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J. MEYENDORFF.
P. 85 até 97.
A Igreja da Rússia .
Pelo batismo, o principado de KIEV entrou francamente no conjunto dos Estados civilizados europeus
e ocupou logo um dos seus1° lugares. IAROSLAV, filho de VLADIMIR (1036 até 1054) edificou na sua
capital uma catedral dedicada a S . SOPHIE , a Sabedoria divina, e decorada pelos melhores artistas
de CONSTANTINOPLA. Ele casou as suas filhas com os principais soberanos de Europa ; assim ANNE
da Rússia se tornou rainha da França... Os destinos europeus da Rússia foram porém bruscamente
interrompidos pela invasão dos MONGOIS ( 1240) que isolaram os Rússos da Europa por muitos
séculos. A História então nem poupou das provações o mundo ortodoxo cujo desenvolvimento
órganico , desde os tempos dos Concílios ecumênicos até os nossos dias , foi constantemente
interrompido por cataclismos ; sucessivamente , as inavasões árabe, mongol, turca colocavam um
fim abrupto à vida dos centros espirituais tal como ALEXANDRIE, ANTIOCHE, KIEV e
CONSTANTINOPLA...
Á nível eclesiástico , a metropole de KIEV, edificada sob VLADIMIR, dependeu até o séc. XV do
patriarcado de CONSTANTINOPLA. Com algumas excessões no caso, os metropolitas de KIEV foram
Gregos vindo de BYZANCE, o resto do episcopado e do clero foi escolhido no país . O patriarcado
ecumênico considerava a Rússia como uma única e imensa diocese missionária , fortemente
centralizada. Esse sistema criou uma tradição cânonica e administrativa que fazia da metropole de
KIEV – e depois do metropolita de MOSCOU – o único chefe da Igreja russa, os outros bispos sendo
estreitamente submetidos à sua autoridade ; os patriarcados orientais ou balcânicos , divididos em
metropoles conformemente aos cânones dos antigos Concílios, nunca conheceram tal autocracia
patriarcal.O sistema russo apresentava porém certas vantagens na medida em que eles permitiam
ao metropolita de KIEV , nomeado por CONSTANTINOPLA e independente das contingências locais ,
ser árbitro supremo no país.
Os MONGOIS , tolerantes em matéria religiosa, deixavam à Igreja todos os privilégios dos quais Ela
usufruía no antigo império de KIEV. Apenas o arbitrário de alguns Khans, que exigiam dos príncipes
a realização de ritos pagões a quando da investidura na HORDE D’ OR ( perto do ASTRAKHAN), levou
Russos ao mártirio ; assim , S. MICHEL de TCHERNIGOV, o seu amigo THÉODORE, S. ROMAIN de
RIAZAN foram condenados à morte por ter recusado realizar esses ritos. Porém, foram esses casos,
isolados e a tolerância dos Mongois era geralmente reconhecida e apreciada. Foi assim que um
grande príncipe de NOVGOROD – única região que os Mongois não tinham atingido - S. ALEXANDRE
NEVSKY pôde ao mesmo tempo buscar aliânça com o Khan , o que não atingia às suas convicções
religiosas e combater ferozmente os invasores vindo do Ocidente, cujo objectivo era a submissão
dos « cismáticos ». Foi assim que ele venceu sucessivamente os Cruzados suecos (1240) e os
Cavalheiros teutônicos (1242). Assim o espírito da Cruzada occidental levava os Russos , depois dos
Bizantinos , a preferir o jugo asiático ao imperialismo da cristandade romana.
Quanto a ela, a Igreja ortodoxa podia continuar organizando – se . Ela conheceu até notórios
sucessos missionários ; os exemplos de conversões dos Mongois ao cristianismo são numerosos e ,
em 1261, uma sede episcopal foi estabelecida em SARAÏ, capital de HORDE D’ OR . Mosteiros
missionários - VALAMO e KONEV sobre o Lago LADOGA, SOLOVSKI sobre o mar BLANCHE –
começavam , por sua vez , a evangelização das tribus da FINLANDE do Norte. Enfim , no séc. XIV ,
um missionário particularmente importante, S. ÉTIENNE de PERM, traduziu a Escritura e a liturgia do
grego - que ele conhecia bem – para a língua « ZYRIANE »( ?).
Herdeira espiritual de BYZANCE, a Igreja russa não podia evitar conceder ao monaquismo o papel
que lhe era reservado em todo o Oriente cristão. Desde às origens da cristandade na Rússia, S.
THÉODOSE criou o celebre mosteiro das CRYPTES em KIEV ; as inumeráveis filiais da « LAVRA das
CRYPTES »foram o lar espiritual das partes meridionais e occidentais da Rússia que, mais tarde,
receberam o nome de « UKRAINE ». No norte, S. SERGE de RADONÈGE, no meio do séc. XIV, criou a
« LAVRA da SANTÍSSIMA TRINDADE »( Hoje ZAGORSK ). Os seus discípulos migraram para a floresta
do Norte. (1).Missionários, construtores, colonizadores,letrados, os monges ocupavam um lugar
eminente na vida religosa desse tempo.
(1).Ver em P. KOVALEVSKY, « Saint Serge et la spiritualité russe », collection « Maîtres sprirituels », 16, ed. SEUIL, Paris ,
1957.
A cidade de KIEV, antiga e prestigiosa capital da Rússia, foi saqueada , várias vezes , pelos Mongois.
Reduzida ao estado de aldeia destruida, ela cessou de abrigar o metropolita. A sede primacial ,
depois de uma breve temporada em VLADIMIR, foi tranferida para MOSCOU sob o metropolita
PIERRE( 1308 - 1326). Isso foi um acontecimento de porte histórico que designava MOSCOU,
principado até ali desconhecido, como a nova capital. Tendências separatistas manifestaram- se
imediatamente no SUL e no OUEST ; os príncipes dessas regiões , submetidos á suserania do rei de
POLOGNE e do Grande Príncipe de LITHUANIE , exigiram e obtiveram a final e definitivamente a
causa no séc. XV , quando MOSCOU tornou – se « autocéfala » (2) em relação à BYZANCE.
(2).No direito canónico ortodoxo, o termo « autocefalia » , designa o direito para um grupo de dioceses de eleger o seu
primaz. Os limites das autocefalias correspondem no mais freqüente, mas nem sempre, com as fronteiras dos Estados.
No plano psicólogico desses acontecimentos, pode se discernir , a partir do séc. XV, uma profunda
desconfiança dos Russos em relação à ortodoxia dos gregos ; esses últimos não tinham mesmo
traído a verdadeira fé em FLORENCE e não tinham sido eles punidos por Deus que entregou
BYZANCE aos Turcos? Doravante, MOSCOU se tornava a « 3° ROMA » : a « Antiga » Roma era
herética, a « NOVA » jazia debaixo do jugo dos Turcos, a « 3° ROMA » era a única a estar de pé. A
ideia teocrática de um Império cristão universal encontrou assim em MOSCOU o seu último refúgio ;
logo os grandes príncipes pegarão o título de « TSAR » (variação eslava de CÉSAR ) e se considerarão
como os sucessores legítimos dos soberanos de BYZANCE. No plano puramente eclesiástico, essa
teoria não foi porém levada até o seu termo lógico ; o trono de MOSCOU , apesar do seu poder e
riqueza, nem pretendeu jamais, formalmente, suplantar a primazia ecumênica de
CONSTANTINOPLA. Sempre teve na Rússia homens para raciocinar de um modo ao mesmo tempo
mais humilde , mais sádio e menos romântico que os partidários da 3° ROMA.
Assim, ao longo do séc. XVI, violentas controvérsias aconteceram no meio do clero e na sociedade
russa inteira, entre dois partidos que encarravam de modo muito diferente o futuro religoso da
Rússia. Uns , encabeçados pelo cientista abade JOSEPH de VOLOCK, colocavam toda a sua fé nesse
novo império moscovita : partidários de uma aliânça estreita da Igreja com o Estado, ao modo
bizantino, eles exigiam de volta que o Estado deixe para a Igreja e para os mosteiros os imensos
territórios que eles possuiam e dos quais eles usavam para benevolência, instrução e atividade
social ; eles acreditavam na necessidade de edificar , desde a terra, « Uma Cidade de Deus » cujo
MOSCOU seria o centro. Outros , - tendo por defensor um severo asceta da floresta do Norte, NIL
SORSKIJ - pregavam ao contrário a pobreza monástica, a independência em relação ao Estado e a
fidelidade canônica a CONSTANTINOPLA ; eles entendiam que uma Igreja rica e « naturalizada » seria
mais controlável pelo Estado. A Igreja, finalmente, reconheceu uma parte de verdade aos dois
protagonistas : JOSEPH e NIL foram os dois canonizados. O partido de JOSEPH recebeu no séc. XVI,
porém, uma aparente vitória ; a Igreja guardou as suas propriedades e aliava – se ao Estado
moscovita. Quanto à História, ela deu razão ao NIL numa ampla medida ; a Idade Média bizantina
estava bem terminada no séc. XVI e o desenvolvimento ulterior do Império russo no sentido de um
estado secularizado moderno, que no séc. XVIII infeodou completamente a Igreja e confiscou os seus
bens, justificou, a posteriori, as desconfianças de NIL e partidários.(3).
(3).A respeito das controvérsias do séc. XVI e suas conseqüências, ver o nosso estudo ; « Une controverse sur le rôle social
de l ‘ Eglise » - la Querelle des biens ecclésiastiques au XVI ° siècle en Russie » CHEVETOGNE, BELGIQUE, 1956,( Extrait de la
Revue IRÉNIKON, 1955 e 1956).
Tendo acedido à autocefalia, a Igreja da Rússia desenvolveu no decorrer dos séc. XV e XVI , a sua
própria literatura religiosa ( vida de santos, textos litúrgicos). A iconográfia russa , fiel aos mestres
bizantinos, atingiu com ANDRÉ RUBLEV rara perfeição. Um grande Concílio , reunido em MOSCOU
em 1551(STOGLAV, « Concílio des 100 Chapitres »), introduziu na Igreja uma série de reformas
destinadas em lutar contra as seitas e infiltrações ocidentais na piedade e no pensamento religioso.
Grande número de santos foram canonizados. A « 3° ROMA »entendia assim honrar o título que ela
se tinha atribuido . Uma importante satisfação foi enfim concedida aos Russos, quando o patriarca
ecumênico JÉRÉMIE II visitou ele - esmo a Rússia e consagrou o I° patriarca de MOSCOU e de todas
as Rússias, JOB (1589). O novo patriarca recebeu apenas o 5° lugar na hierarquia de honra das sedes
orientais e até os nossos dias, ele apenas figura depois de CONSTANTINOPLA, ALEXANDRIA,
ANTIOCHE, JERUSALÉM.
(4). Sobre NIKON e o « RASKOL » ver a tese monumental de P. PASCAL ; AVVAKUM e o iício do RASKOL , Paris, 1938.
A pretenção de dominar o TSAR, expressada pelo patriarca NIKON assombrou o espírito do jovem
PIERRE LE GRAND que acabou por imitar a viveza do grande prelado numa direção oposta a dele ;
depois da morte do patriarca ADRIEN (1700), ele proibiu durante 21 anos a existência das eleições
patriarcais e , em 1721, publicou o seu famoso Regulamento espiritual , composto por THÉOPHANE
PROKOPOVITCH, bispo de PSKOV, que suprimia o patriarcado e colocava para encabeçar a Igreja um
orgão colegial, o Santo Sínodo, composto de bispos e de dois ou três sacerdotes. Conforme o
Regulamento , um procurador leigo, nomeado pelo Impérador, devia necessariamente assistir aos
debates ( sem ser formalmente membro do Sínodo) e encontrava – se de fato na cabeça do orgão
administrativo da Igreja.
Esse sistema inspirado pelo regime eclesiástico dos estados protestantes da Europe , não
considerava formalmente o Impérador como « chefe » da Igreja ( Os textos apenas lhe atribuiam o
título ambíguo de « Juiz superior do presente colègio » ! ),mas ele submetia a Igreja ao Estado de
um modo que nem BYZANCE nem a antiga RÚSSIA tinham jamais conhecido. Os patriarcas
ortodoxos de Oriente , chamados para reconhecer o novo regime, acabaram aceitando o novo
sistema depois que DOSITHÉE de JERUSALÉM ( do qual vimos acima o zélo para a ortodoxia,) havia
protestado sem resultado contra o conjunto das reformas de PIERRE LE GRAND .
Em 1596, o metropolita de KIEV, MICHEL RAGOZA, e a maioria dos bispos assinaram , em BREST –
LITOVSK, uma ata de união com ROMA : Ali está a origem da Igreja « UNIATA » da UKRAINE. A
maioria dos legos permaneceu porém ortodoxa, agrupada em torno de dois bispos e de um exarca
do patriarcado ecumênico, o arquidiácono NICÉPHORE. Na morte dos dois únicos bispos ortodoxos
(1607 – 1610), os fiéis permaneceram 10 anos sem pastor , governados pelo episcopado uniate que
o rei de POLOGNE estava lhes impondo . Em 1620, porém, THÉOPHANE , patriarca de JERUSALÉM,
visitava KIEV e restaurava ali uma hierarquia ortodoxa. Finalmente, depois da morte do rei
SIGISMOND III (1633), a existência de uma Igreja ortodoxa foi novamente legalizada na POLOGNE .
Esses acontecimentos , as condições nas quais a união foi imposta, os excessos de todo tipo,
avivaram por séculos um ódio feroz dos ortodoxos para a autoridade romana que, nessas regiões,
identificava - se de fato com o rei de POLOGNE.
Vivenso em condições difíceis, a Igreja ortodoxa foi governada por alguns prelados eminentes,
notadamente o metropolita PIERRE MOGHILA (1632 – 1647). Célebre por causa de sua « Confession »
da qual já falamos mais acima, MOGHILA criou em KIEV uma escola, onde o ensino era amplamente
inspirado nos metodos latinos ; ele reformou a liturgia e a administração , procurando combater
assim a inferioridade da qual sofriam os ortodoxos face aos latinos.
Em 1686, enfim, depois das triunfos russos sobre a POLOGNE, a UKRAINE foi anexada ao Império
moscovita e a metropole de KIEV foi religada ao patriarcado de Moscou com o acordo formal do
patriarca de CONSTANTINOPLA. Numerosos teólogos de KIEV transportaram – seaté MOSCOU e
PIERRE le GRAND encontrou no meio deles colaboradores preciosos nas suas reformas pro –
ocidentais . Eles trouxeram os metodos latinos de ensino e de pensamento que exerceram uma
influência duradoura sobre a teólogia russa.
Quanto aos uniatas , uma grande parte deles voltou para a ortodoxia depois das partilhas de
POLOGNE (3 bispos e numerososo fiéis, em 1839, a POLOTZK). A maioria da Igreja deles , na GALICIE,
sob autoridade austriáca, depois sob a soberania polonesa, permaneceu fiel a ROMA até 1946.
Temos que temer que o retorno dessa infeliz Igreja à ortodoxia passou – se em condições muito
semelhantes as que outrora presidiram a sua união com ROMA...
O periódo « Sinodal » da história da Igreja russa (1721 – 1917) não tem muito boa pressa hoje e ele é
freqüentemente citado como um exemplo clássico de servidão da Igreja para com o Estado. De fato,
porém, a vida religiosa da Rússia durante esse periódo foi a tal ponto intensa e, em muitos pontos,
criadora, que todo julgamento sumário sobre um sistema bastante artificial, cujos próprios
contemporanéos reconheciam o carácter anticanónico e que eles sofreram sem realmente o aceitar,
seria certamente inexato. O aparelho de Estado que abraçou a Igreja como dentro de um cerco
(pinça ?), deixou intacta a consciência que a Igreja tinha de Ela – mesma ; ele freiou certas
atividades, criou situações de fato lamentáveis – por exemplo, o clero casto – mas nem corrompeu
na profundidade a vida eclesial.
Nós vamos dar uma parada aqui para examinarmos brevemente 3 aspectos da vida religiosa russa
dessa época ; a vida espiritual, a instrução e as missões.
O Oriente cristão sempre alimentou um particular respeito para a vida monástica ; os mosteiros em
BYZANCE, foram os centros reconhecidos da vida espiritual. Nesse ponto, os Russos foram os
discípulos dos Gregos.Durante a época sinodal , a fidelidade deles ao ideal monástico foi
particularmente importante para o destino espiritual da Igreja russa , na medida em que Ela servia
de contra – peso à estatização do aparelho administrativo da Igreja. Foi nos mosteiros que
apareceram os maiores santos russos desse tempo.
Já no séc. XVIII, um bispo de VORONÈJE, S. TYKHON ( 1724 – 1783), retirava – se, durante os 16
últimos anos de sua vida no mosteiro de ZADONSK e consagrava - se à vida contemplativa e à
redação de obras espirituais. DOSTOÏEVSKY inspirou – se dele para criar a personagem do mesmo
nome dentro da sua obra « LES POSSÉDÉS ». Ele adquiriu um nome famoso como mestre espiritual.
Permissivo à influência da compaixão alemã, TYKHON foi o proféta de uma renúncia completa aos
valores mundanos ; o excesso mesmo de sua doutrina, neste ponto, ilustra bastante bem a reação
de muitos cristãos russos dessa época diante do secularismo arrogante das reformas de PIERRE le
GRAND. O abismo entre as novas realidades políticas e as tradições espirituais apenas começou a
ser cumulado com o renascimento intelectual e espiritual da Rússia no séc. XIX .
A grande tradição de espiritualidade patrística reapareceu com a tradução eslava , por PAÏSIJ
VELICHKOVSKIJ - um atónito que fundou o mosteiro de NEAMT na MOLDAVIE – da PHILOCALIE de
NICODÈME ( S. PETERSBOURG, 1793). A partir dessa época, os Russos possuiram , na sua própria
língua , uma coleção de textos essênciais sobre a oração , a ascése e a mística dos Santos Padres.
Logo, no mosteiro de SAROV, apareceu o maior dos santos ortodoxos modernos, SERAFIM, e os
« STARTSI » de OPTINA tornaram - se os direitores de consciência da elite espiritual russa. GOGOL,
DOSTOÏEVSKY, VLADIMIR SOLOVIEV, ALEXIS KHOMIAKOV procuraram então na Igreja e na tradição
espiritual da ortodoxia o critério final de sua inspiração.(5).
(5).Para o conjunto desse movimento , ver particularmente E : BERH – SIGEL, « Pière et sainteté en Russie », Paris , Ed.
CERF, 1950 ; I. KOLOGRIVOF, « Essai sur la sainteté en Russie » Bruges , Belgique, Ed. BEYNAERT, 1953 ; V. ZENKOVSKY,
« Histoire de la philosophie russe », Paris, France, GALLIMARD, 2 vol. 1957 – 1958.
Foi no fim do séc. XVII que uma « ACADEMIA » foi criada em MOSCOU ; esse termo tornou –se
tradicional na Rússia para designar uma Escola superior de teólogia ou « GRANDE SEMINÁRIO ».
Apesar das suspições que lhes eram endereçadas, foram os teólogos latinizantes de KIEV, alunos de
PIERRE MOGHILA, que criaram programas e métodos da nova escola. Durante todo o séc. XVIII, os
futuros cleros da Igreja russa estudaram em latim e em manuais redigidos conforme os métodos
da escolástica latina. O sistema apenas foi modificado em 1808, mas alguns elementos
permaneceram até 1867 e a sua influência foi duradoura. Estrangeiras aos métodos ortodoxos, elas
produziram efeitos tangíveis sobre o plano puramente escolar , particularmente depois da criação,
ao lado da Académia de MOSCOU, de 3 outras académias ( S. PETERSBOURG, 1809 ; KIEV, 1819 ;
KAZAN, 1842. ). Os estudantes foram recrutados no meio dos melhores alunos dos seminários que,
no decorrer de séc. XIX, foram criados na maioria das diocéses. Em 1914, a Igreja russa contava
assim 58 seminários com 20. 500 alunos, cuja uma parte somente recebia a ordenação : a maioria
dos outros entravam no ensino como leigo, a Igreja controlando igualmente uma parte do ensino
primário e fornecendo os professores de religião nos estabelecimentos seculares de ensino. Ao todo,
40.500 escolas de todo tipo dependiam da Igreja em 1914.(6).
No domínio da patrística, particularmente, uma atenção privilegiada foi concedida à tradução dos
textos ; no meio das línguas européias , o russo é a língua na qual maior número de textos
patrísticos foram traduzidos. (7)
(7).Ver , C. KERN, « les traductions russes des textes patristiques, guide bibliographique « Chevetogne, Belgique, 1956.
Assim, a Igreja da Rússia representava , em 1914, uma força imponente de quase 100.000.000 de
fiéis, divididos em 67 diocéses(8) ;
(8).Desde a Idade Média e na época na qual a Rússia formava apenas uma metropole missionária do patriarcado de CONSTANTINOPLA, o
número das diocéses era tradicionalmente bem reduzido.
Os 67 bispos atitrados recebiam ajuda em suas tarefas de 82 bispos auxiliáres, 50. 105 sacerdores,
15. 210 diaconos, 21. 330 monges e 73. 299 monjas. O número dos mosteiros de homens elevava –
se aos 1.025, e dos conventos femininos até 473.(9)
(9). N. ZERNOV, « The Russian and their Church », LONDRES, 1945, p. 143 ; PAMJATNAJA KNISHA ( ANNUAIRE DU
GOUVERNEMENT- Anuário do governo), 1916, p. 466-472. Cfr. J. S. CURTISS « The Russian Church and The Soviet state » »
BOSTON, 1933, p. 9 – 10 ( citando as cifras oficiais de 1014).
No período « sinodal », a Igreja russa continua por outra parte a sua expansão missionária na
direção do Este. Vimos que na época mongol, missionários russos tinham começado a evangelização
de alguns povos da Rússia de Europa. Os progressos continuaram nos séc. XV e XVI, favorecidos pela
tomada de KAZAN (1552), e d’ ASTRAKAN (1556) e pela conquista progressiva da SIBÉRIE. A
actividade missionária de vários arcebispos de KAZAN ( S. GURIJ, S. BARSANUPHE, S. GERMAIN)
estabeleceu desde o séc. XVI, um sólido núcleo de TÁRTAROS cristãos em volta dessa cidade.
PHILOTHÉE, metropolita de TOBOLSK (1702 – 1727) , enviou missionários até o KAMTCHATKA
(1705) e até YAKUTSK, na SIBÉRIE oriental (1724). O primeiro , ele estabeleceu a sua actividade
missionária fora das fronteiras do Império russo e enviou uma missão na CHINE (1714), onde nos
arredores de PEKIN existia desde 1689 presos russos sinistrados. No fim do séc. XVIII, monges do
mosteiro de VALAMO , sobre o Lago LADOGA, foram estabelecer – se no ALASKA, então possessão
russa, e ali fundaram uma Igreja de língua local (ALÉOUTIENNE ?)
No exterior das fronteiras da Rússia, a missão do Japão foi, de longe, a mais célebre. Ela ainda está
em função hoje como o veremos daqui há pouco.(10)
(10). Á respeito das missões ortodoxas, na Ásia, ver particularmente as obras monumentais de J. GLAZIK, « Die Russich –
Orthodoxe Heide mission seit Peter der Grossen » Münster – Westfalen, 1954 ; « Die Aslammission der Russich –
orthodoxen Kirche »Münster – Westfalen, 1959, que oferecem abundante bibliográfia russa. Cfr. Também, E. SMIRNOFF,
« Russian Orthodox Missions », LONDRES, 1903, e S. BOLSHAKOFF, « The Foreign Mission of The Russian orthodox
Church », LONDRES, 1943.
A actividade das missões ortodoxas na ÁSIA, do séc. XV até o séc. XIX, seguiu o exemplo - mas com
notórias excessões particularmente no JAPÃO – da expansão colonial da Rússia. Foi aliás o caso
igualmente para as missões ocidentais , protestantes e católicas, na ÁFRICA e na ÁSIA, que
coinicidiram com a posse colonial dos paises européios sobre essas regiões. O sucesso das missões
ortodoxas, particularmente face ao ISLAM, foi porém facilitado pela tradição bizantina de traduzir a
liturgia nas diversas línguas faladas e por certa habilidade dos Russos em integrar – se na vida dos
paises conquistados.
Em todo caso, a história dessas missões é suficiente para destruir concepções erronéas a respeito do
periódo « sinodal » da Igreja russa : exteriormente integrada no aparelho do Estado, a Igreja
produziu , neste periódo, santos e apóstolos que são as melhores testemunhas da espantosa
vitalidade do cristianismo russo.