Você está na página 1de 23

Direito Ambiental – Reserva legal do imóvel – Novo Código Florestal – Lei nº 12.

651/2012
– Tempus Regit Actum – Irretroatividade – Abordagem infraconstitucional – Área de
Preservação Permanente – Cômputo – Impossibilidade

Superior Tribunal de Justiça

EMENTA ACÓRDÃO

Ambiental. Reserva legal do imóvel. Novo Código Florestal (Lei Vistos, relatados e discutidos os autos em que
nº 12.651/2012). Tempus regit actum. Art. 15. Irretroativida- são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da
de. Abordagem infraconstitucional. Área de Preservação Per- Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo
manente. Cômputo. Impossibilidade. Art. 66. Regularização. o julgamento, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Relator
Aplicabilidade imediata. e Sérgio Kukina, conhecer parcialmente do recurso especial
1. Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, aos recursos in- e, nessa parte, dar-lhe parcial provimento para afastar, tão
terpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões somente, a aplicação do art. 15 da Lei nº 12.651/2012, nos
publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os termos do voto-vista do Sr. Ministro Gurgel de Faria, que lavrará o
requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista acórdão. Votaram com o Sr. Ministro Gurgel de Faria (Presidente)
(Enunciado Administrativo nº 3). os Srs. Ministros Benedito Gonçalves e Regina Helena Costa.
2. O Superior Tribunal de Justiça, em diversos julgados, tem
defendido a tese de que, em matéria ambiental, deve prevale- Brasília, 12 de maio de 2020 (Data do julgamento).
cer o princípio tempus regit actum, de forma a não se admitir
a aplicação das disposições do novo Código Florestal a fatos MINISTRO GURGEL DE FARIA
pretéritos, sob pena de retrocesso ambiental (REsp 1728244/ Relator
SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado
em 06/12/2018, DJe 08/03/2019, e AgInt no REsp 1709241/
SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado RELATÓRIO
em 11/11/2019, DJe 02/12/2019).
3. A declaração de constitucionalidade de vários dispositivos do 1. Trata-se de Recurso Especial interposto pelo MINIS-
novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) pelo Supremo Tri- TÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, com fundamento
bunal Federal, no julgamento das ADIs 4.901, 4.902 e 4.903 e nas alíneas a e c do art. 105, III da Constituição Federal, contra
da ADC 42 (DJE 13/08/2019), não inibe a análise da aplicação Acórdão do TJ/SP, assim ementado:
temporal do texto legal vigente no plano infraconstitucional, tare-
fa conferida ao Superior Tribunal de Justiça. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AMBIENTAL. INSTITUIÇÃO
4. Ao apreciar a irretroatividade da norma ambiental, esta Corte, DE RESERVA LEGAL REGRAS AUTOAPLICÁVEIS
sem conflitar com o decidido pelo STF, não ingressa no aspecto IMÓVEL COM ÁREA SUPERIOR A 4 (QUATRO)
constitucional do novo diploma legal, efetuando leitura de ordem MÓDULOS FISCAIS). NÃO INCIDÊNCIA DA REGRA
infraconstitucional, mediante juízo realizado em campo cognitivo PREVISTA NO ARTIGO 67 DO NOVO CÓDIGO FLO­
diverso. RESTAL (LEI 12.651/2012). POSSIBILIDADE DE
5. O próprio STF considera que a discussão sobre a aplicação CÔMPUTO DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMA­
do novo Código Florestal a fatos pretéritos demanda análise de NENTE NA RESERVA LEGAL (ART.15 DO CÓDIGO
legislação infraconstitucional (RE 1170071 AgR, Relator Min. FLORESTAL VIGENTE). INSTITUIÇÃO E REGULA­
EDSON FACHIN, Segunda Turma, DJe 29/11/2019, e ARE MENTAÇÃO DO CADASTRO AMBIENTAL RURAL
811441 AgR, Relator Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, PREVISTO NO NOVO CÓDIGO FLORESTAL (LEI
DJe 16/09/2016). 12.651/2012), POR MEIO DO DECRETO 8.235,
6. Nesse prisma, a declaração de constitucionalidade do art. 15 DE 5.05.2014, E DA INSTRUÇÃO NORMATIVA 2/
da Lei nº 12.651/2012 não desqualifica a aferição da aplicação MMA, DE 6.5.2014 AVERBAÇÃO DA ÁREA DES­
imediata desse dispositivo aos casos ocorridos antes de sua NECESSIDADE.
vigência. 1. Para os imóveis que medem mais de quatro
7. Este Tribunal considera que “o mecanismo previsto no art. 15 módulos fiscais, a instituição de 20% de área de
do novo Código Florestal acabou por descaracterizar o regime reserva legal, exigência da então Lei 4.771/65,
de proteção das reservas legais e, em consequência, violou o também é feita pela Lei 12.651/2012 que a re­
dever geral de proteção ambiental. Logo, tem-se que não merece vogou, mas agora com a instituição de novas re­
prosperar o acórdão combatido que permitiu o cômputo de Área gras, sendo, portanto, plenamente autorizado o
de Preservação Permanente no percentual exigido para institui- cômputo da área de APP na reserva legal, desde
ção de Área de Reserva Legal” (AgInt no AREsp 894.313/SP, que preenchidos os requisitos do art. 15 da alu­
Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em dida lei. Ademais, a área de reserva legal pode
11/09/2018, DJe 17/09/2018). ser utilizada sob regime de manejo florestal sus­
8. O art. 66 daquele diploma, ao prever hipóteses alternativas tentável, conforme preceitua o art. 20 da atual
para a regularização de área de reserva legal, já traz em seu texto lei, sendo que sua localização deve ser aprova­
a possibilidade de retroação da norma, pelo que não há como da pelo órgão ambiental competente e, quanto
afastar sua aplicação imediata. à regularização, esta poderá se dar na forma de
9. Recurso especial parcialmente provido. recomposição, permissão de regeneração natu­
Recurso Especial nº 1.646.193/SP (2016/0334601-2) – 1ª ral ou compensação (art. 66), atentando-se para
Turma – Recorrente: Ministério Público do Estado de São Paulo os novos prazos concedidos para a recuperação
– Recorrido: Guiomar Della Togna Nardini – Advogados: Lucas e realização da reserva legal (arts. 29 e seguin­
Fernandes Garcia e outros – Relator: Ministro Napoleão Nunes tes do Novo Código Florestal).
Maia Filho – Relator P/ Acórdão: Gurgel de Faria – DJE nº 2922, 2. Dispõe expressamente o Código Florestal
div. 03.06.2020, pub. 04.06.2020 (Lei 12.651/2012, com redação dada pela

Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 113, p. 95-117, set./out. 2020 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA 95

FDUA_113_MIOLO.indd 95 04/11/2020 15:05:33


Superior Tribunal de Justiça

Lei 12.727/2012) que a reserva legal deve similitude fático-jurídica com o presente caso,
ser registrada tão-somente no CAR (Cadastro evidenciando que essa Corte Superior entendeu
Ambiental Rural) e que tal registro desobriga a que o novo Código Florestal não pode retroagir
averbação no Cartório de Registro de Imóveis. para atingir o ato jurídico perfeito, direitos am­
Assim, quanto à obrigação voltada ao registro bientais adquiridos e a coisa julgada, tampou­
da área de reserva legal no cadastro imobiliário co para reduzir de tal modo e sem as neces­
por meio da averbação, procedimento que se re­ sárias compensações ambientais o patamar de
putava como necessário com o fim de permitir a proteção de ecossistemas frágeis ou espécies
fiscalização da manutenção e preservação de tal ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir
área contida nos imóveis rurais, vê-se que não o limite constitucional intocável e intransponível
mais exigida em função das recentes publica­ da incumbência do Estado de garantir a preser­
ções do Decreto 8.235, de 5 de maio de 2014, vação e restauração dos processos ecológicos
e da Instrução Normativa 2/MMA, de 6 de maio essenciais (art. 225, §1o., I). (e-STJ fl. 554)
de 2014, que estabelecem procedimentos a se­ 3. Dessa forma, a área de reserva legal florestal
rem adotados para a inscrição, registro, análise não pode ser integrada com a área de proteção
e demonstração das informações ambientais permanente do imóvel.
sobre os imóveis rurais no Cadastro Ambiental 4. Parecer pelo provimento do recurso especial
Rural CAR, bem como para a disponibilização e (fls. 707/711).
integração dos dados no Sistema de Cadastro
Ambiental Rural SICAR, registro público eletrôn 6. É, em suma, o breve relatório.
ico de âmbito nacional, de forma a instrumenta­
lizar as normas contidas na Lei 12.651/12 (fls.
477/486). VOTO VENCIDO

2. Opostos Embargos de Declaração, foram rejeitados ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. RECURSO ES­


(fls. 604/609). PECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MOLDURA FÁ-
3. Em seu Apelo Especial, sustenta a parte recorrente, TICA. COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO NÃO
além de divergência jurisprudencial, afronta aos arts. 2o., caput, CUMPRIDO PELOS ANTIGOS PROPRIETÁRIOS.
I, II e IV, e §4o., II e III da Lei 6.938/1981 e ao art. 6o. caput e IMÓVEL ALIENADO A TERCEIRO. TERMO DE
§2o. da LINDB, sob o fundamento de que a aplicação imediata AJUSTAMENTO DE CONDUTA (TAC) NÃO FIR-
da Lei 12.651/2012 (novo Código Florestal) ao caso permitira o MADO PELO ATUAL PROPRIETÁRIO. DIREITO
cômputo das Áreas de Preservação Permanente (APP) no cálculo INTERTEMPORAL. POSSIBILIDADE DO CÔMPU-
da Reserva Legal sem qualquer limitação, bem como a explora- TO DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE
ção econômica da Reserva Legal. Afirma, ainda, que a aplicação NO CÁLCULO DA RESERVA LEGAL. VEDAÇÃO À
imediata do novo Código Florestal pode configurar retrocesso ULTRATIVIDADE DO ANTIGO CÓDIGO FLORES­
ambiental, além de permitir a descaracterização das áreas de TAL. RELATIVIZAÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL
preservação permanente e o comprometimento de suas funções ADQUIRIDO. A NATUREZA JURÍDICA DE DANO
biológicas. Alega também ofensa ao art. 167, II, item 22 da Lei AMBIENTAL É PERMANENTE (CARÁTER CON-
6.015/1973, ao argumento de que não há justificação para dis- TINUADO). APLICABILIDADE DO NOVO CÓDIGO
pensa de averbação da reserva junto ao Cartório de Registro de FLORESTAL (LEI 12.651/2012). EFEITOS DO
Imóveis. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA (TAC).
4. Contrarrazões apresentadas (fls. 626/637). O re- O TAC FIRMADO COM ANTERIOR PROPRIETÁRIO
curso foi admitido na origem (fls. 689/690). OU POSSUIDOR DO IMÓVEL NÃO PRODUZIRÁ
5. O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da QUALQUER EFEITO SOBRE O ADQUIRENTE OU
douta Subprocuradora-Geral da República DENISE VINCI TULIO, NOVO PROPRIETÁRIO OU POSSUIDOR, QUE
opinou pelo provimento do Recurso Especial, nos termos a seguir: DELE NÃO PARTICIPOU. INDEPENDENTEMENTE
DA LEI SOB A QUAL FOI TOMADO O COMPROMIS­
PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. ÁREA DE RE­ SO. A SUPERVENIÊNCIA DA LEI 12.651/2012
SERVA LEGAL. CÔMPUTO NA ÁREA DE PRESER­ É APTA A MODIFICAR O TAC FIRMADO NA
VAÇÃO PERMANENTE. APLICAÇÃO DO NOVO VIGÊNCIA DA LEI 4.771/1965. AVERBAÇÃO
CÓDIGO FLORESTAL. EXECUÇÃO. RETROATIVI­ DA ÁREA DE RESERVA LEGAL NO CARTÓRIO DE
DADE. IMPOSSIBILIDADE. REGISTRO DE IMÓVEIS (CRI). NECESSIDADE DE
1. O novo Código Florestal não pode retroagir PROCEDER À AVERBAÇÃO PERANTE O CARTÓ-
para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos RIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS (CRI) QUANDO
ambientais adquiridos e a coisa julgada, tam­ NÃO HOUVER REGISTRO DA ÁREA DA RESER-
VA LEGAL NO CADASTRO AMBIENTAL RURAL
pouco para reduzir de tal modo e sem as neces­
(CAR). PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FE­
sárias compensações ambientais o patamar de
DERAL PELO PROVIMENTO DO RECURSO ESPE­
proteção de ecossistemas frágeis ou espécies
CIAL. RECURSO ESPECIAL DO PRESENTANTE
ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir
MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
o limite constitucional intocável e intransponível 1. Aos recursos interpostos com fundamento
da incumbência do Estado de garantir a preser­ no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas
vação e a restauração dos processos ecológi­ até 17 de março de 2016) devem ser exigidos
cos essenciais (art. 225, §1o., I) (AgRg no REsp os requisitos de admissibilidade na forma nele
1.434.797/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, prevista, com as interpretações dadas até então
Segunda Turma, julgado em 17/05/2016, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justi­
DJe 07/06/2016). (AgInt no AgInt no AREsp ça (Enunciado Administrativo 2).
850.994/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL 2. Cinge-se a controvérsia acerca da obrigação
MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em do proprietário de imóvel rural em instituir Área
15/12/2016, DJe 19/12/2016). de Reserva Legal em suas propriedades, com
2. Quanto à alegação de divergência jurispruden­ a possibilidade do cômputo de Área de Preser­
cial, ao indicar o Recurso Especial 327.687/SP vação Permanente (APP) no cálculo do percen­
como paradigma, logrou êxito em demonstrar a tual da Reserva Legal do imóvel, desde que

96 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 113, p. 95-117, set./out. 2020

FDUA_113_MIOLO.indd 96 04/11/2020 15:05:33


Recurso Especial nº 1.646.193/SP

cumpridas as condicionantes previstas na Lei relação ao antigo, ou à prevalência do interesse


12.651/2012, bem como sobre a (des)necessi­ ambiental coletivo sobre o exercício individual do
dade da averbação da referida área no Cartório direito à propriedade, são questões já enfrenta­
de Registro de Imóveis (CRI). das pelo STF em ações concentradas, de ma­
3. MOLDURA FÁTICA. neira que não se pode, agora, adotar a mesma
4. Trata-se na origem, de Ação Civil Pública pro­ argumentação para conferir ultratividade à Lei
posta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE 4.771/1965.
SÃO PAULO em face de GUIOMAR DELLA TOGNA 14. PARÂMETROS PARA A CONFIGURAÇÃO
NARDINI, fundando-se em Inquérito Civil instau­ DO ATO JURÍDICO PERFEITO.
rado objetivando coletar informações a respeito 15. Não se desconhece a jurisprudência da
de dano ambiental no imóvel rural denominado colenda Segunda Turma deste Tribunal Supe­
SÍTIO SANTA CLARA, no distrito de EQUARANA, rior, segundo a qual a regra geral será a inci­
zona rural da comarca de CÂNDIDO RODRIGUES. dência da legislação florestal, de direito mate­
5. O Inquérito Civil Público foi instaurado contra rial, vigente à época dos fatos (PET no REsp.
os antigos proprietários do imóvel, sendo rea­ 1.240.122/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN,
lizada vistoria por técnico da SECRETARIA DO DJe 19.12.2012), na qual se determina a apli­
MEIO AMBIENTE, oportunidade em que se cons­ cação da Lei 4.771/1965 para as degradações
tatou a ausência de APP. Foi, então, celebrado ambientais ocorridas em sua vigência.
Compromisso de Ajustamento de Conduta (fls. 16. No entanto, a questão merece uma ponde­
94/98), não cumprido pelos compromissários, ração adicional, pois a degradação ambiental de
os quais alienaram o bem a ora recorrida, que espaços territorialmente protegidos, como a APP
também não providenciou a instituição da re- ou a reserva legal, não se configura como ato
serva, uma vez que rejeitou a proposta de fir- jurídico perfeito, e, portanto, é incapaz de exi-
mar novo TAC (fls. 238). gir a aplicação ultrativa da Lei na qual iniciada.
6. HISTÓRICO DA LEI 12.651/2012. 17. É firme o entendimento desta Corte Superior
7. A Lei 12.651/2012, com seu conteúdo nor­ de que, nos casos de dano em tais espaços, não
mativo atual, resulta do esforço conjunto dos prescreve a pretensão de sua reparação, com a
Três Poderes da República, a partir de um amplo recuperação da área degradada, justamente por­
– e longo – debate democrático, do qual partici­ que essa espécie de dano apresenta natureza
param inúmeras instituições e setores da socie­ continuada, permanente (REsp. 1.081.257/SP,
dade civil. Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 13.6.2018; AgRg
8. A definição do hodierno sentido da Lei no REsp. 1.421.163/SP, Rel. Min. HUMBERTO
12.651/2012 passou pelo Poder Judiciário, com MARTINS, DJe 17.11.2014). Com isso, o direi­
o julgamento das ADIs 4.901, 4.902 e 4.903 e to subjetivo da coletividade à recomposição do
da ADC 42 pelo STF, já no ano de 2018. Median­ meio ambiente, pelo princípio da actio nata, nas­
te ampla discussão, pautada principalmente na ce a todo momento, o que impede a fluência do
garantia de proteção ambiental suficiente e no prazo prescricional.
princípio da proibição de retrocesso ambiental, a 18. O ato jurídico – qual seja, o dano pela de­
Corte Suprema confirmou a constitucionalidade gradação do espaço protegido – não se quali­
da maior parte do Código. fica como perfeito, completo ou finalizado,
9. Não se pode desconsiderar o largo esforço justamente pelo seu caráter contínuo, renovan­
político-institucional que resultou na formação do-se de forma ininterrupta. A aplicação da Lei
da Lei 12.651/2012, devendo-se privilegiar a 12.651/2012 para as supressões de vegetação
opção política dos poderes Executivo e Legisla­ ocorridas durante a vigência da Lei 4.771/1965
tivo – confirmada pelo STF – em flexibilizar de­ não configura, desse modo, retroatividade sobre
terminados aspectos do regime anterior, sem, o ato jurídico já acabado, pois o dano permane­
contudo, abolir a tutela do meio ambiente ou ce; a hipótese trata-se, isso sim, da tradicional
reduzi-la a níveis inaptos. Assim, a definição de aplicabilidade imediata da Lei aos fatos aconte­
qual será a Lei aplicável em cada caso concreto cidos em sua vigência.
não pode perder de vista o histórico de aprova­ 19. Mantendo a jurisprudência desta Corte ínte­
ção do Novo Código Florestal e as democráticas gra e coerente (art. 926 do Código Fux), faz-se
decisões políticas e jurídicas que nele culmina­ necessário conferir interpretação una à qualifica­
ram ção do dano ambiental em espaços protegidos;
10. SOBRE O DIREITO INTERTEMPORAL. se quanto à prescrição o referido dano é consi-
11. A (IN)EXISTÊNCIA DE DIREITO AMBIENTAL derado permanente, também quanto ao Direito
ADQUIRIDO. Intertemporal essa deve ser sua natureza.
12. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a 20. DELIMITAÇÃO DA TESE ORA ADOTADA:
aplicação do princípio da vedação ao retrocesso a análise da existência e a recomposição do
em matéria ambiental, contudo, deixando claro dano em APP, reserva legal ou outro dos espa­
e expresso que tal princípio tem por escopo e ços tutelados pelo Novo Código deve se pautar,
limites a proteção ao núcleo essencial (núcleo atualmente, pela totalidade do regime da Lei
duro) dos direitos e garantias socioambientais 12.651/2012 (ressalvadas, por óbvio, as dis­
conquistadas, não podendo ser entendido como posições declaradas inconstitucionais pelo STF),
uma vedação geral para qualquer tipo de altera­ ainda que a degradação tenha ocorrido na vigên­
ção legislativa que venha modificar, limitar ou cia da Lei 4.771/1965.
restringir direitos e obrigações atinentes ao Di­ 21. SOBRE O TERMO DE AJUSTAMENTO DE
reito Ambiental. CONDUTA (TAC).
13. Não se pode acolher, de forma genérica, a 22. Referente à assinatura de TAC com o Minis­
tese de que o direito adquirido ambiental impedi­ tério Público (ou outro órgão ou ente para tanto
ria a aplicação da Lei 12.651/2012 no caso ora legitimado), na vigência da Lei 4.771/1965, vi­
tratado. As considerações a respeito do maior sando à recomposição da área danificada, distin­
ou menor nível de proteção do Novo Código em guem-se, para tanto, duas situações: a) definir

Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 113, p. 95-117, set./out. 2020 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA 97

FDUA_113_MIOLO.indd 97 04/11/2020 15:05:33


Superior Tribunal de Justiça

os efeitos do TAC firmado por pessoa diversa já esteja registrada no Cadastro Ambiental Ru­
do atual proprietário ou possuidor do imóvel (a ral (CAR), consoante dispõe o art. 18, §4o. da
exemplo do alienante ou antigo possuidor); e b) Lei 12.651/2012 (REsp. 1.645.909/MG, Rel.
estabelecer os efeitos da superveniência da Lei Min. REGINA HELENA COSTA, DJe 19.12.2018;
12.651/2012 sobre o TAC tomado na vigência REsp. 1.276.114/MG, Rel. Min. OG FERNAN­
da Lei 4.771/1965, pela mesma pessoa que DES, DJe 11.10.2016).
pleiteia a aplicação do Novo Código. 31. No causo dos autos ausente o registro no
23. Caso firmado pelo antigo proprietário o TAC CAR, faz-se necessária a averbação da Reserva
com o objetivo de recompor a reserva legal ou Legal junto à matrícula do imóvel no Cartório de
APP em seu imóvel e, posteriormente, alienado Registro de Imóveis.
o bem a terceira pessoa (que não fez parte do 32. Recurso Especial do Presentante Ministerial
TAC), os termos do ajuste com o Órgão Público parcialmente provido apenas para impor a obri­
não serão aplicáveis a este adquirente, por- gação de proceder à inscrição da Reserva Legal
quanto lhe falta o requisito essencial de exis- no Cartório de Registro de Imóveis.
tência do TAC, a saber: o consentimento.
24. Nem se pode dizer que, neste caso, a natu­ 1. Inicialmente, nos termos do que decidido pelo
reza propter rem da obrigação de restaurar a re­ Plenário do STJ, aos recursos interpostos com fundamento no
serva legal ou APP determinaria a vinculação do CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de
adquirente ao TAC firmado pelo antigo proprie­ 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na
tário. Afinal, não se nega a obrigação do atual forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela
proprietário ou possuidor de recompor o meio jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Enunciado Admi-
ambiente, a qual permanece intacta, ainda que nistrativo 2).
não tenha sido ele próprio o causador do dano,
exatamente em razão do sobredito caráter prop­ 2. MOLDURA FÁTICA DO ACÓRDÃO RECORRIDO.
ter rem (art. 2o., §2o. do Novo Código Florestal).
25. A existência e extensão da obrigação, por 3. No mais, trata-se na origem, de Ação Civil Pública
outro lado, devem ser aferidas normalmente à proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
luz da Lei 12.651/2012 – como em todos os de­ em face de GUIOMAR DELLA TOGNA NARDINI, fundando-se em
mais casos –, pois não há, em relação ao novo Inquérito Civil instaurado objetivando coletar informações a
proprietário ou possuidor do imóvel, qualquer respeito de dano ambiental no imóvel rural denominado SÍTIO
TAC entre ele e o Órgão Público. Ou seja: para SANTA CLARA, no distrito de EQUARANA, zona rural da comarca
definir a Lei aplicável à situação, é irrelevante a de CÂNDIDO RODRIGUES.
existência de TAC firmado pelo antigo possuidor 4. O Inquérito Civil Público foi inicialmente instaurado
ou proprietário, ainda que a assinatura tenha contra os antigos proprietários do imóvel, sendo realizada visto-
ocorrido na vigência da Lei 4.771/1965. ria por técnico da SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE, oportunida-
26. Na realidade, ao colher o TAC, a Adminis­ de em que se constatou a ausência de APP. Foi, então, celebrado
tração Pública – vinculada que é ao princípio da Compromisso de Ajustamento de Conduta (fls. 94/98), não cum-
legalidade – sequer expressa, propriamente, prido pelos compromissários, os quais alienaram o bem a ora
sua vontade: ela apenas toma da pessoa o com­ recorrida, que também não providenciou a instituição da reserva
promisso de ajustar sua conduta à Legislação, ao rejeitar novo TAC (fls. 238).
5. Em sentença o Juízo de piso julgou procedentes
passando a cumpri-la, até porque a vontade do
os pedidos da exordial para impor a ora recorrida a obrigação
Estado não poderia diferir dessa providência,
imediata de se abster de explorar a área de Reserva Legal e de
conforme observado a partir da interpretação
proceder à recomposição da referida área no prazo de 2 anos a
dada ao art. 5o., §6o. da Lei 7.347/1985 (os partir da vigência da Lei 12.651/2012, bem como de preceder
órgãos públicos legitimados poderão tomar dos à inscrição da Reserva Legal no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
interessados compromisso de ajustamento de 6. Irresignados ambas as partes recorreram em sede
sua conduta às exigências legais). de Apelação ao Tribunal de origem o qual jugou prejudicado o
27. Diante dessas digressões, conclui-se, por recurso do Parquet e deu deu parcial provimento ao recurso do
tanto, que: (a) o TAC firmado com anterior pro- particular para instituir a área de Reserva Legal à luz do regra-
prietário ou possuidor do imóvel não produzirá mento da Lei 12.651/2012 – permitir o cômputo de Área de Pre-
qualquer efeito sobre o adquirente ou novo pro- servação Permanente (APP) no cálculo do percentual da reserva
prietário ou possuidor, que dele não participou, legal do imóvel – tudo sob orientação dos órgãos ambientais e
independentemente da Lei sob a qual foi toma- mediante a aprovação de projeto previamente enviado para tal
do o compromisso; e (b) a superveniência da Lei fim, sob pena de multa diária a ser fixada na fase de execução
12.651/2012 é apta a modificar o TAC firma- do julgado em caso de descumprimento.
do na vigência da Lei 4.771/1965, incidindo o 7. Já em sede de Recurso Excepcional o MINISTÉRIO
Novo Código. PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO insurge-se, em síntese,
28. AVERBAÇÃO DA ÁREA DE RESERVA LE- contra a compensação do percentual de 20% APP no cálculo da
GAL NO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS Reserva Legal, bem como a desnecessidade da averbação da
(CRI). área no Cartório de Registro de Imóveis (CRI).
29. Quanto ao pleito referente ao registro da 8. Com efeito, cinge-se a controvérsia acerca da obri-
averbação da Reserva Legal perante o Cartório gação do proprietário de imóvel rural em instituir Área de Reserva
de Registro de Imóveis (CRI), esta egrégia Corte Legal em suas propriedades, com a possibilidade do cômputo de
Superior entende que a Lei 12.651/2012 não Área de Preservação Permanente (APP) no cálculo do percentual
suprimiu a obrigação de averbação da Área de da Reserva Legal do imóvel, desde que cumpridas as condicio-
Reserva Legal no Registro de Imóveis, mas nantes previstas na Lei 12.651/2012, bem como sobre a (des)
apenas possibilitou que o registro seja realizado, necessidade da averbação da referida área no Cartório de Regis-
alternativamente, no Cadastro Ambiental Rural tro de Imóveis (CRI).
(REsp. 1.426.830/PR, Rel. Min. HERMAN
BENJAMIN, DJe 29.11.2016). 9. HISTÓRICO.
30. Isso quer dizer que a partir do Novo Código
Florestal a averbação no Cartório de Registro de 10. A Lei 12.651/2012, com seu conteúdo normativo
Imóveis será dispensada caso a Reserva Legal atual, resulta do esforço conjunto dos três poderes, a partir de

98 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 113, p. 95-117, set./out. 2020

FDUA_113_MIOLO.indd 98 04/11/2020 15:05:33


Recurso Especial nº 1.646.193/SP

um amplo – e longo – debate democrático, do qual participaram Reconheço, no entanto, que o princípio
inúmeras instituições e setores da sociedade civil. vedatório do retrocesso social, quando particu­
11. A tramitação legislativa do que viria a ser o Novo larmente invocado em matéria ambiental, não
Código Florestal iniciou-se na Câmara dos Deputados, com a se reveste de valor absoluto, como esta Supre­
apresentação do Projeto de Lei 1.876 em 19.10.1999. Con- ma Corte já teve o ensejo de acentuar, ocasião
tando com apenas 34 artigos, o PL destinava-se, conforme sua em que, ao julgar a ADI 4.350/DF, Rel. Min. LUIZ
exposição de motivos, a eliminar incertezas redacionais da Co- FUX, assinalou que o princípio da vedação ao re-
dificação anterior, aprimorando sua redação e esclarecendo o trocesso social não pode impedir o dinamismo
regime protetivo das áreas de preservação permanente (APPs) e da atividade legiferante do Estado, mormente
da Reserva Legal. quando não se está diante de alterações pre­
12. Depois de mais de uma década nas Casas Legis- judiciais ao núcleo fundamental das garantias
lativas, a redação aprovada da Lei 12.651/2012 buscou conci- sociais.
liar os diversos interesses envolvidos, ponderando a inafastável
proteção do meio ambiente com a liberdade de iniciativa e a 22. O Supremo Tribunal Federal reconheceu, então,
necessidade do desenvolvimento econômico sustentável. Tal a aplicação do princípio da vedação ao retrocesso em matéria
compromisso, aliás, restou consignado nas próprias definições ambiental, contudo, deixando claro e expresso que tal princípio
de APP e reserva legal, que conciliam a tutela ambiental com o tem por escopo e limites a proteção ao núcleo essencial (núcleo
bem-estar das populações humanas (art. 3o., II) e o uso econô­ duro) dos direitos e garantias socioambientais conquistadas,
mico de modo sustentável (art. 3º, III). não podendo ser entendido como uma vedação geral para qual-
13. Após o trâmite no Congresso, a intervenção dire- quer tipo de alteração legislativa que venha modificar, limitar ou
ta do Poder Executivo manifestou-se na sanção parcial do Novo restringir direitos e obrigações atinentes ao Direito Ambiental.
Código, com a aposição do veto presidencial a diversos disposi- 23. Não é plausível, assim, que o legislador fique in-
tivos e a posterior edição da MP 571/2012 (convertida na Lei definidamente vinculado às legislações anteriores e não possa
12.727/2012), redigida para afastar os vácuos legislativos de- alterar o modo de concretização de determinado direito social,
correntes dos vetos. do contrário, o princípio da vedação do retrocesso constituiria
14. Por fim, a definição do hodierno sentido da Lei óbice absoluto a qualquer proposta legislativa tendente a redi-
12.651/2012 passou pelo Poder Judiciário, com o julgamento mensionar a concreção de um direito social, conferindo, assim,
das ADIs 4.901, 4.902 e 4.903 e da ADC 42 pelo STF, já no ano uma intangibilidade às normas infraconstitucionais que não é
de 2018. Mediante ampla discussão, pautada principalmente extensível nem mesmo às normas constitucionais.
na garantia de proteção ambiental suficiente e no princípio da 24. Tais fatores demonstram que, na interpretação da
proibição de retrocesso ambiental, a Corte Suprema confirmou a Corte Suprema – a quem compete a guarda da Constituição Fe-
constitucionalidade da maior parte do Código. deral –, a Lei 12.651/2012 não introduziu retrocesso proibido
15. Diante disso, não se pode desconsiderar o largo à tutela ambiental, justamente porque o princípio da vedação
esforço político-institucional que resultou na formação da Lei ao retrocesso não implica imutabilidade ou engessamento da
12.651/2012, devendo-se privilegiar a opção política dos pode- atividade legislativa. Destarte, concluir por um suposto direito
res Executivo e Legislativo – confirmada pelo STF – em flexibilizar adquirido da coletividade à aplicação da Lei 4.771/1965, em de-
determinados aspectos do regime anterior, sem, contudo, abolir trimento da incidência imediata da Nova Codificação, consistiria,
a tutela do meio ambiente ou reduzi-la a níveis inaptos. Assim, a por vias transversas, em afastar a decisão vinculante do STF em
definição de qual será a Lei aplicável em cada caso concreto não controle concentrado de constitucionalidade e consagrar a com-
pode perder de vista o histórico de aprovação do Novo Código pleta imobilização legislativa para um sem-número de situações.
Florestal e as democráticas decisões políticas e jurídicas que 25. Portanto, não se pode acolher, de forma genérica,
nele culminaram. a tese de que o direito adquirido ambiental impediria a aplicação
da Lei 12.651/2012 nos casos ora tratados. As considerações
16. SOBRE O DIREITO INTERTEMPORAL. a respeito do maior ou menor nível de proteção do Novo Código
em relação ao antigo, ou à prevalência do interesse ambiental
17. A (in)existência de direito ambiental adquirido. coletivo sobre o exercício individual do direito à propriedade, são
questões já enfrentadas pelo STF nas sobreditas ações concen-
18. É sabido que, nos termos do art. 5o., XXXVI da tradas, de maneira que não se pode, agora, adotar a mesma
CF/1988, a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico argumentação para conferir ultratividade à Lei 4.771/1965.
perfeito e a coisa julgada; é especialmente à luz dos três insti- 26. Impende destacar que a própria Lei 12.651/2012
tutos referidos no dispositivo constitucional que devem ser solu- refere-se, em diversas ocasiões (nos arts. 7o., §3o., 66 e 67,
cionadas as controvérsias de direito intertemporal envolvidas na por exemplo), a fatos ocorridos na vigência da Lei anterior; a pró-
aplicação do Novo Código Florestal. pria definição de área rural consolidada, contida no art. 3o., IV,
19. A respeito do direito (ambiental) adquirido, o sau- baseia-se em fatos pretéritos, ocorridos até o dia 22.07.2008.
doso Professor PAULO AFFONSO LEME MACHADO assegura que Tais dispositivos tiveram sua constitucionalidade declarada pelo
a questão está umbilicalmente relacionada ao princípio da veda­ STF, de modo que negar a aplicabilidade imediata do Novo Códi-
ção ao retrocesso ou da não regressão, fundamentado no art. go terminaria por descumprir a decisão da Corte Suprema, ou,
225 da Constituição Federal, segundo o qual a legislação e a em muitos casos – como no do art. 67 –, esvaziar completamen-
regulamentação relativas ao meio ambiente só podem ser me­ te o sentido das normas.
lhoradas e não pioradas (Direito Ambiental Brasileiro, São Paulo,
Malheiros, 2018, p. 147). 27. PARÂMETROS PARA A CONFIGURAÇÃO DO ATO
20. Afinal, sendo o meio ambiente equilibrado um in- JURÍDICO PERFEITO.
teresse de toda a coletividade (e, ainda, das gerações futuras),
a aferição da existência ou não de um direito adquirido a deter- 28. A respeito do ato jurídico perfeito, a questão apre-
minado nível de proteção ambiental passa necessariamente pelo senta outras complexidades, ainda não apreciadas pela Corte
princípio da proibição de retrocesso, com o objetivo de identificar Suprema.
se determinada alteração legislativa é válida na ótica da tutela 29. Não se desconhece a jurisprudência da colenda
ambiental suficiente e adequada. Segunda Turma deste Tribunal Superior, segundo a qual a regra
21. Nesse sentido, adotando essa interpretação do geral será a incidência da legislação florestal, de direito material,
citado princípio, o eminente Ministro CELSO DE MELLO, no úl- vigente à época dos fatos, na qual se determina a aplicação da
timo voto prolatado e decisivo para este julgamento, concluiu o Lei 4.771/1965 para as degradações ambientais ocorridas em
seguinte: sua vigência. Nesse sentido cita-se o aresto paradigmático:

Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 113, p. 95-117, set./out. 2020 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA 99

FDUA_113_MIOLO.indd 99 04/11/2020 15:05:33


Superior Tribunal de Justiça

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. NOVO Cadastro Ambiental Rural – CAR (§2o.) e a assi­
CÓDIGO FLORESTAL (LEI 12.651/2012). RE­ natura de Termo de Compromisso (TC), valendo
QUERIMENTO. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO este como título extrajudicial (§3o.). Apenas a
CONTRA ACÓRDÃO. INVIABILIDADE. PRINCÍPIO partir daí serão suspensas as sanções aplica­
DA FUNGIBILIDADE. RECEBIMENTO COMO EM­ das ou aplicáveis (§5o., grifo acrescentado).
BARGOS DE DECLARAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. Com o cumprimento das obrigações previstas
535 DO CPC NÃO APONTADA. AUTO DE INFRA­ no PRA ou no TC, as multas (e só elas) serão
ÇÃO. IRRETROATIVIDADE DA LEI NOVA. ATO JURÍ­ consideradas convertidas em serviços de pre­
DICO PERFEITO. DIREITO ADQUIRIDO. ART. 6o., servação, melhoria e recuperação da qualidade
CAPUT, DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO do meio ambiente”.
DIREITO BRASILEIRO. 5. Ora, se os autos de infração e multas lavra­
1. Trata-se de requerimento apresentado pelo dos tivessem sido invalidados pelo novo Códi­
recorrente, proprietário rural, no bojo de ação de go ou houvesse sido decretada anistia geral e
anulação de ato c/c indenizatória, com intuito irrestrita das violações que lhe deram origem,
de ver reconhecida a falta de interesse de agir configuraria patente contradição e ofensa à ló­
superveniente do Ibama, em razão da entrada gica jurídica a mesma lei referir-se a suspensão
em vigor da Lei 12.651/2012 (novo Código Flo­ e conversão” daquilo que não mais existiria: o
restal), que revogou o Código Florestal de 1965 legislador não suspende, nem converte o nada
(Lei 4.771) e a Lei 7.754/1989. Argumenta que jurídico. Vale dizer, os autos de infração já cons­
a nova legislação o isentou da punição que o tituídos permanecem válidos e blindados como
afligia, e que seu ato não representa mais ilí­ atos jurídicos perfeitos que são – apenas a sua
cito algum, estando, pois, livre das punições exigibilidade monetária fica suspensa na esfera
impostas. Numa palavra, afirma que a Lei administrativa, no aguardo do cumprimento in­
12.651/2012 procedera à anistia dos infrato­ tegral das obrigações estabelecidas no PRA ou
res do Código Florestal de 1965, daí sem valor o no TC. Tal basta para bem demonstrar que se
auto de infração ambiental lavrado contra si e a mantém incólume o interesse de agir nas de­
imposição de multa de R$ 1.500, por ocupação mandas judiciais em curso, não ocorrendo perda
e exploração irregulares, anteriores a julho de de objeto e extinção do processo sem resolução
2008, de Área de Preservação Permanente nas de mérito (CPC, art. 267, VI).
margens do rio Santo Antônio. 6. Pedido de reconsideração não conhecido (PET
2. O requerimento caracteriza, em verdade, plei­ no REsp. 1.240.122/PR, Rel. Min. HERMAN
to de reconsideração da decisão colegiada profe­ BENJAMIN, DJe 19.12.2012).
rida pela Segunda Turma, o que não é admitido
pelo STJ. Nesse sentido: RCDESP no AgRg no 30. No entanto, a questão merece uma ponderação
Ag 1.285.896/MS, Rel. Ministro Cesar Asfor adicional, pois a degradação ambiental de espaços territorial­
Rocha, Segunda Turma, DJe 29.11.2010; AgRg mente protegidos, como a APP ou a reserva legal, não se confi­
nos EREsp 1.068.838/PR, Rel. Ministra Nancy gura como ato jurídico perfeito, e, portanto, é incapaz de exigir a
Andrighi, Corte Especial, DJe 11.11.2010; PET aplicação ultrativa da Lei na qual iniciada.
nos EDcl no AgRg no Ag 658.661/MG, Rel. 31. Explica-se. É firme o entendimento desta Corte Su-
Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Tur­ perior de que, nos casos de dano em tais espaços, não prescreve
ma, DJe 17.3.2011; RCDESP no CC 107.155/ a pretensão de sua reparação, com a recuperação da área degra-
MT, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Se­ dada, justamente porque essa espécie de dano apresenta na-
gunda Seção, DJe 17.9.2010; RCDESP no Ag tureza continuada, permanente (REsp. 1.081.257/SP, Rel. Min.
1.242.195/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, OG FERNANDES, DJe 13.6.2018; AgRg no REsp. 1.421.163/SP,
Segunda Turma, DJe 3.9.2010. Por outro lado, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe 17.11.2014). Com isso, o
impossível receber pedido de reconsideração direito subjetivo da coletividade à recomposição do meio ambien-
como Embargos de Declaração, sob o manto do te, pelo princípio da actio nata, nasce a todo momento, o que
princípio da fungibilidade recursal, pois não se impede a fluência do prazo prescricional.
levanta nenhuma das hipóteses do art. 535 do 32. Por conseguinte, o ato jurídico – qual seja, o dano
CPC. pela degradação do espaço protegido – não se qualifica como
3. Precedente do STJ que faz valer, no perfeito, completo ou finalizado, justamente pelo seu caráter
campo ambiental-urbanístico, a norma mais contínuo, renovando-se de forma ininterrupta. A aplicação da Lei
rigorosa vigente à época dos fatos, e não 12.651/2012 para as supressões de vegetação ocorridas du-
a contemporânea ao julgamento da causa, rante a vigência da Lei 4.771/1965 não configura, desse modo,
menos protetora da Natureza: O direito material retroatividade sobre o ato jurídico já acabado, pois o dano perma­
aplicável à espécie é o então vigente à época nece; a hipótese trata-se, isso sim, da tradicional aplicabilidade
dos fatos. In casu, Lei 6.766/79, art. 4o., III,
imediata da Lei aos fatos acontecidos em sua vigência.
que determinava, em sua redação original, a
33. O que não se pode é admitir o fracionamento da
faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de
natureza jurídica do dano ambiental por degradação de espaços
cada lado do arroio (REsp 980.709/RS, Rel.
protegidos: de um lado, para a contagem da prescrição, conside-
Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe
2.12.2008). rá-lo como dano permanente, de modo a renovar o termo inicial
4. Ademais, como deixa claro o novo Código Flo­ do prazo prescricional e impedir com isso sua fluência; de outro,
restal (art. 59), o legislador não anistiou geral para definir qual a Legislação aplicável, tratar o dano como um
e irrestritamente as infrações ou extinguiu a ili­ ato jurídico perfeito, a atrair a incidência da Lei mais gravosa.
citude de condutas anteriores a 22 de julho de 34. Mantendo a jurisprudência desta Corte íntegra e
2008, de modo a implicar perda superveniente coerente (art. 926 do Código Fux), faz-se necessário conferir in-
de interesse de agir. Ao contrário, a recupera­ terpretação una à qualificação do dano ambiental em espaços
ção do meio ambiente degradado nas chama­ protegidos; se quanto à prescrição o referido dano é considerado
das áreas rurais consolidadas continua de rigor, permanente, também quanto ao Direito Intertemporal essa deve
agora por meio de procedimento administrativo, ser sua natureza.
no âmbito de Programa de Regularização Am­ 35. Consequentemente, a análise da existência e a re-
biental – PRA, após a inscrição do imóvel no composição do dano em APP, reserva legal ou outro dos espaços

100 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 113, p. 95-117, set./out. 2020

FDUA_113_MIOLO.indd 100 04/11/2020 15:05:33


Recurso Especial nº 1.646.193/SP

tutelados pelo Novo Código devem se pautar, atualmente, pela passivo derivam da própria Constituição e da Legislação. Os de-
totalidade do regime da Lei 12.651/2012 (ressalvadas, por ób- veres de proteção dos espaços protegidos pelo Código Florestal
vio, as disposições declaradas inconstitucionais pelo STF), ainda – antigo ou novo – não nascem com a assinatura do TAC; eles
que a degradação tenha ocorrido na vigência da Lei 4.771/1965. são, obrigatoriamente, antecedentes ao ajuste.
48. Desse modo, ao contrário de um negócio jurídico
36. SOBRE A EXISTÊNCIA DE TERMO DE AJUSTA- contratual, em que o exercício da autonomia contratual inaugura
MENTO DE CONDUTA (TAC): a relação jurídica e prevê inéditas obrigações, o TAC em matéria
ambiental não cria, ele próprio, o dever de conservação ambien-
37. Ainda a respeito da possível existência de ato jurí- tal, que já está positivado de forma objetiva no ordenamento
dico perfeito, há uma questão especial que merece ser analisa- jurídico.
da: a assinatura de TAC com o Ministério Público (ou outro órgão 49. Essa natureza institucional do TAC ambiental é,
ou ente para tanto legitimado), na vigência da Lei 4.771/1965, justamente, a segunda razão a determinar a aplicação do Novo
visando à recomposição da área danificada. Código à hipótese.
38. Distinguem-se, para tanto, duas situações: a) 50. Lembre-se que o interesse público na conserva-
definir os efeitos do TAC firmado por pessoa diversa do atual ção ambiental é indisponível, não cabendo ao legitimado para
proprietário ou possuidor do imóvel (a exemplo do alienante ou tomar o TAC transacionar ou fazer concessões quanto à tutela do
antigo possuidor); e b) estabelecer os efeitos da superveniência meio ambiente. O conteúdo material do TAC ambiental é, pois,
da Lei 12.651/2012 sobre o TAC tomado na vigência da Lei infenso a modificações pelo exercício da autonomia contratual,
4.771/1965, pela mesma pessoa que pleiteia a aplicação do exatamente porque o TAC não é um contrato firmado pelo Poder
Novo Código. Público.
39. Na primeira situação, é impossível reconhecer a 51. Na realidade, ao colher o TAC, a Administração
vinculação do atual proprietário ou possuidor ao TAC firmado Pública – vinculada que é ao princípio da legalidade – sequer ex-
pelo anterior, independentemente da sucessão de Leis envolvi- pressa, propriamente, sua vontade: ela apenas toma da pessoa
das no caso. o compromisso de ajustar sua conduta à Legislação, passando
40. Quanto ao signatário original do TAC, os termos a cumpri-la, até porque a vontade do Estado não poderia diferir
do ajuste lhe são vinculantes apenas por contarem com sua anu- dessa providência.
ência; caso contrário, o Órgão Público passaria a ter o exacerba- 52. Exatamente por isso, o art. 5o., §6o. da Lei
do poder de, independentemente do consentimento da pessoa, 7.347/1985 aduz que os órgãos públicos legitimados poderão
constituir contra ela verdadeiro título executivo extrajudicial, o tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua
que a Lei admite apenas em hipóteses específicas. Para a pró- conduta às exigências legais.
pria existência do TAC, ao revés, faz-se necessária a anuência da 53. Nesse dispositivo, conforme leciona o Professor
pessoa, sem a qual não se perfectibiliza a sua formação. HUGO NIGRO MAZZILLI, a Lei já indica o conteúdo material do
41. Nesse sentido, se o pessoa firma TAC com o obje- TAC, do ponto de vista da Administração (ajustamento da condu­
tivo de recompor a reserva legal ou APP em seu imóvel, e poste- ta às exigências legais), e o fato de que o Órgão Público apenas
riormente aliena o bem a terceira pessoa (que não fez parte do toma, do causador do dano, obrigação de fazer ou não fazer (ou
TAC), os termos do ajuste com o Órgão Público não serão aplicá- seja, a obrigação de que este torne sua conduta adequada às
veis a este adquirente, porquanto lhe falta o requisito essencial exigências da Lei), pois não têm os legitimados ativos da ação
de existência do TAC, a saber: o consentimento. civil pública ou coletiva qualquer disponibilidade sobre o conteú­
42. Nem se pode dizer que, neste caso, a natureza do material da lide (Compromisso de ajustamento de conduta:
propter rem da obrigação de restaurar a reserva legal ou APP de- evolução e fragilidades e atuação do Ministério Público, Revista
terminaria a vinculação do adquirente ao TAC firmado pelo antigo de Direito Ambiental, vol. 41, 2006, p. 93).
proprietário. Afinal, não se nega a obrigação do atual proprietário 54. Somente a pessoa é quem, ao assinar o TAC, ex-
ou possuidor de recompor o meio ambiente, a qual permane­ terioriza propriamente uma manifestação de vontade. Para tanto,
ce intacta, ainda que não tenha sido ele próprio o causador do reconhece que a) sua conduta está em desconformidade com
dano, exatamente em razão do sobredito caráter propter rem a Legislação, b) que está lhe é aplicável e, diante disso, c) as-
(art. 2o., §2o. do Novo Código Florestal). sume o compromisso de adequar sua postura às exigências do
43. A existência e extensão da obrigação, por outro ordenamento jurídico. O Poder Público, por outro lado, limita-se a
lado, devem ser aferidas normalmente à luz da Lei 12.651/2012 colher o compromisso, até mesmo em razão da indisponibilidade
– como em todos os demais casos –, pois não há, em relação ao da proteção ao meio ambiente e da natureza de ordem pública
novo proprietário ou possuidor do imóvel, qualquer TAC entre ele das normas ambientais.
e o Órgão Público. Ou seja: para definir a Lei aplicável à situação, 55. É nesse sentido que, considerando que é a pes-
é irrelevante a existência de TAC firmado pelo antigo possuidor soa – e não a Administração – quem exara sua vontade no TAC, o
ou proprietário, ainda que a assinatura tenha ocorrido na vigên- emintente Professor JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO defen-
cia da Lei 4.771/1965. de que a natureza jurídica do instituto é, pois, a de ato jurídico
44. A questão adquire outras complexidades, todavia, unilateral quanto à manifestação volitiva, e bilateral somente
quando o TAC foi firmado na vigência da Lei 4.771/1965 pela quanto à formalização, eis que nele intervêm o órgão público e o
mesma pessoa que pretende a aplicação do Novo Código ao promitente (Ação Civil Pública: comentários por artigo, São Paulo,
caso. Lumen Juris, 2011, p. 222).
45. Nesse caso, seria possível cogitar-se da existência 56. Diante dessas digressões, conclui-se, por tanto,
de retroatividade mínima – também vedada pelo texto constitu- que: (a) o TAC firmado com anterior proprietário ou possuidor
cional – na incidência da Lei 12.651/2012, haja vista que os do imóvel não produzirá qualquer efeito sobre o adquirente ou
efeitos futuros do TAC seriam, em tese, regidos por Lei que não novo proprietário ou possuidor, que dele não participou, inde­
estava vigente quando de sua formação. pendentemente da Lei sob a qual foi tomado o compromisso; e
46. Em contratos privados, não há qualquer dúvida de (b) a superveniência da Lei 12.651/2012 é apta a modificar o
que tal entendimento estaria correto, pois o exercício da auto- TAC firmado na vigência da Lei 4.771/1965, incidindo o Novo
nomia privado é efetivamente apto a criar nova relação jurídica Código.
entre as partes e estabelecer suas obrigações. Não é essa, en-
tretanto, a melhor interpretação a ser conferida à hipótese, que 57. AVERBAÇÃO DA ÁREA DE RESERVA LEGAL NO
é substancialmente diferente – e isso por três razões. CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS (CRI).
47. Em primeiro lugar, a assinatura do TAC não cria
qualquer relação jurídica nova, do ponto de vista ambiental, uma 58. Quanto ao pleito referente ao registro da averbação
vez que a relação e os deveres que vinculam os sujeitos ativo e da Reserva Legal perante o Cartório de Registro de Imóveis (CRI),

Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 113, p. 95-117, set./out. 2020 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA 101

FDUA_113_MIOLO.indd 101 04/11/2020 15:05:33


Superior Tribunal de Justiça

esta egrégia Corte Superior entende que a Lei 12.651/2012 não da averbação, procedimento que se reputava
suprimiu a obrigação de averbação da Área de Reserva Legal no como necessário com o fim de permitir a fiscali­
Registro de Imóveis, mas apenas possibilitou que o registro seja zação da manutenção e preservação de tal área
realizado, alternativamente, no Cadastro Ambiental Rural (REsp. contida nos imóveis rurais, vê-se que não mais é
1.426.830/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 29.11.2016). exigida em função das recentes publicações do
59. Isso quer dizer que a partir do Novo Código Flo- Decreto nº 8.235, de 5 de maio de 2014, e da
restal a averbação no Cartório de Registro de Imóveis será dis- Instrução Normativa nº 2/MMA, de 6 de maio de
pensada caso a Reserva Legal já esteja registrada no Cadastro 2014, que estabelecem procedimentos a serem
Ambiental Rural (CAR), consoante dispõe o art. 18, §4o. da Lei adotados para a inscrição, registro, análise e de­
12.651/2012 (REsp. 1.645.909/MG, Rel. Min. REGINA HELENA monstração das informações ambientais sobre
COSTA, DJe 19.12.2018; REsp. 1.276.114/MG, Rel. Min. OG os imóveis rurais no Cadastro Ambiental Rural
FERNANDES, DJe 11.10.2016). CAR, bem como para a disponibilização e inte­
60. Entretanto, no causo dos autos ausente o registro gração dos dados no Sistema de Cadastro Am­
no CAR, faz-se necessária a averbação da Reserva Legal junto à biental Rural SICAR, registro público eletrônico
matrícula do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis. de âmbito nacional, de forma a instrumentalizar
61. Ante o exposto, dá-se parcial provimento Recurso as normas contidas na Lei nº 12.651/12
Especial do Presentante Ministerial apenas para impor a obri-
gação de proceder à inscrição da Reserva Legal no Cartório de Opostos embargos declaratórios por Guiomar Della
Registro de Imóveis. Togna Nardini, foram eles rejeitados ante a inexistência dos ví-
62. É o voto. cios elencados no art. 535 do CPC/73.
O Parquet paulista questiona a aplicação do novo Có-
digo Florestal nas ações ambientais propostas na vigência da Lei
VOTO-VISTA nº 4.771/65, afirmando que tal entendimento afronta os princí-
pios e objetivos da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente.
O SENHOR MINISTRO SÉRGIO KUKINA: Trata-se de re- Assim, aponta como violados os arts. 2º, caput, I, III, e IV e 4º, II
curso especial manejado pelo Ministério Público do Estado de e III, da Lei nº 6.938/81.
São Paulo, com fundamento no art. 105, III, a e c, da CF, con- Para tanto, defende que (fl. 534):
tra acórdão proferido pelo Tribunal local, assim ementado (fls.
479/480): A Reserva Legal se destina essencial­
mente à conservação da biodiversidade e ao
AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL INSTITUIÇÃO uso sustentável de recursos naturais, enquanto
DE RESERVA LEGAL REGRAS AUTOAPLICÁVEIS a APP tem como, objetivo preservar recursos hí­
IMÓVEL COM ÁREA SUPERIOR A 4 (QUATRO) dricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a
MÓDULOS FISCAIS) NÃO INCIDÊNCIA DA REGRA biodiversidade, o fluxo gênito de fauna e flora,
PREVISTA NO ARTIGO 67 DO NOVO CÓDIGO proteger o solo e assegurar o bem-estar das po­
FLORESTAL (LEI Nº 12.651/2012) POSSIBILI­ pulações humanas.
DADE DE CÔMPUTO DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO Tratar tais espaços ambientais como
PERMANENTE NA RESERVA LEGAL (ART. 15 DO equivalentes compromete a composição e a di­
CÓDIGO FLORESTAL VIGENTE) INSTITUIÇÃO E versidade das espécies da flora e da fauna nati­
REGULAMENTAÇÃO DO CADASTRO AMBIENTAL va destes espaços ambientais, já que a APP não
RURAL PREVISTO NO NOVO CÓDIGO FLORESTAL protege as mesmas,espécies presentes na área
(LEI Nº 12.651/2012), POR MEIO DO DECRE­ de Reserva Legal, e,vice-versa.
TO Nº 8.235, DE 5.05.2014, E DA INSTRUÇÃO Do mesmo modo, ao possibilitar a so­
NORMATIVA Nº 2/MMA, DE 6.05.2014 AVERBA­ breposição de espaços ambientais completa­
ÇÃO DA ÁREA DESNECESSIDADE. mente distintos (Reserva Legal e APP) quanto
I- Para os imóveis que medem mais de quatro mó­ ao aspecto da funcionalidade biológica, o aresto
dulos fiscais, a instituição de 20% de área de re­ recorrido’ também desconsiderou o principio da
serva legal, exigência da então Lei n° 4.771/65, proibição de retrocesso ambiental; por meio do
também é feita pela Lei n° 12.651/2012 que a qual se estabelece que as conquistas jurídico-­
revogou, mas agora com a instituição de novas ambientais não podem ser reduzidas ou afasta­
regras, sendo, portanto, plenamente autoriza­ das por alterações supervenientes da legislação
do o cômputo da área de APP na reserva legal, ambiental, em prejuízo das futuras gerações.
desde que preenchidos os requisitos do art.
15 da aludida lei. Ademais, a área de reserva Ao final, indica dissídio jurisprudencial com julgado
legal pode ser utilizada sob regime de manejo desta Corte (AgRg no AREsp 327.687/SP), afirmando que deve
florestal sustentável, conforme preceitua o art. prevalecer o entendimento de “impossibilidade de aplicação
20 da atual lei, sendo que sua localização deve imediata da lei nova florestal por representar medida de forte
ser aprovada pelo órgão ambiental competente retrocesso na defesa do meio ambiente, ao reduzir o patamar de
e, quanto à regularização, esta poderá se dar proteção dos ecossistemas frágeis sem que haja as necessárias
na forma de recomposição, permissão de re­ compensações ambientais” (fl. 549).
generação natural ou compensação (art. 66), O ilustre Relator, em judicioso voto, delimitou a contro-
atentando-se para os novos prazos concedidos vérsia a ser debatida como sendo “a obrigação do proprietário de
para a recuperação e realização da reserva legal imóvel rural em instituir Área de Reserva Legal em suas proprie-
(arts. 29 e seguintes do Novo Código Florestal). dades, com a possibilidade do cômputo de Área de Preservação
II- Dispõe expressamente o Código Florestal (Lei Permanente (APP) no cálculo do percentual da Reserva Legal do
nº 12.651/2012, com redação dada pela Lei nº imóvel, desde que cumpridas as condicionantes previstas na Lei
12.727/2012) que a reserva legal deve ser re­ 12.651/2012, bem como sobre a (des)necessidade da averba-
gistrada tão-somente no CAR (Cadastro Ambien­ ção da referida área no Cartório de Registro de Imóveis (CRI)”.
tal Rural) e que tal registro desobriga a averba­ Ao examinar a questão de direito intertemporal, afas-
ção no Cartório de Registro de Imóveis. Assim, tou a tese de que o direito adquirido ambiental impediria a apli-
quanto à obrigação voltada ao registro da área cação da Lei nº 12.651/2012 na presente hipótese, porquanto o
de reserva legal no cadastro imobiliário por meio Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIs 4.901, 4.902

102 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 113, p. 95-117, set./out. 2020

FDUA_113_MIOLO.indd 102 04/11/2020 15:05:33


Recurso Especial nº 1.646.193/SP

e 4.903, e da ADC 42, confirmou a constitucionalidade dos arts. e restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225,
67 e 68 do novo Código Ambiental, pautando a discussão exata- §1º, I)”.
mente na garantia de proteção ambiental suficiente e no princí- Posteriormente, com idêntica premissa hermenêutica,
pio da proibição de retrocesso ambiental. Dessa forma, não se a Segunda Turma, ao apreciar o REsp 1.676.447/SP, compre-
poderia conferir ultratividade à Lei 4.771/65, como se pretende, endeu pela impossibilidade de compensação de eventuais Áreas
a fim de garantir o cumprimento de um TAC firmado sob a égide de Preservação Permanente (APPs) em área destinada à Reserva
do Código anterior. Legal, afastando, nessa medida, a incidência do art. 15 da Lei
Também afastou a pretensão de que o compromisso 12.651/2012 (Código Florestal). Isso porque, no campo ambien-
acordado no TAC (com os antigos proprietários), para a repara- tal-urbanístico, valeria a norma mais rigorosa vigente à época dos
ção da degradação ambiental em espaço protegido, seja aceito fatos, e não a contemporânea ao julgamento da causa, quando
como ato jurídico perfeito, sob a compreensão de que o dano menos protetora da Natureza, concluindo que o “direito material
possui caráter contínuo, ante o direito subjetivo da coletividade à aplicável à espécie é o então vigente à época dos fatos”.
recomposição do meio ambiente. Eis a ementa do julgado:
O relator ressaltou, ainda, jurisprudência desta Corte
segundo a qual a degradação ambiental praticada em espaços AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL
territorialmente protegidos, como a APP ou a reserva legal, pos- PÚBLICA. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. IRRE­
sui caráter continuado, motivo pelo qual as ações de pretensão TROATIVIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 15 DA LEI
de cessação dos danos ambientais são imprescritíveis. 12.651/2012. COMPENSAÇÃO DE APPS EM
Nesse ponto, destacou conhecer e discordar do po- ÁREA DE RESERVA LEGAL. PROIBIÇÃO DE RE­
sicionamento adotado pela Segunda Turma, expresso na PET TROCESSO. PROTEÇÃO DOS ECOSSISTEMAS
no REsp 1.240.122/PR, relator Ministro Herman Benjamin, se- FRÁGEIS.
gundo o qual, “no campo ambiental-urbanístico, a norma mais 1. Cuida-se de inconformismo contra decisum
rigorosa vigente à época dos fatos, e não a contemporânea ao do Tribunal de origem que possibilitou a com­
julgamento da causa, menos protetora da Natureza”. pensação de eventuais Áreas de Preservação
Assim, propõe a adoção da tese segundo a qual a exis- Permanente (APPs) em área destinada a Reser­
tência e necessidade de reposição do dano em espaços tutela- va Legal, fundamentando-se no art. 15 da Lei
dos pelo Código Ambiental deve ser pautada pelo regime da Lei 12.651/2012 (Código Florestal).
12.651/2012 (novo Código Florestal), observada a exegese do 2. Não se emprega norma ambiental superve­
STF no julgamento das ADIs 4.901, 4.902 e 4.903, e da ADC niente de cunho material aos processos em cur­
42, mesmo que a noticiada degradação tenha ocorrido na vigên- so, seja para proteger o ato jurídico perfeito, os
cia da revogada Lei 4.771/65 (Código Florestal anterior). direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada,
Ao final, acolhe em parte a pretensão recursal, para seja para evitar a redução do patamar de pro­
impor à parte recorrida a obrigação de proceder à inscrição da teção de ecossistemas frágeis sem as neces­
Reserva Legal no Cartório de Registro de Imóveis, forte na com- sárias compensações ambientais. No mesmo
preensão de que, a partir do Novo Código Florestal, a averbação sentido: AREsp 611.518/MS, Rel. Min. Herman
no CRI será dispensada caso a Reserva Legal já esteja registrada Benjamin, DJe de 25/8/2015; EDcl no REsp
no Cadastro Ambiental Rural (CAR), consoante dispõe o art. 18, 1.381.341/MS, Rel. Min. Humberto Martins,
§4o. da Lei 12.651/2012, o que não ocorreu na hipótese dos DJe de 27/8/2015;
autos. AREsp 730.888/SP, Rel. Min. Humberto
Após o voto do relator, pedi vista antecipada dos autos Martins, DJe de 16/9/2015; AgRg no REsp
para examinar mais de perto a questão. 1.367.968/SP, Rel. Ministro Humberto Martins,
É O RELATÓRIO. SEGUE A FUNDAMENTAÇÃO. Segunda Turma, DJe 12/3/2014.
Em um breve retrospecto sobre o tema, a Segunda 3. O STJ consolidou o entendimento de que
Turma, já em 2012, houvera afastado a tese consubstanciada “‘o novo Código Florestal não pode retroagir
na existência de anistia ampla e irrestrita das infrações ou con- para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos
dutas lesivas ao meio ambiente, quando ocorridas em momento ambientais adquiridos e a coisa julgada,
anterior à vigência da Lei 12.651/2012. tampouco para reduzir de tal modo e sem
Segundo o decidido na PET no REsp 1.240.122/ as necessárias compensações ambientais o
PR, nas palavras do relator, Sua Excelência o Ministro Herman patamar de proteção de ecossistemas frágeis
Benjamin, “a recuperação do meio ambiente degradado nas cha- ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto
madas áreas rurais consolidadas continua de rigor, agora por de transgredir o limite constitucional intocável
meio de procedimento administrativo, no âmbito de Programa de e intransponível da ‘incumbência’ do Estado
Regularização Ambiental – PRA, após a inscrição do imóvel no de garantir a preservação e a restauração dos
Cadastro Ambiental Rural – CAR (§2°) e a assinatura de Termo de processos ecológicos essenciais (art. 225, §1º,
Compromisso (TC), valendo este como título extrajudicial (§3°). I)’ (AgRg no REsp 1.434.797/PR, Rel. Ministro
Apenas a partir daí “serão suspensas” as sanções aplicadas ou Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em
aplicáveis (§5°, grifo acrescentado). Com o cumprimento das obri- 17/05/2016, DJe 07/06/2016)” (AgInt no AgInt
gações previstas no PRA ou no TC, ‘as multas’ (e só elas) ‘serão no AREsp 850.994/SP, Rel. Ministro Mauro
consideradas convertidas em serviços de preservação, melhoria Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de
e recuperação da qualidade do meio ambiente’ (PET no REsp 19.12.2016). Nesse sentido: EDcl no REsp
1.240.122/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA 1.389.942/MS, Rel. Rel. Ministra Assusete
TURMA, julgado em 02/10/2012, DJe 19/12/2012). Magalhães, Segunda Turma, DJe 28.9.2017;
Em seu voto, o mesmo relator fez sinalar, ainda que AgRg no AREsp 364.256/MS, Rel. Ministra
em obiter dictum, a compreensão de que a norma ambiental Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado
superveniente, mais benéfica, não poderia atingir os processos em 21.9.2017, aguardando publicação.
em curso, pois “o novo Código Florestal não pode retroagir para 4. Recurso Especial provido. (REsp 1.676.447/
atingir o ato jurídico perfeito, direitos ambientais adquiridos e SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUN-
a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as DA TURMA, julgado em 10/10/2017, DJe
necessárias compensações ambientais o patamar de proteção 17/12/2018)
de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção,
a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intrans- A partir deste julgamento, é possível verificar a conso-
ponível da “incumbência” do Estado de garantir a preservação lidação, em nossa jurisprudência, da compreensão de que não

Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 113, p. 95-117, set./out. 2020 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA 103

FDUA_113_MIOLO.indd 103 04/11/2020 15:05:33


Superior Tribunal de Justiça

seria possível aplicar o disposto no art. 15 do novo Código Flo- No recurso especial, pretende-se a reforma do acór-
restal, mais benéfico para o infrator, às infrações ambientais dão recorrido, no que afastou a necessidade de averbação da
praticadas sob e égide da legislação anterior. reserva florestal perante o Cartório de Imóveis, concluindo pela
Neste sentido, destacam-se os seguintes acórdãos: incidência do art. 15 do novo Código Florestal, que determinou a
REsp 1.605.841/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUN- instituição de Reserva Legal, com o cômputo da Área de Preser-
DA TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 01/07/2019; AgInt vação Permanente, além da inclusão do imóvel no CAR – Cadas-
no REsp 1.676.786/SP, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, tro Ambiental Rural.
PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 18/06/2018; Entretanto, em vista do já referenciado contexto de-
AgInt no AREsp 1.115.534/SP, Rel. Ministro MAURO CAMP- lineado no julgamento das ADIs 4901, 4902, 4903 e 4937,
BELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/06/2018, e da ADC 42, tenho que não há como permanecer hígido o en-
DJe 27/06/2018; AgInt no AREsp 1.044.947/MG, Rel. tendimento outrora adotado por esta Corte, no sentido de que
Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em “o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato
25/10/2018, DJe 04/12/2018; e AgInt no REsp 1.521.487/ jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa jul-
MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado gada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias
em 27/08/2019, DJe 06/09/2019. compensações ambientais o patamar de proteção de ecossis-
No entanto, o tema retorna ao debate com novo pano temas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de
de fundo, qual seja, a superveniente declaração de constitucio- transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da
nalidade de importantes dispositivos do novo Código Florestal ‘incumbência’ do Estado de garantir a preservação e a restau-
pela Excelsa Corte, fruto do conjunto julgamento das Ações Di- ração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, §1º, I)”
retas de Inconstitucionalidade 4901, 4902, 4903 e 4937, bem (AgRg no REsp 1.434.797/PR, Rel. Ministro Humberto Martins,
assim da Ação Declaratória de Constitucionalidade 42. Segunda Turma, julgado em 17/05/2016, DJe 07/06/2016)”.
Ao examinar o extenso acórdão prolatado nessas cin- Por fim, merece registro que Parquet estadual, nas ra-
co ações objetivas, resta evidenciado que os debates sobre a zões de seu especial, pretende a reforma do acórdão recorrido
constitucionalidade dos dispositivos impugnados se deram com por afronta aos arts. 2°, I, III e IV, e 4°, II e III, da Lei n° 6.938/81,
foco na interpretação sistêmica das inovações trazidas pela Lei “para que seja afastada a possibilidade de aplicação imediata
12.651/2012, em especial no que se refere à reserva legal, às dos arts. 15 e 66 da Lei 12.651/12 ao presente caso” (fl. 553).
áreas de preservação permanente e aos mecanismos trazidos O relator, no entanto, propõe, na parte final de seu ju-
para reparação e sanção do dano ambiental causado. dicioso voto, que o recurso seja provido para que, nos termos do
Dentre as várias premissas teóricas adotadas no exa- art. 18, §4º, do novo Código Florestal, diante da ausência de re-
me das referidas ações, o eminente Ministro Luiz Fux, relator gistro do imóvel no CAR, seja imposto à parte recorrida que aver-
no STF, chamou a atenção para o fato de que o debate seria be a Área de Reserva Legal no Cartório de Registro de Imóveis.
norteado, não só pelas diretrizes trazidas na Constituição Fede- Assim, nota-se que o provimento jurisdicional propos-
ral, mas também pelos diversos tratados internacionais de que to não encontra abrigo na pretensão recursal, que se limitou a
o Brasil é signatário, destacando, sempre, a complexidade no requerer a incidência da anterior norma ambiental, mais severa,
estabelecimento de critérios para a adoção de políticas públicas em razão do princípio da proibição de retrocesso ambiental.
na seara ambiental. Em acréscimo, anoto que o acórdão recorrido expres-
Assim, fez pontuar que “as políticas públicas ambien- samente já impôs à ré a obrigação de “instituir a área de reserva
tais devem conciliar-se com outros valores democraticamente legal à luz do regramento contido no novo Código Florestal acima
eleitos pelos legisladores como o mercado de trabalho, o de- ressaltado, tudo sob orientação dos órgãos ambientais e me-
senvolvimento social, o atendimento às necessidades básicas diante a aprovação de projeto previamente enviado para tal fim
de consumo dos cidadãos etc. Dessa forma, não é adequado nos prazos acima fixados, sob pena de multa diária a ser fixada
desqualificar determinada regra legal como contrária ao coman- na fase de execução do julgado em caso de descumprimento”
do constitucional de defesa do meio ambiente (art. 225, caput, (fl. 486).
CRFB), ou mesmo sob o genérico e subjetivo rótulo de ‘retroces- Por derradeiro, esta Primeira Turma compreende que,
so ambiental’, ignorando as diversas nuances que permeiam o “com o advento da Lei nº 12.651/2012, é dispensável a averba-
processo decisório do legislador, democraticamente investido da ção da reserva legal no Cartório de Registro de Imóveis se houver
função de apaziguar interesses conflitantes por meio de regras prévio registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR)”, e somente
gerais e objetivas”(item 11 da respectiva ementa). na ausência do registro na esfera administrativa é que se faz
Nesse contexto, ao examinar a constitucionalidade do necessária a averbação da reserva legal junto à matrícula do imó-
art. 15 do novo Código Florestal, concluiu o STF que “O cômputo vel (REsp 1.645.909/MG, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA,
das Áreas de Preservação Permanente no percentual de Reserva PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/12/2018, DJe 19/12/2018).
Legal resulta de legítimo exercício, pelo legislador, da função que ANTE O EXPOSTO, tendo em vista a afirmada decla-
lhe assegura o art. 225, §1º, III, da Constituição, cabendo-lhe ração de constitucionalidade do art. 15 da Lei 12.651/2012,
fixar os percentuais de proteção que atendem da melhor forma com o afastamento expresso da tese de que essa norma violaria
os valores constitucionais atingidos, inclusive o desenvolvimento o princípio constitucional da vedação do retrocesso ambiental,
nacional (art. 3º, II, da CRFB) e o direito de propriedade (art. acompanho em parte o ilustre Relator (pois entendo desneces-
5º, XXII, da CRFB). Da mesma forma, impedir o cômputo das sária a também averbação da reserva legal no CRI), em ordem
áreas de preservação permanente no cálculo da extensão da a negar provimento ao recurso especial do Ministério Público do
Reserva Legal equivale a tolher a prerrogativa da lei de fixar Estado de São Paulo.
os percentuais de proteção que atendem da melhor forma os É como voto.
valores constitucionais atingidos” (item 22, letra p, da mesma
ementa).
A partir do cenário assim estabelecido, passo a exami- VOTO-VISTA
nar o recurso especial, ressaltando que meu voto converge com
o novo olhar proposto pelo preclaro Ministro Napoleão, no que O EXMO. SR. MINISTRO GURGEL DE FARIA:
se refere a este ponto. Após o bem-lançado voto do eminente relator, Ministro
O presente apelo nobre foi tirado de ação civil pública Napoleão Nunes Maia Filho, em que deu parcial provimento ao
ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, que recurso especial para impor ao recorrente a obrigação de ins-
tinha como objetivo impor ao réu a obrigação de averbar a área crever a Reserva Legal no cartório de registro de imóveis, e do
de reserva florestal correspondente a 20% do total da proprieda- voto do eminente Ministro Sérgio Kukina, que acompanhou em
de adquirida em 2012, a fim de fazer valer TAC firmado com os parte o Relator, pedi vista dos autos e agora submeto o feito a
antigos proprietários, ainda na vigência da Lei 4.771/65. julgamento.

104 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 113, p. 95-117, set./out. 2020

FDUA_113_MIOLO.indd 104 04/11/2020 15:05:34


Recurso Especial nº 1.646.193/SP

Cuidam os autos de ação civil pública proposta pelo da reserva legal (arts. 29 e seguintes do Novo
Ministério Público do Estado de São Paulo, em que visa impor Código Florestal).
aos réus obrigação “consistente na instituição, medição, demar- II - Dispõe expressamente o Código Florestal (Lei
cação e averbação de área de reserva florestal (…), bem como nº 12.651/2012, com redação dada pela Lei nº
comprovar a existência de cobertura florestal em referida área, 12.727/2012) que a reserva legal deve ser re-
ou de que está cumprindo as condicionantes para a recompo- gistrada tão-somente no CAR (Cadastro Ambien-
sição da área, e se abster de explorá-la ou nela promover ou tal Rural) e que tal registro desobriga a averbação
permitir que se promovam atividades danosas, ainda que parcial- no Cartório de Registro de Imóveis. Assim, quan-
mente.” (e-STJ fl. 407) to à obrigação voltada ao registro da área de
O sentenciante: reserva legal no cadastro imobiliário por meio da
averbação, procedimento que se reputava como
julgou parcialmente procedente a ação necessário com o fim de permitir a fiscalização
para impor à ré (i) a obrigação de apresentar da manutenção e preservação de tal área con-
em 180 dias projeto de instituição, medição e tida nos imóveis rurais, vê-se que não mais é
demarcação da área de reserva legal junto ao exigida em função das recentes publicações do
órgão ambiental estadual competente, bem Decreto nº 8.235, de 5 de maio de 2014, e da
como atender com exatidão e presteza todas as Instrução Normativa nº 2/MMA, de 6 de maio de
exigências formuladas pelo referido órgão am- 2014, que estabelecem procedimentos a serem
biental; (ii) a obrigação imediata de se abster adotados para a inscrição, registro, análise e de-
de explorar a área de reserva legal, bem como, monstração das informações ambientais sobre
se o caso, de proceder à recomposição da refe- os imóveis rurais no Cadastro Ambiental Rural
rida área em até 2 (dois) anos contadas da data CAR, bem como para a disponibilização e inte-
da publicação da Lei n° 12.651/12, devendo tal gração dos dados no Sistema de Cadastro Am-
processo ser concluído nos prazos estabeleci- biental Rural SICAR, registro público eletrônico
dos pelo Programa de Regularização Ambiental de âmbito nacional, de forma a instrumentalizar
– PRA, de que trato o artigo 59 do novo Código as normas contidas na Lei nº 12.651/12.
Florestal e; (iii) obrigação de proceder a inscri-
ção da reserva legal no CAR, no prazo de 1 (um) O Parquet interpôs recurso especial, no qual aponta
ano contada da sua implantação, prorrogável como violados os arts. 2º, caput, I, III, e IV, e 4º, II e III, todos da
uma única vez, por igual período, desde que haja Lei nº 6.938/1981 (e-STJ fls. 523/553).
ato do Chefe do Poder Executivo. Em razão da Questiona o recorrente a aplicação imediata dos arts.
sucumbência, deverá a ré arcar com as custas 15 e 66 da Lei nº 12.651/2012, os quais permitem o cômputo
processuais. (e-STJ fl. 480). das áreas de preservação permanente no cálculo da Reserva
Legal (art. 15) e a possibilidade de o réu promover a compensa-
Ambas as partes apelaram e o Tribunal de origem ção da Reserva Legal em outra área (art. 66), ao argumento de
proveu em parte o apelo da parte ré, reputando prejudicada a que “o aresto recorrido desconsiderou o princípio da proibição de
apelação do Parquet, em acórdão que foi assim ementado (e-STJ retrocesso ambiental” (e-STJ fl. 534).
fls. 479/480): Pugna pelo “cumprimento das obrigações de instituir,
demarcar e averbar área de Reserva Legal, em face dos réus,
AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL INSTITUIÇÃO conforme estabelecido na Lei n° 4.771/65”.
DE RESERVA LEGAL REGRAS AUTOAPLICÁVEIS Incontroversa a inexistência de averbação de reserva
IMÓVEL COM ÁREA SUPERIOR A 4 (QUATRO) florestal legal na matrícula do imóvel (e-STJ fl. 408), a questão
MÓDULOS FISCAIS) NÃO INCIDÊNCIA DA REGRA submetida a exame desta Corte diz respeito ao regramento legal
PREVISTA NO ARTIGO 67 DO NOVO CÓDIGO aplicável para a referida averbação: se o novo Código Florestal,
FLORESTAL (LEI Nº 12.651/2012) POSSIBILI- como entendeu o Tribunal a quo, ou a legislação ambiental ante-
DADE DE CÔMPUTO DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO rior (Lei nº 4.771/65), como deseja o recorrente.
PERMANENTE NA RESERVA LEGAL (ART. 15 DO Acerca do tema, há diversos julgados nesta Corte nos
CÓDIGO FLORESTAL VIGENTE) INSTITUIÇÃO E quais se defende a tese de que, em matéria ambiental, deve pre-
REGULAMENTAÇÃO DO CADASTRO AMBIENTAL valecer o princípio tempus regit actum, de forma a não se admitir
RURAL PREVISTO NO NOVO CÓDIGO FLORESTAL a aplicação das disposições do novo Código Florestal a fatos
(LEI Nº 12.651/2012), POR MEIO DO DECRE- pretéritos, sob pena de retrocesso ambiental. Ilustrativamente:
TO Nº 8.235, DE 5.05.2014, E DA INSTRUÇÃO
NORMATIVA Nº 2/MMA, DE 6.05.2014 AVERBA- AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO
ÇÃO DA ÁREA DESNECESSIDADE. DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. TERMO DE COMPRO-
I - Para os imóveis que medem mais de qua- MISSO DE RECUPERAÇÃO AMBIENTAL – TCRA.
tro módulos fiscais, a instituição de 20% de ALEGAÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DO TÍTULO EM
área de reserva legal, exigência da então RAZÃO DA SUPERVENIÊNCIA DO ART. 8º, §3º,
Lei nº 4.771/65, também é feita pela Lei nº DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL. ACÓRDÃO QUE
12.651/2012 que a revogou, mas agora com CONCLUIU QUE O REFERIDO DISPOSITIVO NÃO
a instituição de novas regras, sendo, portanto, ESTAVA REGULAMENTADO. FUNDAMENTO NÃO
plenamente autorizado o cômputo da área de ATACADO NAS RAZÕES RECURSAIS. SÚMULA
APP na reserva legal, desde que preenchidos os 283/STF. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO.
requisitos do art. 15 da aludida lei. Ademais, a SÚMULA 284/STF.
área de reserva legal pode ser utilizada sob re- 1. Hipótese em que o recorrente pleiteia a de-
gime de manejo florestal sustentável, conforme claração de inexigibilidade de Termo de Com-
preceitua o art. 20 da atual lei, sendo que sua promisso de Recuperação Ambiental, median-
localização deve ser aprovada pelo órgão am- te a aplicação retroativa do art. 8°, §3°, da Lei
biental competente e, quanto à regularização, 12.651/2012, que dispensa a autorização de
esta poderá se dar na forma de recomposição, órgão ambiental competente para a execução
permissão de regeneração natural ou compen- de obras, em caráter de urgência, de atividade
sação (art. 66), atentando-se para os novos pra- de segurança nacional e obras de interesse da
zos concedidos para a recuperação e realização defesa civil destinadas à prevenção e mitigação

Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 113, p. 95-117, set./out. 2020 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA 105

FDUA_113_MIOLO.indd 105 04/11/2020 15:05:34


Superior Tribunal de Justiça

de acidentes em áreas públicas, razão pela qual 1.510.457/MS, Rel. Ministra Regina Helena
o TCRA deveria ser desconstituído, pois o de- Costa, Primeira Turma, DJe 26/06/2017; AgInt
sassoreamento de margem de curso d’água em no REsp 1.389.613/MS. Ministra Assusete
APP contida em área urbana se enquadraria na Magalhães, Segunda Turma, DJe 27/06/2017;
referida dispensa legal. AgInt no REsp 1.381.085/MS. Ministro Og
2. Sobre a questão, o Tribunal de origem con- Fernandes, Segunda Turma, DJe 23/08/2017;
cluiu: “não basta que a embargante alegue que REsp 1.381.191/SP, Rel. Ministra Diva Malerbi,
a novel legislação ambiental permite a dispensa Segunda Turma, julgado em 16/06/2016, DJe
de autorização para realizar a supressão de ve- 30/6/2016; AgInt no AREsp 826.869/PR,
getação nativa em área de preservação perma- Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe
nente, porque o disposto na Lei n° 12.651/12 15/12/2016; AREsp 611.518/MS, Rel. Min.
não está regulamentado, não podendo se afir- Herman Benjamin, DJe de 25/08/2015; EDcl
mar que a supressão de vegetação em APP pela no REsp 1.381.341/MS, Rel. Min. Humberto
Municipalidade de Jandira para desassoreamen- Martins, DJe de 27/8/2015; AREsp 730.888/
to de curso d’água seria, necessariamente, uma SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma,
das hipóteses previstas no supracitado artigo DJe de 16/09/2015; REsp 1.462.208/SC, Rel.
de lei” (fl. 85, e-STJ). Contudo, esse argumento Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe
não foi atacado pela parte recorrente e, como é 06/04/2015; AgRg no REsp 1.367.968/SP,
apto, por si só, para manter o decisum combati- Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma,
do, permite aplicar na espécie, por analogia, os DJe 12/03/2014; PET no REsp 1.240.122/PR,
óbices das Súmulas 284 e 283 do STF, ante a Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma,
deficiência na motivação e a ausência de impug- DJe 19/12/2012.
nação de fundamento autônomo. 4. Recurso Especial não conhecido. (REsp
3. Ademais, ainda que superado tal óbice, 1728244/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN,
o STJ consolidou o entendimento de que o SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/2018,
novo Código Florestal não pode retroagir DJe 08/03/2019). (Grifos acrescidos).
para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos
ambientais adquiridos e a coisa julgada, PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. NOVO CÓDI-
tampouco para reduzir de tal modo e sem GO FLORESTAL. IRRETROATIVIDADE. TEMPUS
as necessárias com­ pensações ambientais o REGIT ACTUM. CLÁUSULA DE RESERVA DE PLE-
patamar de proteção de ecossistemas frágeis NÁRIO. VIOLAÇÃO. AUSÊNCIA. DEFICIÊNCIA RE-
ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto CURSAL. INEXISTÊNCIA.
de transgredir o limite constitucional intocável 1. O Plenário do STJ decidiu que “aos recursos
e intransponível da incumbência do Estado interpostos com fundamento no CPC/2015 (re-
de garantir a pre­ ser­vação e a restauração lativos a decisões publicadas a partir de 18 de
dos processos eco­ lógicos essenciais (art. março de 2016) serão exigidos os requisitos de
225, §1º, I): AgInt no AREsp 894.313/SP, Rel. admissibilidade recursal na forma do novo CPC”
Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, (Enunciado Administrativo nº 3).
julgado em 11/09/2018, DJe 17/09/2018;
2. Não há como fazer retroagir a novel legislação
AgInt no AREsp 1.115.534/SP, Rel. Ministro
florestal para afastar o cumprimento de transa-
Mauro Campbell Marques, Segunda Turma,
ção penal formalizada em Juizado Especial, sob
julgado em 19/06/2018, DJe 27/06/2018;
a égide da norma revogada (desfazer rancho
AgInt no REsp 1.676.786/SP, Rel. Ministra
erguido em APP), pois é firme a posição desta
Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado
Corte de que, em matéria ambiental, deve pre-
em 12/06/2018, DJe 18/06/2018; AgInt no
valecer o princípio tempus regit actum, de forma
AREsp 1.211.974/SP, Rel. Ministro Francisco
a não se admitir a aplicação das disposições
Falcão, Segunda Turma, julgado em 17/4/2018,
do novo Código Florestal a fatos pretéritos, sob
DJe 23/04/2018; AgInt no REsp 1.597.589/
pena de retrocesso ambiental.
SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques,
3. A irretroatividade do Novo Código Florestal as-
Segunda Turma, DJe 26/02/2018; REsp
1.680.699/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, sentada na decisão agravada não implica afron-
Segunda Turma, julgado em 28/11/2017, DJe ta à cláusula de reserva de plenário, porquanto
19/12/2017; AgInt no AgInt no AREsp 850.994/ sequer houve pronúncia de inconstitucionalida-
SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, de de preceito legal, senão a interpretação do
Segunda Turma, DJe de 19/12/2016; EDcl no direito infraconstitucional aplicável ao caso.
REsp 1.389.942/MS, Rel. Ministra Assusete 4. O equívoco redacional do recurso ministerial
Magalhães, Segunda Turma, DJe 28/09/2017; acolhido – que menciona “averbação da área
AgRg no EAREsp 364.256/MS, Rel. Ministra de reserva legal em imóvel rural” ao invés de
Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe “regularização de rancho em área de preserva-
08/05/2018; AgInt no REsp 1.544.203/MG, ção permanente” constitui erronia terminológica
Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda (reserva legal x APP) – não impede a admissibili-
Turma, DJe 09/05/2018; REsp 1.680.699/ dade recursal, mormente porque, noutro trecho,
SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda foi explicitado de modo correto o objeto da ação.
Turma, DJe 19/12/2017; AgInt no AREsp 5. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp
826.869/PR, Rel. Ministro Francisco Falcão, 1709241/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA,
Segunda Turma, DJe 15/12/2016; AgInt no PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/11/2019,
REsp 1.597.589/SP, Rel. Ministro Mauro DJe 02/12/2019)
Campbell Marques, Segunda Turma, DJe
26/2/2018; REsp 1.715.929/SP, Rel. Ministro Divergindo desta orientação, o eminente Relator, em
Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, seu voto, defende que “a análise da existência e a recomposi-
DJe 26/02/2018; AgInt no REsp 1.363.943/ ção do dano em APP, reserva legal ou outro dos espaços tutela-
SC, Rel. Ministro Gurgel de Farias, Primeira dos pelo novo Código deve se pautar, atualmente, pela totalida-
Turma, DJe 15/12/2017; AgInt no REsp de do regime da Lei 12.651/2012 (ressalvadas, por óbvio, as

106 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 113, p. 95-117, set./out. 2020

FDUA_113_MIOLO.indd 106 04/11/2020 15:05:34


Recurso Especial nº 1.646.193/SP

disposições declaradas inconstitucionais pelo STF), ainda que Indubitável que ao legislador compe-
a degradação tenha ocorrido na vigência da Lei 4.771/1965”. te modificar e revogar suas próprias leis. Ao
Tal conclusão emana do posicionamento do Supremo fazê-lo, porém, seja para substituí-las por outra
Tribunal Federal, no julgamento das ADIs 4.901, 4.902 e 4.903 seja para simplesmente no seu lugar deixar o
e da ADC 42 (DJE 13/08/2019), nas quais a Suprema Corte vazio, a Constituição e a Lei de Introdução às
atestou a constitucionalidade de diversos dispositivos do novo Normas do Direito Brasileiro vedam-lhe atingir
Código Ambiental, entre eles, o art. 15 daquele diploma. direitos adquiridos, o ato jurídico perfeito e a
Com a mais respeitosa vênia, não compartilho da mes- coisa julgada constituídos sob o império do regi-
ma compreensão. me jurídico anterior. Em suma, a lei pode, sim,
Penso que a posição externada pelo STF, no controle retroagir, desde que não dilapide o patrimônio
concentrado de constitucionalidade, não impede a análise da material, moral ou ecológico, constitucional ou
irretroatividade do novo Diploma Legal, pois trata-se de aborda- legalmente garantido, dos sujeitos, individuais
gens diferentes. ou coletivos: essa a fronteira da retroatividade.
A orientação desta Corte não ingressa no aspecto Consequentemente, mesmo que na hi-
constitucional do novo diploma, nem poderia tê-lo feito, mas pótese sob apreciação judicial seja admissível,
aprecia a irretroatividade da norma ambiental, amparada na em tese, a retroação (isto é, ausente qualquer
LINDB. Isto é, efetua uma leitura de ordem infraconstitucional. antagonismo com o ato jurídico perfeito, direito
Acerca da inaplicabilidade da norma ambiental su- adquirido e coisa julgada), incumbe ao juiz exa-
perveniente e “do problema da intertemporalidade jurídico-­ minar a) o inequívoco intuito de excluir (animus
florestal”, transcrevo excerto do voto do em. Ministro Herman excludendi), total ou parcialmente, o regime jurí-
Benjamin (PET no REsp 1240122/PR – e-STJ fls. 616/618 –, dico anterior quanto a fatos praticados ou suce-
Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em didos na sua vigência, e, até mais fundamental,
02/10/2012, DJe 19/12/2012): b) o justo motivo para a exclusão – justa causa
exclusionis -, que, no Direito Ambiental, deve
O esquema é bem simples: o novo Códi- estar totalmente conforme à garantia constitu-
go Florestal não pode retroagir para atingir o ato cional da manutenção dos processos ecológicos
jurídico perfeito, direitos ambientais adquiridos essenciais, acima referida.
e a coisa julgada, tampouco para Por certo, todo esse debate sobre a
reduzir de tal modo e sem as necessá- intertemporalidade jurídico-florestal não esca-
rias compensações ambientais o patamar de pará, em boa parte das demandas, de ir além
proteção de ecossistemas frágeis ou espécies do ato jurídico prefeito. A questão maior, sem
ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir dúvida, será sobre o reconhecimento de direitos
o limite constitucional intocável e intransponível ambientais adquiridos, a última fronteira da dog-
da “incumbência” do Estado de garantir a pre- mática jurídica brasileira, no âmbito da credibili-
servação e restauração dos processos ecológi- dade e da efetividade da transformação norma-
cos essenciais (art. 225, §1º, I). No mais, não tiva por que passou a Teoria Geral dos sujeitos
ocorre impedimento à retroação e alcançamento (gerações futuras) e dos bens (autonomização
de fatos pretéritos. do direito ao meio ambiente ecologicamente
Dispõe o art. 6º, caput, da Lei de Intro- equilibrado) a partir de 1981 (com a Lei da Polí-
tica Nacional do Meio Ambiente) e 1985 (com a
dução às Normas do Direito Brasileiro: a nova
Lei da Ação Civil Pública), chegando ao ápice de
lei “terá efeito imediato e geral, respeitados o
1988 (com a Constituição cidadã).
ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coi-
Nessa matéria, incumbe ao juiz não
sa julgada” (ou, nos termos do art. 5º, inciso
perder de vista que a Constituição, em seu art.
XXXVI, da Constituição, com redação asseme-
225, caput, de maneira expressa, reconheceu
lhada: “a lei não prejudicará o direito adquirido,
as gerações futuras como cotitulares do direito
o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”).
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A regra geral, pois, é a irretroatividade
Em paralelo, a legislação de disciplina da ação
da lei nova (lex non habet oculos retro); a retro-
civil pública (especificamente o art. 81 do Códi-
atividade plasma exceção, blindados, no Direito
go de Defesa do Consumidor) agasalha a quá-
brasileiro, o ato jurídico perfeito, o direito adqui-
drupla categorização dos direitos subjetivos em
rido e a coisa julgada. Mesmo fora desses três individuais, individuais homogêneos, coletivos
domínios de intocabilidade, a retroatividade será stricto sensu e difusos.
sempre exceção, daí requerendo-se manifesta- Evidente, portanto, que o ordenamento
ção expressa do legislador, que deve, ademais, brasileiro outorgou às gerações futuras (e à pró-
fundar-se em extraordinárias razões de ordem pria coletividade atual) a possibilidade, nessa
pública, nunca para atender interesses patrimo- sua condição de titular de direito subjetivo tran-
niais egoísticos dos particulares em prejuízo da sindividual, de se beneficiar da proteção cons-
coletividade e das gerações futuras. titucional, na integralidade, conferida aos direi-
Precisamente por conta dessa excep- tos adquiridos; a ser diferente, teríamos no art.
cionalidade, interpreta-se estrita ou restritiva- 225, caput, um “direito meia-boca”, com nome
mente; na dúvida, a opção do juiz deve ser pela e sobrenome de “direito”, mas sem os dotes e
irretroatividade, mormente quando a ordem eficácia temporal que a todos os direitos, patri-
pública e o interesse da sociedade se acham monais ou não, tradicionalmente se atrelam e
mais bem resguardados pelo regime jurídico deles decorrem.
pretérito, em oposição ao interesse econômico Por essa ótica, tanto ao indivíduo (visão
do indivíduo privado mais bem assegurado ou individualístico-intrageracional), como à coletivida-
ampliado pela legislação posterior. Eis a razão de presente e futura (visão coletivo-intrageracional
para a presunção relativa em favor da irretro- e coletivo-intergeracional) se garantem contra a
atividade, o que conduz a não se acolherem retroatividade da lei posterior os direitos adquiri-
efeitos retro-operantes tácitos, embora dispen- dos sob o regime antecedente que se incorpora-
sadas fórmulas sacramentais. rem ao seu patrimônio. Um e outro são sujeitos;

Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 113, p. 95-117, set./out. 2020 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA 107

FDUA_113_MIOLO.indd 107 04/11/2020 15:05:34


Superior Tribunal de Justiça

um e outro contam com patrimônio constitucio- deve sempre prevalecer ( in dubio pro natura ),
nal e legalmente inabalável, que, além de ma- reconhecendo-se a possibilidade de o regulador
terial e moral no enfoque clássico, é também distribuir os recursos escassos com vistas à sa-
ecológico. Em suma, podemos e devemos consi- tisfação de outros interesses legítimos, mesmo
derar a existência de direitos ambientais adqui- que não promova os interesses ambientais no
ridos, que emergem a partir e sob o império de máximo patamar possível. Idêntica lição deve
uma ordem jurídica pretérita revogada ou subs- ser transportada para o presente julgamento, a
tituída por outra, na linha de clássicos direitos fim de que seja refutada a aplicação automáti-
adquiridos ao estado, ao regime de bens no ca- ca da tese de vedação ao retrocesso para anu-
samento, à posse e domínio, à aposentadoria, à lar opções validamente eleitas pelo legislador.
posição contratual, etc. (Grifos acrescidos). (Grifos acrescidos).

A menção pelo STF do princípio de proibição do retro- Da mesma maneira, o julgado pretoriano pronunciou a
cesso em matéria ambiental não conduz à solução distinta. constitucionalidade do art. 15 da Lei nº 12.651/2012, por en-
A proibição de retrocesso ambiental foi superada nas tender que “o cômputo das Áreas de Preservação Permanente no
ações objetivas de controle de constitucionalidade ajuizadas no percentual de Reserva Legal resulta de legítimo exercício, pelo
STF, sob o fundamento de que tal “rótulo” não poderia se sobre- legislador, da função que lhe assegura o art. 225, §1º, III, da
por ao princípio democrático, “ignorando as diversas nuances Constituição, cabendo-lhe fixar os percentuais de proteção que
que permeiam o processo decisório do legislador, democratica- atendem da melhor forma os valores constitucionais atingidos,
mente investido da função de apaziguar interesses conflitantes inclusive o desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CRFB) e o
por meio de regras gerais e objetivas” (ADC 42/DF, p. 4). A esse direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CRFB – com grifos)”.
respeito, transcrevo o seguinte trecho do acórdão proferido na Tais proposições, em meu entender, não embaraçam
ADC 42/DF (págs. 4/6): a compreensão de que as novas disposições normativas são
irretroativas.
(…) as políticas públicas ambientais A Suprema Corte, ao assegurar a adequação da lei
devem conciliar-se com outros valores demo- com a Carta Constitucional, não inibiu a análise da aplicação
craticamente eleitos pelos legisladores como temporal do texto legal, no plano infraconstitucional, tarefa con-
o mercado de trabalho, o desenvolvimento so- ferida ao STJ.
cial, o atendimento às necessidades básicas de Com efeito, o próprio STF considerou que a discussão
consumo dos cidadãos etc. Dessa forma, não sobre a retroatividade do art. 15 da Lei nº 12.651/2012 deman-
é adequado desqualificar determinada regra le- da exame de matéria cognoscível no plano infraconstitucional.
gal como contrária ao comando constitucional Confira-se:
de defesa do meio ambiente (art. 225, caput,
CRFB), ou mesmo sob o genérico e subjetivo EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECUR-
rótulo de “retrocesso ambiental”, ignorando SO EXTRAORDINÁRIO. INTERPOSIÇÃO EM
as diversas nuances que permeiam o processo 06.12.2018. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL
decisório do legislador, democraticamente in- PÚBLICA. COMPENSAÇÃO DA RESERVA LEGAL.
vestido da função de apaziguar interesses con- ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DISCUS-
flitantes por meio de regras gerais e objetivas. SÃO SOBRE A RETROATIVIDADE DO ART. 15 DO
(…). NOVO CÓDIGO FLORESTAL. LEI 12.651/2012.
O Princípio da vedação do retrocesso TEMPUS REGIT ACTUM. MATÉRIA INFRACONS-
não se sobrepõe ao princípio democrático no TITUCIONAL. OFENSA REFLEXA. PRECEDENTES.
afã de transferir ao Judiciário funções inerentes 1. Eventual divergência ao entendimento adota-
aos Poderes Legislativo e Executivo, nem justifi- do pelo acórdão recorrido que afastou, no caso
ca afastar arranjos legais mais eficientes para o dos autos, a aplicação do novo Código Florestal
desenvolvimento sustentável do país como um a fatos pretéritos, demandaria a análise de le-
todo. gislação infraconstitucional, o que inviabiliza o
(…) a jurisprudência do Supremo Tri- trânsito do apelo extremo, por ser reflexa a ale-
bunal Federal demonstra deferência judicial ao gada afronta à Constituição Federal. 2. Agravo
planejamento estruturado pelos demais Poderes regimental a que se nega provimento, com pre-
no que tange às políticas públicas ambientais. visão de aplicação da multa do art. 1.021, §4º,
No julgamento do Recurso Extraordinário nº do CPC. Inaplicável a norma do art. 85, §11, do
586.224/SP (Rel. ministro Luiz Fux , julgamento CPC, por ser tratar de recurso oriundo de ação
em 05/03/2016), apreciou-se o conflito entre civil pública. (RE 1170071 AgR, Relator(a): Min.
lei municipal proibitiva da técnica de queima da EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em
palha da cana-de-açúcar e a lei estadual defini- 05/11/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-261
dora de uma superação progressiva e escalo- DIVULG 28/11/2019 PUBLIC 29/11/2019).
nada da referida técnica. Decidiu a Corte que
a lei do ente menor, apesar de conferir aparen- Erigiu o mesmo entendimento quando foi provocado a
temente atendimento mais intenso e imediato analisar a alegação de afronta a direito adquirido e a ato jurídico
ao interesse ecológico de proibir queimadas, perfeito, também em matéria ambiental:
deveria ceder ante a norma que estipulou um
cronograma para adaptação do cultivo da cana-­ EMENTA: DIREITO AMBIENTAL. AGRAVO REGI-
de-açúcar a métodos sem a utilização do fogo. MENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM
Dentre os fundamentos utilizados, destacou-se AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INSTITUIÇÃO DE
a necessidade de acomodar, na formulação da RESERVA LEGAL. LEI Nº 4.771/1965 (ANTIGO
política pública, outros interesses igualmente CÓDIGO FLORESTAL) E LEI Nº 8.171/1991. DI-
legítimos, como os efeitos sobre o mercado REITO ADQUIRIDO E ATO JURÍDICO PERFEITO.
de trabalho e a impossibilidade do manejo de MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. PRECEDEN-
máquinas diante da existência de áreas cultivá- TES. RECURSO MANIFESTAMENTE INADMISSÍ-
veis acidentadas. Afastou-se, assim, a tese de VEL. IMPOSIÇÃO DE MULTA . 1. Hipótese em
que a norma mais favorável ao meio ambiente que, para dissentir do entendimento do Tribunal

108 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 113, p. 95-117, set./out. 2020

FDUA_113_MIOLO.indd 108 04/11/2020 15:05:34


Recurso Especial nº 1.646.193/SP

de origem, seria imprescindível o reexame da Ademais, o acórdão embargado sequer fez juí-
legislação infraconstitucional aplicada ao caso. zo sobre a constitucionalidade do art. 15 da Lei
Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega 12.651/2012.
provimento, com aplicação da multa prevista no 4. Embargos de declaração rejeitados.
art. 557, §2º, do CPC/1973. (ARE 811441 AgR, (EDcl no AgInt no REsp 1597589/SP, Rel. Mi-
Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira nistro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUN-
Turma, julgado em 26/08/2016, PROCESSO DA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe
ELETRÔNICO DJe-198 DIVULG 15/09/2016 PU- 27/06/2018). (Grifos acrescidos).
BLIC 16/09/2016).
Assim, sob o prisma de que as normas do novo Código
Aqui convém anotar que a Corte Especial do STJ, Florestal não retroagem para alcançar situações pretéritas, dado
espelhada no STF, entende que os conceitos de direito adquirido, o prestígio ao princípio do tempus regit actum e da proibição
de ato jurídico perfeito e de coisa julgada não são fixados pela do retrocesso em matéria ambiental, o aresto recorrido merece
Constituição Federal, mas sim pela legislação infraconstitucional, ser reformado para que seja imposta à parte ré, ora recorrida, a
daí por que reputa “cognoscível o Recurso Especial que invoca a instituição da área de reserva legal à luz da legislação vigente ao
aplicação de direito adquirido à luz do art. 6º, §2º, da LINDB (ex- tempo da infração ambiental, afastadas as disposições do art.
LICC)” (EREsp 1.182.987/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, 15 da Lei nº 12.651/2012.
CORTE ESPECIAL, julgado em 1º/06/2016, DJe 19/09/2016). É que o preceito acima, ao admitir o cômputo da área
Ora, se a análise da irretroatividade do diploma legal de preservação permanente no cálculo do percentual de institui-
encerra questão infraconstitucional, matéria reservada pelo texto ção da reserva legal, traz inovação que não deve retroagir para
da CF/88 à apreciação do Superior Tribunal de Justiça, a compre- alcançar as situações consolidadas antes da vigência da novel
ensão de que o novo Código Florestal não pode retroagir “para legislação, dada a proibição do retrocesso em matéria ambien-
atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e tal, na linha da compreensão firmada no âmbito desta Corte.
a coisa julgada”, formulada naquele campo cognitivo, não impli- A esse respeito, conferir os julgados a seguir:
ca violação à adequação abstrata do texto legal com a Constitui-
ção Federal, missão conferida à Corte Constitucional. PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL
No caso, a declaração de constitucionalidade do art. PÚBLICA POR DANO AMBIENTAL. CÔMPUTO DA
15 da Lei nº 12.651/2012 não desqualifica a aferição da aplica- ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP)
ção imediata deste dispositivo aos casos ocorridos antes de sua NO PERCENTUAL DE RESERVA LEGAL. RECUR-
vigência. Tal compreensão, reitero, não conflita com o decidido SO ESPECIAL FUNDADO EM DIVERGÊNCIA JU-
pelo STF, porque trata-se de juízos realizados em campos cogni- RISPRUDENCIAL. PROVIMENTO. ART. 15 DA
tivos diversos. LEI 12.651/2012 (CÓDIGO FLORESTAL). NÃO
Afastar a aplicação do princípio da vedação do retro- MERECE PROSPERAR O ACÓRDÃO COMBATIDO
cesso para prestigiar o princípio democrático, em face das “op- QUE PERMITIU O CÔMPUTO DE ÁREA DE PRE-
ções validamente eleitas pelo legislador”, que atuou mediante SERVAÇÃO PERMANENTE NO PERCENTUAL EXI-
a “faculdade” conferida pelo art. 225, §1º, III, da Constituição, GIDO PARA INSTITUIÇÃO DE ÁREA DE RESERVA
como fez o Supremo Tribunal Federal, não inibe a aplicação LEGAL ACÓRDÃO EM CONFRONTO COM A JURIS-
do princípio tempus regit actum, que “orienta a aplicabilidade PRUDÊNCIA DESTA CORTE.
da lei no tempo, considerando que o regime jurídico incidente I - Cuida-se de inconformismo contra decisum
sobre determinada situação deve ser aquele em vigor no mo- do Tribunal de origem que possibilitou a com-
mento da materialização do fato” (AgInt no REsp 1726737/SP, pensação de eventuais Áreas de Preservação
Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em Permanente (APPs) em área destinada a Reser-
05/12/2019, DJe 11/12/2019). va Legal, fundamentando-se no art. 15 da Lei
Acerca da hipótese, trago o precedente a seguir: 12.651/2012 (Código Florestal).
II - Consoante entendimento pacífico desta Corte
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLA- “O novo Código Florestal não pode retroagir para
RAÇÃO. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambien-
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APLICAÇÃO DO NOVO CÓ- tais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para
DIGO FLORESTAL A FATOS PRETÉRITOS. JULGA- reduzir de tal modo e sem as necessárias com-
MENTO DE AÇÕES DIRETAS NO SUPREMO TRI- pensações ambientais o patamar de proteção de
BUNAL FEDERAL. DESINFLUÊNCIA.
ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de
1. Os embargos de declaração representam
extinção, a ponto de transgredir o limite constitu-
recurso de fundamentação vinculada ao sanea­
cional intocável e intransponível da ‘incumbência’
mento de omissão, contradição, obscuridade
do Estado de garantir a preservação e a restau-
ou erro material, não se prestando, contudo, ao
ração dos processos ecológicos essenciais (art.
mero reexame da causa, como pretende a parte
embargante. 225, §1º, I)” (AgRg no REsp 1.434.797/PR, Rel.
2. O aresto ora embargado posicionou-se de for- Ministro Humberto Martins, Segunda Turma,
ma clara, adequada e suficiente acerca da maté- DJe 07/06/2016; AgInt no REsp 1597589/SP,
ria, consignando que a jurisprudência desta Cor- Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SE-
te é no sentido de que, em matéria ambiental, GUNDA TURMA, julgado em 20/02/2018, DJe
deve prevalecer o princípio tempus regit actum, 26/02/2018).
de forma a não se admitir a aplicação das dispo- III - A jurisprudência do Superior Tribunal de Jus-
sições do novo Código Florestal a fatos pretéri- tiça é pacífica em reconhecer que “a averbação
tos, sob pena de retrocesso ambiental. da Reserva Legal é dever do proprietário ou
3. Desinfluente ao caso concreto o que decidi- adquirente do imóvel rural, independentemen-
do pelo Supremo Tribunal Federal ADI’s 4.901, te da existência de florestas ou outras formas
4.902, 4.903 e 4.937 e da ADC 42, pois a de vegetação nativa na gleba, devendo, igual-
vedação de retrocesso ambiental aqui invo- mente, tomar as providências necessárias à
cada diz respeito à aplicação do novo Código restauração ou à recuperação das formas de
Florestal a demandas iniciadas sob a égide da vegetação nativa para se adequar aos limites
legislação anterior, e não à competência do percentuais previstos nos incisos do art. 16 do
Poder Legislativo para tratar dessa matéria. Código Florestal.” (AgInt no AREsp 159.855/SP,

Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 113, p. 95-117, set./out. 2020 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA 109

FDUA_113_MIOLO.indd 109 04/11/2020 15:05:34


Superior Tribunal de Justiça

Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, constitucional intocável e intransponível da ‘in-
PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/03/2017, cumbência’ do Estado de garantir a preservação
DJe 17/03/2017. No mesmo sentido: AgInt no e restauração dos processos ecológicos essen-
AREsp 797.301/SP, Rel. Ministro GURGEL DE ciais (art. 225, §1º, I)”.
FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/04/2018, 4. É possível impor ao proprietário-possuidor
DJe 17/05/2018. a obrigação de recompor a cobertura florestal
IV - Portanto, o mecanismo previsto no art. 15 da área de reserva legal de sua propriedade
do Novo Código Florestal acabou por desca- independentemente de ter sido o autor da de-
racterizar o regime de proteção das reservas gradação ambiental. Isso porque as obrigações
legais e, em consequência, violou o dever geral associadas às Áreas de Preservação Permanen-
de proteção ambiental. Logo, tem-se que não te e à Reserva Legal têm caráter propter rem
merece prosperar o acórdão combatido que per- e, conquanto não se possa conferir ao direito
mitiu o cômputo de Área de Preservação Per- fundamental do meio ambiente equilibrado a
manente no percentual exigido para instituição característica de direito absoluto, ele se inse-
de Área de Reserva Legal. Nesse sentido: REsp re entre os direitos indisponíveis, devendo-se
1694622/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, acentuar a imprescritibilidade de sua reparação
SEGUNDA TURMA, julgado em 19/10/2017, e a sua inalienabilidade, já que se trata de bem
DJe 19/12/2017. de uso comum do povo (REsp 1.251.697/PR,
V - Assim, deve ser dado provimento ao agravo Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segun-
interno para dar provimento ao recurso especial da Turma, julgado em 12/04/2012, DJe de
a fim de cassar o acórdão recorrido determinan- 17/04/2012; REsp 1.179.316/SP, Rel. Minis-
do a demarcação do percentual exigido para ins- tro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julga-
tituição de Área de Reserva Legal sem o cômpu- do em 15/06/2010, DJe de 29/06/2010; AgRg
to da área de preservação permanente. nos EDcl no REsp 1.203.101/SP, Rel. Ministro
VI - Agravo interno provido, nos termos da fun- Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, julgado
damentação. (AgInt no AREsp 894.313/SP, Rel. em 08/02/2011, DJe de 18/02/2011, e REsp
Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, 1.381.191/SP, Relatora Ministra Diva Maler-
julgado em 11/09/2018, DJe 17/09/2018) bi, desembargadora convocada TRF 3ª Região,
(Grifos acrescidos). Segunda Turma, julgado em 16/06/2016, DJe
30/06/2016).
AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL 5. A jurisprudência do STJ é forte no sentido de
PÚBLICA. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. IRRE- que o art. 16, c/c o art. 44 da Lei 4.771/1965
TROATIVIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 15 DA LEI impõe o seu cumprimento no que diz respeito
12.651/2012. COMPENSAÇÃO DE APPS EM à área de reserva legal, independentemente
ÁREA DE RESERVA LEGAL. PROIBIÇÃO DE RE- de haver área florestal ou vegetação nati-
TROCESSO. PROTEÇÃO DOS ECOSSISTEMAS va na propriedade (REsp 865.309/MG, Rel.
FRÁGEIS. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado
1. Cuida-se de inconformismo contra acórdão do em 23/09/2008, DJe de 23/10/2008; REsp
Tribunal de origem, que computou a Área de Pre- 867.085/PR. Ministro João Otávio de Noronha,
servação Permanente (APP) na Área de Reserva Segunda Turma. DJ 27/11/2007 p. 293, e
Legal, diminuiu a cominação de multa diária e REsp 821.083/MG, Rel. Ministro Luiz Fux, Pri-
majorou o prazo para apresentação de projeto meira Turma, julgado em 25/03/2008, DJe de
ambiental. 09/04/2008).
2. Não se emprega norma ambiental superve- 6. Recurso Especial a que se dá provimento.
niente à época dos fatos de cunho material aos (REsp 1680699/SP, Rel. Ministro HERMAN
processos em curso, seja para proteger o ato ju- BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
rídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos 28/11/2017, DJe 19/12/2017)
e a coisa julgada, seja para evitar a redução do
patamar de proteção de ecossistemas frágeis Já o art. 66 daquele diploma, ao prever hipóteses al-
sem as necessárias compensações ambientais. ternativas para a regularização da área de reserva legal, já encar-
No mesmo sentido: AgInt no REsp 1.389.613/ ta em seu texto a possibilidade de retroação da norma, como se
MS. Ministra Assusete Magalhães. Segun- observa, in verbis:
da Turma. DJe 27/06/2017; AgInt no REsp
1.381.085/MS. Ministro Og Fernandes. Segun- Art. 66. O proprietário ou possuidor de imóvel
da Turma. DJe 23/08/2017; REsp 1.381.191/ rural que detinha, em 22 de julho de 2008, área
de Reserva Legal em extensão inferior ao esta-
SP, Relatora Ministra Diva Malerbi (desembarga-
belecido no art. 12, poderá regularizar sua si-
dora convocada TRF 3ª Região), Segunda Turma,
tuação, independentemente da adesão ao PRA,
Julgado em 16/06/2016, DJe 30/06/2016;
adotando as seguintes alternativas, isolada ou
EDcl no REsp 1.381.341/MS, Rel. Min. Humberto
conjuntamente:
Martins, DJe de 27/08/2015; AgInt no AREsp I - recompor a Reserva Legal;
910.486/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, II - permitir a regeneração natural da vegetação
Segunda Turma, DJe 18/04/2017, e AgInt no na área de Reserva Legal;
AREsp 826.869/PR, Ministro Francisco Falcão, III - compensar a Reserva Legal. (Grifos acres-
Segunda Turma, DJe 15/12/2016. cidos).
3. Assim, o STJ firmou o entendimento de que
“o novo Código Florestal não pode retroagir para Se a própria lei admite sua aplicação imediata a situa-
atingir o ato jurídico perfeito, direitos ambientais ções pretéritas, por óbvio, não há falar em irretroatividade.
adquiridos e a coisa julgada, tampouco para re- Convém ressaltar, por fim, que as questões relativas
duzir de tal modo e sem as necessárias com- aos efeitos do TAC celebrado pelos proprietários anteriores e
pensações ambientais o patamar de proteção à necessidade de se proceder à averbação da área de reserva
de ecossistemas frágeis ou espécies ameaça- legal no cartório de registro de imóveis, abordadas no voto do
das de extinção, a ponto de transgredir o limite em. Relator, constituem temas estranhos ao reclamo recursal.

110 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 113, p. 95-117, set./out. 2020

FDUA_113_MIOLO.indd 110 04/11/2020 15:05:34


Recurso Especial nº 1.646.193/SP

Diante de todas essas considerações, renovando as Ambiental Rural – CAR, bem como para a dispo­
vênias ao eminente Ministro relator, DOU PARCIAL PROVIMENTO nibilização e integração dos dados no Sistema
ao recurso especial, para afastar apenas a aplicação do art. 15 de Cadastro Ambiental Rural – SICAR, registro
do novo Código Florestal à hipótese. público eletrônico de âmbito nacional, de forma
É como voto. a instrumentalizar as normas contidas na Lei nº
12.651/12.

VOTO-VISTA Opostos embargos de declaração, foram rejeitados


(fls. 604/605e).
A EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA REGINA Com amparo no art. 105, III, a e c, da Constituição
HELENA COSTA: da República, além de divergência jurisprudencial, aponta-se
Trata-se de Recurso Especial interposto pelo MINIS- ofensa aos arts. 2º, caput, I, III e IV, e 4º, II e III, da Lei de Po-
TÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO contra acórdão lítica Nacional do Meio Ambiente, alegando-se, em síntese, que
prolatado, por unanimidade, pela 2ª Câmara Reservada ao Meio a aplicação imediata dos dispositivos da Lei nº 12.651/2012,
Ambiente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no julga- no caso em tela, afronta os princípios e objetivos fixados na Lei
mento de apelação, assim ementado (fls. 479/480e): nº 6.938/1981, configurando “evidente retrocesso ambiental,
além de permitir a descaracterização das áreas de preservação
AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL – INSTITUI- permanente e o comprometimento de suas funções biológicas”
ÇÃO DE RESERVA LEGAL – REGRAS AUTOA- (fl. 544e).
PLICÁVEIS – IMÓVEL COM ÁREA SUPERIOR Sustenta-se, ainda, a prevalência de “norma mais
A 4 (QUATRO) MÓDULOS FISCAIS) – NÃO rigorosa e protetora vigente à época dos fatos, e não a
INCIDÊNCIA DA REGRA PREVISTA NO ARTI- contemporânea ao julgamento da causa, por melhor se adequar
GO 67 DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL (LEI Nº ao mandamento constitucional imposto ao Poder Público de
12.651/2012) – POSSIBILIDADE DE CÔMPU- ‘preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e
TO DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas’ (artigo
NA RESERVA LEGAL (ART. 15 DO CÓDIGO FLO- 225, §1º, inciso I)” (fl. 552e).
RESTAL VIGENTE) – INSTITUIÇÃO E REGULA- Com contrarrazões (fls. 614/624e), o recurso foi ad-
MENTAÇÃO DO CADASTRO AMBIENTAL RURAL mitido (fls. 689/690e).
PREVISTO NO NOVO CÓDIGO FLORESTAL (LEI O Ministério Público Federal se manifestou às fls.
Nº 12.651/2012), POR MEIO DO DECRETO Nº 707/711e, opinando pelo provimento do recurso.
8.235, DE 5.05.2014, E DA INSTRUÇÃO NOR- Por ocasião da sessão de julgamento de 13.08.2019,
MATIVA Nº 2/MMA, DE 6.05.2014 – AVERBA- o Sr. Ministro Relator apresentou voto pelo conhecimento e par-
ÇÃO DA ÁREA – DESNECESSIDADE. cial provimento do recurso especial, para, tão somente, impor à
I – Para os imóveis que medem mais de qua­ parte recorrida a obrigação de proceder sua inscrição da Reserva
tro módulos fiscais, a instituição de 20% de Legal no Cartório de Registro de Imóveis, consoante os funda-
mentos estampados na seguinte ementa:
área de reserva legal, exigência da então
Lei n° 4.771/65, também é feita pela Lei nº
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. RECURSO
12.651/2012 que a revogou, mas agora com
ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POSSIBILI-
a instituição de novas regras, sendo, portanto,
DADE DO CÔMPUTO DA ÁREA DE PRESERVA-
plenamente autorizado o cômputo da área de
ÇÃO PERMANENTE NO CÁLCULO DA RESERVA
APP na reserva legal, desde que preenchidos os
LEGAL. VEDAÇÃO À ULTRATIVIDADE DO ANTI-
requisitos do art. 15 da aludida lei. Ademais, a
GO CÓDIGO FLORESTAL. RELATIVIZAÇÃO DO
área de reserva legal pode ser utilizada sob re­
DIREITO AMBIENTAL ADQUIRIDO. A NATURE-
gime de manejo florestal sustentável, conforme
ZA JURÍDICA DE DANO AMBIENTAL É PER-
preceitua o art. 20 da atual lei, sendo que sua
MANENTE (CARÁTER CONTINUADO). APLICA-
localização deve ser aprovada pelo órgão am­
BILIDADE DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL (LEI
biental competente e, quanto à regularização,
12.651/2012). NECESSIDADE DE PROCEDER
esta poderá se dar na forma de recomposição,
À AVERBAÇÃO PERANTE O CARTÓRIO DE RE-
permissão de regeneração natural ou compen­
GISTRO DE IMÓVEIS (CRI) QUANDO NÃO HOU-
sação (art. 66), atentando-se para os novos pra­
VER REGISTRO DA ÁREA DA RESERVA LEGAL
zos concedidos para a recuperação e realização
NO CADASTRO AMBIENTAL RURAL (CAR). RE-
da reserva legal (arts. 29 e seguintes do Novo
CURSO ESPECIAL DO PRESENTANTE MINISTE-
Código Florestal).
II – Dispõe expressamente o Código Florestal RIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
(Lei nº 12.651/2012, com redação dada pela 1. Aos recursos interpostos com fundamento
Lei nº 12.727/2012) que a reserva legal deve no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas
ser registrada tão-somente no CAR (Cadastro até 17 de março de 2016) devem ser exigidos
Ambiental Rural) e que tal registro desobriga a os requisitos de admissibilidade na forma nele
averbação no Cartório de Registro de Imóveis. prevista, com as interpretações dadas até então
Assim, quanto à obrigação voltada ao registro pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justi­
da área de reserva legal no cadastro imobiliário ça (Enunciado Administrativo 2).
por meio da averbação, procedimento que se re­ 2. Cinge-se a controvérsia acerca da obrigação
putava como necessário com o fim de permitir do proprietário de imóvel rural em instituir Área
a fiscalização da manutenção e preservação de de Reserva Legal em suas propriedades, com
tal área contida nos imóveis rurais, vê-se que a possibilidade do cômputo de Área de Preser­
não mais exigida em função das recentes publi­ vação Permanente (APP) no cálculo do percen­
cações do Decreto nº 8.235, de 5 de maio de tual da Reserva Legal do imóvel, desde que
2014, e da Instrução Normativa nº 2/MMA, de cumpridas as condicionantes previstas na Lei
6 de maio de 2014, que estabelecem procedi­ 12.651/2012, bem como sobre a (des)necessi­
mentos a serem adotados para a inscrição, re­ dade da averbação da referida área no Cartório
gistro, análise e demonstração das informações de Registro de Imóveis (CRI).
ambientais sobre os imóveis rurais no Cadastro 3. Histórico da Lei 12.651/2012.

Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 113, p. 95-117, set./out. 2020 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA 111

FDUA_113_MIOLO.indd 111 04/11/2020 15:05:34


Superior Tribunal de Justiça

4. A Lei 12.651/2012, com seu conteúdo nor­ 13. Portanto, não se pode acolher, de forma ge­
mativo atual, resulta do esforço conjunto dos nérica, a tese de que o direito adquirido ambien­
Três Poderes da República, a partir de um amplo tal impediria a aplicação da Lei 12.651/2012
– e longo – debate democrático, do qual partici­ no caso ora tratado. As considerações a respei­
param inúmeras instituições e setores da socie­ to do maior ou menor nível de proteção do Novo
dade civil. Código em relação ao antigo, ou à prevalência
5. A tramitação legislativa do que viria a ser o do interesse ambiental coletivo sobre o exercício
Novo Código Florestal iniciou-se na Câmara dos individual do direito à propriedade, são questões
Deputados, com a apresentação do Projeto de já enfrentadas pelo STF nas sobreditas ações
Lei 1.876 em 19.10.1999. Contando com ape­ concentradas, de maneira que não se pode, ago­
nas 34 artigos, o PL destinava-se, conforme sua ra, adotar a mesma argumentação para conferir
exposição de motivos, a eliminar incertezas re­ ultratividade à Lei 4.771/1965.
dacionais da Codificação anterior, aprimorando 14. Parâmetros para a configuração do ato jurí­
sua redação e esclarecendo o regime protetivo dico perfeito.
das áreas de preservação permanente (APPs) e 15. Não se desconhece a jurisprudência da
da Reserva Legal. colenda Segunda Turma deste Tribunal Supe­
6. Depois de mais de uma década nas Ca­ rior, segundo a qual a regra geral será a inci­
sas Legislativas, a redação aprovada da Lei dência da legislação florestal, de direito mate­
12.651/2012 buscou conciliar os diversos in­ rial, vigente à época dos fatos (PET no REsp.
teresses envolvidos, ponderando a inafastável 1.240.122/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN,
proteção do meio ambiente com a liberdade de DJe 19.12.2012), na qual se determina a apli­
iniciativa e a necessidade do desenvolvimento cação da Lei 4.771/1965 para as degradações
econômico sustentável. Tal compromisso, ali­ ambientais ocorridas em sua vigência.
ás, restou consignado nas próprias definições 16. No entanto, a questão merece uma ponde­
de APP e reserva legal, que conciliam a tutela ração adicional, pois a degradação ambiental de
ambiental com o bem-estar das populações hu­ espaços territorialmente protegidos, como a APP
manas (art. 3º, II) e o uso econômico de modo ou a reserva legal, não se configura como ato
sustentável (art. 3º, III). jurídico perfeito, e, portanto, é incapaz de exigir
7. A definição do hodierno sentido da Lei a aplicação ultrativa da Lei na qual iniciada.
12.651/2012 passou pelo Poder Judiciário, com 17. É firme o entendimento desta Corte Superior
o julgamento das ADIs 4.901, 4.902 e 4.903 e de que, nos casos de dano em tais espaços, não
da ADC 42 pelo STF, já no ano de 2018. Median­ prescreve a pretensão de sua reparação, com a
te ampla discussão, pautada principalmente na recuperação da área degradada, justamente por­
garantia de proteção ambiental suficiente e no que essa espécie de dano apresenta natureza
princípio da proibição de retrocesso ambiental, a continuada, permanente (REsp. 1.081.257/SP,
Corte Suprema confirmou a constitucionalidade Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 13.6.2018; AgRg
da maior parte do Código. no REsp. 1.421.163/SP, Rel. Min. HUMBERTO
8. Não se pode desconsiderar o largo esforço MARTINS, DJe 17.11.2014). Com isso, o direi­
político-institucional que resultou na formação da to subjetivo da coletividade à recomposição do
Lei 12.651/2012, devendo-se privilegiar a opção meio ambiente, pelo princípio da actio nata, nas­
política dos poderes Executivo e Legislativo – con­ ce a todo momento, o que impede a fluência do
firmada pelo STF – em flexibilizar determinados prazo prescricional.
aspectos do regime anterior, sem, contudo, abolir 18. Por conseguinte, o ato jurídico – qual seja,
a tutela do meio ambiente ou reduzi-la a níveis o dano pela degradação do espaço protegido –
inaptos. Assim, a definição de qual será a Lei não se qualifica como perfeito, completo ou fi­
aplicável em cada caso concreto não pode perder nalizado, justamente pelo seu caráter contínuo,
de vista o histórico de aprovação do Novo Código renovando-se de forma ininterrupta. A aplicação
Florestal e as democráticas decisões políticas e da Lei 12.651/2012 para as supressões de
vegetação ocorridas durante a vigência da Lei
jurídicas que nele culminaram.
4.771/1965 não configura, desse modo, retro­
9. Sobre o Direito Intertemporal.
atividade sobre o ato jurídico já acabado, pois o
10. A (in)existência de direito ambiental adqui­
dano permanece; a hipótese trata-se, isso sim,
rido. da tradicional aplicabilidade imediata da Lei aos
11. É sabido que, nos termos do art. 5º, XXXVI fatos acontecidos em sua vigência.
da CF/1988, a lei não prejudicará o direito ad­ 19. O que não se pode é admitir o fracionamen­
quirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; to da natureza jurídica do dano ambiental por
é especialmente à luz dos três institutos refe­ degradação de espaços protegidos, sempre em
ridos no dispositivo constitucional que devem prejuízo do particular: de um lado, para a con­
ser solucionadas as controvérsias de direito tagem da prescrição, considerá-lo como dano
intertemporal envolvidas na aplicação do Novo permanente, de modo a renovar o termo inicial
Código Florestal. do prazo prescricional e impedir com isso sua
12. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a fluência; de outro, para definir qual a Legislação
aplicável, tratar o dano como um ato jurídico per­
aplicação do princípio da vedação ao retrocesso
feito, a atrair a incidência da Lei mais gravosa.
em matéria ambiental, contudo, deixando claro
20. Mantendo a jurisprudência desta Corte ínte­
e expresso que tal princípio tem por escopo e gra e coerente (art. 926 do Código Fux), faz-se
limites a proteção ao núcleo essencial (núcleo necessário conferir interpretação una à qualifica­
duro) dos direitos e garantias socioambientais ção do dano ambiental em espaços protegidos;
conquistadas, não podendo ser entendido como se quanto à prescrição o referido dano é consi­
uma vedação geral para qualquer tipo de altera­ derado permanente, também quanto ao Direito
ção legislativa que venha modificar, limitar ou Intertemporal essa deve ser sua natureza.
restringir direitos e obrigações atinentes ao Di­ 21. Consequentemente, a análise da existência
reito Ambiental. e a recomposição do dano em APP, reserva legal

112 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 113, p. 95-117, set./out. 2020

FDUA_113_MIOLO.indd 112 04/11/2020 15:05:35


Recurso Especial nº 1.646.193/SP

ou outro dos espaços tutelados pelo Novo Códi­ ESPECIAL. ENSINO SUPERIOR. PRETENSÃO DE
go devem se pautar, atualmente, pela totalidade DEVOLUÇÃO DAS TAXAS DE DIPLOMA. PRAZO
do regime da Lei 12.651/2012 (ressalvadas, PRESCRICIONAL. FATO DO SERVIÇO. ARTIGO
por óbvio, as disposições declaradas inconstitu­ 2º DA LEI nº 9.870/1999. AUSÊNCIA DE PRE-
cionais pelo STF), ainda que a degradação tenha QUESTIONAMENTO. SÚMULA nº 282 DO STF.
ocorrido na vigência da Lei 4.771/1965. 1. No caso, não há se falar em violação do art.
22. Averbação da Área de Reserva Legal no Car­ 26, inciso II, do Código de Defesa do Consumi­
tório de Registro de Imóveis (CRI). dor, porquanto inaplicável o prazo decadencial a
23. Quanto ao pleito referente ao registro da que alude este artigo, uma vez que não se tra­
averbação da Reserva Legal perante o Cartório ta de responsabilidade do fornecedor por vícios
de Registro de Imóveis (CRI), esta egrégia Corte aparentes ou de fácil constatação existentes em
Superior entende que a Lei 12.651/2012 não produto ou serviço, mas de danos causados por
suprimiu a obrigação de averbação da Área de fato do serviço, consubstanciado pela cobrança
Reserva Legal no Registro de Imóveis, mas indevida da taxa de diploma, razão pela qual in­
apenas possibilitou que o registro seja realizado, cide o prazo qüinqüenal previsto no art. 27 do
alternativamente, no Cadastro Ambiental Rural CDC.
(REsp. 1.426.830/PR, Rel. Min. HERMAN 2. O artigo 2º da Lei nº 9.870/1999 não foi
BENJAMIN, DJe 29.11.2016). apreciado pelo Tribunal de origem, carecendo o
24. Isso quer dizer que a partir do Novo Código recurso especial do requisito do prequestiona­
Florestal a averbação no Cartório de Registro de mento, nos termos da Súmula nº 282 do STF.
Imóveis será dispensada caso a Reserva Legal 3. Agravo regimental não provido.
já esteja registrada no Cadastro Ambiental Rural (AgRg no REsp 1.327.122/PE, Rel. Ministro
(CAR), consoante dispõe o art. 18, §4º da Lei BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA,
12.651/2012 (REsp. 1.645.909/MG, Rel. Min. julgado em 08/04/2014, DJe 15/04/2014 –
REGINA HELENA COSTA, DJe 19.12.2018; REsp. destaques meus).
1.276.114/MG, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe
11.10.2016). ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDE-
25. No causo dos autos ausente o registro no RAL. ENQUADRAMENTO. LICENÇA-PRÊMIO
CAR, faz-se necessária a averbação da Reserva NÃO GOZADA. CÔMPUTO COMO TEMPO EFE-
Legal junto à matrícula do imóvel no Cartório de TIVO DE EXERCÍCIO. LEI 11.091/05. POSSIBI-
Registro de Imóveis. LIDADE. PRECEDENTES. SÚMULA 83 DO STJ.
26. Recurso Especial do Presentante Ministerial FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA NÃO
parcialmente provido apenas para impor a obri­ ATACADO. SÚMULA 182 DO STJ. PREQUES-
gação de proceder à inscrição da Reserva Legal TIONAMENTO. AUSÊNCIA.
no Cartório de Registro de Imóveis. 1. A orientação do STJ é de que, se a licença-­
prêmio não gozada foi computada como tempo
Na mesma oportunidade, o Sr. Ministro Sérgio Kukina efetivo de serviço, para fins de aposentadoria,
solicitou vista, encaminhando, na sessão de 03.12.2019, voto conforme autorização legal, não pode ser des­
mediante o qual nega provimento ao recurso do Parquet, com ful- considerada para fins do enquadramento previs­
cro no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade ns. to na Lei 11.091/05.
4.901, 4.902, 4.903 e 4.937, e da Ação Declaratória de Consti- 2. É inviável o agravo que deixa de atacar os fun­
tucionalidade nº 42, pelo Supremo Tribunal Federal, em que de- damentos da decisão agravada. Incide a Súmula
clarada a constitucionalidade do art. 15 da Lei nº 12.651/2012. 182 do STJ.
Na sequência, pediu vista antecipada o Sr. Ministro 3. Fundamentada a decisão agravada no sentido
Gurgel de Faria, encontrando-se o feito em vista coletiva, nos de que o acórdão recorrido está em sintonia com
termos do art. 161, §2º, do Regimento Interno desta Corte. o atual entendimento do STJ, deveria a recor­
Passo, então, à análise do recurso. rente demonstrar que outra é a positivação do
direito na jurisprudência do STJ.
I. Da admissibilidade: 4. A tese jurídica debatida no Recurso Especial
deve ter sido objeto de discussão no acórdão
De início, peço licença para divergir do Sr. Ministro atacado. Inexistindo esta circunstância, desme­
Relator, assim como do Sr. Ministro Sérgio Kukina, quanto ao rece ser conhecida por ausência de prequestio­
conhecimento integral do recurso, uma vez que a insurgência namento. Súmula 282 do STF.
relativa à violação aos arts. 2º, caput, I, III e IV, e 4º, II e III, da Lei 5. Agravo Regimental não provido.
nº 6.938/1981, atinentes aos princípios e objetivos da Política (AgRg no REsp 1.374.369/RS, Rel. Ministro
Nacional do Meio Ambiente, carece de prequestionamento, não HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado
tendo sido analisada, ainda que implicitamente, pelo tribunal de em 18/06/2013, DJe 26/06/2013 – desta-
origem. ques meus).
O requisito do prequestionamento pressupõe prévio
debate da questão pelas instâncias ordinárias, à luz da legis- Quanto à interposição do recurso especial pela alínea
lação federal indicada, com emissão de juízo de valor acerca c do permissivo constitucional, este Tribunal Superior orienta-se
dos dispositivos legais apontados como violados, sendo pacífico pacificamente no sentido de que, em se tratando de dissídio
nesta Corte que a ausência de enfrentamento da questão objeto jurisprudencial notório, como no caso dos presentes autos, re-
da controvérsia pelo tribunal a quo impede o conhecimento do vela-se possível a mitigação das exigências legais e regimentais
recurso especial, nos termos da Súmula 282 do Colendo Su- acerca da demonstração da divergência pretoriana, na linha dos
premo Tribunal Federal (“é inadmissível o recurso extraordinário, seguintes julgados:
quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal
suscitada”). ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRA-
Nesse sentido: VO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CORRE-
ADMINISTRATIVO, PROCESSUAL CIVIL E CON- ÇÃO MONETÁRIA. PARCELAMENTO DO PAGA-
SUMIDOR. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO MENTO DOS 28,86% POR ACORDO JUDICIAL.

Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 113, p. 95-117, set./out. 2020 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA 113

FDUA_113_MIOLO.indd 113 04/11/2020 15:05:35


Superior Tribunal de Justiça

TERMO INICIAL DA CONTAGEM DO PRAZO cômputo do percentual da Reserva Legal, em hi­


PRESCRICIONAL. PAGAMENTO DA ÚLTIMA póteses legais específicas): (…). Em regra, con­
PARCELA. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. DISSÍ- soante o caput do art. 12 do novo Código Flores­
DIO JURISPRUDENCIAL. NOTÓRIA DIVERGÊN- tal, a fixação da Reserva Legal é realizada sem
CIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. prejuízo das áreas de preservação permanente.
(…) Entretanto, a incidência cumulativa de ambos
2. Em se tratando de notória divergência e nos os institutos em uma mesma propriedade pode
casos de matérias reiteradamente examinadas aniquilar substancialmente a sua utilização pro­
por esta Corte, é de se dispensar o rigor formal dutiva. O cômputo das Áreas de Preservação
na demonstração do dissídio. A transcrição de Permanente no percentual de Reserva Legal re­
ementas que, por si sós, sejam suficientes a sulta de legítimo exercício, pelo legislador, da
evidenciar a dissonância interpretativa, presta-­ função que lhe assegura o art. 225, §1º, III, da
se a ensejar a admissibilidade do recurso pela Constituição, cabendo-lhe fixar os percentuais
alínea c do permissivo constitucional. de proteção que atendem da melhor forma os
(AgRg no AREsp 442.669/AC, Rel. Ministro valores constitucionais atingidos, inclusive o de­
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TUR- senvolvimento nacional (art. 3º, II, da CRFB) e o
MA, julgado em 10/06/2014, DJe 04/08/2014). direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CRFB). Da
mesma forma, impedir o cômputo das áreas de
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO – RE- preservação permanente no cálculo da extensão
CURSO ESPECIAL – DISSÍDIO NOTÓRIO – MITI- da Reserva Legal equivale a tolher a prerrogativa
GAÇÃO DE EXIGÊNCIAS FORMAIS – EXECUÇÃO da lei de fixar os percentuais de proteção que
– ÓBITO DA PARTE AUTORA – PRESCRIÇÃO DA atendem da melhor forma os valores constitu­
PRETENSÃO EXECUTÓRIA – NÃO OCORRÊNCIA cionais atingidos; CONCLUSÃO: Declaração de
– SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL constitucionalidade do artigo 15 do Código Flo­
ATÉ HABILITAÇÃO DOS SUCESSORES – PRE- restal (destaque meu).
CEDENTES DO STJ.
1. A Jurisprudência do STJ, em hipótese de Sobre o tema, a lição de Paulo Affonso Leme Machado:
notória divergência interpretativa, mitiga as exi­
gências de natureza formal, tais como cotejo O conceito legal francês do princípio da
analítico, indicação de repositório oficial e indivi­ não regressão afirma que a melhoria constante
dualização de dispositivo legal. do meio ambiente deve levar em conta os co­
2. Nos termos dos arts. 265, I, e 791, II, do nhecimentos técnicos e científicos do momento.
CPC, a morte de uma das partes importa na Assim, a ação de melhoria deve estar fundada
suspensão do processo, razão pela qual, na au­ em conhecimentos científicos e técnicos atuais,
sência de previsão legal impondo prazo para a para que não seja um aperfeiçoamento aparente
habilitação dos respectivos sucessores, não há ou falso. O princípio da não regressão “não deve
falar em prescrição intercorrente. ser caricaturado como contendo uma obrigação
3. Recurso especial provido. de congelar as disposições legislativas e regula­
(REsp 1.369.532/CE, Rel. Ministra ELIANA mentares. Estas continuarão a evoluir, levando
CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em em conta o progresso dos conhecimentos cientí­
05/11/2013, DJe 13/11/2013). ficos e técnicos”.
Posicionei-me em uma troca de ideias, em
Desse modo, conheço do suscitado dissídio ju- um encontro internacional em Murnau/Alemanha,
risprudencial, concernente à aplicação retroativa da Lei nº sobre o princípio comentado: “o princípio da não
12.651/2012. regressão não deve ser visto como um privilégio
apenas para o direito ambiental, mas como um in­
II. Do mérito: teresse difuso e coletivo”. O não retrocesso legisla­
tivo e regulamentar deve abranger todos os direitos
Cinge-se a controvérsia à incidência retroativa do meta-individuais como o direito à saúde e o direito
disposto nos arts. 15 e 66 do novo Código Florestal (Lei nº à educação.
12.651/2012), por força dos quais seria possível o cômputo das (Direito Ambiental Brasileiro. 26. ed.,
áreas de preservação permanente no cálculo da Reserva Legal, rev., ampl. e atual. – São Paulo: Malheiros,
sem qualquer limitação, bem como a compensação, desse últi- 2018, p. 146 – destaques meus).
mo espaço territorial especialmente protegido, com outra área.
De fato, conforme se depreende dos votos encaminha- Assim, diante da interpretação esposada pelo Pretório
dos pelo Sr. Relator e pelo Ministro Sérgio Kukina, consoante a Excelso acerca do “efeito cliquet” na seara ambiental, não se
orientação firmada no julgamento das Ações Diretas de Incons- olvida a constitucionalidade do art. 15 da Lei nº 12.651/2012.
titucionalidade ns. 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937, e da Ação De- Todavia, penso que o deslinde da questão em tela não
claratória de Constitucionalidade nº 42, no qual foi examinada reclama a análise da higidez do novo estatuto ambiental – pre-
a constitucionalidade, dentre outros dispositivos, do art. 15 do missa já sopesada –, mas, em verdade, diz com a sua aplicação
novo Código Florestal, o princípio da vedação ao retrocesso am- no tempo.
biental não deve ser empregado de forma absoluta, sob a óptica Com efeito, no âmbito do Direito Constitucional, ber-
ambientalista pura e simples, mas em ponderação a outros va- ço teórico do princípio da vedação ao retrocesso, tal diretriz
lores constitucionalmente caros, como o princípio democrático, representa um limite à atuação do Poder Legislativo, para que
do desenvolvimento sustentável e o direito de propriedade, apon- os direitos fundamentais já conquistados pela sociedade não re-
tados expressamente pelo Supremo Tribunal Federal, além de trocedam de forma desproporcional e injustificada, dirigindo-se,
outros interesses difusos. desse modo, precipuamente, ao legislador, e, em menor grau,
Transcrevo trecho da ementa do voto do Ministro Luiz ao exegeta jurídico, que, noutro giro, deve estar especialmente
Fux, Relator das citadas ações de controle de constitucionalidade: atento às normas atinentes à aplicabilidade da lei no tempo,
dentre elas, o princípio do tempus regit actum – segundo o qual
(p) Art. 15 (Possibilidade de se compu­ deve ser observado o regime jurídico em vigor no momento da
tar as Áreas de Preservação Permanente para materialização fática.

114 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 113, p. 95-117, set./out. 2020

FDUA_113_MIOLO.indd 114 04/11/2020 15:05:35


Recurso Especial nº 1.646.193/SP

Acerca do aspecto temporal de validade da norma ju- Art. 15. Será admitido o cômputo das Áreas de
rídica, a didática ementa do acórdão da ADI nº 605 MC/DF, de Preservação Permanente no cálculo do percentual
relatoria do Min. Celso de Mello bem ilustra o ponto em debate: da Reserva Legal do imóvel, desde que:
I - o benefício previsto neste artigo não implique
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – a conversão de novas áreas para o uso alterna­
MEDIDA PROVISÓRIA DE CARÁTER INTERPRE- tivo do solo;
TATIVO – LEIS INTERPRETATIVAS – A QUESTÃO II - a área a ser computada esteja conservada ou
DA INTERPRETAÇÃO DE LEIS DE CONVERSÃO em processo de recuperação, conforme compro­
POR MEDIDA PROVISÓRIA – PRINCÍPIO DA vação do proprietário ao órgão estadual integran­
IRRETROATIVIDADE – CARÁTER RELATIVO – te do Sisnama; e
LEIS INTERPRETATIVAS E APLICAÇÃO RETRO- III - o proprietário ou possuidor tenha requerido
ATIVA – REITERAÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA inclusão do imóvel no Cadastro Ambiental Rural
SOBRE MATÉRIA APRECIADA E REJEITADA – CAR, nos termos desta Lei.
PELO CONGRESSO NACIONAL – PLAUSIBILI- §1º O regime de proteção da Área de Preserva­
DADE JURÍDICA – AUSÊNCIA DO “PERICULUM ção Permanente não se altera na hipótese pre­
IN MORA” – INDEFERIMENTO DA CAUTELAR. vista neste artigo.
É plausível, em face do ordenamento constitu­ §2º O proprietário ou possuidor de imóvel com
cional brasileiro, o reconhecimento da admissi­ Reserva Legal conservada e inscrita no Cadastro
bilidade das leis interpretativas, que configuram Ambiental Rural – CAR de que trata o art. 29,
instrumento juridicamente idôneo de veiculação cuja área ultrapasse o mínimo exigido por esta
da denominada interpretação autêntica. – As leis Lei, poderá utilizar a área excedente para fins
interpretativas – desde que reconhecida a sua de constituição de servidão ambiental, Cota de
existência em nosso sistema de direito positivo Reserva Ambiental e outros instrumentos congê­
– não traduzem usurpação das atribuições insti­ neres previstos nesta Lei.
tucionais do Judiciário e, em consequência, não §3º O cômputo de que trata o caput aplica-se
ofendem o postulado fundamental da divisão a todas as modalidades de cumprimento da
funcional do poder. – Mesmo as leis interpretati­ Reserva Legal, abrangendo a regeneração, a re­
vas expõem-se ao exame e à interpretação dos composição e a compensação.
juizes e tribunais. Não se revelam, assim, espé­ §4º É dispensada a aplicação do inciso I do ca­
cies normativas imunes ao controle jurisdicional. put deste artigo, quando as Áreas de Preserva­
– A questão da interpretação de leis de conver­ ção Permanente conservadas ou em processo
são por medida provisória editada pelo Presiden­ de recuperação, somadas às demais florestas
te da República. – O princípio da irretroatividade e outras formas de vegetação nativa existentes
somente condiciona a atividade jurídica do Esta­ em imóvel, ultrapassarem:
do nas hipóteses expressamente previstas pela I - 80% (oitenta por cento) do imóvel rural locali­
Constituição, em ordem a inibir a ação do Poder zado em áreas de floresta na Amazônia Legal; e
Público eventualmente configuradora de restri­ II - (VETADO) (destaquei).
ção gravosa (a) ao “status libertatis” da pessoa
(CF, art. 5. XL), (b) ao “status subjectionais” do De outra parte, o novo Código Florestal, em seu art.
contribuinte em matéria tributária (CF, art. 150, 17, §4º, também invocado nas razões de decidir do acórdão re-
III, “a”) e (c) à segurança jurídica no domínio das corrido, assim dispõe:
relações sociais (CF, art. 5., XXXVI). – Na medi­
da em que a retroprojeção normativa da lei não Art. 17. A Reserva Legal deve ser conservada
gere e nem produza os gravames referidos, nada com cobertura de vegetação nativa pelo proprie­
tário do imóvel rural, possuidor ou ocupante a
impede que o Estado edite e prescreva atos
qualquer título, pessoa física ou jurídica, de di­
normativos com efeito retroativo. – As leis, em
reito público ou privado.
face do caráter prospectivo de que se revestem,
(…)
devem, ordinariamente, dispor para o futuro. O §3º É obrigatória a suspensão imediata das ati­
sistema jurídico-constitucional brasileiro, con­ vidades em área de Reserva Legal desmatada
tudo, não assentou, como postulado absoluto, irregularmente após 22 de julho de 2008.
incondicional e inderrogável, o princípio da irre­ §4º Sem prejuízo das sanções administrativas,
troatividade. – A questão da retroatividade das cíveis e penais cabíveis, deverá ser iniciado, nas
leis interpretativas. áreas de que trata o §3º deste artigo, o proces­
(ADI 605 MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, so de recomposição da Reserva Legal em até 2
Tribunal Pleno, julgado em 23.10.1991, DJ (dois) anos contados a partir da data da publica­
05.03.1993 PP-02897 EMENT VOL-01694-02 ção desta Lei, devendo tal processo ser conclu­
PP-00252 – destaque meu). ído nos prazos estabelecidos pelo Programa de
Regularização Ambiental – PRA, de que trata o
Dessarte, renovando vênia aos meus pares que já pro- art. 59 (destaque meu).
feriram voto, a controvérsia em tela perpassa não pela compre-
O art. 66 do mesmo estatuto, inserido topografica-
ensão do alcance do princípio da vedação ao retrocesso na seara
mente no capítulo atinente às disposições transitórias do novel
ambiental, estampada no julgamento das ADIs ns. 4.901, 4.902,
código florestal, possibilita que o proprietário ou possuidor de
4.903 e 4.937, e da ADC nº 42, mas pela contraposição tempo-
imóvel rural cuja área de reserva legal, em 22 de julho de 2008,
ral das Leis ns. 4.771/1965 e 12.651/2012, em especial, a
seja inferior ao estabelecido no art. 12, regularize sua situação;
retroatividade do novel diploma às situações consolidadas na in verbis:
vigência do anterior.
Nesse diapasão, contrariamente ao revogado Código Art. 66. O proprietário ou possuidor de imóvel
Florestal, a Lei nº 12.651/2012 permite ao proprietário ou pos- rural que detinha, em 22 de julho de 2008, área
suidor incluir no cálculo do percentual de Reserva Legal as Áreas de Reserva Legal em extensão inferior ao esta­
de Preservação Permanente existentes no imóvel rural, para atin- belecido no art. 12, poderá regularizar sua si­
gir o patamar mínimo legal, nos termos a seguir: tuação, independentemente da adesão ao PRA,

Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 113, p. 95-117, set./out. 2020 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA 115

FDUA_113_MIOLO.indd 115 04/11/2020 15:05:35


Superior Tribunal de Justiça

adotando as seguintes alternativas, isolada ou jurídica de direito público proprietária de imóvel


conjuntamente: rural que não detém Reserva Legal em extensão
I - recompor a Reserva Legal; suficiente, ao órgão público responsável pela
II - permitir a regeneração natural da vegetação Unidade de Conservação de área localizada no
na área de Reserva Legal; interior de Unidade de Conservação de domínio
III - compensar a Reserva Legal. público, a ser criada ou pendente de regulariza­
§1º A obrigação prevista no caput tem nature­ ção fundiária.
za real e é transmitida ao sucessor no caso de §9º As medidas de compensação previstas nes­
transferência de domínio ou posse do imóvel te artigo não poderão ser utilizadas como forma
rural. de viabilizar a conversão de novas áreas para
§2º A recomposição de que trata o inciso I do ca­ uso alternativo do solo (destaque meu).
put deverá atender os critérios estipulados pelo
órgão competente do Sisnama e ser concluída Depreende-se, portanto, a expressa retroatividade dos
em até 20 (vinte) anos, abrangendo, a cada 2 arts. 17, §4º, e 66 da Lei nº 12.651/2012, mediante os quais
(dois) anos, no mínimo 1/10 (um décimo) da o legislador conferiu ao proprietário ou possuidor alternativas de
área total necessária à sua complementação. regularizar o imóvel rural desconforme com os parâmetros de
§3º A recomposição de que trata o inciso I do reserva legal em 22.07.2008, com ou sem adesão ao Progra-
caput poderá ser realizada mediante o plantio ma de Regularização Ambiental; diversamente, o art. 15 da Lei
intercalado de espécies nativas e exóticas, em nº 12.651/2012 estabelece novo regime concernente à relação
sistema agroflorestal, observados os seguintes entre a área de Reserva Legal e a Área de Proteção Permanente,
parâmetros: sem qualquer referência a situações passadas.
§3º A recomposição de que trata o inciso I do À vista disso, com a ressalva das normas expressa-
caput poderá ser realizada mediante o plantio mente retroativas, de rigor reafirmar o entendimento jurispru-
intercalado de espécies nativas com exóticas ou dencial há muito encampado por esta Corte segundo o qual as
frutíferas, em sistema agroflorestal, observados disposições do Novo Código Florestal, em regra, obedecem ao
os seguintes parâmetros: princípio do tempus regit actum, como espelham os julgados
I - o plantio de espécies exóticas deverá ser assim ementados:
combinado com as espécies nativas de ocorrên­
cia regional; PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. NOVO CÓ-
II - a área recomposta com espécies exóticas DIGO FLORESTAL. IRRETROATIVIDADE. TEM-
não poderá exceder a 50% (cinquenta por cento) PUS REGIT ACTUM. CLÁUSULA DE RESERVA
da área total a ser recuperada. DE PLENÁRIO. VIOLAÇÃO. AUSÊNCIA. DEFICI-
§4º Os proprietários ou possuidores do imóvel ÊNCIA RECURSAL. INEXISTÊNCIA.
que optarem por recompor a Reserva Legal na 1. O Plenário do STJ decidiu que “aos recursos
forma dos §§2º e 3º terão direito à sua explora­ interpostos com fundamento no CPC/2015 (re­
ção econômica, nos termos desta Lei. lativos a decisões publicadas a partir de 18 de
§5º A compensação de que trata o inciso III do março de 2016) serão exigidos os requisitos de
caput deverá ser precedida pela inscrição da pro­ admissibilidade recursal na forma do novo CPC”
priedade no CAR e poderá ser feita mediante: (Enunciado Administrativo nº 3).
I - aquisição de Cota de Reserva Ambiental – 2. Não há como fazer retroagir a novel legislação
CRA; florestal para afastar o cumprimento de transa­
II - arrendamento de área sob regime de servidão ção penal formalizada em Juizado Especial, sob
ambiental ou Reserva Legal; a égide da norma revogada (desfazer rancho
III - doação ao poder público de área localizada erguido em APP), pois é firme a posição desta
no interior de Unidade de Conservação de domí­ Corte de que, em matéria ambiental, deve pre­
nio público pendente de regularização fundiária; valecer o princípio tempus regit actum, de forma
IV - cadastramento de outra área equivalente e a não se admitir a aplicação das disposições
excedente à Reserva Legal, em imóvel de mesma do novo Código Florestal a fatos pretéritos, sob
titularidade ou adquirida em imóvel de terceiro, pena de retrocesso ambiental.
com vegetação nativa estabelecida, em regene­ 3. A irretroatividade do Novo Código Florestal as­
ração ou recomposição, desde que localizada no sentada na decisão agravada não implica afron­
mesmo bioma. ta à cláusula de reserva de plenário, porquanto
§6º As áreas a serem utilizadas para compensa­ sequer houve pronúncia de inconstitucionalida­
ção na forma do §5º deverão: de de preceito legal, senão a interpretação do
I - ser equivalentes em extensão à área da Re­ direito infraconstitucional aplicável ao caso.
serva Legal a ser compensada; 4. O equívoco redacional do recurso ministerial
II - estar localizadas no mesmo bioma da área de acolhido – que menciona “averbação da área
Reserva Legal a ser compensada; de reserva legal em imóvel rural” ao invés de
III - se fora do Estado, estar localizadas em “regularização de rancho em área de preserva­
áreas identificadas como prioritárias pela União ção permanente” constitui erronia terminológica
ou pelos Estados. (reserva legal x APP) – não impede a admissibili­
§7º A definição de áreas prioritárias de que trata dade recursal, mormente porque, noutro trecho,
o §6º buscará favorecer, entre outros, a recu­ foi explicitado de modo correto o objeto da ação.
peração de bacias hidrográficas excessivamente 5. Agravo interno desprovido.
desmatadas, a criação de corredores ecológi­ (AgInt no REsp 1.709.241/SP, Rel. Ministro
cos, a conservação de grandes áreas protegidas GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado
e a conservação ou recuperação de ecossiste­ em 11/11/2019, DJe 02/12/2019 – destaque
mas ou espécies ameaçados. meu).
§8º Quando se tratar de imóveis públicos, a
compensação de que trata o inciso III do caput PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DA-
poderá ser feita mediante concessão de direi­ NOS AMBIENTAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RES-
to real de uso ou doação, por parte da pessoa PONSABILIDADE DO ADQUIRENTE. TERRAS

116 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 113, p. 95-117, set./out. 2020

FDUA_113_MIOLO.indd 116 04/11/2020 15:05:35


Recurso Especial nº 1.646.193/SP

RURAIS. RECOMPOSIÇÃO. MATAS. TEMPUS DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL A SITUAÇÕES


REGIT ACTUM. AVERBAÇÃO PERCENTUAL DE PRETÉRITAS. IMPOSSIBILIDADE.
20%. SÚMULA 07 STJ. 1. Inviável, por ausência de prequestionamen­
1. A responsabilidade pelo dano ambiental é ob­ to, a análise de questão que, a despeito de ter
jetiva, ante a ratio essendi da Lei 6.938/81, que sido suscitada em contrarrazões, não foi alvo de
em seu art. 14, §1º, determina que o poluidor manifestação pela Corte de origem. Além disso,
seja obrigado a indenizar ou reparar os danos ao tratando-se de matéria ambiental, prevalece o
meio-ambiente e, quanto ao terceiro, preceitua disposto no princípio tempus regit actum, que
que a obrigação persiste, mesmo sem culpa. impõe obediência à lei em vigor por ocasião da
Precedentes do STJ: RESP 826976/PR, Relator ocorrência do fato ilícito, sendo, portanto, inapli­
Ministro Castro Meira, DJ de 01.09.2006; AgRg cável o novo Código Florestal a situações preté­
no REsp 504626/PR, Relator Ministro Francisco ritas. Precedentes.
Falcão, DJ de 17.05.2004; RESP 263383/PR, 2. Agravo interno a que se nega provimento.
Relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ de (AgInt no REsp 1.740.672/MG, Rel. Ministro
22.08.2005 e EDcl no AgRg no RESP 255170/ OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em
SP, desta relatoria, DJ de 22.04.2003. 26/03/2019, DJe 03/04/2019 – destaque
2. A obrigação de reparação dos danos ambien­ meu).
tais é propter rem, por isso que a Lei 8.171/91
vigora para todos os proprietários rurais, ain­ In casu, já sob a égide da Lei nº 12.651/2012, o Mi-
da que não sejam eles os responsáveis por nistério Público do Estado de São Paulo ajuizou ação civil pú-
eventuais desmatamentos anteriores, máxime blica em face da ora Recorrida, com amparo no Inquérito Civil
porque a referida norma referendou o próprio nº 25/2008, instaurado em 13.06.2008 (Portaria nº 21/2008;
Código Florestal (Lei 4.771/65) que estabelecia fls. 14/15e), no qual foram constatados danos ambientais em
uma limitação administrativa às propriedades imóvel rural, posteriormente por ela adquirido em 06.02.2012
rurais, obrigando os seus proprietários a instituí­ (fl. 199e).
rem áreas de reservas legais, de no mínimo 20% Ressalte-se que os antigos proprietários do imóvel
de cada propriedade, em prol do interesse coleti­ chegaram a firmar, em 10.10.2008, Termo de Ajustamento de
vo. Precedente do STJ: RESP 343.741/PR, Rela­ Conduta (fl. 51e; fls. 94/98e), o qual não chegou a ser cumpri-
tor Ministro Franciulli Netto, DJ de 07.10.2002. do, facultando-se, sem sucesso, à parte recorrente, posterior-
(…) mente à alienação do bem, a celebração de igual avença.
6. A adoção do princípio tempus regit actum, Portanto, certificado o dano ambiental em momento
impõe obediência à lei em vigor quando da ocor­ anterior à vigência do novo Código Florestal, e considerando
rência do fato. a natureza propter rem da obrigação ambiental, consoante
7. In casu, os fatos apurados como infração am­ o enunciado da Súmula nº 623 desta Corte (“As obrigações
biental ocorreram no ano de 1997, momento em ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível
que já se encontrava em vigor o Código Florestal cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores,
Lei nº 4.771/65, não havendo que se perquirir à escolha do credor”), entendo que, na espécie, incabível
quanto à aplicação do Decreto nº 23.793/94, aplicação retroativa do novo estatuto florestal, à exceção das
que inclusive foi revogado por aquela lei. disposições expressamente retroativas.
(…) Posto isso, com a devida vênia ao Srs. Ministros
12. Recurso parcialmente conhecido e, nesta Napoleão Nunes Maia Filho e Sérgio Kukina, CONHEÇO
parte, desprovido. PARCIALMENTE do recurso, e, nessa extensão, DOU PARCIAL
(REsp 1.090.968/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PROVIMENTO ao recurso especial do Ministério Público do
PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/06/2010, Estado de São Paulo, para afastar, tão somente, a aplicação do
DJe 03/08/2010 – destaques meus). art. 15 da Lei nº 12.651/2012, nos termos expostos.
É o voto.
PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECUR-
SO ESPECIAL. AMBIENTAL. APLICABILIDADE

Fórum de Dir. Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 19, n. 113, p. 95-117, set./out. 2020 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA 117

FDUA_113_MIOLO.indd 117 04/11/2020 15:05:35

Você também pode gostar