Você está na página 1de 7

Conversão dos Eslavos

"A religião da graça espalhou-se pela terra e finalmente atingiu o povo


russo.
O Deus gracioso que cuidou de todos os outros povos não mais nos
negligenciou.
É Seu desejo nos salvar e nos conduzir à razão"
(Hilarião, Metropolita da Rússia, 1051-1054).

Cirilo e Metódio.

Para Constantinopla a metade do nono século foi um período de


intensa atividade missioná-ria. A Igreja Bizantina, livre afinal da longa luta
contra os iconoclastas, virou sua energia para a conversão dos Eslavos
pagãos que estavam além das fronteiras do Império, ao norte e noroeste
— morávios, búlgaros, sérvios e russos. Photius foi o primeiro Patriarca
de Constantinopla a iniciar um trabalho missionário de larga escala entre
os eslavos. Ele selecionou para a tarefa dois irmãos, gregos de
Tessalônica, Constantino (826-869) e Metódio (815-885). Na Igreja
Ortodoxa Constantino é usualmente chamado de Cirilo, nome que ele
recebeu ao tornar-se monge. Conhecido na vida prévia como
"Constantino o Filósofo," ele era o mais capaz entre os pupilos de
Photius, e tinha familiaridade com uma grande linha de línguas, incluindo
hebreu, árabe e até mesmo com o dialeto samaritano. Mas a qualificação
especial que ele e seu irmão tinham era seu conhecimento de eslavônico:
na infância eles aprenderam o dialeto dos eslavos nos entornos de
Tessalônica, e eles podiam falar esse dialeto fluentemente.

A primeira jornada missionária de Cirilo e Metódio foi uma curta


visita em torno de 860 aos Khazars, que viviam no norte da região do
Cáucaso. Essa expedição não teve resultados permanentes, e alguns
anos depois os khazars adotaram o judaísmo. O trabalho real dos irmãos
começou em 863 quando eles foram para a Morávia (grosseiramente
equivalente as atuais Tcheco e Eslováquia). Eles foram para lá atendendo
ao apelo do Príncipe dessas terras, Rostislav, que pediu que missionários
Cristãos fossem enviados, capazes de pregar para o povo em sua própria
língua e de celebrar ofícios em eslavônico. Serviços em eslavônico
requeriam as Sagradas Escrituras em eslavônico e livros de ofício em
eslavônico. Antes que eles partissem para a Morávia os irmãos
envolveram-se num enorme trabalho de tradução. Eles precisaram
primeiro inventar um alfabeto eslavônico adequado. Em suas traduções
os irmãos usavam a forma de eslavônico que lhes era familiar desde a
infância, que era o dialeto macedônio falado pelos eslavos que viviam em
torno da Tessalônica. Desse modo o dialeto dos eslavos macedônios
tornou-se o Eslavônico da Igreja, que permanece até os dias de hoje a
linguagem litúrgica da Igreja Russa e de algumas outras Igrejas
Ortodoxas eslavônicas.

Não se consegue superavaliar a importância, para o futuro da


Ortodoxia, das traduções para o eslavônico que Cirilo e Metódio levaram
consigo quando deixaram Bizâncio para o norte desconhecido. Poucos
eventos foram tão importantes na história missionária da Igreja. Desde o
início os Cristãos eslavos gozaram de um precioso privilégio, que
nenhum dos povos da Europa ocidental teve nessa época: eles ouviram o
evangelho e os serviços numa língua que eles podiam entender.
Diferentemente da Igreja de Roma no oeste com sua insistência no latim,
a Igreja Ortodoxa nuca foi rígida em matéria de língua; sua política normal
é celebrar os ofícios na língua do povo.

Na Morávia, assim como na Bulgária, a missão grega logo


chocou-se com missionários alemães trabalhando na mesma área. As
duas missões não só dependiam de Patriarcados diferentes, mas também
trabalhavam com diferentes princípios. Cirilo e Metódio usavam
eslavônico em seus ofícios, os alemães, latim, Cirilo e Metódio recitavam
o Credo em sua forma original, os alemães introduziram o filioque. Para
livrar sua missão da interferência alemã, Cirilo decidiu coloca-la sob a
proteção imediata do Papa. A ação de Cirilo apelando a Roma mostra que
ele não levava muito a sério a disputa entre Photius e Nicolau; para ele
leste e oeste ainda estavam unidos como uma única Igreja, e não era uma
questão de primária importância se ele dependia de Constantinopla ou de
Roma, desde que ele pudesse continuar a usar o eslavônico nos ofícios
da Igreja. Os irmãos viajaram para Roma em 868 e tiveram pleno sucesso
em seu apelo. Adriano II, sucessor de Nicolau I, recebeu-os
favoravelmente e deu total suporte para a missão grega, confirmando o
eslavônico como a língua litúrgica da Morávia. Ele aprovou as traduções
dos irmãos, e colocou cópias dos livros de ofícios em eslavônico nos
altares das principais Igrejas da cidade.

Cirilo morreu em Roma (869), mas Metódio retornou a Morávia.


É triste dizer isto, os alemães ignoraram a decisão do Papa e obstruíram
Metódio de toda a forma possível, até colocando-o na prisão por mais de
um ano. Quando Metódio morreu em 885, os alemães expeliram seus
seguidores da Morávia, vendendo numerosos como escravos. Traços da
missão eslavônica permaneceram na Morávia por mais dois séculos, mas
foram finalmente erradicados; e o Cristianismo na sua forma ocidental,
com cultura latina e língua latina (e lógico o filioque), implantou-se. A
tentativa de fundar uma Igreja eslavônica nacional na Morávia resultou
em nada. O trabalho de Cirilo e Metódio, então pareceu ter terminado em
fracasso.

No entanto, de fato, não foi assim. Outros povos, para os quais


os irmãos não pregaram pessoalmente, beneficiaram-se do trabalho
deles, mais notavelmente búlgaros, sérvios e russos. Bóris, Khan da
Bulgária, como já vimos, oscilou algum tempo entre o leste e o oeste,
mas finalmente aceitou a jurisdição de Constantinopla. Os missionários
bizantinos na Bulgária, no entanto, não tendo a visão de Cirilo e Metódio,
de início usaram grego nos ofícios da Igreja, uma língua tão ininteligível
como latim para o búlgaro comum. Mas depois de sua expulsão da
Morávia, os discípulos de Metódio foram naturalmente para a Bulgária, e
ali introduziram os princípios empregados na missão morávia. Grego foi
substituído pelo eslavônico, e a cultura Cristã de Bizâncio foi
apresentada aos búlgaros em forma eslavônica que eles podiam
assimilar. A Igreja búlgara cresceu rapidamente. Em torno de 926, durante
o reinado do Tsar Simeão o Grande (reinou 823-927), um Patriarcado
Búlgaro independente foi criado, e foi reconhecido pelo Patriarcado de
Constantinopla em 927. O sonho de Bóris — uma Igreja autocéfala
própria — tornou-se realidade antes de meio século depois de sua morte.

Missionários bizantinos foram também para a Sérvia, que


aceitou o Cristianismo na segunda metade do século nono, entre 867-874.
A Sérvia também oscilou entre o Cristianismo do leste e o do oeste, mas
depois de um período de incerteza segui o exemplo da Bulgária e não da
Morávia, e aceitou a jurisdição. Também na Sérvia os livros de ofícios em
eslavônico foram introduzidos e desenvolveu-se uma cultura eslavônica-
bizantina. A Igreja Sérvia ganhou uma independência parcial sob São
Savas (1176-1235), o maior dos santos nacionais sérvios, que em 1219 foi
consagrado em Nicéia como Arcebispo da Sérvia. Em 1346 foi criado um
Patriarcado Sérvio, que foi reconhecido pela Igreja de Constantinopla em
1375.

A conversão da Rússia também é devida ainda que


indiretamente ao trabalho de Cirilo e Metódio, mas isso falaremos na
próxima seção do livro. Com búlgaros, sérvios e russos como suas
"crianças espirituais," os dois gregos inquestionavelmente merecem seu
título, "Apóstolos dos Eslavos."

Outra nação Ortodoxa nos Balcãs, Romênia, tem uma história


mais complexa. Os romenos, ainda que influenciados pelos seus vizinhos
eslavos, são primariamente latinos em língua e caráter étnico. A Dácia,
correspondendo a parte da moderna Romênia, foi uma província romana
entre 106-271; mas as comunidades Cristãs ali fundadas nesse período
parecem ter desaparecido depois da retirada romana. Parte do povo
romeno aparentemente foi convertido ao Cristianismo pelos búlgaros no
final do século nono ou começo do décimo século, mas a conversão
completa dos dois principados romenos de Walaquia e Moldávia, só
ocorreu no século catorze. Aqueles que pensam que a ortodoxia como
sendo exclusivamente "do leste," com caráter grego e eslavo, deveriam
prestar atenção no fato de que a Igreja Romena, a segunda maior Igreja
Ortodoxa hoje em dia, é predominantemente latina.

Bizâncio conferiu dois presentes aos eslavos: um sistema


completamente articulado de doutrina Cristã e uma civilização Cristã
completamente desenvolvida. Quando a conversão dos eslavos começou
no século nono, o grande período de controvérsias doutrinais, a era dos
Sete Concílios, chegarem ao fim; as principais linhas da fé — as
doutrinas da Trindade e da Encarnação -já haviam sido trabalhadas, e
foram entregues aos eslavos na sua forma definitiva. Talvez seja por isso
que as Igrejas eslavônicas produziram poucos teólogos originais, sendo
que as disputas religiosas que surgiram nas terras eslavônicas
usualmente não foram de caráter dogmático. Mas essa fé na Trindade e
na Encarnação não existiu num vácuo; com ela ia toda uma cultura e
civilização, e isso também os missionários gregos trouxeram com eles de
Bizâncio. Os eslavos foram Cristianizados e civilizados ao mesmo tempo.

Os gregos comunicaram essa fé e essa civilização não com uma


roupagem estrangeira, mas sim com uma roupagem eslava (aqui as
traduções de Cirilo e Metódio foram de capital importância); o que os
eslavos tomavam emprestado de Bizâncio, a seguir eles eram capazes de
fazer por si próprios. A cultura bizantina e a fé Ortodoxa se de início
ficaram limitadas às classes dirigentes, com o tempo tornaram-se parte
integral da vida diária do povos eslavônicos como um todo. A ligação
entre a Igreja e o povo foi tornado ainda mais firme pelo sistema de se
criar Igrejas nacionais independentes.

Certamente essa forte identificação da Ortodoxia com a vida do


povo, e em particular o sistema de Igrejas nacionais, tiveram
conseqüências desafortunadas. Porque Igreja e nação estiveram tão
fortemente associadas, os Ortodoxos eslavos freqüentemente
confundiram as duas coisas e fizeram a Igreja servir aos fins de políticas
nacionais; eles algumas vezes tenderam a pensar em sua fé como
primariamente sérvia, russa, ou búlgara, e esqueceram que ela era
primariamente Ortodoxa e Católica. Nacionalismo tem sido o veneno da
Ortodoxia pelos últimos dez séculos. Apesar disso, a integração da Igreja
e do povo provou no fim ser imensamente benéfica. O Cristianismo entre
os eslavos tornou-se na verdade a religião de todo povo, uma religião
popular no verdadeiro sentido. Em 1949 os comunistas da Bulgária
editaram uma lei que definiu: "A Igreja Ortodoxa búlgara é na forma, na
substância e no espírito uma Igreja Democrática Popular." Tire-se a
palavra de suas associações política, e por trás delas está uma
importante verdade.

12. O Batismo da Rússia

O período de Kiev (988-1237).

Photius fez também planos de converter os eslavos da Rússia.


Em torno de 864 ele enviou um bispo paras a Rússia, mas essa primeira
fundação Cristã foi exterminada por Oleg, que assumiu o poder em Kiev
(a cidade mais importante da Rússia na época) em 878. A Rússia
continuou no entanto a sofrer uma firme infiltração de Bizâncio, Bulgária
e Escandinávia, e existiu certamente uma Igreja em Kiev em 945. A
Princesa Russa Olga tornou-se Cristã em 955, mas seu filho Svyatoslav
recusou-se a seguir seu exemplo, dizendo que sua comitiva riria dele se
ele recebesse o batismo Cristão. Mas em 988 o neto da Princesa Olga,
Vladimir (reinou 980-1015) converteu-se ao Cristianismo e casou com
Ana, a irmã do Imperador Bizantino. A Ortodoxia tornou-se a religião de
Estado da Rússia, e assim permaneceu até 1917. Vladimir pôs-se a
Cristianizar seu reino com determinação: padres, relíquias, vasos
sagrados, e ícones foram importados; batismos em massa eram feitos
nos rios; Igrejas foram construídas e dízimos eclesiásticos foram
instituídos. O grande ídolo do deus Perun, com sua cabeça de prata e
seus bigodes de ouro, foi rolado ignominiosamente pela colina abaixo em
Kiev. "As trombetas dos Anjos e os trovões dos Evangelhos soaram por
todas as cidades. O ar estava santificado com incenso que ascendia para
Deus. Mosteiros mostravam-se nas montanhas. Homens e mulheres,
pequenos e grandes, todo povo enchia as santas igrejas" (citado de G. P.
Fedorov, The Russian Religious Mind, p. 410). Assim o Metropolita
Hilarião descreveu o evento sessenta anos depois, sem dúvida
idealizando um pouco, pois a Rússia de Kiev não foi completamente
convertida de uma vez ao Cristianismo, e a Igreja esteve no começo
restrita principalmente as cidades, enquanto a maior parte do campo
permaneceu pagã até os séculos catorze e quinze.

Vladimir colocou a mesma ênfase nas implicações sociais do


Cristianismo como João o Misericordioso tinha feito. Qualquer
comemoração na sua corte, tinha a seguir distribuição de comida para os
pobres e doentes; em nenhum outro lugar da Europa medieval existiu tão
altamente organizados tais "serviços sociais" como na Kiev do décimo
século. Outros dirigentes da Rússia de Kiev seguiram o exemplo de
Vladimir. O Príncipe Vladimir Monomachos (reinou 1113-1125) escreveu
em seu Testamento para seus filhos: "Acima de todas as coisas não se
esqueçam dos pobres, e suportemos até a extensão de vossos meios.
Dêem para os órfãos, protejam as viúvas, e não permitam aos poderosos
destruir ninguém" (citado em G. Vernadsky, Kievan Rússia, New Haven,
1948, p. 195). Vladimir estava também profundamente consciente da lei
Cristã da misericórdia, e quando ele introduziu o código de leis bizantino
em Kiev, ele insistiu em mitigar seus aspectos mais selvagens e brutais.
Não existia pena de morte na Rússia de Kiev, mutilação, nem tortura;
punição corporal era muito pouco (em Bizâncio a pena de morte existia,
mas dificilmente era aplicada; a punição por mutilação, no entanto era
empregada com freqüência aflitiva).

A mesma gentileza pode ser vista na história dos filhos de


Wladimir, Boris e Gleb. Na morte de Wladimir, em 1015, o filho mais velho
Svyatopolk tentou tomar os territórios dos irmãos mais novos Boris e
Gleb. Obedecendo literalmente os mandamentos dos Evangelhos, eles
não ofereceram resistência, apesar de que poderiam tê-lo feito
facilmente; e cada um na sua vez foi morto pelos emissários de
Svyatopolk. Se qualquer sangue tivesse que ser derramado, Boris e Gleb
preferiram que fosse o deles próprio. Apesar deles não serem mártires
pela fé, mas vítimas de uma disputa política, foram ambos canonizados,
tendo recebido título especial de "suportadores da paixão." Foi sentido
que pelo seu sofrimento voluntário e inocente eles partilharam da Paixão
de Cristo. Os russos sempre deram ênfase para questões que resultavam
sofrimento para aqueles que perseguiam a vida cristã.

Na Rússia de Kiev, em Bizâncio e no Oeste medieval, os


mosteiros tiveram um papel importante. O mais influente de todos eles foi
o de Petchersky Lavra, o Mosteiro das Grutas, em Kiev. Fundado por
volta de 1051 por Santo Antonio, um russo que vivera no Monte Athos,
ele foi reorganizado pelo seu sucessor São Teodosius (morto em 1074),
que introduziu ali as regras do Mosteiro de Studium, em Constantinopla.
Como Wladimir, Teodosius estava consciente das conseqüências sociais
do Cristianismo e a isso aplicou-se de maneira radical, identificando-se
fortemente com os pobres, muito como São Francisco de Assis no oeste.
Boris e Gleb seguiram Cristo em sua morte sacrificial; Teodosius seguiu
Cristo em sua vida de pobreza e "esvaziando-se" voluntariamente. De
nascimento nobre, ele escolheu desde criança usar roupas grosseiras e
remendadas e trabalhar nos campos com os escravos. "Nosso Senhor
Jesus Cristo," ele dizia, "tornou-se pobre e humilhou-Se, oferecendo a Si
próprio como um exemplo; portanto devemos nos humilhar em Seu
nome. Ele sofreu insultos, cuspiram n’Ele, bateram n’Ele, para nossa
salvação; sendo justo então que soframos para ganhar Cristo" (Nestor,
"Life of Saint Theodosius," In G.P. Fedotov, A Treasury of Russian
Spirituality, p 27). Mesmo usando roupas simples e rejeitando todos os
sinais externos de autoridade, ele era honorável amigo e conselheiro de
nobres e príncipes. O mesmo ideal de humildade é visto em outros, por
exemplo o Bispo Lucas de Wladimir (morto em 1185) que, nas palavras de
Vladimir Chronicle "carregou sobre si a humilhação de Cristo, não tendo
uma cidade aqui, mas procurando uma cidade futura." É um ideal
encontrado freqüentemente no folclore russo e em escritores como
Tolstoi e Dostoyevsky.

Wladimir, Boris e Gleb e Teodosius foram intensamente


preocupados com as implicações práticas dos Evangelhos: Wladimir
preocupava-se com a justiça social e era seu desejo que os criminosos
fossem tratados com misericórdia; Boris e Gleb preocupavam-se em
seguir Cristo em seu sofrimento e morte voluntários; Teodosius
identificava-se com os humildes. Esses quatro santos incorporam alguns
dos mais atrativos aspectos do Cristianismo de Kiev.

A Igreja Russa, durante o período de Kiev, era submetida a


Constantinopla e até 1237 os Metropolitas da Rússia eram usualmente
gregos. Em memória dos dias quando o Metropolita vinha de Bizâncio, a
Igreja Russa continua a cantar em grego a saudação solene a um bispo,
eis polla eti, deposta (muitos anos, ó Mestre). Mas cerca de metade dos
bispos eram russos nativos em Kiev nesse período, tendo entre eles,
inclusive, um judeu convertido e um sírio.

Kiev gozava de boas relações não só com Bizâncio, mas


também com a Europa Ocidental e certos aspectos na organização do
começo da Igreja Russa, como os dízimos eclesiásticos, não eram
bizantinos mas sim ocidentais. Muitos santos ocidentais que não
aparecem no calendário bizantino eram venerados em Kiev. Numa oração
para a Santíssima Trindade, composta na Rússia no século onze, lista
santos ingleses como Albano e Botolfo, e um santo francês, São Martinho
de Tours. Alguns escritores até mesmo argüiram que até 1054 a
Cristandade Russa era tão latina quanto grega, mas isso é um grande
exagero. A Rússia esteve mais perto do ocidente no período de Kiev do
que em qualquer outro período, até o reinado de Pedro, o Grande. Mas a
Rússia deve imensamente mais para a cultura bizantina do que para a
cultura latina. Napoleão estava historicamente correto quando ele
chamou o Imperador da Rússia, Alexandre I, de "um grego do Baixo
Império."

É dito que o maior infortúnio da Rússia foi ela ter tido muito
pouco tempo para assimilar a total herança espiritual de Bizâncio. Em
1237, a Rússia de Kiev foi levada para um súbito e violento fim pelas
invasões mongóis; Kiev foi saqueada e a Rússia toda foi ocupada, exceto
o extremo norte em torno da Noruega. Um visitante da corte mongol, em
1246, relata que ele não viu no território russo nem cidade nem vila, mas
só ruínas e incontáveis caveiras humanas. Mas se Kiev foi destruída, o
Cristianismo de Kiev permaneceu uma memória viva.

A Rússia de Kiev, como os dias dourados da infância, nunca foi


apagada da memória da nação russa. Em seus escritos, que são
trabalhados literários que transmitem de forma pura a religião ortodoxa,
qualquer um pode (se desejar) matar sua sede religiosa; em seus
veneráveis autores pode-se encontrar um guia para atravessar as
complexidades do mundo moderno. A Cristandade de Kiev tem o mesmo
valor para a mente religiosa russa como Pushkin para o senso artístico
russo: aquele de um padrão, uma medida dourada, um caminho real (G.
Iedotov, The Russian Religious Mind, pág. 412).

Você também pode gostar