estados mentais que organizam e simplificam as nos-
sas reações aos mais diversos estímulos. Assim, quando um estímulo emocional é apresentado, deve-se ser
capaz de avaliá-lo e determinar sua natureza e sua intensidade (PHILLIPS et al., 2003). Na verdade, o cérebro
recebe inúmeras informações de todos os tipos, não apenas emocionais, mas também sobre as pessoas com
quem trabalhamos e nos socializamos, os lugares que frequentamos, a comida que comemos e o que nos
causa prazer ou dor. Essas informações são recebidas por meio de sensações através de nossos sentidos de
visão, audição, olfato, paladar e tato e o cérebro deve organizá-las e compreendê-las. Podemos reconhecer
especialmente objetos – um carro, uma colher, uma maçã – porque sabemos que aquele objeto pertence a
uma categoria ou grupo com o qual já estamos familiarizados, mesmo que nunca tenhamos visto especifica-
mente aquele carro, aquela colher ou aquela maçã. Da mesma forma, a mente humana possui uma profunda
capacidade de entender os estados mentais de outra pessoa através do reconhecimento de sinais verbais e
não verbais que indiquem raiva, entusiasmo, afeto ou desdém, mesmo que tenhamos acabado de conhecer
essa pessoa. Assim como reconhecemos o carro, a colher ou a maçã a partir de suas características principais,

25
reconhecemos as emoções quando expressas através de sinais visuais, como postura, gestos, ou expressões
faciais, como sobrancelhas levantadas e lábios apertados. As expressões faciais são particularmente infor-
mativas, sendo que uma das formas de entendê-las é a partir da imitação (WOOD, A. et al., 2016). Quando
alguém sorri, sorrimos também!

Prosódia e a expressão de sinais emocionais no discurso

Durante a comunicação, reconhecemos os sinais emocionais do discurso transmitidos sob a forma


de prosódia, ou seja, os aspectos não verbais e melódicos da fala, como a altura da voz, a acentuação, a in-
tensidade e a velocidade das palavras na frase, a pronúncia, etc. (ROSS, 2010). São esses componentes que
conferem dramaticidade, vida ou, em outras palavras, o caráter genuinamente humano da linguagem. Quan-
do o componente emocional do discurso não é suficientemente expresso, as relações interpessoais ficam
seriamente prejudicadas, porque o discurso sem prosódia soa mecânico, estranho e até mesmo irritante. Da
mesma forma, um interlocutor com dificuldades em perceber as mensagens emocionais transmitidas através
da prosódia, poderá interagir de forma inadequada. Assim, pessoas com autismo, devido à dificuldade em
interpretar a tonalidade emocional do discurso, podem preferir comunicar-se com computadores e dispensar
totalmente o lado social da comunicação.

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V. O Arco Íris 50 cm x 60 cm – tinta acrílica, 2014

“O arco-íris é distorcido e assimétrico e essa distorção dá movimento e dinamismo à imagem. Além disso, suas cores não correspondem
às de um arco-íris real. Existe pressa, energia, coragem de autoexpressão e até mesmo a ousadia de sair da linha” (ECK).

“Pensei na alegria das cores. O arco-íris é uma coisa feliz” (Cacá Silva).
VI. Maravilhosa 70 cm x 90 cm – cola colorida e tinta acrílica, 2015.

“A composição é um absoluto mistério. Ela é ditada pela mente. O artista procura por certos sons ou certas linhas aceitáveis à sua mente
e, finalmente, por um arranjo aceitável das mesmas. As composições aceitáveis despertam determinados sentimentos de apreciação no
observador. Algumas composições encantam alguns e outras, outros” (Agnes Martin).
Como a emoção é processada no nosso cérebro?

Sinais sociais e emocionais são importantes, porque têm efeitos profundos em nossos corpos e
mentes. Respondemos a esses sinais liberando hormônios, mudando a atividade do nosso sistema nervoso
e ajustando nossa expressão corporal através de reações como sorrir, franzir a testa, suspirar ou gargalhar.
Para entender como nos comunicamos socialmente, precisamos entender como essas respostas mentais e
viscerais são formadas.
A Ressonância Magnética Nuclear funcional (RMNf), uma técnica avançada de imageamento que
mostra o nível de ativação de diferentes regiões do cérebro, revelou que o córtex pré-frontal tem um papel
central no processamento de sinais sociais. Essa região está associada às funções executivas, que podem ser
entendidas como “funções administrativas”, como avaliar as vantagens e desvantagens de ações alternativas
e escolher uma delas, gerar um comportamento dirigido a uma meta específica, predizer os resultados desse
comportamento, automonitorar-se, autoavaliar-se e mudar de maneira flexível a estratégia utilizada de acor-
do com os resultados obtidos. Todos esses processos acontecem enquanto avaliamos as emoções de outras
pessoas. O funcionamento do córtex pré-frontal é frequentemente deficitário em pessoas do EA, uma questão
que discutiremos mais profundamente a seguir.
Outras regiões do cérebro que processam sinais sociais são as que fornecem percepção de dor e tam-
bém o hipotálamo, que comunica informações cerebrais para o restante do corpo com o objetivo de controlar
processos fisiológicos de resposta e de adaptação ao ambiente.

O hipotálamo, a vasopressina e a oxitocina

O hipotálamo desempenha um grande papel em induzir comportamentos adequados de resposta aos


sinais sociais e emocionais (INSEL, 2010), além de ser responsável por preparar o corpo para ataques iminentes,
aos quais podemos responder com luta ou fuga, ao agredir ou recuar, respectivamente. Essa região também
responde a interações interpessoais positivas, preparando-nos para o envolvimento sexual ou o envolvimento
em brincadeiras e jogos, ou para cuidar, proteger e ajudar. O hipotálamo libera dois peptídeos, a oxitocina e a
arginina vasopressina (AVP), que participam do controle do comportamento social. Experimentos mostram que
em ratos a oxitocina induz o comportamento materno de cuidado com a prole, provocando, quando injetado,
o mesmo tipo de comportamento, inclusive em ratas virgens que, do contrário, seriam hostis aos filhotes. A
oxitocina também se associa à formação de pares. Assim, em espécies monogâmicas de ratos-do-campo, a
oxitocina induz a formação de vínculo entre o casal após a cópula. Esse tipo de monogamia inclui preferências
de parceiro, defesa do parceiro contra ataques e divisão no cuidado da prole entre a mãe e o pai.

31
A oxitocina também participa da formação da memória de reconhecimento social, um tipo especial
de memória. Em roedores, essa memória social permite que um rato reconheça indivíduos específicos, nor-
malmente através do cheiro, para que então possa focar sua atenção em outros ratos diferentes. Eliminar o
gene da oxitocina de um rato impede a formação da memória de reconhecimento social de longo prazo.
A oxitocina regula diversas partes do sistema nervoso, destacando-se aqui a amígdala, que é uma
estrutura das camadas profundas do cérebro responsável pelo processamento de emoções, mais particular-
mente do medo. Dependendo da região da amígdala estimulada pela oxitocina, poderão ser induzidos tanto
comportamentos sociais positivos de aproximação, quanto de estresse e esquiva. Na realidade, a amígdala
é um centro de processamento que condensa as informações sensoriais e lhes agrega um valor emocional,
consolidando uma memória afetiva para os estímulos recebidos. A oxitocina atua como neurotransmissor
que modula os circuitos da amígdala, controlando assim o colorido das memórias socioemocionais e, com
isso, o comportamento.
Como a oxitocina pode promover comportamentos pró-sociais, ela se tornou um foco de atenção das
pesquisas de tratamento do EA. Em testes iniciais promissores, a administração de oxitocina a crianças autistas
através de um spray nasal melhorou seus comportamentos sociais (EVANS et al., 2014; MAROUN; WAGNER,
2016). Entretanto, esses ainda são resultados preliminares e, de fato, muito ainda precisa ser compreendido
sobre as bases neurológicas do EA antes que medicamentos possam ser lançados no mercado.

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VII. As Películas 40 cm x 50 cm – cola preta, tinta acrílica, 2010.

“Em si mesmas, as coisas não existem. Só existem através de nós” (Georges Braque).
4. O espectro do autismo: neurônios, cérebro e comportamento

Uma breve apresentação

A maioria de nós já vem ao mundo com um funcionamento cerebral que nos permite aprender es-
pontaneamente e com facilidade a comunicação com outras pessoas e a assimilação das regras e convenções
de comportamento do nosso grupo cultural. Esse aprendizado é fundamental para a nossa adaptação e a
nossa aceitação pela sociedade. Habilidades como saber pedir ajuda, saber convidar para uma brincadeira
ou passatempo conjunto, saber consolar e saber compartilhar suas experiências são o cimento que nos une
e nos permite consolidar identidades culturais.
Justamente aí se encontram as características centrais e definidoras do EA, que corresponde a um
transtorno neurobiológico do desenvolvimento, associado a prejuízos de comunicação e de socialização e a
um comportamento repetitivo com interesses restritos (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2013).
O EA tem despertado interesse e preocupação geral devido à sua prevalência alta e rapidamente cres-
cente. Nos Estados Unidos, estima-se que ele acometa uma a cada 68 crianças (CDC, 2014), o que corresponde
a uma taxa 30% maior que as estimativas de 2008 (1 a cada 88 crianças), 60% maior que as estimativas de
2006 (1 a cada 110) e 120% maior que as de 2000 e 2002 (1 a cada 150). Não há ainda explicação científica
para esse fenômeno alarmante, sendo que as mudanças nas formas de avaliação e nos critérios de diagnós-
tico não são suficientes para justificar um aumento dessa magnitude. Apesar da escassez de dados no Brasil,
admite-se que em nosso país a prevalência também seja alta, possivelmente próxima à dos Estados Unidos.
O EA acomete todas as etnias e é cerca de cinco vezes mais comum no sexo masculino.

Aspectos definidores e universais

Na realidade, o termo EA remete a um grupo bastante heterogêneo em seu perfil de habilidades,


dificuldades e padrões de comportamento, abrangendo desde pessoas com retardo mental severo, incapazes
de se comunicar verbalmente e de desenvolver qualquer grau de independência, até pessoas altamente inte-
ligentes, profissionalmente bem-sucedidas e socialmente adaptadas. Entretanto, apesar da heterogeneidade,
as dificuldades na comunicação e nas interações sociais, incluindo a menor responsividade social, a dificuldade
em reconhecer as emoções e as intenções do outro, assim como um padrão de comportamentos restritos e
repetitivos são aspectos definidores e universais do EA.

35
Não existe uma alteração cerebral específica, visível em exames, como ressonância magnética ou ele-
troencefalograma, que demarque o EA. Assim, o seu diagnóstico é puramente clínico, baseado no relato dos
cuidadores e na observação do comportamento da criança. Eventualmente, diversos exames complementares
são realizados para avaliar possíveis distúrbios concomitantes (SCHWARTZMAN, 2015).

Bebês e crianças no espectro: desenvolvimento neurológico e comportamento

Cada vez mais tem sido possível perceber sinais do EA em idades bastante precoces, até mesmo
no primeiro ano de vida. Por exemplo, bebês autistas tendem a ter menos contato visual com a mãe e com
outras pessoas, a gostar menos de toque, a atender menos a chamados e a recorrer menos à mãe para con-
solo ou segurança. Eles também mostram déficit em atividades de atenção compartilhada, em que duas ou
mais pessoas compartilham o mesmo objeto de atenção externo a elas. Por exemplo, se estamos na calçada
e vemos alguém olhando para cima, a nossa reação espontânea é a de também olhar para cima. Do mesmo
modo, em brincadeiras ou jogos de alternância de vez (partida de xadrez, tênis de mesa, brincadeira de roda,
jogos musicais com rima e movimento), as pessoas permanecem focadas em um mesmo elemento comum.
Já bebês autistas não compartilham o conteúdo de atenção proposto pelo outro, por exemplo, não olham
para onde a mãe aponta e não se envolvem em jogos que ela inicia.
No decorrer do desenvolvimento, crianças do EA frequentemente apresentam atraso na aquisição da
linguagem. Além das dificuldades de formulação de frases, podem apresentar outras alterações, como ecolalia
(repetição daquilo que se acaba de ouvir) ou dificuldade em referir a si mesmo como “eu”, podendo, ao invés
disso, usar o próprio nome ou o pronome em terceira pessoa. Como visto no capítulo 3, sua prosódia (entona-
ção e melodia com que se pronunciam as frases) pode ser monótona, artificial, cantada ou de qualquer outra
forma que seja estranha e estereotipada, sem as variações esperadas que transmitem o colorido emocional
do que falamos. Mesmo após adquirirem vocabulário e domínio gramatical razoáveis, sua linguagem pode
ser formal demais, rígida e inexpressiva, com grande dificuldade em usar e entender figuras de linguagem,
como gírias e metáforas.
Crianças do EA podem mostrar movimentos repetitivos e sem finalidade, como balanço dos braços,
da cabeça ou do tronco. Frequentemente são fixadas em determinados rituais e rotinas que não podem ser
alterados, por exemplo, a posição dos móveis ou dos objetos em um cômodo, a rota do ônibus de casa para
a escola, o lugar onde se sentam na classe, peças de roupa que usam, alimentos específicos que ingerem,
palavras que devem ser ditas em certos momentos, palavras que nunca podem ser pronunciadas, etc. Uma
pequena mudança pode causar verdadeiras crises de agitação, ansiedade extrema e até comportamentos
de autoinjúria. Como a criança não consegue se expressar adequadamente e mostrar o que lhe desagrada e
como a mudança normalmente não é notada pelos demais, seu comportamento pode permanecer por longo
tempo incompreendido e inacessível a tentativas de consolo.

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VIII. A Bola 40 cm x 40 cm – cola sobre tinta acrílica, 2012.

“Neste mundo da imaginação, a fantasia é livre e se opõe violentamente ao senso comum” (Mark Rothko).

“Eu me inspirei em uma bola mesmo” (Cacá Silva).


Existe no EA um déficit de fantasia que se expressa pelo modo de brincar. Essas crianças exploram
objetos, enfileirando-os, rodando-os, percutindo-os, etc., mas geralmente não os transformam em sua ima-
ginação. A banana não vira um telefone, sapatos não viram carrinho, folhas de árvore não viram comidinha.
Seu interesse por histórias fictícias, como contos de fadas, cinema, teatro, desenhos animados, é baixo. Por
vezes, pode até existir um fascínio por uma personagem, que é então imitada em suas vestes, seus hábitos,
seus dizeres, etc., mas parece não haver um mergulho no universo emocional da mesma. Falta a Teoria da
Mente, que é a compreensão dos sentimentos, das crenças, intenções e motivações do outro e o entendi-
mento deles como separados do seu próprio estado interior. Por exemplo, diante da cena de um filme, em
que alguém sofre por acreditar em uma mentira, temos a capacidade de identificar e de entender a causa do
sofrimento da personagem, tendo consciência, ao mesmo tempo, de que ela está sendo vítima de uma ilusão
e de que o próprio filme também não corresponde à realidade. Apesar de saber da mentira dentro da trama
e da irrealidade da história em si, somos capazes – e até sentimos grande prazer ao fazer isso – de nos colo-
car no estado emocional da personagem e até de sofrer com ela. Já uma pessoa do EA teria dificuldade em
separar a verdade dos fatos na trama, que é compartilhada com o espectador, da mentira, que corresponde
à crença da personagem.
Crianças do EA também não brincam de “faz-de-conta”, pois o “faz-de-conta” requer que se coloquem
em determinados papéis e usem a Teoria da Mente para inferir quais seriam as reações e comportamentos
adequados para cada papel. Além disso, é necessária a atenção compartilhada, pois as crianças, num pacto
subentendido, compartilham uma mesma “mentira”. Tendo consciência de que todas estão apenas fingindo,
elas são ao mesmo tempo atores, diretores e roteiristas e treinam assim diversas situações sociais.
Em suma, o conjunto de dificuldades em perceber seu entorno e em se expressar torna a socializa-
ção muito difícil e faz com que pessoas do EA – em sua maioria genuinamente bem-intencionadas, honestas,
sinceras e muitas vezes inteligentes, amorosas e até divertidas – sejam isoladas e permaneçam sem a chance
de se desenvolver plenamente e de oferecer ao mundo suas contribuições.

39
Genética e espectro do autismo
A causa do EA permanece desconhecida, porém está claro que se trata de um transtorno de natureza
neurobiológica com forte contribuição genética. Gêmeos monozigóticos apresentam uma concordância entre
0,62 e 0,94, ou seja, se um deles for autista, o outro terá um risco de 62% a 94% de também o ser. Já em irmãos
de autistas, o risco é de 10%, isto é, bem menor que o daqueles que compartilham o mesmo material gené-
tico (gêmeos monozigóticos), porém maior que o da população geral (cerca de 1,4%). Todavia, a genética do
autismo é complexa, sendo que não existe um único gene que o promova, mas inúmeras variáveis diferentes
que se somam na geração do espectro (BARNARD; POMAVILLE; O’ROAK, 2015).
Minuciosos estudos de DNA de famílias com uma alta incidência de autismo identificaram cerca de
duzentos genes, cujas mutações aumentam a ocorrência de EA (TORRE-UBIETA et al., 2016). Ainda não foi
descoberto um fator em comum entre as funções desses genes, exceto o fato de que a maioria deles se ex-
pressa no cérebro. Realmente suas funções são as mais variadas: alguns codificam proteínas que ajudam os
neurônios a se aderirem entre si; outros codificam proteínas estruturais que estabilizam as sinapses; outros
codificam proteínas que comunicam sinais dentro ou entre os neurônios e outros ainda controlam complexos
programas de atividade neuronal dos genes. Entretanto, se levarmos em consideração que o autismo é um
transtorno do neurodesenvolvimento, é plausível o fato de que este pode se alterar em diferentes etapas,
controladas por diferentes genes, mas todas elas necessárias para um funcionamento cerebral adequado.

O desenvolvimento do cérebro

O desenvolvimento cerebral é um processo de complexidade impressionante. Primeiramente, é preciso


organizar vários tipos de neurônios diferentes em grupos, camadas e estratos funcionais específicos. Durante
esse processo, neurônios que acabaram de ser criados migram dos locais de seu “nascimento” para destinos
pré-determinados, onde irão atuar. Uma vez que chegam aos seus lugares, precisam ser conectados entre
si através da formação de sinapses – pontos de contato entre os neurônios por onde a informação passa de
um para o outro – a fim de gerarem circuitos funcionantes. Para a constituição do cérebro adulto maduro, é
preciso criar um alto número de sinapses, totalizando até um milhão de vezes um bilhão (1015). Existem mais
sinapses no cérebro de um único ser humano do que estrelas em nossa galáxia! A integridade da formação das
sinapses depende da fidelidade das proteínas que orquestram essa formação. Assim, a mutação de genes que
codificam as proteínas que constituem as sinapses leva à expressão de formas alteradas, geralmente defectivas,
dessas proteínas. Genes mutantes que codificam proteínas com erros em sua estrutura, ainda que mínimos,
quando expressados repetidamente durante o desenvolvimento do incontável número de neurônios e de
suas respectivas sinapses, podem desequilibrar os circuitos do cérebro, nublar os caminhos de comunicação
e fazer com que o sistema opere anormalmente. Por exemplo, algumas mutações podem alterar o número de
neurônios produzidos durante o desenvolvimento, outras podem influenciar a migração dos neurônios para
grupos funcionais, ainda outras podem interromper a formação de sinapses.

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IX. Ciclo de Bolinhas 50 cm x 70 cm – tinta acrílica, 2014

“...não sei, penso nas bolinhas, nas coisas que gosto, gosto de bolinhas, vejo as cores que gosto, separo e pinto, sei lá” (Yayoi Kusama).
Estudos mostram que o autismo genético é poligênico, ou seja, formas genéticas do autismo são causadas
não pela mutação de um único gene, mas pela confluência de mutações genéticas que atuam de forma sinergística,
ou seja, reciprocamente uma alterando o impacto da outra. Dado que o número de combinações aleatórias de mu-
tação de genes associados ao neurodesenvolvimento é enorme, com cada combinação tendo suas próprias conse-
quências, não surpreende que o autismo seja um espectro de distúrbios com ampla variabilidade de apresentação.
Outras causas além das genéticas têm sido propostas para a origem do autismo e, de fato, é provável
que causas não genéticas tenham um papel significativo. Entretanto, é importante ressaltar que hoje não se
aceita mais a ideia de que o EA possa de algum modo resultar do comportamento materno. A teoria propos-
ta pelo psicólogo Bruno Bettelheim, nos anos 1950 e 1960, de que a indiferença da mãe (“mãe-geladeira”)
poderia induzir as alterações de comportamento na criança foi por ele mesmo refutada décadas depois, mas,
infelizmente ainda permanece difundida no imaginário popular, causando mal-entendidos, culpa e reduzindo
o acesso a terapias eficazes.

Interesses restritos, obsessões e genialidade

O EA desperta interesse por permanecer, apesar de todo esforço científico, uma incógnita para as
neurociências e a Psicologia, um mistério fascinante, que não se define apenas pelas suas limitações, mas
também por seus talentos e peculiaridades. Por exemplo, os interesses restritos, tradicionalmente vistos
como incapacitantes, podem representar vantagens. Pessoas do EA são capazes de permanecer por horas
entretidas em alguma atividade que, vista de fora, parece repetitiva, entediante e sem sentido, como girar um
mesmo objeto, observar o cair da água, variações de reflexo de luz, padrões geométricos, padrões de cores,
combinações numéricas, etc. Por vezes, porém, essa ocupação intensa e até obsessiva gera desempenhos
extraordinários. Estima-se assim que cerca de 30% dos autistas apresentam algum grau de savantismo, ou seja,
uma “ilha de alta performance”, mais comumente a música, o desenho, o cálculo de calendário, a memória,
a navegação espacial, a matemática e a informática (TREFFERT; REBEDEW, 2015).
A síndrome de Savant originalmente referia-se ao fenômeno paradoxo de uma pessoa apresentar,
ao mesmo tempo, déficits intelectuais acentuados e talentos em áreas isoladas que superavam até as habi-
lidades de superdotados. Após anos de observações e estudos, Treffert (2009) propõe uma mudança nesse
conceito, diferenciando o savantismo em casos mais raros de savants prodígio – aqueles cujas habilidades
são absolutamente incríveis – e os casos mais frequentes de savants talentosos – aqueles cujo desempenho
em um campo isolado surpreende quando comparado ao seu perfil cognitivo global. Hoje, entende-se que o
savantismo seja um amplo espectro, ou seja, talentos específicos podem aparecer em diferentes níveis.

43
Há inúmeros casos de pianistas, pintores e matemáticos geniais com diagnóstico de EA, de forma que
a repetição, fruto da capacidade de foco intenso e duradouro, possibilita a percepção de detalhes até então
desconhecidos, mudanças de perspectiva, desconstrução, reconstrução, ensaio e, por fim, criações valiosas.
É possível que pessoas do EA entrem mais facilmente no chamado “estado de flow”, descrito por Csíkszent-
mihályi e Lefevre (1989) como um estado de imersão mental completa na atividade realizada, com redução
da percepção do tempo, do ambiente e das próprias necessidades físicas, como fome, sono ou cansaço. Ele
é visto como uma experiência ideal de motivação intrínseca, altamente prazerosa e produtiva.

As dificuldades de empatia de uma mente sistematizadora

Justamente as mesmas alterações que levam às dificuldades de comunicação e de socialização podem


se associar a um funcionamento perceptivo e cognitivo que propicia determinados desempenhos. Segundo a
Teoria da Sistematização-Empatia, proposta pelo pesquisador Simon Baron-Cohen (2009), o cérebro de autistas
apresenta uma forte tendência à sistematização, ou seja, a buscar regras nos estímulos do meio, tornando-os
agrupáveis, classificáveis e previsíveis, por exemplo, agrupando números de acordo com regras (números pri-
mos, números divisíveis por sete, etc.), animais de acordo com uma característica comum, palavras em ordem
alfabética. Ao mesmo tempo, pessoas do EA apresentam um déficit em empatia, que consiste em conseguir
formular respostas e comportamentos apropriados aos pensamentos e às emoções do outro, envolvendo di-
ferentes etapas de processamento socioemocional. É preciso colocar-se no lugar do outro, entender o estado
mental de outra pessoa como separado e diferente do seu próprio (Teoria da Mente), compreender o contexto
social no qual ocorre e, finalmente, elaborar um comportamento adequado para interação. Por vezes, pessoas
do EA são até capazes de perceber o estado emocional de outra pessoa, mas não sabem como reagir a isso,
o que as torna excessivamente sinceras, sem tato ou enfadonhas e desajeitadas em suas interações sociais.

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X. O Mundo Sombrio 30 cm x 50 cm – tinta acrílica, 2015

“Se apenas houvesse uma única verdade, não poderiam pintar-se cem telas sobre o mesmo tema” (Pablo Picasso).

“É como eu vejo o mundo, cada pessoa vê do jeito que quiser” (Cacá Silva).
XI. Quadrados .
40 cm x 60 cm – tinta acrílica, 2015

“A pintura surge das pinceladas, assim como um poema surge das palavras. O significado vem depois” (Joan Miró).
Compreensão social e Teoria da Mente

Nossa compreensão das origens neurológicas do autismo data inicialmente do histórico trabalho
de Leo Kanner, Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo, de 1943, o primeiro a descrever o autismo como
uma síndrome diferenciada. Atualmente, o conhecimento sobre o EA aumentou exponencialmente e
sabe-se que ele envolve mudanças em circuitos específicos do cérebro e mutações de genes também
específicos. Como a pesquisa sobre o assunto se cristalizou em torno de alterações moleculares, genéti-
cas e fisiológicas particulares do cérebro que podem agora ser investigadas com novas técnicas, mais e
mais pesquisadores têm sido atraídos para esse campo de análise. Alguns dos estudos mais provocadores
publicados recentemente envolvem a Teoria da Mente, um processo do cérebro que, como já explicado,
permite que nos envolvamos com brincadeiras de faz-de-conta, com o enredo de um romance ou com
atividades em grupo que requerem a imaginação. Essa teoria, que nos possibilita entender o estado emo-
cional e mental de outras pessoas, encontra-se alterada em pessoas do espectro e diversos estudos têm
apresentado importantes pistas para entender seu complexo funcionamento.
Explicada de maneira mais simplificada, a Teoria da Mente é a hipótese que criamos em nossas próprias
mentes acerca do que estaria acontecendo na mente de outra pessoa, uma espécie de suposição ponderada
sobre as emoções e pensamentos do outro. Essa teoria é uma parte da nossa consciência, um estado pessoal
conhecido apenas pelo indivíduo em particular e, portanto, difícil – até mesmo impossível – para outra pessoa
conhecer ou analisar. Contudo, psicólogos e neurobiólogos têm trabalhado arduamente para estabelecer tes-
tes objetivos que meçam a Teoria da Mente com o propósito estudá-la a partir de uma sólida base científica.
Usando esses testes, pesquisadores fizeram várias perguntas, como por exemplo: com que idade adquirimos
a habilidade de formar a Teoria da Mente? Quais as partes do cérebro associadas a essa função? Diferentes
pessoas formam a Teoria da Mente de maneira distinta? Os estudos indicam que os indivíduos do espectro
não formam a Teoria da Mente da mesma maneira que pessoas neurotípicas e que neles o padrão de atividade
de regiões específicas do cérebro relacionadas a essa teoria parece estar alterado.

Como podemos testar a presença de Teoria da Mente?

Um influente artigo publicado em 1978 por Premack e Woodruff se investigou se chimpanzés enten-
diam objetivos humanos e se expressavam estados psicológicos tipicamente humanos , como “propósito ou
intenção, assim como conhecimento, crença, consideração, dúvida, suposição, fingimento, simpatia” (PRE-
MACK; WOODRUFF, 1978). Nesse estudo, os autores mostraram aos chimpanzés vídeos de humanos tentan-
do resolver um problema, como uma pessoa tendo dificuldades para pegar uma banana, por exemplo. Em
seguida, davam-lhes a opção de escolher entre uma fotografia mostrando a solução para o vídeo, como uma
vareta para alcançar as bananas, e outra irrelevante para o problema. Como os chimpanzés consistentemente

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escolhiam a foto que mostrava a solução, os pesquisadores concluíram que eles podiam entender o que es-
tava se passando na mente do ser humano do vídeo. Premack e Woodruff se referiram a essa compreensão
dos pensamentos do humano pelos chimpanzés como “Teoria da Mente”. Escolheram esse nome porque o
chimpanzé (e nem mesmo um ser humano!) não poderia ter certeza do que se passava na mente de outro
e, portanto, o chimpanzé poderia no máximo ter uma “teoria” sobre o estado mental do ser humano que
tentava alcançar a comida.
O texto de Premack e Woodruff, apesar de controverso, estimulou uma extensa discussão acerca da
natureza da Teoria da Mente (SCHAAFSMA et al., 2015) e da forma que ela assumiria em humanos. Como a
Teoria da Mente é um aspecto da consciência, e em sua natureza inacessível experimentalmente, estava claro
que a detecção e a mensuração desta capacidade mental exigiria o desenvolvimento de testes sofisticados.
Nos primeiros testes, perguntava-se a uma pessoa se outro indivíduo teria uma crença específica, que
poderia ser verdadeira ou falsa. O filósofo Daniel Dennett, entretanto, sugeriu que prever se outra pessoa teria
uma crença “verdadeira” não era um teste satisfatório, pois podia-se chegar àquela conclusão simplesmente
analisando os fatos do caso, ao invés de analisar os processos de pensamento do outro indivíduo. Dennett
(1978) propôs então que se testasse se uma pessoa seria capaz de julgar se a crença de outra era de fato falsa,
o que exigiria uma compreensão do estado mental da pessoa julgada.
Seguindo a sugestão de Dennett, Wimmer e Perner (1983) criaram o já clássico teste baseado em falsas
crenças que poderia ser aplicado às crianças. Nesse teste, uma criança observa o seguinte cenário: uma pessoa,
Maxi, coloca um chocolate em uma caixa azul e então deixa o local. Enquanto Maxi está fora, a mãe dele move
o chocolate para uma outra caixa, verde. Quando Maxi volta, perguntam para a criança onde ele procurará o
objeto. Uma criança neurotípica vai prever, já a partir dos quatro anos, que Maxi tem a falsa crença de que o
objeto está na caixa azul e que, portanto, é lá que irá procurá-lo. Responder a esse teste corretamente é visto
como uma forte evidência de que a criança possui a Teoria da Mente (WIMMER; PERNER, 1983).
Desde esse estudo pioneiro, outros testes (PERNER; WINNER, 1988) têm mostrado que crianças neurotí-
picas já têm, a partir de dezoito meses, consciência do estado mental de outras pessoas (revisado por FRITH, U.;
FRITH, C., 2003) e até crianças mais jovens já possuem capacidades semelhantes. A Teoria da Mente está assim
fortemente associada ao intenso neurodesenvolvimento nos primeiros dois anos de vida.

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XII. Vida 60 cm x 60 cm – cola colorida e tinta acrílica, 2013.

“A Vida é vermelha e sangra. A vida tem volume e exige seu lugar. A vida ocupa seu espaço, a vida é grande, a vida é forte. A vida não se
esconde. A vida não se encolhe. A vida não se envergonha. A vida briga” (ECK).

“É bem comum a crença de que o intelecto é responsável por tudo que é feito e realizado. Em geral, pensa-se que tudo o que há pode
ser colocado em palavras. Mas existe uma ampla gama de respostas emocionais que nós temos e que não podem ser colocadas em
palavras. Estamos tão acostumados a ter essas respostas emocionais, que não atentamos conscientemente para elas até que sejam
representadas numa obra de arte” (Agnes Martin).
Teoria da Mente em crianças do espectro

Como pessoas do espectro respondem diferentemente aos sinais sociais de outros (JONES et al., 2014),
pesquisadores se perguntaram se elas teriam algum déficit na Teoria da Mente. Para testar essa possibilidade,
Simon Baron-Cohen, de Oxford (que posteriormente propôs a Teoria da Sistematização-Empatia discutida
previamente, na página 44, juntamente com Leslie e U. Frith (1985), aplicou o teste “Maxi e o chocolate” em
crianças autistas e concluiu que elas não formavam a Teoria da Mente, pelo menos não como as neurotípicas,
pois a grande maioria delas falhava em perceber que Maxi teria uma falsa crença sobre a localização do cho-
colate, enquanto crianças neurotípicas respondiam de forma adequada. Intrigante também foi a observação
de que a maioria das crianças com síndrome de Down, apesar do déficit intelectual, acertava o teste, o que
indicava que a Teoria da Mente requer algo diferente daquilo que consideramos inteligência. A descoberta de
Baron-Cohen, Leslie e U. Frith era intrigante porque sugeria que, se fôssemos capazes de entender a Teoria
da Mente, poderíamos também entender a dificuldade de crianças do EA diante de sinais sociais e, talvez,
até o próprio autismo.

Regiões do cérebro ativas durante a Teoria da Mente e suas respectivas funções

Para começar a entender como o cérebro forma a Teoria da Mente, cientistas empregaram uma nova
técnica desenvolvida nos anos 90, chamada de Ressonância Nuclear Magnética Funcional (RNMf). Através do
imageamento do cérebro, enquanto uma pessoa executa uma tarefa, as áreas ativadas durante essa tarefa
podem ser identificadas (LOGOTHETIS et al., 2001). Esses estudos foram os primeiros a revelar que as regiões
para Teoria da Mente funcionam de maneira diferente em pessoas do EA.
Quando o pesquisador pedia a uma pessoa neurotípica para ler uma história que requeria o enten-
dimento do que estava acontecendo na mente da personagem, a RMNf indicava um aumento na atividade
de pelo menos três regiões (DICHTER, 2012): o córtex pré-frontal medial, o sulco temporal superior e o polo
temporal, todos fazendo parte do “cérebro social”. Como já discutimos no capítulo 3, o córtex pré-frontal,
localizado imediatamente atrás da testa, é responsável pelas funções administrativas, como tomar decisões
sobre como se comportar. Essa região reúne informação sensorial sobre a situação imediata da pessoa (por
exemplo, o cômodo em que ela se encontra e sua posição dentro desse cômodo), informação motora sobre
as ações dessa pessoa (se está se virando ou se mexendo), informação sobre os eventos que aquele indivíduo
está experimentando no momento e sobre os resultados de escolhas passadas feitas em situações semelhan-
tes, principalmente sobre se esses resultados foram positivos ou compensadores. Baseada em todos esses
elementos, essa região do cérebro nos guia a escolher a ação ou comportamento que devemos executar para
obter o resultado mais benéfico em cada momento.

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O sulco temporal superior, por sua vez, processa as informações sensoriais socialmente relevantes,
como o som de uma voz versus o de uma máquina, a visão de um rosto ou a narração de uma história. O polo
temporal processa ainda informação social e emocional. A lesão cirúrgica dessa área em macacos causa afas-
tamento social, falha em reconhecer e em emitir sinais sociais faciais ou vocais. Com a evolução dos estudos
de neuroimagem, outras áreas foram sendo incorporadas ao que se entende por“cérebro social”.
A tecnologia da RMNf trouxe ainda outros resultados inesperados. Pesquisadores descobriram que as
partes do cérebro usadas para gerar a Teoria da Mente coincidem com o Default Mode Network (DMN) – um
grupo de regiões que se ativam quando não estamos trabalhando em nenhuma tarefa externa particular e
nossa mente está em repouso num estado de introspecção, divagação e devaneio (BUCKNER; ANDREWS-HAN-
NA; SCHACTER, 2008). A sobreposição anatômica entre as regiões associadas à Teoria da Mente e às regiões
do DMN sugerem que a forma como pensamos sobre a mente dos outros se relaciona com o modo com que
avaliamos nossas próprias situações e ponderamos sobre nós mesmos.

Como a atividade cerebral é afetada pelo autismo?

A importância dessas descobertas para o entendimento do autismo logo ficou evidente. A leitura de
uma história que estimula as regiões do cérebro relacionadas à Teoria da Mente em neurotípicos tem muito
menos efeito sobre a atividade cerebral de uma pessoa do EA (DICHTER, 2012). Isso sugere que, quando uma
pessoa do EA é confrontada com a necessidade de entender a mente de outra, as regiões do cérebro res-
ponsáveis pela Teoria da Mente não são tão ativadas quanto seriam em um cérebro neurotípico. Além disso,
os pesquisadores descobriram que o DMN também é menos ativado nas pessoas do EA durante o repouso
(KENNEDY; REDCAY; COURCHESNE, 2006), indicando que nelas o devaneio e a introspecção acontecem de um
modo diferente (revisado por STIGLER et al., 2011).
Estudos posteriores ofereceram evidências interessantes de que as regiões do DMN e da Teoria da
Mente se desenvolvem diferentemente em pessoas autistas e em neurotípicas desde a primeira infância até
a vida adulta. Em crianças autistas recém-nascidas, o lobo frontal, que contém circuitos associados à Teoria

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XIII. Futuro 40 cm x 50 cm – tinta acrílica, 2014.

“Futuro - o futuro parece uma floresta desconhecida, cheia de seres incógnitos, mas o fundo é claro e feliz. Suas cores são tão
aconchegantes como uma sala cheia de brinquedos, um pequeno jardim perfumado ou um vestido esvoaçante no verão, feminino e
romântico. As marcas escuras vêm por cima, como se fossem a consciência da dor que também acompanha a vida” (ECK).

“Quero mostrar que o futuro é genial” (Cacá Silva).


da Mente, é menor. Entretanto, nelas, após o nascimento, ele cresce mais rapidamente que o esperado, o
que pode explicar o fato de apresentarem conexões mais intensas, possivelmente resultando em um funcio-
namento desorganizado do lobo frontal (revisado por COURCHESNE; PIERCE, 2005). As conexões com outras
partes do cérebro, todavia, diminuem, o que prejudica o compartilhamento de informações entre regiões
distantes. Muitas dessas novas descobertas provêm da medição de uma propriedade do cérebro chamada
conectividade funcional. Considera-se que duas regiões se conectam funcionalmente quando exibem atividade
simultânea durante uma tarefa. Em pacientes autistas, a conectividade funcional entre regiões afastadas do
DMN é reduzida, o que condiz com o compartilhamento prejudicado de informações entre elas, no entanto,
entre regiões próximas ela é maior. Além disso, quanto maior a severidade do déficit em habilidades sociais
e comunicativas, menor a conectividade funcional do DMN (ASSAF et al., 2010).
A Imagem por Tensor de Difusão (DTI), uma técnica de ressonância magnética que mede a difusão
de moléculas de água na substância branca, onde fibras nervosas se agrupam em feixes (ALEXANDER et al.,
2007), mostrou uma menor conectividade (TRAVERS et al., 2012), especialmente nas fibras que ligam regiões
distantes relacionadas ao “cérebro social e emocional” (AMEIS; CATANI, 2015). Acredita-se que essa menor
comunicação, resultado de um neurodesenvolvimento aberrante, prejudique o processamento de informa-
ções de natureza social, dificultando a compreensão do comportamento e das emoções de outras pessoas.
Ainda não se sabe porque o cérebro autista se desenvolve de maneira diferente, mas as mutações genéticas
provavelmente têm um papel importante nesse processo (ZIATS; RENNART, 2016).
As alterações na Teoria da Mente, na introspecção e no autoconhecimento no EA envolvem algumas
das funções mais complexas do cérebro relacionadas ao estado mental, à intuição social, à emoção e à cons-
ciência. Entender essas mudanças certamente nos ajudará a conectar melhor pessoas do EA com as neurotí-
picas, a acelerar o diagnóstico e a desenvolver novas formas de terapia farmacológica, além de métodos mais
efetivos de psicoterapia e educação.
Além das diferenças na Teoria da Mente, estima-se que 85% das pessoas do EA apresentem o que se
chama de alexitimia tipo II (RIEFFE; MEERUM TERWOGT; KOTRONOPOULOU, 2006), que se define pela dificul-
dade em entender, descrever e categorizar as próprias emoções, mesmo quando elas são presentes e inten-
sas. Por exemplo, pessoas com alexitimia podem não saber se estão se sentindo culpadas ou decepcionadas
com o outro, se estão com medo ou com vergonha, ou por que estão chorando ou com raiva. É de extrema
importância compreender esse aspecto, pois ele quebra o falso mito de que os autistas são frios e incapazes
de criar vínculos. Pelo contrário, a verdade é que eles se apegam às pessoas, querem ajudá-las, agradá-las e
sofrem ao vê-las sofrer (RYNDAK et al., 1995; STAUB et al., 1994), mas podem não conseguir processar cogniti-
vamente o que percebem, podem não conseguir categorizar e inferir as razões e a natureza dos seus próprios
sentimentos e dos sentimentos do outro, o que causa perplexidade, confusão e muita ansiedade (CAPRIOLA;
MADDOX; WHITE, 2016; MILOSAVLJEVIC et al., 2016), induzindo-os a reações de fuga, pânico, agressividade

57
e até autoinjúria, ou também de aparente indiferença. Por sua vez, essas reações causam mal-entendidos e
estresse nas outras pessoas, criando um círculo vicioso de frustrações recíprocas.
Ora, os dois traços associados, por um lado a sistematização e por outro o déficit de Teoria da Mente/
empatia e a alexitimia, criam uma forte predisposição para atividades isoladas e voltadas para objetos passí-
veis de ordenação e enquadramento. Assim, muitos autistas relatam grande prazer e redução da ansiedade
quando se retiram para se dedicar aos seus interesses particulares. Enquanto que o processo de treinamento,
ensaio e aquisição de perícia em uma determinada área é para muitos um sacrifício exaustivo, realizado ape-
nas pela antevisão dos resultados finais, para pessoas do espectro, o próprio processo já é a recompensa em
si, o que lhes permite uma prática intensa, que muitas vezes leva à proficiência e a descobertas inesperadas.
Além disso, o menor acesso às emoções e às expectativas dos outros talvez permita percepções e criações
livres do viés das normas e das crenças do grupo. A mente não se limita ao que é visto como adequado ou
belo ou aceitável e se aventura em experimentações inéditas.

58
XIV. Primavera 50 cm x 60 cm– cola colorida, tinta acrílica, 2011.

“A primavera é um deleite. É feminina, delicada, suave, doce, mas também muito viva e expressiva. A composição é muito harmônica, quase
simétrica, mas, ainda assim, conserva o caráter desobediente e ousado da artista. As irregularidades do traçado são um elemento cativante.
Elas apaixonam por revelarem a fragilidade das linhas feitas por mãos humanas que correm livremente, sem réguas, sem compassos e sem
medidas. A imagem é um convite para imergir neste espaço de esperança. São flores ou são também borboletas?” (ECK).

“Quando eu penso em arte, eu penso em beleza. A beleza é o mistério da vida. Ela não está apenas nos olhos. Ela está na mente. É a
nossa resposta positiva à vida” (Agnes Martin).
5. Uma nova visão: vendo talentos e oportunidades de integração – arte,
inteligência e criatividade

A música e a pintura: dois refúgios acolhedores

A arte pode ser especialmente atrativa para as pessoas do espectro, sendo que seu perfil de dificulda-
des pode explicar porque a música, a pintura ou o desenho são as formas de arte nas quais os seus talentos
mais frequentemente afloram. Tanto a música como a pintura são formas de criação que se desprendem da
expressão verbal, que é muitas vezes um código confuso e enigmático, um verdadeiro impedimento para
pessoas do espectro. Mesmo para aqueles com cognição preservada e com bom domínio linguístico formal,
a comunicação verbal no cotidiano é um desafio, porque incorpora aspectos imprevisíveis, que não se dei-
xam enquadrar em regras claras. Por exemplo, a entonação com que se diz uma frase é bastante reveladora
e fundamental para o entendimento da mensagem. No entanto, não há como esclarecê-la, ela só pode ser
percebida intuitivamente. Também a linguagem figurada extrapola as normas de significado e exige flexibili-
dade e criatividade para ser elaborada e compreendida. Do contrário, fica muito difícil entender o significado
de frases como: “eu estou me ardendo por você”; “já li isso trezentas mil vezes”; “então eu chutei o balde”;
“você não pescou o que ele disse?”.
Por outro lado, a música, ainda que permitindo infinitas possibilidades de combinações, guarda cor-
respondências fixas que seguem regras explícitas, podendo ser apreendida em padrões de melodia e ritmo.
Assim, seus resultados são previsíveis e as relações particulares são extrapoláveis para o construto geral, sendo
o oposto da linguagem verbal, em que o não entendimento de uma única palavra ou frase pode impedir a
compreensão de toda a sentença. Como já mencionado acima na apresentação da Teoria da Sistematização-
-Empatia, parece mesmo que pessoas do EA não só necessitam de leis implícitas que permitem estabelecer
generalizações, mas também têm, de fato, um talento especial para descobri-las. Nesse contexto, a música
é um universo sistematizável, já a linguagem verbal não. Essa diferença poderia eventualmente explicar o
paradoxo impressionante que é a facilidade com que pessoas do espectro interpretam o colorido emocional
de melodias (triste, alegre, tensa, amedrontadora), enquanto que o colorido emocional das sentenças faladas
lhes permanece obscuro.
De maneira diferente, a pintura também pode ser uma ponte para a comunicação e a autoexpressão.
Se há significados ambíguos e ocultos, eles não causam ansiedade, pois uma imagem pode ser entendida de
diversas formas e todas as interpretações são permitidas. Uma imagem também pode ser ignorada. Não há
problema em não se compreender a suposta mensagem que ela transmite. Além disso, a pintura possibilita a
prática com os conteúdos de fascinação particular das pessoas do EA, como a reprodução de padrões complexos

61
e de formas abstratas, variações de incidência de luz, movimento, diferentes perspectivas de um objeto, pe-
quenos detalhes visuais, construções arquitetônicas, entre outros. Assim como a música, também a pintura
é um universo em si. Mesmo quando de natureza figurativa, ela não se obriga a retratar realisticamente o
objeto que representa, não precisa se adequar a expectativas sociais e ser inteligível como a expressão verbal.

Música e pintura: porque a mente autista percebe um mundo diferente

Habilidades superiores de percepção e de memória provavelmente também contribuem para a


sedução que a música e a pintura exercem sobre muitas pessoas do EA. Por exemplo, em relação à música,
elas apresentam frequentemente desempenho superior nos quesitos memória tonal, reprodução de trechos
ouvidos e ouvido absoluto (capacidade de reconhecer e rotular um tom isolado em qualquer frequência so-
nora) (HEATON, 2009).
Em relação à pintura, diante de uma imagem pessoas do EA tendem a focar sua atenção nas partes e
nas minúcias e menos no todo, o que lhes confere grande vantagem em tarefas que exigem que se ignore a
figura global, que se quebrem ilusões de óptica, que se vejam as linhas como de fato se apresentam. A Teoria
do Funcionamento Perceptivo Aumentado propõe que o viés de percepção para o processamento local se
deve à superioridade da apreensão sensorial em seus níveis mais básicos (MOTTRON et al., 2006). Enquanto
para a maioria das pessoas a percepção daquilo que é visto resulta de uma construção do cérebro, que inter-
preta o estímulo recebido, reconstruindo-o e apresentando-o como um todo à mente, de forma que ele se
mostre coerente e plausível, em autistas parece não haver essa elaboração cognitiva, a imagem é captada e
apresentada à mente em sua forma mais crua. Por exemplo, diante do retrato de duas crianças adentrando
o interior de uma igreja, a tendência da maioria das pessoas seria focar nas crianças e extrair sumariamente
os elementos do ambiente, de forma a perceber o movimento e a reconhecer, com base em experiências
prévias, que se trata de uma igreja, o que já bastaria para interpretar a situação. A meta da percepção é pri-
mariamente obter informações para a nossa orientação no mundo. É preciso rapidez e condensação e assim
o nosso conhecimento prévio nos direciona a ignorar detalhes considerados irrelevantes. Já uma pessoa do
EA poderia se deter na observação das linhas e luzes que compõem uma das paredes laterais da Igreja. Isso
prejudicaria a compreensão da cena apresentada, mas possibilitaria enxergar muitos elementos até então
ignorados. Ao invés de sintetizar a informação visual e ver uma igreja, um autista decomporia a imagem e se
ocuparia dos seus detalhes.
O direcionamento do foco de atenção para a parte ao invés do todo e a visão aguçada para minúcias

62
XV. Gelo 30 cm x 40 cm – massa acrílica, cola colorida e tinta acrílica, 2012.

“Não tenho medo de mudar, destruir a imagem, etc., porque a imagem tem vida própria” (Jackson Pollock).
favorece o talento para o realismo no desenho observado em artistas savants, como o pintor Stephen Wiltshire2.
Essa característica também pode ser percebida em vários outros pintores autistas não savants e mesmo em
pintores não autistas com bom desempenho em reproduções pictóricas realistas, o que claramente sugere
que o viés de processamento local pode ser visto também como uma vantagem e não apenas como um dis-
túrbio (DRAKE; WINNER, 2011).
A memória visual e a navegação espacial também podem ser notáveis em alguns autistas. Temple
Grandin3, a pessoa do EA mais conhecida mundialmente, descreve em seus livros sua forma peculiar de
pensamento, que se dá por imagens. Ela conta que seu cérebro grava imagens fotográficas e tridimensionais
altamente precisas de tudo aquilo que vê e que é capaz de girá-las, combiná-las e transformá-las em sua
mente. Essas habilidades foram sempre um enorme benefício em seu trabalho de desenhar instalações para
currais e abatedouros, os quais revolucionaram a forma de cuidados com os animais nos Estados Unidos e
no mundo (GRANDIN, 2011).
Além das esferas auditiva e visual, em outras modalidades sensoriais pessoas do espectro também
experimentam o mundo de um modo muito particular e intenso. Por exemplo, o toque suave sobre o corpo
pode ser sentido com angustiante, enquanto o aperto pode aliviar a ansiedade. A sensação de uma determi-
nada textura na boca, ao mastigar um alimento, ou um odor específico podem ser não apenas desagradáveis,
mas insuportáveis e torturantes.

2
Stephen Wiltshire – uma pessoa do EA – é um artista plástico britânico, nascido em 1974, conhecido pela sua capacidade
extraordinária de desenhar de memória uma paisagem completa e precisa em seus mínimos detalhes após um vislumbre rápido.
Em 2006, foi nomeado pela rainha Elizabeth II como um Membro da Ordem do Império Britânico. Nesse mesmo ano, abriu a
própria galeria em Londres. Disponível em: <http://www.stephenwiltshire.co.uk>. Acesso em: 13 mar 2016.
3
Temple Grandin é doutora em Zootecnia pela Universidade de Illinois e professora na Colorado State University, EUA. Eleita em
2010 pela revista Time como uma dentre as 100 pessoas mais influentes no mundo, é autora de inúmeros best-sellers sobre o
autismo e parte do movimento da Neurodiversidade. Sobre ela também foi feito, pelo canal de televisão BBC, um filme chamado,
em português, de Temple Grandin. Disponível em: <http://www.templegrandin.com>. Acesso em:13 mar 2016.

65
Cada pessoa tem seu próprio espectro: um olhar individualizado na escolha do caminho
terapêutico e a importância do tratamento dos transtornos concomitantes

Sob o aspecto terapêutico, devido à ampla variabilidade individual, o diagnóstico de Transtorno do


Espectro do Autismo não deve ser visto, na prática, como uma categoria final e definidora, pois ele, na realida-
de, não prevê nem as habilidades, nem as dificuldades de uma determinada pessoa, mas tão somente a situa
em um grupo e explica algumas de suas características. Para que se possam promover talentos e enfrentar
desafios, a análise precisa ser necessariamente individualizada, sendo assim, é recomendável que familiares,
cuidadores, terapeutas e educadores sempre tenham em mente a frase do Dr. Stephen Mark Shore4 (ele também
uma pessoa do EA): “Se você conheceu uma pessoa com autismo, você conheceu uma pessoa com autismo”.
A comorbidade é a regra, ou seja, o EA é quase sempre acompanhado de outros transtornos que
muitas vezes se tornam a principal causa de sofrimento e de dificuldade de adaptação. Por exemplo, 30% das
crianças do EA apresentam ansiedade social, 17%, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e 15%, ansiedade
generalizada (VAN STEENSEL; BÖGELS; PERRIN, 2011), enquanto 30% se enquadram nos critérios diagnósticos
de transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) (SIMONOFF et al., 2008). Também frequentes são
depressão, tiques motores, transtorno de Tourette, retardo mental, epilepsia, transtornos do sono e obstipação.
Por isso, dificuldades não relatadas ou mal compreendidas precisam sempre ser procuradas, investigadas e
tratadas, o que exige acompanhamento especializado e equipe multiprofissional. Não existe uma medicação
específica para o autismo, ou seja, os déficits de comunicação e de socialização não podem ser melhorados
através de medidas farmacológicas, mas medicamentos são frequentemente utilizados e podem ser de grande
ajuda para as comorbidades.
Além disso, os problemas se modificam em diferentes fases da vida. Cada período tem seus próprios
desafios e conflitos, como a questão da independência, dos autocuidados, da escolarização, da sexualidade, de
forma que as terapias também se transformam com o tempo, readaptando seus objetivos e seus métodos de
acordo com o momento vivido pelo paciente. A mesma criança do EA que necessitou de medicação e acom-
panhamento psicopedagógico para o TDAH é o adolescente que necessita de psicoterapia cognitivo-compor-
tamental para lidar com a ansiedade social e, talvez, o adulto que necessitará de tratamento para depressão.

4
Dr. Stephen Mark Shore é professor da Universidade de Adelphi, Escola de Educação e de Educação Especial, Garden City, NY,
EUA. É presidente emérito da Associação de Asperger de New England e ex-membro da diretoria da Sociedade de Autismo.
Também atua nos conselhos da Associação da Síndrome de Asperger e do Autismo de Alto Funcionamento, da Associação de
Serviços do Autismo e de outras organizações relacionadas ao espectro do autismo. Disponível em: <http://www.usautism.org/
who_are_you_autism.html>. Acesso em: 13 mar 2016.

66
XVI. A Linda 50 cm x 70 cm –cola colorida, massa acrílica e tinta acrílica, 2012.

“Não há nenhum dever na arte porque a arte é livre” (Wassily Kandinsky).

“Mostra a beleza” (Cacá Silva).


A multiplicidade de abordagens oferecidas para o tratamento do EA é desnorteante e cria o desafio
de selecionar métodos comprovadamente eficazes, por um lado, de propostas esdrúxulas por outro. Esse
desafio se torna ainda maior quando se considera que resultados obtidos com uma determinada população
autista não são necessariamente replicáveis em outras, pois a severidade dos sintomas, o grau de acometi-
mento intelectual, o grau de acometimento da linguagem verbal, a presença de transtornos concomitantes,
a idade, etc. são fatores que influenciam grandemente a resposta terapêutica. Além disso, embora alguns
métodos sejam sistematizados, sua reprodução fica obrigatoriamente sujeita a variações, pois será sempre
uma realidade inédita de interação entre a pessoa do terapeuta e a pessoa do paciente. As condições tam-
bém são diversas, como o ambiente no qual a intervenção ocorre (uma clínica universitária, um consultório
particular, uma escola); o profissional atuante (um pesquisador, um profissional privado, um educador, os
pais) e a duração e a intensidade da intervenção. Outra consideração é que a maioria dos estudos apresenta
resultados de curto prazo, ou seja, melhoras observadas no decorrer de semanas, sem averiguação da esta-
bilidade dessas mudanças no decorrer do tempo. Ter consciência dessas limitações é fundamental, pois traz
o entendimento de que não há nenhum método comprovadamente eficaz para todas as pessoas do EA, o
que reconduz à premissa de que a análise individual vem em primeiro lugar e é o parâmetro de decisão por
uma ou por outra abordagem terapêutica. Tendo isso em mente, o que se segue são diretrizes gerais para
orientação básica dos cuidadores sobre as principais intervenções.
Logo de antemão, o autismo não tem cura, portanto, qualquer tratamento que prometa isso deve
ser visto com ressalvas. Ademais, o foco deve ser a qualidade de vida da criança ou da pessoa com autismo,
o que inclui sua independência, seu funcionamento social, sua comunicação e, acima de tudo, sua satisfação
com a vida e consigo mesma. Assim, a meta não é “normalizar” a criança e abolir todos os comportamentos
que possam identificá-la como diferente das outras, mas reconhecer aspectos que possam ser fortalecidos,
barreiras a serem vencidas, sem deixar de respeitar seus limites. Por exemplo, o contato visual pode ser
encorajado, porém, ao mesmo tempo, é importante saber que ele é um estímulo difícil para uma pessoa do
EA. Muitas relatam que não conseguem se concentrar no que estão ouvindo ou no que desejam expressar
se tiverem que olhar nos olhos do seu interlocutor, outras relatam que isto as incomoda, as perturba e chega
até mesmo a ser fisicamente doloroso. Desse modo, ainda que a ausência ou redução de contato visual possa
despertar nos outros a sensação de estranheza, a prioridade é o conforto da pessoa do EA durante a interação.
Outro exemplo são os movimentos repetitivos, como o balançar do tronco, da cabeça, o bater de
asas com as mãos e as vocalizações, que podem verdadeiramente ser grotescos e constrangedores, mas que,
apesar disso, são descritos pelas pessoas do EA como uma necessidade, que lhes permite alívio da tensão e do
medo, bloqueio de estímulos desagradáveis (como excesso de ruídos, de pessoas, de luzes ou de demandas),
ou simplesmente expressão de alegria. Por isso, o estudo individual e a aceitação dessa forma de linguagem
corporal são preferíveis à sua repressão forçosa. É preciso que haja espaços e momentos para que a pessoa do

69
EA possa se utilizar de suas próprias estratégias de estabilização e equilíbrio. Obviamente deve-se protegê-la
de manifestações de autoagressividade, mas aqui cabe ressaltar que a interpretação de todo comportamento
é fundamental e precede a decisão sobre a forma de intervenção sobre ele. Assim, momentos de agitação
psicomotora incontrolável e aparentemente aleatória têm geralmente uma explicação, que pode ser excesso de
cobranças, excesso de terapias, mudanças de rotina, medo, frustrações, etc. O mais recomendável é desenvol-
ver sensibilidade suficiente para perceber os primeiros sinais que demonstram sobrecarga emocional e então
propiciar formas de “descompressão psicológica” para que esses episódios de descontrole sejam prevenidos.
Pausas e períodos de isolamento são importantes, pois são momentos de liberdade, de sossego, de poder
ser quem se é, sem a obrigatoriedade do ajuste à vestimenta estreita da normalidade socialmente desejada.
Para fins didáticos e sem a intenção de completude, as abordagens terapêuticas do EA podem ser
divididas em: intervenções comportamentais intensivas, como a Applied Behavioral Analysis (ABA), desen-
volvida por Ole Ivar Lovaas, o Pivotal Response Training, desenvolvido pelo casal Robert e Lynn Koegel, e
o Early Start Denver Model, desenvolvido por Sally Rogers e Geraldine Dawson; intervenções baseadas em
relacionamentos, como a Floortime, desenvolvida por Stanley Greenspan e Serena Wieder; técnicas de co-
municação alternativa; treino de habilidades socioemocionais; terapia cognitivo-comportamental; Terapia
de Integração Sensorial; terapias assistidas por animais; intervenções baseadas na expressão artística, como
arteterapia e musicoterapia.

Adequar o comportamento versus criar relacionamento: a importância do tratamento precoce e


as controvérsias sobre a ABA

Programas baseados na ABA enfocam a adaptação comportamental, de modo que comportamentos


adequados são compensados com gratificações pré-estabelecidas e os inadequados são redirecionados ou
modificados. As instruções são simples e precisas, as regras são claras. Geralmente, os pais são inseridos para
que prossigam com a terapia no ambiente doméstico, resultando em uma intensidade de 30 a 40 horas por
semana. Através da repetição intensiva, as respostas da criança vão sendo moldadas com melhora da comu-
nicação e da adequação social (SMITH; EIKESETH, 2011).
O Pivotal Response Training parte dos princípios da ABA, mas usa uma abordagem mais naturalística,
aproveitando-se dos interesses da criança e de situações do seu ambiente natural. Ao invés do treinamento
de habilidades determinadas, são ensinadas habilidades básicas, como sensibilidade a pistas múltiplas, auto-
controle, motivação, iniciativas de interação social, com a expectativa de que resultem em aquisições gerais
aplicáveis em diferentes situações. Normalmente, há melhora de diversos comportamentos, mesmo daqueles
não especificamente abordados, e os pais são intensamente envolvidos durante todo processo.

70
XVII. Ciclo de Bolinhas 50 cm x 70 cm – tinta acrílica, 2014.

“Minha arte se origina das alucinações que só eu vejo. Eu traduzo as alucinações e as imagens obsessivas que me torturam em
esculturas e pinturas” (Yayoi Kusama).
O Early Start Denver Model é uma intervenção focada no relacionamento, mas também baseada
nos princípios da ABA. Suas principais características são a aplicabilidade em fases bastante precoces do
desenvolvimento, como aos 12-18 meses de idade; o enfoque na interação afetiva com o aprendizado da
comunicação no contexto de experiências de relacionamento; a atenção aos períodos do desenvolvimento
da criança; o uso de estratégias de comportamento naturalísticas, ou seja, estruturadas a partir de situações
que surgem no cotidiano e em ambientes naturais, assim, as sessões acontecem na residência da criança; o
uso de atividades lúdicas e a intensa participação dos pais.
De um modo geral, há claras evidências de que crianças que recebem tratamento estruturado nos
princípios da ABA de início precoce (antes dos 4 anos), intensivo (mais que 15 horas por semana) e por longos
períodos de tempo (entre 8 meses a 2 anos) apresentam melhoras significativas na linguagem, na cognição e
no seu funcionamento social. Entretanto, esses resultados são bastante variáveis, sendo que ainda não estão
claros os fatores que propiciam uma melhor resposta às intervenções (WEITLAUF et al., 2014).
A ABA, porém, é uma temática controversa. Apesar de ter grande parte da comunidade médica e
científica a seu favor, ela é veementemente criticada e rejeitada pelos grupos de autoajuda e pelas comuni-
dades de defesa dos direitos do autismo. As principais ressalvas apontadas são o fato de que a ABA parte de
uma visão negativa do EA, vendo-o como um conjunto de deficiências a serem eliminadas, além de ser ba-
seada em experimentos de condicionamento realizados com animais, ou seja, o comportamento desejado é
induzido através de recompensas e o indesejado é eliminado, sem que se tente compreender o que se passa
com a criança, suas percepções e emoções. Além disso, os objetivos são a adequação do comportamento, de
modo a tornar a criança o mais próximo possível das outras tidas como normais, ignorando que ela de fato é
e sempre será diferente. Esse enfoque compromete grandemente a autoestima e a autoaceitação da criança
do EA, ensinando-a a negar, reprimir e esconder muitos dos traços que a tornam quem ela é. Por fim, a ABA
subestima crianças do EA, especialmente aquelas com baixas habilidades de comunicação verbal.
Um exemplo notório e marcante é a história de Ido Kedar5, um jovem americano que aos 16 anos pu-
blicou o livro Ido in Autismland (2012), no qual retrata sua autobiografia e critica os tratamentos que recebeu.
Por ter um grau acentuado de sintomas autistas, não ser capaz de se comunicar verbalmente e não conseguir
obedecer aos comandos motores dos terapeutas, ele foi, durante os diversos anos em que realizou 40 horas
semanais de sessões de ABA, completamente subestimado e mal compreendido. Sua vida se transformou radi-
calmente quando pôde se expressar por meio de um aplicativo de iPad e finalmente mostrar sua inteligência,
sua capacidade crítica e seu humor. Ele condena radicalmente o método ABA e conta em detalhes como foi
torturante viver com a mente aprisionada em seu corpo, sendo tratado como um bebê, tendo que apontar car-
tões com imagens ou tocar o próprio nariz, sem poder exprimir como o seu pensamento ia muito além disso.

5
Disponível em: <http://idoinautismland.blogspot.com.br>. Acesso em: 3 abr 2016.

73
Seus erros eram meticulosamente anotados e interpretados como prova de deficiência de compreensão e de
intelecto, obrigando-o a treinar inúmeras e repetidas vezes sempre as mesmas tarefas e sempre sem nenhum
progresso aparente.
O Floortime, que literalmente significa “tempo no chão”, é uma intervenção centrada na criança e
nos seus interesses. É menos diretiva, ou seja, permite à criança maior liberdade de condução e de interação
durante as sessões. O terapeuta busca se aproximar do seu universo particular, sempre partindo daquilo que a
atrai naturalmente para, aos poucos, ir criando contextos e estímulos cada vez mais elaborados e complexos,
que expandem sua capacidade de processamento, de controle emocional, de empatia, de atenção comparti-
lhada e de socialização. As estratégias são bastante flexíveis, espontâneas e improvisadas, incluindo música,
jogos, diálogo, brinquedos (GREENSPAN; WIEDER, 2006).

Comunicação verbal e comunicação alternativa

Estima-se que cerca de 30% das crianças do EA em idade escolar encontram-se sem capacidade de
comunicação verbal (TAGER-FLUSBERG; PAUL; LORD, 2005), o que representa um sério problema, uma vez que
se associa ao pior desempenho cognitivo, social, familiar e psicológico. As crianças não verbais são tipicamen-
te incompreendidas e subestimadas, como já abordado acima através do dramático exemplo de Ido Kedar.
Na realidade, essas crianças compõem um grupo bastante heterogêneo e ainda pouco estudado. Por
exemplo, dados recentes têm mostrado que a suposição de que o déficit de expressão verbal é obrigatoriamente
acompanhado de déficit intelectual e de déficit de vocabulário e compreensão está errada. Muitas crianças
não verbais têm, de fato, déficit intelectual, mas muitas outras não, o mesmo acontece com a capacidade de
linguagem receptiva, que pode ou não apresentar comprometimento (MUNSON et al., 2008; RAPIN et al., 2009).
Em 2004, o governo americano, através do Interagency Autism Coordinating Committee (IACC)6, colocou
como meta de longo prazo que 90% das crianças do EA tenham adquirido linguagem verbal funcional até os cinco
anos de idade, o que implica na necessidade de reconhecimento e de intervenção precoces, todavia, o melhor
método para esse fim ainda não foi estabelecido. Se, por um lado, o treinamento comportamental intensivo
baseado em instruções verbais tem resultados comprovados, embora com ampla variabilidade, por outro, o uso
de comunicação alternativa e aumentativa vem sendo grandemente encorajado. Esta última engloba variados
recursos não verbais de comunicação expressiva e receptiva, com sistemas não informatizados e informatizados.
No primeiro grupo, encontram-se linguagem de sinais, pranchas de comunicação com figuras, letras ou outros
sinais. Bastante conhecido é o Picture Exchange Communication System (PECS), que consiste em um sistema

6
O IACC é um comitê consultivo federal encarregado de coordenar todas as atividades relacionadas com transtorno do espectro do autismo
(ASD) dentro do Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS) dos Estados Unidos. Também presta aconselhamento ao Secretário de
Saúde em questões relacionadas com o autismo. Disponível em:<https://iacc.hhs.gov/>. Acesso em: 3 abr 2016.

74
XVIII. Borboleta 40 cm x 50 cm – tinta acrílica, 2013

“Borboleta louca, psicodélica e escandalosamente alegre. Borboleta que não pede permissão para alçar voo” (ECK).
de cartões com imagens que a criança aponta para expressar o que deseja. Dentre os recursos informatizados,
estão aplicativos para iPad e outros tablets, alguns com digitalização de voz, como o Proloquo2Go7, que converte
imagens, nas quais a pessoa clica, em frases com solicitações, palavras que descrevem emoções, objetos, lugares.
A comunicação alternativa tem a vantagem de utilizar informações visuais, às quais pessoas do EA
são especialmente receptivas, sendo assim, por si mesma, um estímulo prazeroso e atraente. Muitas crianças,
fascinadas pelas figuras e pelo manuseio do iPad, são mais facilmente retiradas de seu isolamento e motivadas
a se expressar, a participar do jogo comunicativo com o outro e a aprender habilidades sociais, mas também
acadêmicas. Por isso, esse recurso tem ganhado espaço no ambiente escolar.
O receio de que a comunicação alternativa possa inibir o desenvolvimento da comunicação verbal não
é respaldado por dados empíricos. Ao contrário, resultados de estudos apontam para um efeito facilitador,
ou seja, crianças estimuladas através de recursos visuais de comunicação alternativa apresentaram melhor
desenvolvimento linguístico em relação às que foram apenas estimuladas verbalmente. Por exemplo, Kasari
et al. (2014) demonstraram, em um estudo com 61 crianças não verbais do EA, em idade escolar (5 a 8 anos),
que aquelas que tiveram um sistema de digitalização de voz associado à intervenção comportamental com
instruções verbais mostraram melhor desenvolvimento de expressão linguística em relação às outras que re-
ceberam apenas a intervenção comportamental. Em outro trabalho, Schreibman e Stahmer (2014) avaliaram
39 crianças não verbais, pré-escolares, entre 20 e 45 meses de idade, comparando os efeitos do Pivotal Res-
ponse Training, que usa estimulação verbal, com o PECS, por um período de seis meses. Ambos os métodos
se mostraram igualmente eficazes, levando a melhoras significativas em diversos aspectos da comunicação.
Em média, as crianças adquiriram 80 palavras faladas, sendo que 78% delas conseguiu adquirir ao menos 10
palavras. Os autores comentam que, embora os resultados como um todo tenham sido positivos e encoraja-
dores, a variabilidade individual foi muito ampla e não foi possível identificar que perfil de criança respondeu
melhor a um método ou a outro, de forma que essa questão ainda permanece em aberto.

Terapia cognitivo-comportamental

Como já mencionado, pessoas do EA enfrentam não apenas os sintomas associados ao próprio autismo,
mas comumente também outros problemas, como a depressão e a ansiedade. Estas últimas possivelmente
resultam das dificuldades de interação social e de experiências sociais de rejeição e de incompreensão, tão
frequentes no EA e que, por sua vez, causam piora desses mesmos problemas que as geraram, induzindo
ao isolamento, à esquiva, ao medo, ao pessimismo e à falta de motivação. Gera-se, assim um ciclo infeliz
de reciprocidade e autoperpetuação com piora da autoestima, da qualidade de vida e da satisfação consigo

7
Disponível em: http://www.assistiveware.com/product/proloquo2go. Acesso em: 3 abr 2016.

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mesmo. Nesse contexto, a associação do treinamento de habilidades sociais (serão abordados mais à frente
neste capítulo, no tópico “Adolescência e vida adulta: socialização, treino de habilidades socioemocionais e
sexualidade” - pagina 86) e da terapia cognitivo-comportamental pode ser de grande ajuda.
A terapia cognitivo-comportamental é uma abordagem já bem estabelecida e amplamente utilizada
nos mais diversos transtornos psiquiátricos. Ela parte do princípio de que nossas emoções e comportamen-
tos podem ser modificados, se transformarmos nossas percepções e convicções. Assim, a reestruturação
cognitiva envolve a confrontação do paciente com sua forma de pensar e de perceber o mundo, que pode
ser excessivamente negativa, fatalista, ameaçadora, radical, inflexível ou egocêntrica. Ao longo das sessões,
suas interpretações da realidade são discutidas com o terapeuta sob um prisma racional e reveladas em seus
aspectos distorcidos. Por exemplo, o humor deprimido pode se basear em generalizações inadequadas (ele
não gosta de mim, logo, ninguém gosta de mim) ou em percepções afuniladas e egocentradas (todos estão
contra mim). A ansiedade social pode resultar da convicção de ser incapaz ou inferior ou ainda das crenças
de que não se pode cometer nenhum erro para ser bem-sucedido ou de que não se pode ser criticado por
ninguém para ser aceito pelo grupo.
O componente comportamental dessa estratégia inclui a condução de mudanças no comportamento,
como anotar todos os pensamentos negativos e trazer para a sessão de terapia, alterar rotinas ou hábitos
prejudiciais (alimentação, sono, socialização, formas de se expressar, resolução de conflitos, atitudes diante de
situações estressoras) ou, no caso da terapia de exposição, expor-se a situações que geram medo ou apreen-
são e colocar em prática técnicas de enfrentamento aprendidas durante as sessões. O processo é, em geral,
paulatino, sendo as situações de exposição, se necessário, realizadas com a presença do terapeuta.
O Behavioral Interventions for Anxiety in Children with Autism (BIACA), desenvolvido por Jeff Wood e
colaboradores na Universidade da Califórnia, é um programa de terapia cognitivo-comportamental adaptado
para crianças do EA, que enfoca especialmente os transtornos de ansiedade, o TOC, as habilidades sociais e
o trabalho com os pais (WOOD, J., 2009). Com resultados bastante robustos, seu espaço no arsenal terapêu-
tico do EA está bem estabelecido (WEITLAUF et al., 2014). Todavia, há que se ressaltar algumas limitações
de aplicação, advindas do fato de que o método requer habilidades cognitivas suficientemente preservadas
para autocrítica e abstração e habilidades de comunicação verbal, uma vez que a intervenção se estrutura
eminentemente em diálogos com o terapeuta.

78
XIX. Labirinto 50 cm x 70 cm – tinta acrílica, 2013.

“Na arte só uma coisa importa: aquilo que não se pode explicar. A arte é feita para perturbar. A ciência dá-nos segurança”
(Georges Braque).

“Pensei no filme Labirinto do Fauno” (Cacá Silva).


Processamento sensorial e Terapia de Integração Sensorial

Estima-se que até 90% das crianças do EA apresente alguma forma de alteração de processamento
sensorial (LEEKAM et al., 2007), que pode se manifestar num mesmo indivíduo como hipersensibilidade a
estímulos comuns (como ruídos, luzes, mas também odores e texturas) e hipossensibilidade a estímulos rele-
vantes, com comportamentos de baixa resposta à dor e ao chamado do próprio nome, por exemplo. Embora
mais acentuadas na infância, essas alterações são comuns em todas as faixas etárias dentro do EA.
Ornitz (1974) propôs que as alterações de sensibilidade se associam aos comportamentos repetiti-
vos e estereotipados que podem ser, em alguns momentos, tentativas de autoestimulação e, em outros, de
autotranquilização, criando um anteparo aos estímulos desagradáveis. A autoestimulação também assume a
forma de preferências sensoriais ou mesmo fissuras sensoriais, com busca por determinados estímulos, como
palpar objetos de uma textura ou forma específica.
Especialmente a hipersensibilidade pode ser muito perturbadora e causar ansiedade, fobias, esquiva
social, rejeição de alimentos e crises de agitação psicomotora, especialmente em crianças com prejuízo de
linguagem, que não conseguem explicar o que lhes causa estresse. Algumas pessoas do EA usam tampões de
ouvido e óculos escuros como uma proteção contra estímulos desagradáveis.
A Terapia de Integração Sensorial consiste em oferecer, através de atividades lúdicas, estímulos si-
multâneos para os diferentes canais de sensibilidade, como tátil, proprioceptivo (senso de posição do corpo
ou de partes do corpo no espaço) e vestibular. Por exemplo, usando balanços, redes, rolos, plataformas
de equilíbrio ou bolas, são criadas situações de desafio sensorial que exigirão respostas de adaptação do
sistema nervoso central, implicando em mudanças progressivas de integração de informações. Trata-se de
um processo evolutivo e dinâmico, sempre centrado na criança e baseado em suas dificuldades e neces-
sidades individuais. A terapia é altamente flexível e interativa, ou seja, ela se molda a partir das reações e
do comportamento da criança e exige sua participação ativa. Os objetivos podem ser redução da esquiva e
do comportamento defensivo (como não querer tomar banho ou não tolerar determinados ambientes), da
ansiedade, da autoestimulação e da hiperatividade. Essa terapia também busca a melhora da coordenação
motora e até mesmo da socialização e da comunicação, uma vez que o relacionamento com o terapeuta tem
um papel fundamental durante todo o caminho. Diversos estudos confirmam a eficácia dessa abordagem
(CASE-SMITH; WEAVER; FRISTAD, 2015).
A Terapia de Integração Sensorial não deve ser confundida com as intervenções baseadas na senso-
rialidade, que consistem em estratégias de estimulação passiva para alívio da ansiedade, como uso de vesti-
mentas com peso, massagem, fricção, balanceio e movimentos pendulares.

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Terapias assistidas por animais

Terapias assistidas por animais constituem intervenções realizadas por um terapeuta habilitado, nas
quais um animal tem uma participação central. Já as atividades assistidas por animais não requerem a pre-
sença de um terapeuta, sendo oportunidades lúdicas e recreativas, mais espontâneas e menos estruturadas.
São inúmeros os relatos que testemunham os efeitos positivos dos animais sobre pessoas do EA,
principalmente no comportamento socioemocional, com redução do estresse, da ansiedade e do isolamento,
melhora da socialização, da iniciativa para comunicação e da interação com os familiares. Como ocorrem esses
benefícios ainda é um tema pouco compreendido, mas algumas das possíveis razões podem ser o fato de os
animais serem menos críticos e terem um comportamento mais previsível que humanos, de interagirem não
verbalmente e de proporcionarem diferentes formas de estimulação sensorial.
Em um estudo realizado na Austrália, O’Haire et al. (2014) demonstraram que a simples inclusão de
um porquinho-da-índia na sala de aula teve efeitos marcantes. Eles avaliaram 64 crianças do EA, entre 5 e
13 anos de idade, distribuídas em 15 diferentes escolas. Ao longo de 8 semanas, a criança do EA participava,
juntamente com um adulto sem treinamento específico e mais 2 outras crianças não autistas da mesma sala,
de 2 sessões semanais de 20 minutos, durante as quais elas se ocupavam com o animal. As atividades incluíam
tocar, acariciar, escovar, banhar, alimentar, tirar fotos, preparar alimentos, limpar a casinha, construir brinquedos
e fazer um círculo dentro do qual o animal se movia. Tanto os pais como os professores observaram melhora
da interação social, maior motivação para frequentar a escola e redução de comportamentos de esquiva. Ao
final do estudo, metade dos animais foi adotada pelos professores para permanecerem nas salas de aula e a
outra metade, pelos pais das crianças participantes.
Dentre as terapias e atividades assistidas por animais, talvez a equoterapia seja a que mais tem se
destacado como uma possibilidade promissora para pessoas do EA. Ela abrange diferentes modalidades e
protocolos, que podem envolver, além do equinoterapeuta, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e psicó-
logos. Além das atividades de montaria, a equoterapia também engloba atividades de cuidado, alimentação
e brincadeiras com o cavalo. Além das melhoras na socialização e nas respostas emocionais, são descritas
melhoras motoras, uma vez que o movimento rítmico do trote estimula correções de postura, ajustes de
equilíbrio e de coordenação. Por exemplo, Borgi et al. (2016) avaliaram 15 crianças do EA, entre 6 e 12 anos
de idade, que participaram de um programa de 6 meses de equoterapia, compondo um total de 25 sessões
de 60 a 70 minutos. A cada encontro, as crianças aprendiam sobre a morfologia, o comportamento e os cui-
dados com o cavalo, praticavam a colocação da sela, conduziam o animal a pé e depois o montavam. Havia
também nos estábulos cartazes com desenhos de instruções visuais. Em relação às treze crianças-controle
(que aguardavam na lista de espera e não receberam outra intervenção), houve progressos significativos
no funcionamento social, nas habilidades motoras e até no tempo necessário para resolver uma tarefa de
solução de problema.

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XX. Tempo 50 cm x 50 cm –acrílico sobre tela, 2014.

“Tempo – o tempo não é uma linha reta, o tempo não é uma medida uniforme, o tempo se distende, se distorce e se expande. O tempo
é uma experiência pessoal que se multiplica em cores. Até parece física quântica, mas é a arte captando o infinito” (ECK).

“...porque o tempo não para” (Cacá Silva).


Musicoterapia e Arteterapia: rompendo a casca e descobrindo a semente

Tradicionalmente, as terapias voltadas para o EA enfocam a adaptação comportamental, de modo


que comportamentos adequados são compensados com gratificações pré-estabelecidas e os inadequados são
redirecionados ou modificados. As instruções são simples e precisas e as regras são claras. Complementando
essas abordagens estão terapias que seguem uma via diferente, nas quais a expressão subjetiva e a relação
pessoal com o terapeuta são os meios que conduzem a mudanças.
Na arteterapia, a arte é usada como um veículo que possibilita a superação de dificuldades, sejam elas
sociais, emocionais ou cognitivas. O objetivo não é o produto final, não se trata de educação artística. O foco
está no processo de cada sessão. Em primeiro lugar, a arteterapia possibilita um espaço protegido, previsível
e organizado, onde o paciente pode escolher sua forma de expressão, livre da necessidade de comunicação
verbal e livre de julgamentos como certo ou errado, adequado ou inadequado, lógico ou incoerente. Isso lhe
permite entrar em contato com seus sentimentos por uma via não intelectual, mais intuitiva, sem a busca por
explicações, o que reduz o medo e a ansiedade. O terapeuta intervém de forma indireta, através da atividade
e dos materiais sugeridos ou colocados à disposição. Eventualmente ele pode verbalizar aquilo que percebe
no paciente ou participar da atividade criativa, num jogo cooperativo, ou simplesmente ser uma presença
estabilizadora. A relação de confiança vai se consolidando através da atividade artística, que é um elemento
que os dois compartilham. São várias as técnicas, como recortes, colagens, modelagem em argila e pintura.
A ocupação com a arte pode tirar crianças da fixação em comportamentos estereotipados e, mais que
isso, o processo criativo exige elaboração, planejamento e foco, podendo assim ajudá-las a se organizarem
mentalmente, especialmente quando apresentam comportamento de hiperatividade. Escolher o material a ser
utilizado, o local onde trabalhará, a disposição das ferramentas, a forma de trabalho e o objetivo são etapas
importantes e significativas. A finalização do produto é um resultado concreto que propicia à pessoa do EA a
experiência prazerosa de uma ação estruturada e voltada para uma meta. A arteterapia também pode ajudar
crianças a superar a hipersensibilidade ou a esquiva de alguns materiais e situações, por exemplo, suportar
ficar com os dedos cheios de cola, argila ou papel machê e tolerar dividir um ambiente com outras pessoas.
Na musicoterapia, o diálogo com o terapeuta é estabelecido através da música. Aqui também são
possíveis vários métodos, como trabalho individual ou em grupo, canto, melodia, ritmos, improvisação e imi-
tação. A musicoterapia é uma ferramenta ímpar para pessoas do EA, pois se utiliza da afinidade e do talento
especial que elas naturalmente já mostram para a música. O simples fato de ouvi-la já ajuda crianças autistas
a se acalmarem e se adaptarem a novas tarefas e ambientes. A música melhora a coordenação motora e a
atenção, reduz a hiperatividade e os movimentos repetitivos e, acima de tudo, abre um caminho para a co-
municação verbal e a socialização.

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Admite-se que a linguagem verbal, assim como a empatia e a Teoria da Mente, se desenvolve a partir
da imitação, ou seja, a partir de um processo no qual o bebê percebe visualmente o gesto, a mímica ou a fala do
seu interlocutor e os representa em áreas motoras do seu próprio cérebro. A descoberta dos neurônios-espelho
complementou e deu suporte a essa ideia. Essas células formam uma rede de neurônios ativados tanto quan-
do se realiza uma ação com propósito, como quando se observa essa mesma ação sendo realizada por outra
pessoa, sendo esse “espelhamento” provavelmente a base da nossa capacidade de compreensão da intenção
do gesto do outro. Surgiu então a “hipótese dos espelhos quebrados”, proposta por Ramachandran e Oberman
(DAPRETTO et al., 2006), que postula que muitos dos déficits observados no EA se devem a uma disfunção desse
sistema. Ora, a música parece ser a atividade ideal para ativação dos neurônios-espelho (WAN et al., 2010), pois
implica em muitos jogos de alternância de vez, observação do outro, reciprocidade e imitação, como executar
uma mesma melodia em instrumentos diferentes, acompanhar ou responder a um ritmo e completar o trecho
de uma canção. Tudo isso já é atenção compartilhada e comunicação intencional, o que cria uma ponte para a
aquisição da expressão verbal (ANDRADE; KONKIEWITZ, 2011).
Além de áreas cerebrais tradicionalmente associadas à linguagem e ao processamento espacial e
motor, a música também ativa áreas subcorticais associadas ao processamento afetivo, sendo que é capaz
de evocar emoções espontaneamente, na ausência de associações externas. Assim, a música bem elabora-
da é unicamente eficaz em ressoar pelos nossos sistemas emocionais básicos em circuitos neurais antigos,
construídos pelos nossos genes, muitos dos quais compartilhamos com outros mamíferos. Portanto, nosso
amor pela música possivelmente reflete a habilidade ancestral do nosso cérebro mamífero de transmitir e
receber sons emocionais básicos, que despertam sentimentos, e as pessoas do EA têm, apesar de todas as
suas dificuldades de processamento afetivo, essa habilidade claramente preservada (ALLEN; HILL; HEATON,
2009; HEATON; ALLEN, 2009).

Adolescência e vida adulta: socialização, treino de habilidades socioemocionais e sexualidade

Enquanto durante a infância existem a escola, as terapias e as atividades recreativas, constituindo


uma trama na qual a vida da criança do EA se organiza, a entrada na adolescência e, especialmente, o encer-
ramento do ensino fundamental ou médio conduzem a um vácuo. A quase ausência de estruturas de apoio à
profissionalização e à socialização leva a uma vida de solidão, inércia e perda de sentido. Conquistas alcançadas
à custa de grandes esforços e dedicação na infância e adolescência podem acabar se perdendo na vida adulta
e o risco de transtornos psiquiátricos como depressão e ansiedade aumentam. Um estudo recente (GOTHAM
et al., 2015) mostrou que, mesmo em um grupo seleto de 255 autistas de alto funcionamento, ou seja, com
nível intelectual igual ou acima da média, 42% possuía formação universitária; apenas um quarto trabalhava
em período integral; metade apontava discriminação no ambiente de trabalho; 76% tinham diagnóstico de
transtorno de ansiedade; 75%, de depressão e 40%, de TDAH.

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XXI. Pôr do Sol 30 cm x 40 cm – tinta acrílica, 2012.

“Pôr do Sol parece até uma revelação, um milagre! É como se o sol surgisse em meio à noite escura. O que se vê não é uma transição
suave e morna entre o dia e a noite, mas ao contrário, o encontro do laranja e do amarelo com o azul profundo, criando uma paisagem
surreal e apocalíptica. As variações na intensidade do azul e as pinceladas livres em diferentes direções criam movimento e tornam a
noite ainda mais sombria e tempestuosa” (ECK).

“Eu me inspirei no pôr do sol mesmo” (Cacá Silva).


Tradicionalmente, o autismo é associado a baixo interesse em interações sociais e à incapacidade de
interações íntimas, incluindo vínculos românticos. Entretanto, essa caracterização não abrange todas as possibili-
dades e por isso é míope e preconceituosa. O desejo de estar entre outras pessoas e de compartilhar interesses é
bastante variável e dependerá de múltiplos fatores, como a inteligência, o grau de desenvolvimento da linguagem
verbal, a presença de comorbidades, a severidade dos traços autistas e as experiências prévias de socialização.
Importante é saber que autismo não significa necessariamente busca de isolamento. Ao contrário,
muitas pessoas do espectro querem se socializar, mas esbarram nas complexidades socioemocionais, ou seja,
nas dificuldades de interpretação das regras de convívio, das sutilezas de linguagem e dos sinais não verbais
dos interlocutores, como a expressão facial, o gestual e a entonação da voz. Como iniciar uma conversação,
como escolher um assunto de interesse comum, quando deixar o outro falar e quando responder, como ser
claro e preciso sem inserir detalhes irrelevantes e cansativos e como contradizer sem ser ofensivo são alguns
exemplos de habilidades que a maioria de das pessoas aprende implicitamente, mas que necessitam de
orientação e treinamento explícitos para pessoas do EA.
Há diversas metodologias de treinamento disponíveis, especialmente em língua inglesa, como as
histórias sociais (Social stories)8, que exemplificam situações cotidianas de interação, podendo ser montadas
em cartazes e/ou plataformas digitais específicas. Outra possibilidade é assisti-las em vídeos ou através do
programa Superheroes Social Skills9, que usa vídeos de animação e outros materiais como jogos, cartões e
gibis. Há ainda o uso de realidade virtual. O Second LifeTM, por exemplo, oferece diferentes ambientes, como
escritório, lanchonete, loja ou parque, nos quais a pessoa circula com a identidade de um avatar. Kandalaft
et al. (2013) adaptaram essa tecnologia, criando um Second LifeTM protegido, para treinamento de situações
como conhecer pessoas novas, fazer uma entrevista de emprego ou tomar decisões financeiras. O paciente
interagia com a personagem virtual de outro jogador, que era, na realidade, um terapeuta. Os objetivos foram
melhorar o reconhecimento de emoções, a Teoria da Mente e a conversação. Embora tenha se tratado de um
estudo piloto com apenas oito participantes, os resultados após dez sessões foram significativos e duradouros.
O treinamento também pode ser realizado em grupo, com técnicas de dramatização, nas quais o de-
sempenho de diferentes papéis permite assumir diferentes perspectivas e aprimorar a empatia e a Teoria da
Mente. Ao se assistir na gravação, o paciente pode compreender melhor as observações feitas pelo terapeuta.
Seja individual ou em grupo, é fundamental que o treinamento se baseie em avaliação individual
prévia. A partir do perfil de dificuldades, do nível de desenvolvimento cognitivo, dos interesses e talentos, são
estabelecidas metas específicas e são escolhidos os instrumentos mais adequados, como informação visual,
multimídia, brincadeiras, jogos ou música. As sessões devem ser bem estruturadas e previsíveis e a linguagem,
simples e direta. Os objetivos devem ser claros para o paciente.

8
Disponível em: <http://www.educateautism.com/social-stories.html>. Acesso em: 20 mar 2016.
9
Disponível em: <https://pacificnwpublish.com/products/Superheroes-Social-Skills%3A-A-Multimedia-Program.html>. Acesso
em:20 mar 2016.

89
Um problema comum no EA é a dificuldade de generalização e transferência do que se aprendeu em
um contexto específico para outro ligeiramente diferente, o que requer que haja ensaios em variadas situações.
Em relação à sexualidade, ela é tão complexa e variável dentro do EA como fora dele, já que não
corresponde simplesmente a um impulso biológico. A sexualidade determina a forma de se perceber, de se
definir e de se posicionar no grupo, envolve propósitos centrais da existência, como a constituição de víncu-
los duradouros e de família e a geração de filhos, além de abranger questões morais, religiosas e culturais. O
bem-estar sexual inclui o conhecimento, os pensamentos e os sentimentos em relação ao sexo, a autoimagem,
a relação com o próprio corpo, a autoexpressão e a interação com um parceiro.
O comportamento sexual de pessoas do EA é descrito como egocêntrico e inadequado, com masturbação
em situações impróprias, autoestimualação excessiva com risco de ferimento e exibicionismo. No entanto, essa é
uma visão deturpada que distorce a realidade das pessoas do EA, que já enfrentam diversas barreiras para a vivência
plena de sua sexualidade. Por possuírem dificuldades de comunicação, interações sociais como flerte, aproximação,
manifestação de interesse e enamoramento são um grande desafio. As pessoas do espectro podem então interna-
lizar o estigma de que são assexuadas, indesejáveis ou incapazes de relações de intimidade e assim ficar totalmente
desencorajadas de qualquer busca de interação romântica ou sexual. Além disso, experiências sociais negativas da
infância e da adolescência, como rejeição ou bullying, podem propiciar o isolamento como forma de autoproteção.
As particularidades sensoriais podem fazer com que alguns estímulos sejam percebidos como desagradáveis ou
muito intensos, alterando as respostas e o padrão de excitabilidade sexual. Todavia, apesar dessas barreiras – e
ao contrário da crença geral –, pessoas do EA podem ter um bom nível de conhecimento sobre sexo, vida sexual
ativa e relacionamentos românticos duradouros, inclusive constituindo famílias (BYERS; NICHOLS; VOYER, 2013).
A internet tornou todas as informações acessíveis, de modo que qualquer pessoa com habilidades cog-
nitivas preservadas pode obter conhecimentos e esclarecer dúvidas, inclusive sobre sexo, mas isso não substitui
o apoio individualizado. Pessoas do EA vivenciam a transição da adolescência de forma especialmente perturba-
dora. As modificações do corpo e a expectativa social de um novo comportamento (maior independência, aban-
dono da postura de criança) geram muita insegurança e medo. A primeira menstruação, a primeira ejaculação,
o crescimento das mamas, o crescimento de pelos no corpo, a mudança na voz, a masturbação e todas essas
alterações já são fatores de desestabilização que rompem com uma etapa da vida e exigem que se construa um
novo equilíbrio e uma nova identidade, criando um momento de alta vulnerabilidade para pessoas do EA. A ânsia
por aceitação e adequação, associada às dificuldades de comunicação, propiciam um comportamento ingênuo
e pouco assertivo, que pode torná-las vítimas de abuso, exploração sexual e sexo desprotegido.
É fundamental que questões sexuais sejam abordadas e explicadas não apenas em seus aspectos
técnicos e biológicos, mas de forma que permitam que a experiência subjetiva, como fantasias, ansiedade e
frustrações, seja compartilhada num contexto protegido. Cada indivíduo e cada situação necessitarão de uma
abordagem diferenciada, ponderando o nível de desenvolvimento intelectual, as habilidades linguísticas, o
contexto familiar, as estruturas de apoio social, crenças religiosas, entre outros fatores.

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XXII. Caminho 50 cm x 60 cm – cola colorida e tinta acrílica, 2013.

“Caminho – o caminho é colorido e claro. Parece cheio de luz, ensolarado e fácil de achar. Entretanto, ele é fechado em si mesmo, não
conduz a lugar algum. Não há saída a não ser pelas linhas retas douradas que rompem os círculos e conectam o elemento do centro (que
lembra um bebê em um útero?) ao exterior, por sinal, ambos da mesma cor púrpura” (ECK).

“Pensei no caminho que a gente faz na vida, muito legal” (Cacá Silva).
Um perfil de inteligência mal compreendido

Tradicionalmente as pessoas do espectro são classificadas de acordo com sua inteligência em autistas
de alto e de baixo funcionamento, entretanto, essa classificação vem sendo questionada. Considerando os
sistemas educacional e de saúde, é possível que tal rotulação reduza as chances de detecção e tratamento
das dificuldades cognitivas daqueles vistos como sendo de alta performance. Por outro lado, os que são
enquadrados como de baixo funcionamento correm o risco de serem continuamente subestimados e pouco
estimulados.
Ademais, o conceito de inteligência dentro do EA precisa ser revisto, pois os testes que a avaliam são
baseados na ideia de que ela consiste em uma característica uniforme, mensurável e com distribuição normal
na população, ou seja, uma variável como o peso, a altura ou a pressão arterial, em que as pessoas podem
variar em quantidade, em valor numérico, mas não em seu perfil qualitativo. Não se concebe aqui a existência
de diferentes formas de inteligência (DUNCAN, 2005; DUNCAN et al., 2000; KONKIEWITZ, 2014). Ora, aconte-
ce que o perfil cognitivo de uma pessoa do EA é particular, sua forma de perceber e de estabelecer relações
é outra e, por isso, a avaliação de suas potencialidades através de testes psicométricos padronizados para a
população geral é bastante questionável.
De fato, a inteligência no autismo pode estar sendo mal compreendida e subestimada há décadas. Por
exemplo, a Escala de Inteligência de Wechsler (EIW) é amplamente utilizada em testes de QI, porém a realiza-
ção de muitas de suas tarefas exige boa compreensão verbal, que é o calcanhar de Aquiles de muitos autistas.
Já no teste de cubos, em que cubos de diferentes cores devem ser arranjados de acordo com determinados
padrões, sua performance é acima da média. Isso prejudica a interpretação e a validade desses instrumentos de
análise para esse grupo, fazendo com que os seus valores finais (QI verbal e não verbal) não traduzam as reais
capacidades de pessoas do EA.
Outro instrumento difundido é o teste de Matrizes Progressivas de Raven (MPR). A vantagem sobre
a EIW está no fato de depender menos de habilidades verbais, avaliando a capacidade de inferir regras a
partir de dados desconhecidos pela abstração e pelo pensamento lógico e dedutivo. Dois estudos recentes
(DAWSON et al., 2007; SOULIÈRES et al., 2011) exemplificam como a estimativa das habilidades cognitivas
pode variar de acordo com o instrumento utilizado. Na amostra de Dawson et al. (2007), enquanto o grupo
de crianças autistas teve pela EIW o QI verbal no 26° e o QI não verbal no 31° percentil (ambos indicando
retardo mental), sua pontuação no teste das MPR atingiu o 56° percentil (indicando inteligência mediana).
Além disso, enquanto pela EIW nenhuma criança atingiu desempenho suficiente para ser classificada como
portadora de altas habilidades, um terço delas o fez pelo teste das MPR (percentil 90°). Esses dados traduzem
um aspecto importante e até mesmo alarmante no contexto do EA, pois a sua desconsideração pode conduzir
a conclusões falsas e ter consequências sérias, até devastadoras, para uma criança.

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Se a finalidade está na promoção da pessoa, a avaliação psicométrica não deve ter a palavra final, pois,
além da limitação dos instrumentos em si, é preciso considerar que a própria situação de testagem é artificial, já que
ocorre em um ambiente estranho, em um espaço de tempo limitado e pode gerar ansiedade ou desinteresse, o que
prejudica o resultado. O número atribuído, que supostamente reflete o grau de inteligência do avaliado, além da
confiabilidade questionável, não diz nada sobre as características individuais do processamento cognitivo, ou seja,
quais recursos são preferencialmente utilizados no estabelecimento de associações e na resolução de problemas,
como por exemplo agrupamentos de imagens foto-realísticas, criação de padrões abstratos, dedução, generalização
e pensamento verbal, musical ou numérico. Não se trata aqui de descrever interesses pessoais, mas a forma de
pensar, pois pessoas com um mesmo QI podem diferir imensamente nos seus processos mentais, como também
nos mecanismos de controle de atenção; na capacidade de persistência, manutenção da motivação e inibição dos
impulsos; na flexibilidade cognitiva; nas habilidades em diferentes domínios (linguístico, musical, imagético); na
criatividade e nos traços emocionais e de personalidade. Essas diferenças são ainda mais acentuadas e imprevisí-
veis em pessoas do EA e compreendê-las individualmente pode ser a chave para o entendimento de sua mente e
o florescer de seus potenciais. Além disso, a inteligência não é um atributo estático. Ao contrário, ela se desenvol-
ve através de treinamento adequado, pois o cérebro é um sistema extremamente dinâmico e caracterizado pela
neuroplasticidade, ou seja, pela capacidade de mudar seu funcionamento e sua estrutura anatômica em resposta
às demandas externas (BRANS, et al., 2012; KONKIEWITZ; ANDRADE, 2012). As conexões sinápticas realmente são
moldáveis e novas sinapses podem ser estabelecidas, sendo que esses processos dependem de estímulos ambien-
tais e são a base do aprendizado e da memória (OLESEN; WESTERBERG; KLINGBERG, 2004; SCHOLZ et al., 2009).
Abordagens integrativas e sistêmicas da inteligência, como as propostas por Robert Sternberg (1985),
Stephen Ceci (1996) e Howard Gardner (1999), oferecem conceitos que se ajustam melhor às características
peculiares da mente autista, pois, apesar das divergências entre si, essas abordagens têm em comum o en-
tendimento de que a inteligência não pode ser traduzida em números, pois se compõe por diferentes habili-
dades, se mostra em cada pessoa como um perfil único. A inteligência é plástica e modificável pelo ambiente
e pela experiência, decorrendo de uma interação complexa entre o indivíduo e o meio ao longo do tempo.
Sendo assim, essas concepções integrativas admitem constelações de coexistência de domínios deficitários
com domínios de alto desempenho, que são justamente tão típicas no autismo e que permanecem ainda
hoje incompreendidas. Pessoas do EA ainda são, muitas vezes, rotuladas como tendo retardo mental por
apresentarem baixo desempenho em tarefas que exigem comunicação verbal e entendimento de normas
sociais e culturais, enquanto que seu alto desempenho em tarefas visuoespaciais, musicais e matemáticas é
visto como algo curioso e resultante de conexões cerebrais alteradas, como defende a Teoria do Déficit de
Coerência Central (HAPPÉ; FRITH, U., 2006).

94
XXIII. Felicidade 50 cm x 60 cm – tinta acrílica, 2014.

“Felicidade – à primeira vista, é uma imagem caótica e fechada em si mesma. No entanto, as cores estão distribuídas e combinadas
em um contraste vibrante e harmonioso, característico da artista, ou seja, resultam em algo que reconhecemos como belo, sem que
saibamos explicar o porquê. Não há linhas, apenas cores que se deparam umas com as outras e pouco se mesclam. A imagem tem uma
certa inquietude e agitação. Parece até que a felicidade é complicada, labiríntica e difícil de percorrer” (ECK).

“Eu pensei que sou feliz, alegre” (Cacá Silva).


Pessoas do EA podem ser criativas?

Dentre as nossas características, a criatividade talvez seja a mais genuinamente humana. Ela mostra
o encantamento que podemos ver nas coisas, a nossa capacidade de transformar o mundo à nossa volta e
a nossa sensibilidade ao belo. Ao mesmo tempo, é também uma das características menos compreendidas,
uma habilidade imprevisível, inconstante e que se dá por vias desconhecidas. São diversas as tentativas de
investigar a criatividade de forma científica, de tentar circunscrevê-la em conceitos. Seja abordando-a como
traço de personalidade, como um processo mental ou como um desempenho, todas as abordagens, porém,
esbarram no seu próprio estreitamento.
Talvez esse mesmo estreitamento esteja criando barreiras cognitivas à compreensão do processo
criativo na mente autista. Certamente, quando a criatividade passa a ser definida e mensurada, ela se enri-
jece dentro de um constructo uniforme e deixa de abranger diversidades. Assim, a ideia predominante é de
que pessoas do EA apresentam, em sua maioria, um déficit de criatividade. Isso se deve primeiramente ao
fato de serem repetitivas, pouco flexíveis, intolerantes a mudanças e fixas em rotinas e rituais. Elas também
mostram dificuldade na Teoria da Mente e no faz-de-conta e não criam mundos imaginários, ao contrário das
pessoas criativas, que são tipicamente ávidas por novidades, buscam interações sociais e gostam de mudar
e recombinar objetos. Além disso, pessoas do EA apresentam frequentemente baixo desempenho em testes
padronizados de pensamento divergente. Esses testes se baseiam na definição da criatividade como capaci-
dade de gerar um produto ao mesmo tempo novo e valorizado pelo grupo como útil e/ou satisfatório e na
ideia de que o pensamento divergente – geração de diferentes soluções para uma única questão – seja o seu
correlato cognitivo. Dessa forma, foram desenvolvidos instrumentos que medem o pensamento divergente
pressupondo que ele seja o reflexo do potencial criativo de uma determinada pessoa. São utilizadas tarefas
de usos alternativos, em que diferentes possibilidades para um mesmo objeto, por exemplo, um tijolo, devem
ser encontradas em um dado intervalo de tempo. O desempenho é então pontuado de acordo com diferentes
critérios, como fluência ideativa – quantidade de ideias geradas – e grau de originalidade dessas ideias.
De fato, na população geral, o desempenho em tarefas de pensamento divergente reflete o potencial
criativo e até prediz a quantidade e a qualidade das aquisições criativas de uma pessoa (BEATY et al., 2013;
JAUK; BENEDEK; NEUBAUER, 2014), mas, obviamente, ele também é limitado, sendo um dado momentâneo,
extraído de uma situação artificial, talvez pouco motivadora e significativa e sob pressão de tempo. Seria muito
reducionista aceitá-lo como um meio de captar o potencial criativo de pessoas do EA, pois, do mesmo modo
que a inteligência, também a criatividade provavelmente se expressa e percorre caminhos diferentes na mente
autista, não podendo ser abordada com conceitos e instrumentos desenvolvidos para a população geral.

97
São inúmeras as provas de que pessoas do espectro podem ser criativas, bastando observar suas
criações para nos convencermos do seu valor estético genuíno. Por exemplo, os livros Drawing autism, de Jill
Mullin (2009), e The art of autism-shifting perceptions, de Debra Hosseini (2012), são coletâneas impressio-
nantes de obras de diferentes artistas plásticos autistas, muitos deles apreciados por críticos profissionais e
já renomados internacionalmente.
Ademais, estudos experimentais recentes têm chegado a resultados surpreendentes. Kasirer e Mashal
(2014), por exemplo, detectaram que adultos com transtorno do EA não apenas tiveram um desempenho
comparável à amostra controle na interpretação de metáforas conhecidas e novas, como os superaram na
sua criação, apresentando produções mais originais. Esse dado torna-se ainda mais inesperado quando se
consideram as conhecidas dificuldades de comunicação verbal típicas do autismo. Outro estudo mostrou
que pessoas com maior tendência à sistematização, que é uma característica do EA, tiveram melhor desem-
penho em tarefas de pensamento divergente (TAKEUCHI et al., 2014). Avaliando um total de 312 pessoas,
Best et al. (2015) também observaram que traços autistas (quantificados a partir de relatos de autoavalia-
ção) tinham correlação positiva com o quesito originalidade em testes de pensamento divergente, ou seja,
respostas menos usuais e, portanto, mais criativas, eram fornecidas pelas pessoas com tendências autistas
mais proeminentes.
O pesquisador Treffert, após acompanhar o savantismo (conceito apresentado na pg. 43 ) por cerca
de 30 anos, retirou, em um artigo de 2014 de revisão sobre o tema, a colocação que havia feito décadas atrás
de que habilidades savants eram restritas à replicação. Ele relata ter visto em inúmeros casos, especialmen-
te em músicos savants, a evolução temporal do comportamento artístico, que se inicia com a reprodução,
desenvolvendo-se para a improvisação e finalmente para a criação de obras originais (TREFFERT, 2014).
Essa observação merece especial atenção, pois aponta um caminho e nos convida a observar a longo prazo
a trajetória criativa de pessoas do EA, inclusive os casos de não savantismo. É possível que suas aquisições
criativas apareçam num contexto mais restrito – relacionado à área de interesse e após maior tempo de
ensaio –, de modo que a tendência à rigidez comportamental e à mesmice, características que restringem
a criatividade cotidiana, que corresponde às pequenas invenções e experimentações do dia-a-dia (hobbies,
improvisações musicais, criações na culinária, na decoração, etc.), não impedem que seu potencial criativo
se expresse nas áreas às quais se dedicam.
Como já exposto acima, muitas características das pessoas do EA podem propiciar a ocupação com
a arte e a expressão criativa: as particularidades do processamento perceptivo geram perspectivas novas; as
dificuldades de comunicação e de socialização e o isolamento permitem produções mais livres e independentes
das influências de conceitos vigentes; a tendência a fixar o interesse em um determinado objeto ou atividade
induz ao treino exaustivo, a experimentações e, eventualmente, a produções inusitadas.

98
XXIV. Relíquias 40 cm x 50 cm – tinta acrílica, 2015.

“A pintura tem vida própria. Procuro deixar que ela se manifeste” (Jackson Pollock).

“Pensei no filme Relíquias da Morte, do Harry Potter” (Cacá Silva).


Com certeza, uma enorme vantagem da mente autista é o fato de a perseverança e a dedicação serem
independentes de resultados vindos de fora, ou seja, autistas possuem a capacidade de se entregar a uma tarefa
pelo fascínio e prazer que derivam da atividade ou do objeto em si. Nós, ao contrário, de um modo geral, baseamos
nossos esforços nos resultados esperados e é essa expectativa futura que sustenta a nossa motivação. O valor
de um determinado desempenho, produto ou habilidade é avaliado pelo prestígio, lucro, ou reconhecimento
que nos traz. Uma dança, um canto, mas também um quadro, um conto, uma ideia científica ou uma engenho-
ca precisam ser expostos e apreciados para ganharem relevância aos nossos olhos. Mesmo quando mantemos
nossas criações ocultas, imaginamos, durante o processo de elaboração, ainda que vagamente, um interlocutor
ou expectador. Se, por um lado, essa característica facilita a nossa adequação social, pois direcionamos nosso
empenho para as necessidades e valores da nossa comunidade, por outro, a dependência do julgamento alheio
é causa de muito sofrimento e de incertezas. Além disso, a História mostra que houve muitos equívocos, são
inúmeras as biografias de gênios que morreram sem consciência de sua genialidade e até mesmo acreditando-se
um fracasso, como o escritor Franz Kafka, o poeta Fernando Pessoa e o pintor van Gogh, ou casos como a pintora
Frida Kahlo e o filósofo Arthur Schopenhauer, que foram reconhecidos apenas em seus últimos anos de vida.
Quantas descobertas não devem ter sido impedidas pelo fato de cientistas, influenciados pela incompreensão
e pelas críticas dos seus pares, duvidarem e finalmente desistirem de seu caminho? É fascinante imaginar que
alguém possa mergulhar em um universo próprio, entregar-se intensamente por meses e anos a uma tarefa,
produzindo livremente, sem se importar, sem sequer pensar na receptividade e no impacto de suas criações.
Se, por um lado, os interesses restritos podem ser altamente debilitantes por consumirem grande parte do
tempo e da energia mental e tirarem oportunidades para outras ocupações, por outro, também podem constituir
uma ponte de interação da criança do EA com o mundo. Pais e educadores são hoje estimulados a reconhecer e
a compartilhar o foco de interesse como ponto de partida para tirar a criança do seu isolamento e então ampliar
esse foco para um nível mais enriquecedor, mais complexo, que possa gerar criações ou desempenhos valorizados
pelo grupo, promovendo a integração social. Por exemplo, é famoso o caso da artista plástica americana Jessica
Hillary Park10, cujo fascínio por formas geométricas, cores, controles de aquecedores, mostradores de rádio, etc.,
foi, aos poucos, direcionado pelos seus pais para o desenho e a pintura de prédios e casas. Sua arte foi evoluindo
no decorrer dos anos, a reprodução sistemática e microscópica de detalhes foi cedendo espaço para composições
mais livres e com maior preocupação pelo efeito estético global. Hoje, ela é uma pintora reconhecida e, através de
suas obras, financeiramente independente. Ela entendeu que as pessoas se interessariam mais pelo retrato de suas
próprias casas ou de prédios de sua cidade que por retratos de tubulações. Sua mãe, que via na arte uma forma de
educação social, descreve em dois livros comoventes a infância da filha, suas lutas e sua evolução: The Siege, the
First Eight Years of an Autistic Child (PARK, 1967) e Existing Nirvana, a Daughter’s Life with Autism (PARK, 2002).

10
Disponível em: <http://folkart.org/mag/jessica-park>. Acesso em: 13 mar 2016.

101
O cérebro normal é um mito: Síndrome de Asperger e Neurodiversidade

Apesar de abolido pela atual classificação da Associação Americana de Psiquiatria, o DSM-V (AMERI-
CAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2013), o termo “Síndrome de Asperger” já está publicamente consagrado,
inclusive em grupos de autoajuda, associações de direitos do autismo e comunidades virtuais. A denominação
da síndrome é um tributo ao médico austríaco Hans Asperger, que a descreveu em 1944. Ela se define espe-
cialmente pela nítida preservação da inteligência diante das dificuldades de socialização e de comunicação não
verbal, pelo comportamento repetitivo e pelos interesses restritos (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION,
1994; CASELLA et al., 2013).
Para muitas pessoas, receber esse diagnóstico depois de anos de sofrimento é libertador, pois repre-
senta finalmente uma explicação para o seu jeito de ser e lhes assegura que não são “loucas”, ou “esquisitas”,
ou “burras”. Ser um “Aspie” (como muitos se autodenominam, especialmente em países de língua inglesa)
significa não estar sozinho, mas pertencer a um grupo e ter uma identidade que pode ser apresentada à so-
ciedade. Com o tempo, foi se consolidando um “orgulho Aspie”, que expressa autoaceitação e uma definição
de si mesmo enquanto pessoa baseada não apenas em dificuldades e limitações, mas também em potencia-
lidades. Não se trata aqui de negar ou minimizar os déficits associados ao EA. Pelo contrário, muitos líderes
de comunidades Asperger fornecem relatos íntimos de suas vidas, de suas histórias e de todas as restrições e
desafios que ainda enfrentam. A questão é mostrar à sociedade que déficits não encerram tudo o que alguém
pode ser, viver e realizar.
É nesse contexto que surge, nos Estados Unidos, a Neurodiversidade, como um movimento dentro
da Comunidade pelos Direitos do Autismo, defendendo que o mundo precisa de todos os tipos de cérebros
e que o nosso desenvolvimento histórico enquanto espécie foi fruto da contribuição de mentes atípicas. Seu
discurso, baseado em evidências da Genética, da Antropologia e da Psicologia Evolutiva, é de que a nossa
diversidade genômica permitiu que o comportamento e as habilidades humanas se manifestassem em uma
ampla gama de variações e combinações, sendo que muitas delas, hoje vistas como distúrbios, mantiveram-se
no decorrer dos milhares de anos da nossa evolução justamente porque não apenas comportam dificuldades
e fraquezas, mas também aspectos positivos para o indivíduo e para o grupo (BLUME, 1998). Por exemplo, a
bipolaridade (instabilidade de humor) e a esquizotipia (tendência a desenvolver associações excêntricas) são
tendências ou traços de personalidade que podem se associar a graves transtornos psiquiátricos, mas também
à maior criatividade. O espectro do autismo pode atingir uma severidade incapacitante, mas também pode
contribuir para alto desempenho em diferentes áreas, como aquelas envolvendo sistemas (como linguagem
computacional e matemática), percepção de detalhes, memória, foco prolongado e detecção de padrões.
Pessoas com dislexia, por sua vez, possuem melhor habilidade de processamento visuoespacial global e de
pensamento imagético em três dimensões (ARMSTRONG, 2015).

102
XXV. Terra 50 cm x 70 cm – cola e tinta acrílica, 2013.

“Não é sobre fatos, é sobre sentimentos. É sobre a recordação de sentimentos e de felicidade. Uma definição de arte é que ela torna
concretas as nossas emoções mais sutis. Eu acho que a forma mais elevada de arte é a música, que é a forma mais abstrata de expressão
artística” (Agnes Martin).

“É a Terra, o planeta, mesmo não parecendo” (Cacá Silva).


As palavras de Temple Grandin traduzem de forma espetacular a ideia da Neurodiversidade:

Num mundo ideal, os cientistas deveriam encontrar um método de prevenir as formas mais
severas de autismo, mas permitir que as mais brandas sobrevivessem. Afinal de contas, as
pessoas realmente sociáveis não inventaram a primeira lança de pedra. Ela foi provavel-
mente inventada por um Aspie, que lascava pedras, enquanto os outros se socializavam
ao redor da fogueira. Sem os traços autistas, nós talvez ainda estivéssemos vivendo nas
cavernas (GRANDIN, 2006, p. 122 – tradução nossa)11.

Assim, o conceito de uma divisão da população entre normais e anormais, além de excludente e
discriminatório, não corresponde à realidade neurobiológica e evolutiva. O cérebro normal é um mito. Ao
invés de transtorno, doença ou síndrome, a nova perspectiva propõe o termo neurodiverso, que implica no
reconhecimento de fraquezas, mas também de qualidades positivas.
Maior aceitação social, inclusão no mercado de trabalho e desenvolvimento de estruturas de apoio
(psicoterapia, redes sociais, eventos) são reinvindicações de participantes do Movimento dos Direitos do Au-
tismo. Eles entendem que a socialização e a superação de dificuldades devem ser promovidas, porém, sem a
obrigatoriedade de imitação do padrão de comportamento dos neurotípicos.
Na realidade, a inclusão não é apenas um mandato ético, mas uma necessidade econômica dentro da
sociedade. Considerando as taxas de prevalência do EA, mas também de outros transtornos psiquiátricos e
neurológicos, temos, no mínimo, 20% da população geral (KONKIEWITZ, 2013; LOPES et al., 2016; POLANCZYK
et al. 2015; STEEL et al., 2014). Como deixar todos esses milhares de pessoas fora dos processos de educação,
profissionalização e trabalho?
Ao invés de imaginar parâmetros inflexíveis de normalidade como pré-requisito para a participação
social (como modelos de aparência e comportamento para ser parte de um determinado grupo), seria mais
interessante transformar empresas, escolas e órgãos públicos, por exemplo, em espaços integrativos, onde
as pessoas fossem analisadas em seu perfil individual e apoiadas para que pudessem dar o melhor de si.

11
“In an ideal world the scientist should find a method to prevent the most severe forms of autism but allow the milder forms to
survive. After all, the really social people did not invent the first stone spear. It was probably invented by an Aspie who chipped
away at rocks while the other people socialized around the campfire. Without autism traits we might still be living in caves.”

105
A escola como um espaço de oportunidade: a integração, o bullying e as intervenções mediadas
por pares

As escolas precisam urgentemente se tornar verdadeiros – e não apenas supostos – locais de opor-
tunidade. Alunos, já na infância, deveriam compreender a diversidade e serem estimulados a cooperar e não
a competir (KONKIEWITZ, 2015a; LADD, 1990; MCCONNELL, 2002). Alunos do EA podem vencer barreiras de
socialização se estiverem envolvidos em trabalhos em conjunto que se associem aos seus interesses particu-
lares. Compartilhar um projeto com os demais pode ser o caminho para o desenvolvimento da linguagem,
mas também para a compreensão de regras de convívio social. Além disso, a criança, apresentando suas ha-
bilidades ao grupo, será vista pelos colegas de outro modo e não apenas em suas estranhezas, o que mudará
a sua autoimagem e também a imagem que tem do seu ambiente.
Promover situações cooperativas não é complexo, crianças e adolescentes são flexíveis e curio-
sos. O ponto de partida é a ruptura dos nossos antigos paradigmas. Incluir não é apenas permitir que o
diferente ocupe o mesmo espaço que os demais realizando apenas adequações arquitetônicas. Incluir é
integrar. Um ambiente integrador requer primeiramente informação, conscientização e quebra de precon-
ceitos. As crianças, os pais e os educadores precisam estar plenamente convencidos de que a inclusão não
prejudicará o nível de aprendizado das crianças e isso precisa, de fato, ser garantido pela escola. Quando
uma criança ensina a outra, quando elabora com ela uma estratégia para a realização de um produto final,
quando para isso busca informações necessárias, pesquisa, entrevista e solicita ajuda de profissionais,
quando divide as etapas de trabalho entre os membros do grupo e quando finalmente obtém o fruto dos
seus esforços, está desenvolvendo várias competências cognitivas, meta-cognitivas, sociais e emocionais
para toda a vida.
Aprender a respeitar as limitações de cada um sem depreciação requer que se entenda que todos
têm limitações. É preciso romper com o ambiente de sala de aula que elege o melhor aluno, no qual os ou-
tros devem se espelhar. É preciso também que as características peculiares de uma criança do EA, de uma
criança com TOC, com Transtorno de Tourette, com epilepsia ou com qualquer particularidade que não se
encaixe nos padrões sejam abertamente esclarecidas aos demais, justamente para que estes não tragam
falsas informações de casa.
O ambiente para uma pessoa do EA deve ser previsível e organizado. As informações devem, de prefe-
rência, ser fornecidas visualmente, através de cartazes e desenhos, por exemplo. A sensibilidade aumentada a
barulhos, toque e luzes; a necessidade de isolamento; as dificuldades de expressão e outros traços individuais
precisam ser conhecidos e respeitados.

106
XXVI. Minha Família 40 cm x 40 cm – canetinha, tinta acrílica, 2010

“A arte não existe para produzir o visível, e sim para tornar visível o que está além” (Paul Klee).
Quando a escola e seus educadores têm conhecimento e, através dele, a convicção de que mudanças
são possíveis, eles transformam a mentalidade das famílias e das crianças e criam na escola uma atmosfera de
colaboração. O restante, as próprias mentes formidáveis das crianças realizam. Com o convívio e o trabalho
voltado para uma meta comum, elas aprendem intuitivamente a focar no objeto de interesse e este passa a ser
o elemento de coesão e de identificação. Fascinados pela elaboração de uma ferramenta, de uma máquina, de
um site, de um programa de rádio, de uma peça de teatro, de um programa de informática, a tendência é buscar
o melhor de cada um ao invés de procurar defeitos, como acontece em um ambiente tipicamente competitivo.
São inúmeros os relatos de pessoas do EA que quebraram o isolamento através de interesses compartilhados.
Crianças do EA estão em risco maior de sofrer bullying nas escolas, que é uma forma de abuso que
envolve ações negativas e repetidas contra um determinado aluno, existindo uma desproporção de poder
entre o(s) perpetrador(es) e a vítima. Exemplos são agressão física, intimidação, humilhação, xingamentos,
apelidos ou brincadeiras constrangedoras (KONKIEWITZ, 2015b; OLWEUS, 1993). O bullying pode ter efeitos
devastadores, reduzindo a participação e o desempenho na escola, levando ao isolamento, à depressão, à
ansiedade e até mesmo a comportamentos de autoinjúria. Justamente crianças autistas com melhor desem-
penho cognitivo e inseridas no ensino regular sofrem mais frequentemente essa forma de violência, uma vez
que aquelas com prejuízos mais graves tendem a ser mais protegidas. Isso significa que, se a inclusão não for
acompanhada de conscientização e melhora da empatia das demais crianças, as consequências podem ter
a direção oposta à desejada.
Um estudo realizado nos Estados Unidos (ZABLOTSKY et al., 2014) revelou que 63% das crianças do
EA já tinha sido vítima de bullying em algum momento de suas vidas e 38% delas, no último mês. Os fatores
de risco identificados foram baixo nível socioeconômico, presença de comorbidades psiquiátricas, como o
TDAH, e dificuldade em fazer amigos. Outro estudo americano de âmbito nacional (STERZING et al., 2012)
estimou a prevalência de vitimização por bullying entre adolescentes do EA em 46,3%, sendo que aqueles
em escolas de ensino regular com diagnóstico de TDAH e com piores habilidades de conversação estavam
sob risco mais elevado.
Além do treinamento direto da criança do EA em habilidades socioemocionais e de comunicação
oferecido por terapeutas, individualmente ou em grupo, existem intervenções mediadas por pares, ou seja,
por crianças da mesma idade ou um pouco mais velhas. Nesse caso, elas são geralmente escolhidas pelos
professores da escola por serem crianças de desenvolvimento típico com especial carisma e capacidade de
socialização. Recebem então um treinamento para identificar todos aqueles que estejam isolados socialmente,
tenham dificuldades de interação ou necessitem de ajuda para uma melhor socialização. Aprendem a apoiar
todos esses colegas através de instruções diretas, comportamento modelo, técnicas de troca de papéis, ensaio,
etc. Uma das vantagens dessa abordagem é que ela não chama a atenção para a criança do EA, além de ter o
potencial de beneficiar todas as crianças na classe que precisam de ajuda com a socialização.

109
Um estudo que comparou, em 60 alunos do ensino fundamental com diagnóstico de autismo, o
treinamento particular realizado diretamente com a criança do EA e a intervenção mediada por pares,
ambos com duração de seis semanas, mostrou que esta última teve resultados superiores, com aumento
da participação no grupo, melhora nas habilidades sociais em sala de aula e diminuição do isolamento du-
rante brincadeiras no parque. As crianças que receberam a combinação das duas intervenções obtiveram
os maiores ganhos em seu status dentro da rede social da classe. Essas mudanças se mantiveram estáveis
durante reavaliação três meses após a intervenção (KASARI et al., 2012).
O fato de a intervenção mediada por pares ocorrer em um ambiente natural faz com que as habili-
dades sociais sejam aprendidas e treinadas no cotidiano, complementando as intervenções em clínicas, que
são espaços protegidos. A intervenção mediada por pares não trabalha apenas com a criança do EA, mas com
as outras, o que contribui para a melhora da atmosfera social da escola. Na realidade, as crianças escolhidas
como mediadoras são populares na classe e sua simples associação à criança do EA já pode aumentar a acei-
tação desta também por parte das outras.
O receio de que a criança mediadora pudesse ter algum prejuízo social ou emocional não foi con-
firmado (LOCKE; ROTHERAM-FULLER; KASARI, 2012). Pelo contrário, a intervenção lhes permite aprimorar a
empatia, a compreensão das diferenças individuais e o comportamento pró-social, sem reduzir o carisma e a
qualidade das amizades de que já desfrutavam.

O emprego como espaço de oportunidade: todas as formas de pensamento podem ser


construtivas.

Ter um emprego significa ocupar um espaço na comunidade, ter uma rotina organizada, conviver com
outras pessoas fora do círculo familiar e entender-se como alguém capaz de participar e de contribuir com a
sociedade. O emprego confere um senso de dignidade e propósito e a retribuição financeira permite maior
independência e liberdade de autodeterminação. Além disso, estudos de análise econômica comprovam que
o investimento na inserção de pessoas do EA no mercado de trabalho resulta em benefícios financeiros para a
sociedade como um todo (MAVRANEZOULI et al., 2014; JACOB et al., 2015). Infelizmente, porém, as taxas de
emprego de pessoas do EA ainda são muito baixas, estando, segundo estimativa da ONU (KI-MOON, 2015),
em torno de 20% em 2015.
Em relação ao preparo para o mercado de trabalho, aqui também o ponto de partida são os
interesses específicos, que devem ser estimulados e, pouco a pouco, ampliados e direcionados para a
aquisição de saberes aplicáveis e da profissionalização. Por exemplo, as habilidades de processamento
visual podem ser canalizadas para o desenho industrial e a computação gráfica. Em sua biografia, The

110
XXVII. Balão 40 cm x 60 cm – tinta acrílica, 2012.

“O balão é uma imagem tão infantil e tão onírica! É um balão mágico de retalhos de sonhos, um conto de fadas em cores suaves e leves,
que convidam a desatar as amarras da sensatez e simplesmente voar” (ECK).
way I see it, Temple Grandin (2011) salienta a importância da orientação e da supervisão individualiza-
das nesse processo e revela o papel fundamental que mentores exerceram em sua vida, em especial seu
professor do ensino médio, Sr. Carlock, fazendo com que acreditasse em suas próprias ideias e direcio-
nasse seu caminho:

Mentores verdadeiramente desempenharam um papel chave em me ajudar a me tornar


a pessoa e a profissional que sou hoje. Eles podem ser catalisadores valiosos, auxiliando a
criança ou o adolescente do espectro a adquirir habilidades básicas de estudo e pesquisa,
que impulsionarão uma futura carreira (GRANDIN, 2011, p. 289 – tradução nossa).1

Em um livro mais recente, Developing talents: careers for individuals with Asperger syndrome and high
functioning autism (GRANDIN; DUFFY, 2004), Temple Grandin elabora um guia prático para pais e educadores
de como promover talentos individuais e inserir a pessoa do EA no mercado de trabalho.
Várias etapas podem ser limitantes à empregabilidade. A escolha do futuro empregador, o preparo
do currículo e a primeira entrevista já representam enormes desafios para a aquisição de um emprego. A
adaptação à rotina de trabalho, ao ambiente, às pessoas, às regras de comportamento e de comunicação, a
necessidade de flexibilidade diante de novas situações e o planejamento independente de tarefas esbarram
nas dificuldades de comunicação, de socialização e de ajuste a mudanças características do autismo.

Há, muitas vezes, necessidade de preparo e monitoramento individualizado com instruções explícitas
sobre regras de convívio em grupo, perspectivas, expectativas e reações de outras pessoas. O programa de
multimídia JobTIPS2 fornece vídeos, cartões com jogos de papéis, exercícios, testes, entre outras ferramentas
para o treino de cinco etapas profissionais: 1) determinar os interesses profissionais; 2) encontrar um possível
emprego; 3) conseguir um emprego; 4) manter o emprego; 5) deixar o emprego. Ainda mais interessante é
a possibilidade de ensaio de situações típicas em ambiente protegido, com a supervisão de um terapeuta.

1
“Mentors did, indeed, play a pivotal role in helping me become the person and professional I am today. They can be valuable
catalysts to helping the spectrum child or teen learn fundamental study and research skills that will propel them to a future career.”
2
Disponível em: <http://www.Do2Learn.com/JobTIPS>. Acesso em: 20 mar. 2016.

113
Se, por um lado, é recomendável um treinamento em habilidades sociais básicas, por outro, cabem
ao ambiente de trabalho as mesmas considerações feitas para a escola. Características locais, como grau
de luminosidade, exposição a ruídos, circulação de pessoas e odores, precisam ser consideradas, uma vez
que pessoas do EA podem ter a sensibilidade aumentada para alguns estímulos. A rotina deve ser estável e
previsível, informações precisam ser fornecidas explicitamente e, se necessário, através de recursos visuais.
A chefia imediata precisa ser acessível e capaz de estabelecer uma comunicação direta para o enfrentamento
de problemas. As pessoas precisam ser preparadas para cooperar, superar suas diferenças e romper com o
conceito de uma normalidade padrão. Todas as formas de pensamento podem ser construtivas. Além disso,
algumas características inerentes às pessoas do EA são potencialmente interessantes para o mercado. De
modo geral, autistas tendem a ser pontuais, disciplinados e aplicados, têm excelente memória, conseguem
manter-se concentrados por longos períodos, são atentos a detalhes, não mentem, não se envolvem em
assuntos pessoais dos colegas e não se distraem com conversas paralelas.

114
XXVIII. A Esperança 50 cm x 70 cm – massa acrílica e tinta acrílica, 2013.

“A esperança é uma postura diante da incerteza e da angústia que nos faz permanecer e prosseguir. Aqui, a esperança é colorida, mas
principalmente vermelha. Não tem uma forma nítida, mas pode lembrar um pássaro tropical, uma pipa ao vento... De qualquer forma,
ela é cheia de energia e está pronta para enfrentar e fluir com o dinamismo da vida (ECK).

“Eu me inspirei no filme Jogos Vorazes” (Cacá Silva).


6. Conclusões

A inspiração e o fio condutor desta obra foram a arte de Camila Falchi, que, em sua força expressiva,
revela um colorido emocional muito rico e intenso, contrapondo-se à monotonia, à repetitividade e à frieza
tipicamente esperadas de uma pessoa do EA. Essa ruptura de estereótipos e estigmas abre a mente para
uma nova perspectiva sobre o autismo que corresponde a uma evolução recente, tanto no meio científico
quanto em diferentes grupos sociais, como nas comunidades Asperger. A Teoria da Sistematização-Empatia
é um exemplo dessa nova visão, pois propõe um conceito de funcionamento mental que abrange tanto as
dificuldades quanto os talentos e potencialidades associados ao EA.
O autismo envolve as funções mais complexas do cérebro, aquelas que distinguem nossa extraordinária
capacidade como seres humanos de interagir com o mundo de forma criativa e produtiva. A pesquisa sobre
o autismo atualmente está atraindo os mais capacitados pesquisadores e tem oferecido novas e frutíferas
reflexões sobre os aspectos mais intrincados e desafiadores da mente humana, incluindo os mecanismos sub-
jacentes à consciência. Essas pesquisas têm oferecido uma nova compreensão molecular, fisiológica e genética
do sistema nervoso, descortinando as diferenças entre pessoas neurotípicas e as do espectro. Esse conheci-
mento pode gerar novas possibilidades diagnósticas com melhor embasamento científico e, eventualmente,
tratamentos individualizados. Ao descobrir as bases biológicas das características específicas dos indivíduos
do EA, as novas pesquisas têm confirmado que cada cérebro é de fato único, o que traz também a vantagem
de melhor entender a percepção emocional de maneira geral e o modo como formamos relacionamentos
interpessoais produtivos e gratificantes. Essa informação certamente aproximará as pessoas do espectro das
neurotípicas e viabilizará um entendimento mais amplo de como o cérebro humano opera e de como ele tem
a capacidade de executar as mais extraordinárias funções biológicas encontradas em toda a natureza.
Características antes vistas como debilitantes são hoje entendidas como uma janela para o desenvol-
vimento. Assim, os interesses restritos podem ser estimulados e canalizados para a aquisição de habilidades
mais amplas. O próprio processo de concepção e elaboração de um produto pode ser a ponte para o apren-
dizado de estratégias mentais, como planejamento, sequenciamento e autocontrole, mas também para a
comunicação e a socialização. A arteterapia e a musicoterapia, o trabalho em grupo ou sob a orientação de
um tutor são exemplos de caminhos para a promoção de pessoas do EA que se aproveitam daquilo que elas
já trazem como potencialidades e as levam a um percurso de autodescoberta e auto-organização.

117
Este texto discutiu as limitações dos procedimentos e dos próprios conceitos teóricos utilizados na
avaliação da inteligência e da criatividade de pessoas do EA e apresentou algumas evidências de que, prova-
velmente, essas capacidades podem estar sendo subestimadas e mal compreendidas nesse grupo. Está muito
claro que o cérebro é dinâmico e moldável e que, por isso, todo enquadramento é reducionista.
Essa discussão tem implicações diretas e muito amplas sobre o sistema educacional, o mercado de
trabalho e a estrutura social como um todo, pois o modo como as pessoas são vistas e promovidas é a base para
a sua real integração e contribuição com o grupo. A sobrevivência, não apenas ética, mas também econômica
das sociedades dependerá de uma mudança de paradigmas que abra oportunidades criativas para pessoas
dos mais diferentes espectros e que se enriqueça com a diversidade dos seus membros.
Esperamos que o futuro nos traga um entendimento mais completo do autismo e da mente humana
e também novas possibilidades de integração e de apoio a todos aqueles que não se enquadram no ideal
imaginado de normalidade. Que o nosso mundo se torne cada vez mais livre de estigmas enrijecidos e exclu-
dentes e cada vez mais um espaço com muitas portas, para que a criatividade e a vida possam desabrochar
em todas as suas formas.

118
XXIX. Mundo 60 cm x 70 cm – cola colorida sobre tinta acrílica, 2013.

“O Mundo é quente, é agitado, é intenso e cheio de emoções: uma avalanche, tudo ao mesmo tempo. É um universo que borbulha, que
transborda, difícil de entender. Muitas vezes, a mente se sobrecarrega e sofre de ansiedade” (ECK).

“Depende... me lembra o nosso mundo imaginário” (Cacá Silva).


7. Palavras de uma mãe

Camila, apadroada por São Camilo, cuidador dos enfermos, é minha filha do meio. Mas a média
nunca lhe foi concedida gratuitamente. Pintamos seu prelúdio com violentos tracejados antes mesmo de seu
nascimento. E, no seio de uma família recém-nascida – mãe, pai, bebê de três meses e finanças apertadas
–, engravidei. Inicialmente, fui arrebatada por luz e felicidade do segundo filho vindouro, mas, ao primeiro
trimestre de gestação, contraí rubéola. E, assustada, temi pelo futuro. Não posso negar que a sombra do
abortamento não tenha tingido os meses seguintes de dúvida.
Escolhi seguir, a despeito do assombro que colegas prometiam. Não foi a decisão mais fácil, não
deve ser para mulher alguma, mas certamente foi minha mais acertada escolha. E em meio a dissabores,
Camila irrompeu à vida em 28 de março de 1991, em Votuporanga, SP. Apesar da restrição de cresci-
mento intrauterino e de todas as complicações que minha condição poderia tê-la causado, nasceu com
saúde, respirando, com 48 cm e 2870g, às 16h e 55 min de uma quinta-feira santa. Saímos do hospital
no domingo de Páscoa.

121
Desamparada, procurei nutrir minhas incertezas com o peso da caneta médica. Logo de início, ti-
vemos um pediatra que me aconselhou a aceitar sua condição especial e ser conivente com as limitações
esperadas para seu caso. Mas acreditei no poder do indivíduo e mesmo que os estudos a previssem como
um ponto dentro da curva, apeguei-me à ideia de que ela seria o cotovelo desse determinismo, o ponto
fora da curva.
Movi montanhas, caí em vales, criei lagos e rios de lágrimas, atravessamos barreiras. Escalei os
ombros de gigantes: procurei por grandes profissionais em sua formação, mas, acima de tudo, encontrei
grandes humanos a quem sou grata até hoje, a ver: Dr. Antônio Seba Jr, pediatra que a acompanhou e não
esmoreceu para nunca deixar a chama da saúde apagar; Dr. Mauro Spinelli, foniatra, que conduziu sua afasia
com afago até sua prematura morte; Dr. Hélio Thomaz, neurologista, que nunca desacreditou no potencial
da Camila, sábio em sua arte e artista na vida me disse em tom esperançoso que a Camila “pode ser tudo
o que quiser, fazer o que quiser, não desacredite”. Nunca desacreditei. E por isso segui: fonoaudiólogas,
terapeutas ocupacionais, psicopedagogas, psicoterapia, balé, esportes, fisioterapia, psicanálise...
O caminho mais uma vez foi repleto de percalços: não ganhava peso, faltou a ela sucção. Aos seis
meses não sentava, não engatinhou, andou aos tropeços com dois anos. Desenvolveu crises de ausência
em sua tenra idade e diagnóstico precoce de traços autistas. Vencemos batalha a batalha, muita luta, muito
amargor, permeado de desilusões e choques de realidade; mas seguimos. E um novo problema apresentou-se:
já era idade de entrar para a escola formal. Relutei em colocá-la em escola especial, já que as regulares não
aceitavam. Moldamos nossa dinâmica familiar, mudamos de cidade e hábitos até encontrarmos uma escola
que a aceitasse.
Defini-me pela escola COOPEN, em São José do Rio Preto, SP. Quando a coordenadora de ensino
perguntou quais eram minhas expectativas, minha resposta ressoou certeira em minha crença: “quero que
ela saia daqui sabendo ler e escrever”. Com muita atenção, os professores passavam a ela o conteúdo progra-
mático formal de maneiras não convencionais, inclusive por meio de filmes, o que a Camila sempre gostou.
Foi utilizado o auxílio de acompanhantes pedagógicas durante as aulas e, assim, galgamos alguns degraus em
seu desenvolvimento. Mas a frustração seguia lado a lado às conquistas. Ela não aprendeu a ler ou escrever
até sua graduação no ensino médio regular. Ainda não desistimos, a Camila anseia ler, é seu sonho maior. Ela
continua frequentando aulas suplementares e hoje já reconhece letras e sílabas, lê e compreende sentenças
breves e as escreve, além de realizar operações aritméticas elementares.

122
XXX. Imaginação 50 cm x 70 cm – tinta acrílica, 2014.

“Imaginação - este é o quadro que eu escolhi como presente de Cacá Silva na ocasião de sua exposição artística, realizada durante o II
Simpósio Internacional de Neurociências da Grande Dourados, em 2014. Eu vejo nele um pássaro majestoso, abrindo suas asas para o voo.
Meu desejo é que muitos outros também possam enxergar em todas as pessoas com deficiências, ou transtornos, ou qualquer outra
suposta limitação esta imagem poderosa e reveladora. De fato, um pássaro assim habita em todos nós” (ECK).
Os problemas avolumam-se, travamos batalhas contínuas desde a adolescência contra o TOC. Feliz-
mente, agora contamos com mais um guerreiro na causa: a própria Camila, que compreende seus problemas
e se policia. Alguns são até cômicos, como quando ela passou anos a fio usando apenas o uniforme da escola
e brincávamos que maior propaganda a COOPEN nunca teve. Adaptamo-nos a evitar algumas palavras proibi-
das: “morte” tornou-se “bater as botas”; “calcinha” tornou-se “tananam”; “espeto” é “churras no palito”, etc.
Em tempo, aos seus 18 anos, ainda no início do colegial, a Camila começou aulas de pintura. Confesso
que meu desconhecimento no que tange à arte nublou minha percepção de tamanho potencial. Mas nossa
guerreira protagonizou sua arte e fez de suas armas o pincel e de sua estratégia a sensibilidade. Sozinha, ela
galgou o respeito da professora de pintura e lançou-se no mundo como artista plástica, profissão com a qual
se qualifica hoje.
O texto que leem existe como fruto do empenho e percepção de grandes mentes sensíveis à arte da
Camila. Agradecimento especial à Prof. Dra. Elisabete Castelon Konkiewitz, que contribuiu decisivamente para
que a Camila se apropriasse da identidade de artista plástica quando a convidou para expor suas obras no
Simpósio Internacional de Neurociências da Grande Dourados, em 2014. Hoje, Camila pensa em manter-se
com suas pinturas, cuidando de seus animais – Brieta e Henry – e seguir repleta do que vemos em suas obras:
felicidade. Camila, acima de tudo, hoje é feliz e essa é nossa maior conquista.

Eliana Falchi Parra Carvalho da Silva,


São José do Rio Preto, março de 2016.

125
XXXI. Brasil 30 cm x 40 cm – tinta acrílica, 2015.

“Só o coração nos poderá tornar melhores e é essa a grande função da arte” (Cândido Portinari).

“Quis mostrar minha indignação com o que vem acontecendo no Brasil, mas apesar de tudo, é o melhor lugar para se viver” (Cacá Silva).
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