Você está na página 1de 9

VI. A Igreja ortodoxa , ontem e hoje.

J. MEYENDORFF.

P. 85 até 97.

A Igreja da Rússia .

Das origens até 1917.


Desde o séc. IX, - o século da conversão dos eslavos – os missionários bizantinos penetraram na
Rússia. Eles prepararam o terreno para a conversão pessoal da princeza Santa OLGA(955) e a de São
VLADIMIR de KIEV (988) que levou os russos ao batismo, ou seja à instauração do cristianismo como
religião de Estado no principado de KIEV. Desde o tempo dos S. CYRILLE e MÉTHODE, a tradução da
Bíblia e dos livros litúrgicos em língua eslava tinha sido amplamente iniciada para o uso dos
BULGARES e dos Eslavos de MORAVIE ; os Rússos podiam dispor dessa importante acquisição. O
dialecto eslavo das redondezas de THÉSSALONIQUE – que o CYRILLE e MÉTHODE tinham utilizado
nas suas traduções tornou –se assim o « eslavão de Igreja », língua litúrgica comum a todos os
eslavos até hoje.

Pelo batismo, o principado de KIEV entrou francamente no conjunto dos Estados civilizados europeus
e ocupou logo um dos seus1° lugares. IAROSLAV, filho de VLADIMIR (1036 até 1054) edificou na sua
capital uma catedral dedicada a S . SOPHIE , a Sabedoria divina, e decorada pelos melhores artistas
de CONSTANTINOPLA. Ele casou as suas filhas com os principais soberanos de Europa ; assim ANNE
da Rússia se tornou rainha da França... Os destinos europeus da Rússia foram porém bruscamente
interrompidos pela invasão dos MONGOIS ( 1240) que isolaram os Rússos da Europa por muitos
séculos. A História então nem poupou das provações o mundo ortodoxo cujo desenvolvimento
órganico , desde os tempos dos Concílios ecumênicos até os nossos dias , foi constantemente
interrompido por cataclismos ; sucessivamente , as inavasões árabe, mongol, turca colocavam um
fim abrupto à vida dos centros espirituais tal como ALEXANDRIE, ANTIOCHE, KIEV e
CONSTANTINOPLA...

Á nível eclesiástico , a metropole de KIEV, edificada sob VLADIMIR, dependeu até o séc. XV do
patriarcado de CONSTANTINOPLA. Com algumas excessões no caso, os metropolitas de KIEV foram
Gregos vindo de BYZANCE, o resto do episcopado e do clero foi escolhido no país . O patriarcado
ecumênico considerava a Rússia como uma única e imensa diocese missionária , fortemente
centralizada. Esse sistema criou uma tradição cânonica e administrativa que fazia da metropole de
KIEV – e depois do metropolita de MOSCOU – o único chefe da Igreja russa, os outros bispos sendo
estreitamente submetidos à sua autoridade ; os patriarcados orientais ou balcânicos , divididos em
metropoles conformemente aos cânones dos antigos Concílios, nunca conheceram tal autocracia
patriarcal.O sistema russo apresentava porém certas vantagens na medida em que eles permitiam
ao metropolita de KIEV , nomeado por CONSTANTINOPLA e independente das contingências locais ,
ser árbitro supremo no país.

Os MONGOIS , tolerantes em matéria religiosa, deixavam à Igreja todos os privilégios dos quais Ela
usufruía no antigo império de KIEV. Apenas o arbitrário de alguns Khans, que exigiam dos príncipes
a realização de ritos pagões a quando da investidura na HORDE D’ OR ( perto do ASTRAKHAN), levou
Russos ao mártirio ; assim , S. MICHEL de TCHERNIGOV, o seu amigo THÉODORE, S. ROMAIN de
RIAZAN foram condenados à morte por ter recusado realizar esses ritos. Porém, foram esses casos,
isolados e a tolerância dos Mongois era geralmente reconhecida e apreciada. Foi assim que um
grande príncipe de NOVGOROD – única região que os Mongois não tinham atingido - S. ALEXANDRE
NEVSKY pôde ao mesmo tempo buscar aliânça com o Khan , o que não atingia às suas convicções
religiosas e combater ferozmente os invasores vindo do Ocidente, cujo objectivo era a submissão
dos « cismáticos ». Foi assim que ele venceu sucessivamente os Cruzados suecos (1240) e os
Cavalheiros teutônicos (1242). Assim o espírito da Cruzada occidental levava os Russos , depois dos
Bizantinos , a preferir o jugo asiático ao imperialismo da cristandade romana.

Quanto a ela, a Igreja ortodoxa podia continuar organizando – se . Ela conheceu até notórios
sucessos missionários ; os exemplos de conversões dos Mongois ao cristianismo são numerosos e ,
em 1261, uma sede episcopal foi estabelecida em SARAÏ, capital de HORDE D’ OR . Mosteiros
missionários - VALAMO e KONEV sobre o Lago LADOGA, SOLOVSKI sobre o mar BLANCHE –
começavam , por sua vez , a evangelização das tribus da FINLANDE do Norte. Enfim , no séc. XIV ,
um missionário particularmente importante, S. ÉTIENNE de PERM, traduziu a Escritura e a liturgia do
grego - que ele conhecia bem – para a língua « ZYRIANE »( ?).

Herdeira espiritual de BYZANCE, a Igreja russa não podia evitar conceder ao monaquismo o papel
que lhe era reservado em todo o Oriente cristão. Desde às origens da cristandade na Rússia, S.
THÉODOSE criou o celebre mosteiro das CRYPTES em KIEV ; as inumeráveis filiais da « LAVRA das
CRYPTES »foram o lar espiritual das partes meridionais e occidentais da Rússia que, mais tarde,
receberam o nome de « UKRAINE ». No norte, S. SERGE de RADONÈGE, no meio do séc. XIV, criou a
« LAVRA da SANTÍSSIMA TRINDADE »( Hoje ZAGORSK ). Os seus discípulos migraram para a floresta
do Norte. (1).Missionários, construtores, colonizadores,letrados, os monges ocupavam um lugar
eminente na vida religosa desse tempo.

(1).Ver em P. KOVALEVSKY, «  Saint Serge et la spiritualité russe », collection « Maîtres sprirituels », 16, ed. SEUIL, Paris ,
1957.

A cidade de KIEV, antiga e prestigiosa capital da Rússia, foi saqueada , várias vezes , pelos Mongois.
Reduzida ao estado de aldeia destruida, ela cessou de abrigar o metropolita. A sede primacial ,
depois de uma breve temporada em VLADIMIR, foi tranferida para MOSCOU sob o metropolita
PIERRE( 1308 - 1326). Isso foi um acontecimento de porte histórico que designava MOSCOU,
principado até ali desconhecido, como a nova capital. Tendências separatistas manifestaram- se
imediatamente no SUL e no OUEST ; os príncipes dessas regiões , submetidos á suserania do rei de
POLOGNE e do Grande Príncipe de LITHUANIE , exigiram e obtiveram a final e definitivamente a
causa no séc. XV , quando MOSCOU tornou – se « autocéfala » (2) em relação à BYZANCE.

(2).No direito canónico ortodoxo, o termo « autocefalia » , designa o direito para um grupo de dioceses de eleger o seu
primaz. Os limites das autocefalias correspondem no mais freqüente, mas nem sempre, com as fronteiras dos Estados.

A independência e a « autocefalia » da Igreja da Rússia foi proclamada na oportunidade da


aceitação pelo metropolita em título – um Grego, ISIDORE – das decisões do Concílio de FLORENCE
(1439 – 1440) . Nós temos visto mais acima as circunstâncias gerais nas quais aconteceu esse Concílio
unionista e como as suas decisões foram rapidamente rejeitadas pela própria Igreja grega. O
metropolita ISIDORE, quanto a ele, era um feroz partidário da uniâo. Nâo tinha sido ele nomeado
cardeal- sacerdote pelo papa desde o encerramento do Concílio? Chegando em MOSCOU em 1441,
ele ali celebrou a liturgia na catedral da DORMITION mencionando o papa e proclamando a união
com ROMA. Depois de 3 dias de reflexão, o grande Príncipe BASÍLIO o fez encarcerar e deter alguns
meses num mosteiro , e depois deixou ele fugir para a LITHUANIE .

Depois de demoradas hesitações e prolongada correspondência com CONSTANTINOPLA - onde a


União de Florence não tinha sido oficialmente proclamada – os Russos decidiram – se intronizar eles
– mesmos um novo metropolita ; foi assim que JONAS foi elevado no trono de MOSCOU em
dezembro de 1448. Esse ato foi realizado com muita precaução , para evitar no futuro qualquer
dificuldade maior com o patriarcado ecumênico, pois já s esabia que a União de FLORENCE não ia
durar muito tempo. E , de fato, desde a tomada de CONSTANTINOPLA em 1453, os Gregos
renegaram o Concílio de FLORENCE. Porém, MOSCOU já tinha o seu metropolita e entendeu manter
um direito que as circunstâncias lhe tinha permitido usurpar.

No plano psicólogico desses acontecimentos, pode se discernir , a partir do séc. XV, uma profunda
desconfiança dos Russos em relação à ortodoxia dos gregos ; esses últimos não tinham mesmo
traído a verdadeira fé em FLORENCE e não tinham sido eles punidos por Deus que entregou
BYZANCE aos Turcos? Doravante, MOSCOU se tornava a « 3° ROMA » : a « Antiga » Roma  era
herética, a « NOVA » jazia debaixo do jugo dos Turcos, a « 3° ROMA » era a única a estar de pé. A
ideia teocrática de um Império cristão universal encontrou assim em MOSCOU o seu último refúgio ;
logo os grandes príncipes pegarão o título de « TSAR » (variação eslava de CÉSAR ) e se considerarão
como os sucessores legítimos dos soberanos de BYZANCE. No plano puramente eclesiástico, essa
teoria não foi porém levada até o seu termo lógico ; o trono de MOSCOU , apesar do seu poder e
riqueza, nem pretendeu jamais, formalmente, suplantar a primazia ecumênica de
CONSTANTINOPLA. Sempre teve na Rússia homens para raciocinar de um modo ao mesmo tempo
mais humilde , mais sádio e menos romântico que os partidários da 3° ROMA.

Assim, ao longo do séc. XVI, violentas controvérsias aconteceram no meio do clero e na sociedade
russa inteira, entre dois partidos que encarravam de modo muito diferente o futuro religoso da
Rússia. Uns , encabeçados pelo cientista abade JOSEPH de VOLOCK, colocavam toda a sua fé nesse
novo império moscovita : partidários de uma aliânça estreita da Igreja com o Estado, ao modo
bizantino, eles exigiam de volta que o Estado deixe para a Igreja e para os mosteiros os imensos
territórios que eles possuiam e dos quais eles usavam para benevolência, instrução e atividade
social ; eles acreditavam na necessidade de edificar , desde a terra, « Uma Cidade de Deus » cujo
MOSCOU seria o centro. Outros , - tendo por defensor um severo asceta da floresta do Norte, NIL
SORSKIJ - pregavam ao contrário a pobreza monástica, a independência em relação ao Estado e a
fidelidade canônica a CONSTANTINOPLA ; eles entendiam que uma Igreja rica e « naturalizada » seria
mais controlável pelo Estado. A Igreja, finalmente, reconheceu uma parte de verdade aos dois
protagonistas : JOSEPH e NIL foram os dois canonizados. O partido de JOSEPH recebeu no séc. XVI,
porém, uma aparente vitória ; a Igreja guardou as suas propriedades e aliava – se ao Estado
moscovita. Quanto à História, ela deu razão ao NIL numa ampla medida ; a Idade Média bizantina
estava bem terminada no séc. XVI e o desenvolvimento ulterior do Império russo no sentido de um
estado secularizado moderno, que no séc. XVIII infeodou completamente a Igreja e confiscou os seus
bens, justificou, a posteriori, as desconfianças de NIL e partidários.(3).
(3).A respeito das controvérsias do séc. XVI e suas conseqüências, ver o nosso estudo ; « Une controverse sur le rôle social
de l ‘ Eglise » - la Querelle des biens ecclésiastiques au XVI ° siècle en Russie » CHEVETOGNE, BELGIQUE, 1956,( Extrait de la
Revue IRÉNIKON, 1955 e 1956).

Tendo acedido à autocefalia, a Igreja da Rússia desenvolveu no decorrer dos séc. XV e XVI , a sua
própria literatura religiosa ( vida de santos, textos litúrgicos). A iconográfia russa , fiel aos mestres
bizantinos, atingiu com ANDRÉ RUBLEV rara perfeição. Um grande Concílio , reunido em MOSCOU
em 1551(STOGLAV, « Concílio des 100 Chapitres »), introduziu na Igreja uma série de reformas
destinadas em lutar contra as seitas e infiltrações ocidentais na piedade e no pensamento religioso.
Grande número de santos foram canonizados. A « 3° ROMA »entendia assim honrar o título que ela
se tinha atribuido . Uma importante satisfação foi enfim concedida aos Russos, quando o patriarca
ecumênico JÉRÉMIE II visitou ele - esmo a Rússia e consagrou o I° patriarca de MOSCOU e de todas
as Rússias, JOB (1589). O novo patriarca recebeu apenas o 5° lugar na hierarquia de honra das sedes
orientais e até os nossos dias, ele apenas figura depois de CONSTANTINOPLA, ALEXANDRIA,
ANTIOCHE, JERUSALÉM.

A teoria da « 3°ROMA »ainda foi derrotada no pontificado do grande patriarca NIKON(1652 – 1658).


Desde a sua eleição, esse prelado ferozmente autoritário fixou um duplo objectivo a sua
atividade ;estabelecer a supremacia do poder espiritual sobre o poder temporal e reformar aIgreja
russa conforme os usos então admitidos nos 4 patriarcados ortodoxos do Oriente.A profundo
amizade que oferecia o TSAR ALEXIS – 2° dos ROMANOF - ao NIKON permitiu ao prelado alcançar o
seu primeiro objetivo ; o Impérador da Rússia tornou – se por aguns anos o filho obediente do
patriarca. NIKON faltou porém em paciência e delicadeza para ter como aproveitar – se muitoda
situação e o seu poder durou pouco. Quanto a segunda tarefa assumida pelo patriarca , ela provocou
o cisma de milhões d efiéis que tinham levada à sério a teoria da « 3° ROMA » : porque reformar
usos menores( sinal de Cruz com dois dedos, « aleluia » cantado 3X em vez de duas...) perguntavam –
se , quando os nosso pais foram salvos conformando - seneles ? Porque aceitar como critérios esses
gregos corrompidos que Deus castigou por causa de sua infidelidade ? Raciocino elementar, claro,
mas que nem faltava de certa lógica , ainda mais que as reformas tinham sido introduzidas com
violência e intolerância e que algumas medidas - por exemplo a obrigação par ao clero de usar
cabelos longos – não estavam em nada justificadas pela prática da antiga Igreja bizantina, mas
apenas por usos e costumes neo – gregos datando da ocupação turca. O patriarca acabou por ser
deposto e condenado(1660) ; um grande Concílio , reunido em MOSCOU enterinou porém as
reformas litúrgicas de NIKON (1666 – 1667) ; os patriarcas orientais até, dos quais ele tinhasido
protagonista, assistiram e confirmaram a sua deposição. Esses acontecimentos provocaram na Rússia
o cisma(RASKOL) dos « velhos crentes » que continuou vivente por séculos. (4).

(4). Sobre NIKON e o « RASKOL » ver a tese monumental de P. PASCAL ; AVVAKUM e o iício do RASKOL , Paris, 1938.

A pretenção de dominar o TSAR, expressada pelo patriarca NIKON assombrou o espírito do jovem
PIERRE LE GRAND que acabou por imitar a viveza do grande prelado numa direção oposta a dele ;
depois da morte do patriarca ADRIEN (1700), ele proibiu durante 21 anos a existência das eleições
patriarcais e , em 1721, publicou o seu famoso Regulamento espiritual , composto por THÉOPHANE
PROKOPOVITCH, bispo de PSKOV, que suprimia o patriarcado e colocava para encabeçar a Igreja um
orgão colegial, o Santo Sínodo, composto de bispos e de dois ou três sacerdotes. Conforme o
Regulamento , um procurador leigo, nomeado pelo Impérador, devia necessariamente assistir aos
debates ( sem ser formalmente membro do Sínodo) e encontrava – se de fato na cabeça do orgão
administrativo da Igreja.

Esse sistema inspirado pelo regime eclesiástico dos estados protestantes da Europe , não
considerava formalmente o Impérador como « chefe » da Igreja ( Os textos apenas lhe atribuiam o
título ambíguo de « Juiz superior do presente colègio » ! ),mas ele submetia a Igreja ao Estado de
um modo que nem BYZANCE nem a antiga RÚSSIA tinham jamais conhecido. Os patriarcas
ortodoxos de Oriente , chamados para reconhecer o novo regime, acabaram aceitando o novo
sistema depois que DOSITHÉE de JERUSALÉM ( do qual vimos acima o zélo para a ortodoxia,) havia
protestado sem resultado contra o conjunto das reformas de PIERRE LE GRAND .

Politicamente separadas de MOSCOU, as províncias que mais tarde constituirão a UKRAINE ( em


russo « UKRAINE » significa « CONFINS ») sofriam uma sorte totalmente diferente e, por momentos ,
trágica. Depois da eleição de JONAS ao trono de MOSCOU, ISIDORE conservava – ao menos
nominalmente – a sua autoridade sobre as diocéses que encontravam – se em território polonês e
lituânio. Ele demissionou em 1458 ; o seu sucessor foi designado em ROMA e consagrado pelo
patriarca uniate de CONSTANTINOPLA ( vivendo em ROMA) : Foi o GRÉGOIRE BOLGARIN que,
durante uns 10 anos, manteve a Igreja da UKRAINE em união com ROMA. Em 1470, porém, ele
voltava oficialmente para a ortodoxia e reconhecia a autoridade do patriarca ecumênico de
CONSTANTINOPLA ; esse último , depois de sua morte, em 1472, lhe designou um sucessor ortodoxo.

A partir dessa data, as diocéses russas de POLOGNE e de LITHUANIE viveram praticamente


independentes e sofreram constantemente a pressão dos reis católicos de POLOGNE. Essa pressão
exercia – se notadamente pelo intermédio de um « direito de patronato » que permitia ao rei e
alguns nobres nomear candidatos ao sacerdócio e ao episcopado e administrar certos bens da Igreja.
Quanto à oposição ao latinismo, ela era representada principalmente por confrerias de leigos
ortodoxos que conseguiam , as vezes, comprar o direito de patronato sobre as suas igrejas e publicar
obras defendendo a ortodoxia, subvencionar escolas ortodoxas. Foram incontestavelmente esses
leigos que , diante da apatia de um clero dependente do rei e corrompido, salvaram na UKRAINE a
fé ortodoxa.

Em 1596, o metropolita de KIEV, MICHEL RAGOZA, e a maioria dos bispos assinaram , em BREST –
LITOVSK, uma ata de união com ROMA : Ali está a origem da Igreja « UNIATA » da UKRAINE. A
maioria dos legos permaneceu porém ortodoxa, agrupada em torno de dois bispos e de um exarca
do patriarcado ecumênico, o arquidiácono NICÉPHORE. Na morte dos dois únicos bispos ortodoxos
(1607 – 1610), os fiéis permaneceram 10 anos sem pastor , governados pelo episcopado uniate que
o rei de POLOGNE estava lhes impondo . Em 1620, porém, THÉOPHANE , patriarca de JERUSALÉM,
visitava KIEV e restaurava ali uma hierarquia ortodoxa. Finalmente, depois da morte do rei
SIGISMOND III (1633), a existência de uma Igreja ortodoxa foi novamente legalizada na POLOGNE .

Esses acontecimentos , as condições nas quais a união foi imposta, os excessos de todo tipo,
avivaram por séculos um ódio feroz dos ortodoxos para a autoridade romana que, nessas regiões,
identificava - se de fato com o rei de POLOGNE.
Vivenso em condições difíceis, a Igreja ortodoxa foi governada por alguns prelados eminentes,
notadamente o metropolita PIERRE MOGHILA (1632 – 1647). Célebre por causa de sua « Confession »
da qual já falamos mais acima, MOGHILA criou em KIEV uma escola, onde o ensino era amplamente
inspirado nos metodos latinos ; ele reformou a liturgia e a administração , procurando combater
assim a inferioridade da qual sofriam os ortodoxos face aos latinos.

Em 1686, enfim, depois das triunfos russos sobre a POLOGNE, a UKRAINE foi anexada ao Império
moscovita e a metropole de KIEV foi religada ao patriarcado de Moscou com o acordo formal do
patriarca de CONSTANTINOPLA. Numerosos teólogos de KIEV transportaram – seaté MOSCOU e
PIERRE le GRAND encontrou no meio deles colaboradores preciosos nas suas reformas pro –
ocidentais . Eles trouxeram os metodos latinos de ensino e de pensamento que exerceram uma
influência duradoura sobre a teólogia russa.

Quanto aos uniatas , uma grande parte deles voltou para a ortodoxia depois das partilhas de
POLOGNE (3 bispos e numerososo fiéis, em 1839, a POLOTZK). A maioria da Igreja deles , na GALICIE,
sob autoridade austriáca, depois sob a soberania polonesa, permaneceu fiel a ROMA até 1946.
Temos que temer que o retorno dessa infeliz Igreja à ortodoxia passou – se em condições muito
semelhantes as que outrora presidiram a sua união com ROMA...

O periódo « Sinodal » da história da Igreja russa (1721 – 1917) não tem muito boa pressa hoje e ele é
freqüentemente citado como um exemplo clássico de servidão da Igreja para com o Estado. De fato,
porém, a vida religiosa da Rússia durante esse periódo foi a tal ponto intensa e, em muitos pontos,
criadora, que todo julgamento sumário sobre um sistema bastante artificial, cujos próprios
contemporanéos reconheciam o carácter anticanónico e que eles sofreram sem realmente o aceitar,
seria certamente inexato. O aparelho de Estado que abraçou a Igreja como dentro de um cerco
(pinça ?), deixou intacta a consciência que a Igreja tinha de Ela – mesma ; ele freiou certas
atividades, criou situações de fato lamentáveis – por exemplo, o clero casto – mas nem corrompeu
na profundidade a vida eclesial.

Nós vamos dar uma parada aqui para examinarmos brevemente 3 aspectos da vida religiosa russa
dessa época ; a vida espiritual, a instrução e as missões.

O Oriente cristão sempre alimentou um particular respeito para a vida monástica ; os mosteiros em
BYZANCE, foram os centros reconhecidos da vida espiritual. Nesse ponto, os Russos foram os
discípulos dos Gregos.Durante a época sinodal , a fidelidade deles ao ideal monástico foi
particularmente importante para o destino espiritual da Igreja russa , na medida em que Ela servia
de contra – peso à estatização do aparelho administrativo da Igreja. Foi nos mosteiros que
apareceram os maiores santos russos desse tempo.

Já no séc. XVIII, um bispo de VORONÈJE, S. TYKHON ( 1724 – 1783), retirava – se, durante os 16
últimos anos de sua vida no mosteiro de ZADONSK e consagrava - se à vida contemplativa e à
redação de obras espirituais. DOSTOÏEVSKY inspirou – se dele para criar a personagem do mesmo
nome dentro da sua obra « LES POSSÉDÉS ». Ele adquiriu um nome famoso como mestre espiritual.
Permissivo à influência da compaixão alemã, TYKHON foi o proféta de uma renúncia completa aos
valores mundanos ; o excesso mesmo de sua doutrina, neste ponto, ilustra bastante bem a reação
de muitos cristãos russos dessa época diante do secularismo arrogante das reformas de PIERRE le
GRAND. O abismo entre as novas realidades políticas e as tradições espirituais apenas começou a
ser cumulado com o renascimento intelectual e espiritual da Rússia no séc. XIX .

A grande tradição de espiritualidade patrística reapareceu com a tradução eslava , por PAÏSIJ
VELICHKOVSKIJ - um atónito que fundou o mosteiro de NEAMT na MOLDAVIE – da PHILOCALIE de
NICODÈME ( S. PETERSBOURG, 1793). A partir dessa época, os Russos possuiram , na sua própria
língua , uma coleção de textos essênciais sobre a oração , a ascése e a mística dos Santos Padres.
Logo, no mosteiro de SAROV, apareceu o maior dos santos ortodoxos modernos, SERAFIM, e os
« STARTSI » de OPTINA tornaram - se os direitores de consciência da elite espiritual russa. GOGOL,
DOSTOÏEVSKY, VLADIMIR SOLOVIEV, ALEXIS KHOMIAKOV procuraram então na Igreja e na tradição
espiritual da ortodoxia o critério final de sua inspiração.(5).

(5).Para o conjunto desse movimento , ver particularmente E : BERH – SIGEL, «  Pière et sainteté en Russie », Paris , Ed.
CERF, 1950 ; I. KOLOGRIVOF, « Essai sur la sainteté en Russie » Bruges , Belgique, Ed. BEYNAERT, 1953 ; V. ZENKOVSKY,
« Histoire de la philosophie russe », Paris, France, GALLIMARD, 2 vol. 1957 – 1958.

Ás vésperas da Revolução, a conversão de iminentes intelectuais marxistas (STRUVE, FRANCK,


BOULGAKOV, BERDAIEV), selava a reconciliação entre o Espírito e a Materia sob a soberania de
Cristo ; essa reconciliação realizada no plano intelectual, não era suficiente porém para o curso dos
acontecimentos que , por demais elementos sociais e económicos tinham preparados havia muito.

Se o conjunto desses movimentos espirituais acontecia um pouco à margem do aparelho


administrativo do Santo Sinodo – as reformas de PIERRE le GRAND tendo fracionado a sociedade
russa por um sistema de castas fechadas sobre elas – mesmas ( Nobreza,clero, agricultores) - , a
Igreja oficial contribuiu porém à vida intelectual do pais, particularmente criando um sistema de
instrução que, no séc. XIX , atingia um nível notóriamente elevado.

Foi no fim do séc. XVII que uma « ACADEMIA » foi criada em MOSCOU ; esse termo tornou –se
tradicional na Rússia para designar uma Escola superior de teólogia ou « GRANDE SEMINÁRIO ».
Apesar das suspições que lhes eram endereçadas, foram os teólogos latinizantes de KIEV, alunos de
PIERRE MOGHILA, que criaram programas e métodos da nova escola. Durante todo o séc. XVIII, os
futuros cleros da Igreja russa estudaram em latim e em manuais redigidos conforme os métodos
da escolástica latina. O sistema apenas foi modificado em 1808, mas alguns elementos
permaneceram até 1867 e a sua influência foi duradoura. Estrangeiras aos métodos ortodoxos, elas
produziram efeitos tangíveis sobre o plano puramente escolar , particularmente depois da criação,
ao lado da Académia de MOSCOU, de 3 outras académias ( S. PETERSBOURG, 1809 ; KIEV, 1819 ;
KAZAN, 1842. ). Os estudantes foram recrutados no meio dos melhores alunos dos seminários que,
no decorrer de séc. XIX, foram criados na maioria das diocéses. Em 1914, a Igreja russa contava
assim 58 seminários com 20. 500 alunos, cuja uma parte somente recebia a ordenação : a maioria
dos outros entravam no ensino como leigo, a Igreja controlando igualmente uma parte do ensino
primário e fornecendo os professores de religião nos estabelecimentos seculares de ensino. Ao todo,
40.500 escolas de todo tipo dependiam da Igreja em 1914.(6).

(6) « Documentation française » , n° 1931, 9 –X-1954, «  Le problème religieux en U.R.S.S. », II,p. 5.

Ultrapasssando progressivamente os defeitos do sistema instaurado no séc. XVIII, as escolas


eclesiásticas produziram nos séc. XIX e XX um número apreciável de teólogos, de historiadores, e de
liturgistas , cujos trabalhos - infelizmente pouco usados no Ocidente, onde apenas um número
infímo de « slavizantes » conseguem ler o russo – fazem até hoje autoridade em numerosos
domínios.

No domínio da patrística, particularmente, uma atenção privilegiada foi concedida à tradução dos
textos ; no meio das línguas européias , o russo é a língua na qual maior número de textos
patrísticos foram traduzidos. (7)

(7).Ver , C. KERN, «  les traductions russes des textes patristiques, guide bibliographique «  Chevetogne, Belgique, 1956.

Assim, a Igreja da Rússia representava , em 1914, uma força imponente de quase 100.000.000 de
fiéis, divididos em 67 diocéses(8) ;

(8).Desde a Idade Média e na época na qual a Rússia formava apenas uma metropole missionária do patriarcado de CONSTANTINOPLA, o
número das diocéses era tradicionalmente bem reduzido.

Os 67 bispos atitrados recebiam ajuda em suas tarefas de 82 bispos auxiliáres, 50. 105 sacerdores,
15. 210 diaconos, 21. 330 monges e 73. 299 monjas. O número dos mosteiros de homens elevava –
se aos 1.025, e dos conventos femininos até 473.(9)

(9). N. ZERNOV, «  The Russian and their Church », LONDRES, 1945, p. 143 ; PAMJATNAJA KNISHA ( ANNUAIRE DU
GOUVERNEMENT- Anuário do governo), 1916, p. 466-472. Cfr. J. S. CURTISS « The Russian Church and The Soviet state » »
BOSTON, 1933, p. 9 – 10 ( citando as cifras oficiais de 1014).

No período « sinodal », a Igreja russa continua por outra parte a sua expansão missionária na
direção do Este. Vimos que na época mongol, missionários russos tinham começado a evangelização
de alguns povos da Rússia de Europa. Os progressos continuaram nos séc. XV e XVI, favorecidos pela
tomada de KAZAN (1552), e d’ ASTRAKAN (1556) e pela conquista progressiva da SIBÉRIE. A
actividade missionária de vários arcebispos de KAZAN ( S. GURIJ, S. BARSANUPHE, S. GERMAIN)
estabeleceu desde o séc. XVI, um sólido núcleo de TÁRTAROS cristãos em volta dessa cidade.
PHILOTHÉE, metropolita de TOBOLSK (1702 – 1727) , enviou missionários até o KAMTCHATKA
(1705) e até YAKUTSK, na SIBÉRIE oriental (1724). O primeiro , ele estabeleceu a sua actividade
missionária fora das fronteiras do Império russo e enviou uma missão na CHINE (1714), onde nos
arredores de PEKIN existia desde 1689 presos russos sinistrados. No fim do séc. XVIII, monges do
mosteiro de VALAMO , sobre o Lago LADOGA, foram estabelecer – se no ALASKA, então possessão
russa, e ali fundaram uma Igreja de língua local (ALÉOUTIENNE ?)

No séc. XIX, o arquimandrite MACAIRE , conhecedor do hebraïco e um dos melhores tradutor da


Bíblia em língua russa, estabeleceu em 1830 a missão de ALTAÏ, na SIBÉRIE Ocidental, traduzindo a
Escritura e a liturgia em diversas línguas de dialectos da região. Em 1903 , 25.000 indígenos da
região eram cristãos e tinham a liturgia completa na própria língua. A SIBÉRIE oriental conheceu ela
também o seu apóstolo na pessoa de João VENIAMINOV que , no início como sacerdote (1824 –
1868) trabalhou incansavelmente , com um grupo de colaboradores , à conversão dos ESQUIMAUX
e dos INDÍOS do ALASKA, das Ilhas ALÉOUTIENNES e das Ilhas KOURILES, dos YAKOUTES da SIBÉRIE.
Em 1868, ele foi nomeado metropolita de MOSCOU e criou na capital uma « Sociedade Ortodoxa
Missionária » que centralizou as actividades da Igreja russa que, em 30 anos de actividade, poderá
felicitar – se da conversão de 124.204 pagões ao Evangelho.
O conjunto das actividades missionárias da Igreja russa pegou uma virada nova, no meio do séc. XIX,
com a aparição , na Academia de KAZAN, de um verdadeiro centro de estudos missionários . O chefe
e alma desse centro foi um professor leigo, N. I. ILMINSKY, notório linguista, conhecendo à perfeição
juntamente as línguas bíblicas ( Hebréu , grego...), o árabe e as diversas línguas da Ásia central. Para
fazer face aos rápidos progressos do ISLAM no meio dos povoados tártaros, ILMINSKY e seu grupo
tomaram a iniciativa de traduzir os textos bíblicos e litúrgicos , não mais numa língua literária,
pouco entendida pelas massas, mas sim em diversos dialectos falados. Foi assim que uma verdadeira
biblioteca ortodoxa foi criada para o uso dos Tártaros, Yakoutes, Bouriates, Toungouzes, Votiaques,
Mordves, Tchérémisses, dos Ostiaks – Samoyèdes e dos Kirghizes. Em 1903, na única região do
KAZAN, a liturgia de S. J. Chrisóstomo era celebrada em mais de 20 línguas . Em 1809, a diocése de
SAMARA contava 128 membros do clero e nesse número haviam 47 sacerdotes, 12 diáconos e 20
leitores de origem Tchouvache.

No exterior das fronteiras da Rússia, a missão do Japão foi, de longe, a mais célebre. Ela ainda está
em função hoje como o veremos daqui há pouco.(10)

(10). Á respeito das missões ortodoxas, na Ásia, ver particularmente as obras monumentais de J. GLAZIK, « Die Russich –
Orthodoxe Heide mission seit Peter der Grossen » Münster – Westfalen, 1954 ; « Die Aslammission der Russich –
orthodoxen Kirche »Münster – Westfalen, 1959, que oferecem abundante bibliográfia russa. Cfr. Também, E. SMIRNOFF,
« Russian Orthodox Missions », LONDRES, 1903, e S. BOLSHAKOFF, «  The Foreign Mission of The Russian orthodox
Church », LONDRES, 1943.

A actividade das missões ortodoxas na ÁSIA, do séc. XV até o séc. XIX, seguiu o exemplo - mas com
notórias excessões particularmente no JAPÃO – da expansão colonial da Rússia. Foi aliás o caso
igualmente para as missões ocidentais , protestantes e católicas, na ÁFRICA e na ÁSIA, que
coinicidiram com a posse colonial dos paises européios sobre essas regiões. O sucesso das missões
ortodoxas, particularmente face ao ISLAM, foi porém facilitado pela tradição bizantina de traduzir a
liturgia nas diversas línguas faladas e por certa habilidade dos Russos em integrar – se na vida dos
paises conquistados.

Em todo caso, a história dessas missões é suficiente para destruir concepções erronéas a respeito do
periódo « sinodal » da Igreja russa : exteriormente integrada no aparelho do Estado, a Igreja
produziu , neste periódo, santos e apóstolos que são as melhores testemunhas da espantosa
vitalidade do cristianismo russo.

Fim desse cap. P. 97.

Você também pode gostar