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Germana de Araujo I Fabiana Grassano

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE TEXTOS


REITOR Germana G. de Araujo
Valter Joviniano de Santana Filho Fabiana Grassano
Letícia Lampert (prefácio)
VICE-REITOR
Rosalvo Ferreira Santos PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO
Germana G. de Araujo e Fabiana Grassano
EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CAPA
COORDENADORA DO PROGRAMA EDITORIAL Leiaute de Germana G. de Araujo
Maíra Carneiro Bittencourt Maia Fotografia Fabiana Grassano
COORDENADOR GRÁFICO REVISÃO LINGUÍSTICA
Luís Américo Silva Bonfim Fernanda Fontenelle
CONSELHO EDITORIAL Emanuelle Alves Adacheski
Alisson Marcel Souza de Oliveira
Ana Beatriz Garcia Costa Rodrigues FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL
Carla Patrícia Hernandez Alves Ribeiro César UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
Cristina de Almeida Valença Cunha Barroso
Fernando Bittencourt dos Santos Araujo, Germana de
Flávia Lopes Pacheco A663d Design do livro experimental [recurso eletrônico] :
Jacqueline Rego da Silva Rodrigues ensaios provocativos / Germana de Araujo, Fabiana
Luís Américo Silva Bonfim Grassano. – São Cristóvão, SE : Editora UFS, 2022.
66 p. : il.
Maíra Carneiro Bittencourt Maia (Presidente)
Petrônio José Domingues e-ISBN 978-65-86195-63-7
Renata Ferreira Costa Bonifácio
1. Design. 2. Livros – Diagramação. 3. Editoração. I.
Yzila Liziane Farias Maia de Araújo
Grassano, Fabiana. II. Título.
CDU 7.05:002
© 2022 Autores. Direitos para esta edição cedidos à Editora UFS. Proi-
bida a reprodução total ou parcial por qualquer meio de impressão,
em forma idêntica, resumida ou modificada, em Língua Portuguesa
ou qualquer outro idioma. Este livro segue as normas do Acordo Or-
tográfico da Língua Portuguesa de 1990, adotado no Brasil em 2009.
Obra selecionada e publicada com recursos públicos
Cidade Universitária “Prof. José Aloísio
advindos do Edital 001/2021 livros digitais do
de Campos” Jardim Rosa Elze. Programa Editorial da UFS.
CEP: 49100-000 São Cristóvão - Sergipe

Contatos: +55 (79) 3194-6920 Ramais 6922 PDF São Cristóvão/SE


ou 6923 - e-mail: editora.ufs@gmail.com INTERATIVO 2022
https://editora.ufs.br/
ESTELA VILELA [youtu.be/cf2cCLYYqCg] GABRIELA IRIGOYEN [aula do curso “Livros tangíveis”] LUISE WEISS [Foto: Fabiana Grassano, 2018]

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expe r i
d e livros.
p r o dução
na
CONTEÚDO

5 PREFÁCIO Letícia Lampert 49 PROCESSOS

8 APRESENTAÇÃO Germana de Araujo


Fabiana Grassano
ARTÍSTICO-CRIATIVOS PARA
A PRODUÇÃO DO LIVRO
EXPERIMENTAL EM ESCALA

11 A PRODUÇÃO DE Apontamentos da
LIVROS IMPRESSOS NA história do livro, 11
59 DESFECHO

CONTEMPORANEIDADE A produção em Design


Contemporâneo, 16
61 REFERÊNCIAS

O livro de artista,
como referência, 19 63 ANEXO

34 ANÁLISE GRÁFICA “Clichês brasileiros” (2013) Gustavo Piqueira, 35


DE OBRAS NÃO “De novo” (2018) Gustavo Piqueira, 36
CONVENCIONAIS “Conhecidos de vista / Known by sight” (2018) Letícia Lampert, 39
“Dentro do espelho” (2002) Luise Weiss, 41
“Rosa” (2017) Odilon Moraes, 44
“Autopublicação: Uma introdução ao sonho perfeitamente
possível de contar as suas próprias histórias impressas”
(2019) Ricardo Rodrigues, 46
5 “Com formação em Artes Visuais,

PREFÁCIO l Letícia Lampert, julho de 2021. Design e mestrado em Poéticas Visuais,


Letícia Lampert vem desenvolvendo sua
produção autoral principalmente através
da fotografia. Tem como eixo principal de
pesquisa a investigação sobre as formas de
compreender a paisagem, especialmente
urbana, e as relações, mediadas pela
arquitetura, que estabelecemos com as
cidades [...]”.
(www.leticialampert.com.br)

Letícia Lampert.

Não sei dizer ao certo quando ouvi pela primeira vez o ter- Antunes, Tunga, Domingos Oliveira e tantos outros. Não ha-
mo “livro de artista”, nem quando, exatamente, comecei a me via, entretanto, qualquer temática ou estética que os unisse ou
aventurar por esse universo, mas certamente não foi no curso criasse uma relação entre eles, nem mesmo um projeto gráfico
de Design que frequentei. Olhando para trás, penso em dois que alinhavasse aquele todo desconexo. A independência entre
encontros que me marcaram. as partes era total. A colaboração se dava apenas entre cada du-
No primeiro, ainda estudante, em uma dessas incursões por li- pla, ao longo de um determinado número de páginas, de forma
vrarias que são um misto de pesquisa e deleite, tão comuns na tão livre e instigante que só aumentava minha curiosidade. Cada
vida de qualquer designer, lembro de encontrar ao acaso um parte era como uma obra, de fato, pensada para a página im-
livro que me deixou intrigada. Não entendia muito bem o que ti- pressa. Mas o que era exatamente aquilo? Não era uma revista,
nha em mãos: era uma coletânea, não havia dúvida, mas sobre o não era um catálogo de uma exposição ou projeto, não era um
quê? Organizada pela psicanalista Renata Salgado, “Imagem es- livro sobre um determinado assunto – pelo menos não de forma
crita” se dividia em 11 “livros”, no lugar de capítulos, sendo cada explícita. Qual seria seu propósito? Talvez tenha sido justamente
um uma colaboração entre dois artistas: um da palavra e outro esse estranhamento que me fez voltar a ele tantas vezes, des-
da imagem. Alguns nomes de peso estavam ali, como Arnaldo pertando muito mais perguntas do que respostas.
6 l PREFÁCIO

Além desse encontro, lembro também de ver um cartaz de divul- corriqueira de obra de arte. É também difícil resumir ou enquadrar
gação do livro “A página violada”, de Paulo Silveira, pelos corredores o livro de artista em características constantes e determinadas: ele Paulo Silveira é bacharel
da universidade onde estudava – nessa época, já no curso de Artes pode ter textos e pode não ter; pode ser único ou ter grande tiragem; em Artes Plásticas, mestre
Visuais. O título, por si só, parecia um convite para quem, como eu, pode ser produzido por gráfica ou feito à mão; pode ser lançado de e doutor em História,
Teoria e Crítica da Arte pela
vinha tentando abrir espaço no campo do Design Editorial, sem- forma independente ou via editora; pode ser um trabalho solitário
Universidade Federal do Rio
pre querendo pesquisar mais sobre métodos de criação de capas ou fruto de colaboração. Na verdade, o livro de artista pode ser tudo Grande do Sul. Integrante do
e projetos gráficos. Mas não. Ou, pelo menos, não de forma direta. o que quiser ser. A forma, o projeto gráfico, sua materialidade, tudo grupo de pesquisa Veículos
faz parte de sua existência como obra, tudo nele contribui para a da Arte (IA/UFRGS/CNPq),
O livro, fruto de uma minuciosa pesquisa de mestrado que hoje é é autor de vários textos
uma das grandes referências sobre o assunto no Brasil, era sobre criação do sentido que se pretende ter. E é aí que toda sua força que propõem o debate
um tipo muito específico de livro, um universo inteiro que eu então criativa se mostra de grande interesse para quem estuda e traba- acerca do livro de artista,

recém-começava a descobrir: os livros de artista. Mas o que é exa- lha com Design, já que nem sempre, ou melhor, muito raramente, sendo um deles “A página
violada: da ternura à injúria
tamente um livro de artista? é possível usufruir de tanta autonomia e liberdade no momento da
na construção do livro de
concepção e execução de um projeto de natureza editorial. artista” (2001).
Experimental por natureza, o livro de artista nada mais é do que o
trabalho de um artista pensado – e realizado – na forma de livro.
Um livro-obra, seja ele no formato que for, com a tiragem que for.
Um livro que não é suporte para uma obra de outra linguagem, mas
que é, ele mesmo e em sua totalidade, a materialização de uma
ideia. Ele é a obra e ponto final. Se um artista pode pintar quadros,
fazer desenhos, esculturas, performances, instalações e tantas coi-
sas quantas pudermos imaginar, por que não poderia fazer livros?
Embora já seja bastante difundido no campo das artes visuais, esse
tipo de obra ainda é um tanto desconhecido para a grande maioria
do público leigo. De fato, trata-se de um objeto que tende a cau- Letícia Lampert
sar certo estranhamento por ser de difícil definição, ultrapassando manuseando seu livro
“Conhecidos de vista /
tanto o que entendemos por um livro comum quanto a noção mais Known by sight”.
7 l PREFÁCIO

Ainda que para o artista esse seja um processo natural, eu, en-
quanto designer, sempre acreditei na potência de projetos pura-
mente experimentais. É preciso se entregar, pelo menos de vez
em quando, ao fazer pelo fazer, à experimentação pela experi-
mentação. É ela que tende a alavancar o campo como um todo,
testando ideias, descobrindo materiais e soluções, apontando
novos caminhos que poderão ser, inclusive, aplicados posterior-
mente em trabalhos mais objetivos e comerciais. E o fazer pelo
fazer é justamente o território da arte e dos livros de artista. Arte
e Design são campos que podem ser, ao mesmo tempo, muito
próximos e muito distantes, mas que só têm a ganhar com o en-
trecruzamento dos saberes que vêm de cada um.
Espero que, para o leitor, este livro possa ser como os encontros
fortuitos que narrei anteriormente: essa faísca que desperta o
interesse por um campo até então pouco conhecido e que acaba
por ampliar nosso horizonte. Seja para simples fruição ou para
quem de fato quiser se aventurar na criação de livros de artista,
o contato com este universo será, com toda certeza, uma lufada
de inspiração.

Imagem do site de
Letícia Lampert.
8 Germana G. de Araujo e Fabiana Grassano

APRESENTAÇÃO são duas designers fazedoras de livros. Elas


se conheceram na primeira turma do curso
Dobras de Si (dobrasdesi.com.br), que aconteceu
remotamente no período de setembro a dezembro
l Germana G. de Araujo e Fabiana Grassano de 2020 – primeiro ano de pandemia por causa da
covid-19. Desde então, se tornaram boas parceiras
em vários trabalhos. Atualmente, elas fazem parte
do grupo Guapa (@grupoguapa), um coletivo de
produção de livro e revista de artista.

Selfie de Germana e Fabiana na Bienal


de Arte de São Paulo (set. 2021).

Este livro compõe a série de obras digitais do curso de Design Agora, propomos um debate acerca do efeito das experimenta-
da Universidade Federal de Sergipe, elaboradas para a refle- ções gráficas inseridas nos processos criativos no Design Editorial,
xão sobre a produção do Design do Livro. Com esse foco, lan- visando tornar potente a interação leitor-leitura em livros impres-
çamos, no início de 2021, o livro digital “Design do Livro Infantil sos de pequenas tiragens ou de larga escala de produção.
Ilustrado: ensaios de representatividade", obra contemplada Dando início ao conteúdo explanatório, mas de ímpeto crítico,
pelo edital 01/2020 da Editora UFS, que recebeu a contribui- iniciaremos nosso debate com apontamentos sobre a história
ção necessária da professora e artista visual Yasmin Nogueira. do livro para compreender a produção do livro impresso na con-
Nela, analisamos cinco trabalhos de conclusão de curso da gra- temporaneidade. Corrobora-se aqui o pensamento de Roger
duação em Design da UFS que tiveram como ponto de parti- Chartier (2014), quando o autor afirma que não houve mudan-
da problemáticas sociais vivenciadas pelos alunos-autores e ças significativas na produção de um livro impresso a ponto de
que resultaram em livros infantis ilustrados. O foco era refle- afetar o processo convencional de leitura, exceto quando se
tir acerca das metodologias projetuais em Design, levando em trata de livros digitais. Diante disso, torna-se interessante a
consideração a personalidade profissional do pesquisador em reflexão acerca de novas possibilidades de leitura a partir da
consonância com as especificidades de cada projeto. materialidade do livro.
9 l APRESENTAÇÃO

Curioso é que, com a inserção da televisão e, principalmente, Deve-se ter em vista que, diante de novos estímulos e tecnolo-
dos suportes digitais de leitura, as pessoas passaram a ler con- gias, tendemos a pensar que a configuração do livro impresso
teúdos de maneiras distintas da leitura de uma página conven- também deve assumir novas formas, libertando-se das antigas
cional de texto impresso. Entretanto, mesmo que já se tenha fórmulas. É nesse direcionamento que buscamos o conceito e
interagido com tipologias de páginas impressas que misturam a produção do livro de artista como inspiração para o Design
linguagens verbais e não verbais para compor uma narrativa Editorial. Aspectos como a materialidade que interage com a do
– tais como em jornais e revistas, ou até nos livros didáticos códice ou dela se diferencia, a imagem que recebe tratamento
–, tende-se a pensar no livro composto somente por páginas experimental de impressão ou a propositura de leituras não li-
de texto. Isso quer dizer que, apesar das suas múltiplas pos- neares são comuns na produção do livro de artista. Um dos de-
sibilidades de leitura, considerando que os estímulos de leitu- safios é compreender de que modo é possível tornar exequível,
ra existentes na atualidade são cada vez mais diversos, o livro do ponto de vista técnico e econômico, a experimentação artís-
impresso é, em sua maioria, produzido hoje com configuração tico-criativa na produção de livros de pequenas a altas tiragens.
tradicional, obedecendo às métricas de leiaute formuladas des- Outro desafio é acordar, com o jovem designer de livros, que um “Livro corpo aberto” (2020),
de antes do advento da imprensa, no século XV. Sobre essa per- bom desempenho de sua parte não significa necessariamente de Germana de Araujo.
manência da configuração de uma página puramente de texto – tornar a página invisível, como está posto na literatura clássica
algumas com margens estreitas e letras pequenas, por exemplo de Design do Livro, e que assumir como vantagens as técni-
–, Didier Dias de Moraes (2017, p. 27) afirma que, antes de ser cas artísticas de produção gráfica não o coloca em um lugar de
“uma questão de economia ou equívoco técnico”, essa forma de desagrado diante de seus pares. Para desmistificar a ideia que
propor a visualidade de uma página tem a ver com a legitima- distancia os modos de produção entre o designer e o artista,
ção de uma “marca de distinção cultural e social”, diferenciando resolvemos analisar algumas obras desenvolvidas por artis-
aqueles que não têm acesso aos livros, ou mesmo os que não tas visuais e designers brasileiros – Gustavo Piqueira, Letícia
têm o hábito de leitura de texto contínuo. Lampert, Luise Weiss, Odilon Moraes e Ricardo Rodrigues –
Distanciando-nos desse pensamento reacionário alertado por que propõem uma leitura incomum a partir de uma materiali-
Moraes, propomos uma reflexão acerca da relevância da cons- dade diferenciada do livro.
trução da significação de um tema em um livro que permita uma
leitura não convencional, mais lúdica e sem perder consistência.
10 l APRESENTAÇÃO

Destaca-se que todas as obras selecionadas, apesar das espe-


cificidades estruturais, foram de edição – de pequena, média ou
grande escala de produção.
Por fim, selecionamos algumas experimentações gráficas que
podem ser praticadas no âmbito do Design do Livro, compreen-
dendo as possíveis adequações do experimento artístico para a
produção em gráficas, independentemente da tiragem. Nosso
intuito é que o conteúdo deste livro possa inspirar profissionais
e alunos em cursos de Design a se arriscarem na experimen-
tação artístico-criativa. Tendo em vista que, na atualidade, os
livros são produzidos por processos de automação, vivemos
uma época em que a participação do designer na concepção e
configuração das páginas é cada vez menor. Com o mínimo de
esforço, é possível fazer algo razoável1 e, infelizmente, o razo-
ável tornou-se um parâmetro de conforto para muitos profis-
sionais em Design. Nessa perspectiva, propomos um conteúdo
reflexivo, a partir da materialidade e da possibilidade prática, e
torcemos para que mais designers sejam inspirados pelas ar-
Gravura sobre papel de outdoor
tes, pelo livro de artista. (2020), por Rossana Di Munno.

CATÁLOGO DA EXPOSIÇÃO
1
Fala de Gustavo Piqueira no vídeo “Repensando Design”, publicado no YouTube em http://dobrasdesi.com.br/
8 de julho de 2017. Disponível em: https://youtu.be/ZCctek90GkM. Acesso em: 10 impermanencias/Catalogo-
maio 2021. Exposicao-Dobras-de-Si-2020.pdf
11
A PRODUÇÃO
DE LIVROS
IMPRESSOS NA
CONTEMPORANEIDADE
Estudos para a produção de
um livro dobraduras.

Apontamentos da história do livro podemos dizer que a história do livro foi construída juntamente
com a história social do conhecimento (escrita e leitura), a histó-
A história do livro está ligada à história da escrita, a qual buscou ria do papel e a história da imprensa, assim como com a evolução
encontrar uma forma de registrar memórias e transpor o tempo da reprodutibilidade técnica.
por intermédio desse suporte. O livro é um objeto criado, não
Autores da história do livro consideram que o papiro – mate-
natural, mas artificial, material e simbólico:
rial desenvolvido pelos egípcios por volta de 3000-2500 a.C.
Como objeto artificial, é mercadoria, produto acabado de vários pro- – trouxe a possibilidade de ser usado em rolo, ampliando o es-
cessos intelectuais, técnicos e industriais; como objeto simbólico, é
paço de escrita. Os livros manuscritos no papiro ficaram conhe-
texto, que pressupõe uma autoria, que acabou como obra, e leitores
que nunca acabam (HANSEN, 2019, p. 7-8). cidos como volumen e propunham processos, principalmente
de registro e leitura, trabalhados sob a perspectiva do uso. No
O que vemos, no decorrer dessa história, é a busca por um supor-
rolo, a escrita acontecia em apenas uma das faces, e a leitura
te ideal até chegarmos ao livro de papel. É sabido que essa bus-
era feita com o auxílio das duas mãos: enquanto a mão direita
ca passou por diversos materiais e técnicas, como pedra, argila,
desenrolava, a mão esquerda enrolava. Encontrar um determi-
cascas de árvore, ossos, madeira, entre outros – a maioria de
nado trecho do conteúdo não era tarefa fácil, pois as tiras de
grande durabilidade, mas de pouca flexibilidade. Nesse sentido,
papiro eram bem compridas.
12 l A PRODUÇÃO DE LIVROS IMPRESSOS NA CONTEMPORANEIDADE

A busca por materiais e processos que pudessem facilitar a con-


fecção, o uso e o armazenamento dos livros sempre existiu. Por
volta do século 2 a.C., surgiram os pergaminhos, produzidos pe-
los gregos, feitos de pele de animais bovinos ou caprinos. Mais
resistentes e flexíveis que o papiro, os pergaminhos ainda po-
diam ser reaproveitados, sendo apagados, a partir de lavagem
ou raspagem, para receber um novo conteúdo; esses ficaram
conhecidos como palimpsestos. As peles de animais eram pre-
paradas e costuradas, formando rolos de vários tamanhos.
A primeira grande virada na história do livro foi a passagem do
volumen ou rolo para o formato códice (Figura 1) – uma concep-
ção utilizada até hoje na configuração da materialidade de um
Figura 1 – Volumen e o códice.
livro. A solução tecnológica do códice vem da Antiguidade (Figura Fonte: Desenho das autoras.
2), “se generaliza com o Cristianismo, entre os séculos II e IV”
(PAIVA, 2010, p. 22), mas se consolida na Idade Média. Dentre as
suposições acerca dos motivos que fizeram o códice suplantar
o rolo, acredita-se principalmente na capacidade de armazena-
mento de informação – já que a página do códice possibilita a O livro passou a ser um conjunto de folhas dobradas, chamadas
escrita em frente e verso – e na facilidade de manuseio – e, con- de fólio, costuradas e organizadas na forma de páginas sequen-
sequentemente, de leitura e portabilidade. Ou seja, a partir da ciais, compreendendo a forma física de como conhecemos o livro
necessidade de ampliar o acesso ao registro escrito, consideran- até hoje – o códice, como passou a ser chamado. Esse forma-
do que nos séculos XIII e XIV já havia uma expansão da criação to pode acomodar uma série de diferentes conhecimentos, de
de universidades na Europa e, portanto, uma produção de livros diferentes simbologias e com diferentes significados. Com isso,
manuscritos sob demanda, instala-se a busca pela produção o livro ganha força e personalidade, pois ele contém uma ideia,
exequível, sob uma perspectiva técnica, alinhada aos processos uma mensagem, que pode ter a forma de texto e também ser
de interação leitor-leitura. materializada por meio de outras visualidades.
13 l A PRODUÇÃO DE LIVROS IMPRESSOS NA CONTEMPORANEIDADE

Olhando brevemente para essa trajetória, podemos identificar o


livro manuscrito, feito pelos calígrafos e por artistas miniaturis-
tas, como um objeto raro e artístico. Em meados do século XV,
quando Gutenberg inventa os tipos móveis, a prensa e a tinta à
prova de borrão, o livro passa a ser reprodutível. E mesmo que,
no início, a aparência dos manuscritos fosse a grande referên-
cia para os tipógrafos, a página impressa foi se tornando cada
vez mais seca, mais econômica, mais funcional – o que era de
se esperar diante da larga produção de livros na Europa a partir
da imprensa, nos séculos XVI e XVII. Com pequenas evoluções,
a técnica de Gutenberg perdurou por mais de quatro séculos:
“Gutenberg de 1456 ficaria à vontade em uma gráfica dos anos
1850”, afirmou Bann (2010, p. 8).
Curiosamente, no século XVI foram produzidos muitos livros.
Segundo Peter Burke (2002), por volta de 1500, mais de 250
centros europeus já haviam produzido cerca de 27 mil edições.
Se cada edição tivesse uma tiragem de 500 exemplares, isso
Figura 2 – Terentius Neo e sua esposa. significa que, em uma Europa de 100 milhões de habitantes,
“O afresco no estilo IV de Pompeia, que data de 55-79 d.C. de acordo com “excluindo-se o mundo ortodoxo, que escrevia em grego ou
uma análise estilística, foi descoberto no tablinum da Casa de Terentius Neo
em Pompeia em 1868” (MUSEO ARCHEOLOGICO NAZIONALE DI NAPOLI,
russo ou eslavo eclesiástico”, foram produzidos 13 milhões
2021, tradução nossa). A pintura na parede retrata um casal de pessoas da de livros (BURKE, 2002, p. 176). O autor afirma que o volume
classe média como sendo requintadas, cultas e elegantes. A senhora segura de produção de livros na Europa nos séculos XVI e XVII era tão
uma tabuleta na mão esquerda e uma pena na mão direita. Essa estrutura
composta por tabuletas unidas por dobradiças para propiciar articulação das grande que não se conseguia mensurar.
partes é considerada antecessora do códice.
Fonte: https://www.museoarcheologiconapoli.it/en/room-and-sections-of-
Na Revolução Industrial, aumentou-se a escala de produção,
the-exhibition/frescoes/. Acesso em: 14 maio 2021. transformando o livro em um objeto comum, padronizado:
14 l A PRODUÇÃO DE LIVROS IMPRESSOS NA CONTEMPORANEIDADE

Se o livro era produzido como preciosidade na época das ilumi- Até o século XVIII, a impressão de ima-
nuras, e se aproximou cada vez mais de um objeto banal com a gens era feita por relevos talhados em
revolução dos meios de impressão e encadernação na indústria do madeira ou metal. Sabe-se que que o
século XIX, dentro da arte ele sofre os reflexos dessas mesmas aparecimento da estampa é anterior ao
transformações (FONSECA, 2011, p. 17). do livro impresso e que, como explicita o
pesquisador francês Lucien Febvre, “[...]
Devemos muito aos saberes desenvolvidos para a feitura de um durante séculos, até o aparecimento da
fotografia, o comércio da estampa conti-
livro na Idade Média e no século XVI, os quais nos habituamos a nuará florescente ao lado do comércio do
reproduzir, por acreditar ou por não refletir acerca de sua funcio- livro.” (FEBVRE; MARTIN, 2019, p. 102).
nalidade. Sabemos, por exemplo, que os marcadores de título cor-
rente e a numeração das páginas foram importantes para fazer a Figura 3 – Anatomia e fisiologia humana, flap book e xilogravuras de 1661.
união dos cadernos; sabemos também que hoje esses elemen- Editor: Gedruckt durch Johann Schultes Buchtrucker / In Verlegung Johann
tos têm outras funções, como, por exemplo, localizar conteúdo. Görlin Buchhandlers em Ulm.
Fonte: https://archive.org/details/ldpd_11497246_000/page/n111/
Configuramos páginas hoje com fortes referências ao que já era
mode/2up. Acesso em: 20 maio 2021.
feito nos períodos anteriores à imprensa, mesmo vivendo em uma
época em que os estímulos são diversos. Esse é o gancho que nos
leva a refletir acerca do Design do Livro na atualidade.
Observar os livros produzidos nos séculos XVII e XVIII é um materialidade do livro, que recebe tratamento diferenciado com
exercício de grande valor para a produção atual. Por exemplo, o intuito de propor ao leitor uma interação que lhe propicie a
nesse período, já se produziam os chamados flap book2 e informação da melhor maneira possível. Tanto o flap book como
pop-up book3 para estudos científicos (Figuras 3 e 4). Ter essa os livros pop-up4 são bastante utilizados hoje em dia, geralmente
produção como referência é importante para refletir acerca da em estruturas pensadas para os livros infanto-juvenis.
2
Flap book é uma peça de papel fixada a uma página como uma aba que se abre;
envolve vinco, dobra e cola.
3
Livros pop-up são peças tridimensionais de papel que saltam da página com o mo-
vimento de abertura do livro; também envolvem vinco, dobra e cola. A construção
desses objetos exige um bom planejamento e conhecimento da estrutura e do fun-
cionamento dos objetos tridimensionais, sendo executada pelo profissional conheci- 4
Ambas as técnicas são aplicadas depois do livro impresso; é um trabalho manual
do como engenheiro do papel (HASLAM, 2007, p. 200). executado na fase de acabamento.
15 l A PRODUÇÃO DE LIVROS IMPRESSOS NA CONTEMPORANEIDADE

Na contemporaneidade, o livro se torna um objeto feito com es-


truturas não pensadas antes. Hoje em dia, a busca não se limita
a funcionalidade e custo, mas também tem a ver com tornar po-
tente a significação de conteúdo a partir da materialidade inusi-
tada. Nesse sentido, temos, por exemplo, o livro de artista, que
só existe no objeto, em sua materialidade, carregando em si sua
ideia, seu conceito e sua concepção. Do mesmo modo, há os li-
vros de produções independentes, muitas vezes em tiragens de
escala menor que a industrial e, portanto, passíveis da utilização
de tecnologias gráficas híbridas em sua produção. Em ambos os
movimentos, o que vemos é uma busca pela singularidade do
livro, não na questão da tiragem, mas na forma criativa de tratar
o objeto, envolvendo-o na comunicação de seu conteúdo. Essas
duas novas formas de fazer livros diminuem a distância entre o
autor e o objeto final, abrindo novas possibilidades nesse meio
de execução do livro, e acabam contaminando de boas ideias o
próprio mercado de obras em grande escala. Essa relação entre
Arte e Design se soma ao livro contemporâneo, transformando o Figura 4 – Anatomia e fisiologia
humana, flap book e xilogravuras de
objeto, inserindo-o na narrativa e tirando sua forma, tão conhe- consumo com públicos diversos, sendo considerado o primeiro 1661. Editor: Gedruckt durch Johann
cida, do ostracismo da banalidade. suporte informacional que efetivou o processo de massificação Schultes Buchtrucker / In Verlegung
cultural (REIMÃO, 2004). Há quem diga, inclusive, que o livro Johann Görlin Buchhandlers em Ulm.
Como pontua Letícia Lampert (2020, p. 80), em seu artigo in-
Fonte: https://archive.org/details/
titulado “Afinal, livro por quê?”, “no senso comum, publicar um não é um objeto essencial na vida das pessoas. O livro é, na re- ldpd_11497246_000/page/n111/
livro é uma consagração”, e essa glamourização tem a ver com alidade, uma das possibilidades de produção do conhecimento, mode/2up. Acesso em: 20 maio 2021.
o fato de o livro estar fortemente atrelado à história como co- e propomos aqui uma reflexão acerca das múltiplas maneiras
nhecimento social da humanidade. Contudo, deve-se ter em de conceber a materialidade desse objeto, envolvida com a ge-
vista que o livro é hoje um objeto que tem amplo mercado de ração de sentido e, consequentemente, de conhecimento.
16 l A PRODUÇÃO DE LIVROS IMPRESSOS NA CONTEMPORANEIDADE

A produção em Design Contemporâneo Em sua tese de doutorado publicada em livro, Bomeny (2012)
desenvolve a hipótese de que, a partir do século XX, na era ca-
racterizada pela “democratização da informação” e marcada
pela evolução do uso de computadores, iniciou-se uma nova
Pensar na produção em Design na contemporaneidade pode
fase de produção para o campo do Design. Tanto na Arte quan-
não ter relação com o que se pensa sobre o objeto fruto do
to no Design, o contemporâneo pode ser compreendido como
Design Contemporâneo. O primeiro coloca em relação o tempo
um valor que concentra e relaciona tecnologias com aspectos
em que se vive e a produção, que, por isso, certamente é muni-
humanos (políticos e socioculturais) de um determinado tem-
da de características culturais e tecnológicas desse período. O
po e lugar. Compreende-se, então, que ocorreram mudanças
outro, o Design Contemporâneo, é caracterizado para além dos
significativas nas ferramentas de produção do designer atual,
aspectos relacionados ao tempo e diz respeito ao estilo que
subverte o modo tradicional de se pensar e fazer Design. mas que estas não se resumem aos softwares gráficos, pois o
valor humano atrelado ao contemporâneo significa, inclusive, a
Torna-se fundamental compreender o Design Contemporâneo a transcendência do uso da informática e a busca por novas poé-
partir das características do objeto, que anunciam uma ruptura ticas e experimentações artísticas.
na tradição de trabalhar a forma, por intermédio de ferramentas
e materiais autênticos, além das práticas mantidas de geração Nessa perspectiva, compreende-se o Design Contemporâneo
em geração. Segundo a pesquisadora Maria Helena Bomeny: como uma linguagem do Design que compõe o objeto a partir da
ruptura com o estilo internacional convencionalizado, validando,
[...] o que chamamos de Design Gráfico Contemporâneo é um com-
plexo entrelaçamento de várias influências no decorrer dos tem- por exemplo, o princípio da hibridez cultural e o da responsabi-
pos, as quais viriam alterar profundamente o curso da arte comer- lidade social, e considerando os novos modos de percepção vi-
cial, transformando-a em uma atividade profissional (BOMENY, sual nas composições gráficas. Releva-se que os designers, es-
2012, p. 19). palhados pelo mundo, que tinham consciência social, econômica
Em consonância com a autora, pensa-se que a linguagem do Design e ambiental, ainda nos anos 1970, passaram a acreditar que a
Contemporâneo resulta de um engendramento constante da vida aparência moderna do objeto não era mais relevante na com-
social com as possibilidades artísticas, e o profissional que opta por plexa sociedade pós-industrial. Trata-se do surgimento de um
atuar com essa linguagem deve aprender a lidar com um universo campo de saberes que é produzido a partir de métodos orgâni-
complexo, com múltiplos caminhos para se chegar a um lugar, sem cos de criação, naturalizando a mistura de várias técnicas de pro-
receio de dinamizar suas práticas metodológicas e criativas. dução intelectual e gráfica, inserção de materiais e tecnologias
17 l A PRODUÇÃO DE LIVROS IMPRESSOS NA CONTEMPORANEIDADE

inusitadas; um modo de fazer Design que exclui a invisibilidade do


profissional, pois relaciona a personalidade artística do designer
com aspectos de um cenário sociocultural nos processos de re-
presentação. É nesse viés que as metodologias projetuais inter-
pretativas passam a fazer sentido, e o designer se torna mais
destemido para enfrentar sua prática também de modo experi-
mental. O erro pode se tornar uma possibilidade construtiva do
objeto, podendo ser, inclusive, incorporado.
Suryara Bernardi é ilustradora de
Considerando essa concepção de produção de livros, um exem- Belo Horizonte/MG. Formada em
plo memorável é a proposta da designer e ilustradora Suryara, Design Gráfico pela UFG e mestre
em Artes pela UFMG, ilustra
que busca provocar a reflexão acerca das queimadas no Brasil. profissionalmente para o mercado
Como uma denúncia poética, a obra “Queimamos” (2020) nos editorial desde 2010.
Figura 5 – Páginas do livro “Queimamos” (2020), de autoria de Suryara,
(suryarabernardi.tumblr.com)
coloca diante da ação humana criminosa que, para ampliar as no catálogo da exposição “Impermanências” (2020).
(dobrasdesi.com.br/impermanencias)
áreas destinadas a criação de gado ou culturas agrícolas, provoca
a devastação da vegetação natural. Além do desmatamento nos desenvolvida em coletivo. Isso tornaria a forma do furo parti-
biomas brasileiros, de acordo com dados do Instituto Nacional cular em cada livro produzido, pois seria o resultado do gesto de
de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Brasil encerrou o ano de 2020 uma pessoa manipulando o ferro de solda, e não da precisão de
com o maior número de focos de queimadas em uma década. uma faca de corte – um efeito plausível quando se trata da ação
Suryara, sensibilizada pela brutalidade do ocorrido, torna poten- humana em diferentes contextos e circunstâncias. Compondo o
te a leitura das imagens em seu livro, com interação reflexiva so- sentido de responsabilidade social, de que devemos agir para que
bre a questão, a partir do uso de materiais e processos gráficos o nosso ambiente seja preservado, foi utilizado o papel Semente
experimentais inusitados (Figuras 5 e 6). Camomila, do fabricante Moinho Brasil, para as páginas do miolo;
A autora produziu apenas um exemplar, mas é possível pen- chega a ser uma antítese da destruição declarada. Interessante
sar numa produção de pequena ou média escala da obra também é pensar sobre o título, que utiliza a primeira pessoa do
“Queimamos”. A ruptura do papel, efetuada com agulhão de fer- plural do verbo queimar, colocando o leitor na cena e estimulando-o
ro de solda – a mata interrompida –, poderia ser uma atividade a pensar sobre o assunto, quiçá tomar alguma atitude.
18 l A PRODUÇÃO DE LIVROS IMPRESSOS NA CONTEMPORANEIDADE

“Queimamos” surgiu como uma forma de dar conta desse “vazio e


da dor”. Por isso, foi necessário o uso de uma ferramenta que dei-
xasse o furo marcante, para que não parecesse apenas um atra-
vessamento. Do mesmo modo, a aplicação do papel semente foi
como um convite a uma ação direta, comenta Suryara na live. A
obra “Queimamos” apresenta, em sua materialidade, um conjunto
de elementos que torna o leitor sensível à causa. Certamente, no
processo de concepção, Suryara dedicou algum tempo aos pro-
cessos artístico-criativos, aventurando-se nas experimentações.
Mesmo compreendendo que um marcador da contemporaneida-
de é a chamada “Idade Mídia”, período no qual surgem as redes de
informação, na qual fronteiras se desintegram e a hibridez torna
real a existência de objetos compostos por elementos represen-
tativos de diferentes culturas, pensamos que é imprescindível,
para o Design Contemporâneo, estar atento ao que acontece no
Figura 6 – Encadernação do Livro “Queimamos” (2020).
entorno. Deve-se superar o hábito de universalizar as coisas e
de compreender o mundo, os processos, as realidades sob uma
Em uma das lives de lançamento da exposição “Impermanências”5, única perspectiva, um caminho, uma visão única do mundo, im-
gravada em 10 de dezembro de 2020, Suryara comenta que pas- postos no processo de expansão do capitalismo.
sou a avaliar a morte com mais realidade no momento pandêmico, Como descreve o pesquisador cultural Antônio Albino Canelas
e isso interferiu na imagem que ela produziu6. Para ela, quando Rubim, no passado, a malha ou circuito, por diferenciação à rede,
as queimadas apareceram, só reforçou o sentimento de que, de pressupunha sempre território, materialidades (coisas, objetos
fato, estávamos “permeados por morte”. Nesse momento, o livro etc.) e, por conseguinte, empecilhos. A rede, em sua singularidade
5
A exposição coletiva “Impermanências” foi realizada por artistas que participaram contemporânea, deseja abolir os obstáculos, desterritorializando
do curso “Dobras de si”, promovido por Ana Paula Francotti e Estela Vilela. Disponível
em: http://dobrasdesi.com.br/impermanencias/. Acesso em: 14 maio 2021.
e desmaterializando. Sua fluidez, volatilidade e dinâmica não se
6
Live disponível em: https://www.instagram.com/tv/CIongLYHnE7/. Acesso em: 14
ancoram em territórios. Sua quase imaterialidade e invisibilidade
maio 2021.
19 l A PRODUÇÃO DE LIVROS IMPRESSOS NA CONTEMPORANEIDADE

buscam garantir velocidade e instantaneidade. A supressão do es- A “Coleção de Livro de Artista”, um projeto
gestado pelo pesquisador Amir Brito Cadôr,
paço e do tempo afirma-se como constitutiva das redes, sua novi- é, na atualidade, o maior acervo público de
dade essencial (RUBIM, 2000, p. 28). livros de artista da América Latina . Trata-se
de uma rica referência que, por categoria de
Deve-se ter em vista que, em vez de tornar a atividade projetual temas e tipologias, possibilita acessar mais
facilitada, o período da “Idade Mídia” disponibiliza um grande vo- de 1500 obras catalogadas.
lume de informação desenraizada que potencializa o desafio do (colecaolivrodeartista.wordpress.com)
designer em sua ação criativa, exigindo maior vocabulário de refe-
rências e maior poder de desenvolver uma interrelação multidis-
ciplinar. Nesse contexto de fronteiras borradas, faz cada vez mais
Imagem do blog “Coleção
sentido para um designer, de modo geral, criar modos de aproxi- Livro de Artista”.
mação com seu entorno por intermédio das artes – uma realidade
projetual já conquistada no âmbito do Design Contemporâneo. O livro de artista como referência

Os monstros são figuras híbridas, formadas pela junção de dois


ou mais animais diferentes, ou ainda, podem ser metade homem
e metade animal. Eles podem ser tomados como paradigma de
um livro de artista, um tipo de obra que não pertence a nenhuma
das categorias artísticas conhecidas (desenho, pintura, gravura),
mas ainda assim faz parte das artes visuais; utiliza o livro, mas
não se enquadra em um único gênero (romance, poesia, teatro)
(CADÔR, 2016, p. 67).

O debate acerca do livro de artista e suas possibilidades de defi-


nição vem se aquecendo com o passar dos anos, possivelmente a
partir da década de 1960, quando o termo foi cunhado. Acredita-se
que desde março de 2020, período pandêmico iniciado por causa
da covid-19, uma farta oferta de cursos e eventos on-line propor-
cionou a ampliação do diálogo e da prática de livros de artista no
20 l A PRODUÇÃO DE LIVROS IMPRESSOS NA CONTEMPORANEIDADE

Brasil, ultrapassando territórios como nunca se tinha visto an- No diagrama da Figura 7, é perceptível que existem três grupos,
tes. Nesse cenário frutífero, é importante compreender primei- representados por figuras geométricas planas: o grupo dos livros
ramente o que é o objeto nomeado como livro de artista, assim é representado pelo círculo à esquerda, o da arte pelo círculo à di-
como refletir sobre o lugar do designer que faz livro com arte. reita e, por fim, os livros de artista por um hexágono situado ao
Deve-se identificar, nessa tipologia, aspectos da materialidade centro. Esses grupos se interceptam, tornando visível o que com-
do livro que possam inspirar os processos criativos de designers. põe o campo do livro de artista – incluindo os livros literários e os
livros-objetos. Segundo Clive Phillpot, há uma divisão horizontal
Atualmente, muito se discute sobre o que é ou não um livro de
para diferenciar a produção de exemplares únicos e múltiplos, se
artista. Pesquisadores e autores que participam desse debate
referindo a livros de apenas um exemplar e livros de tiragem7.
utilizam o diagrama de Clive Phillpot para tentar ilustrar a rela-
ção do livro de artista com a Arte e com o objeto livro. Com base No Brasil, temos os pesquisadores Paulo Silveira, da Universidade
na construção desse autor, e com intuito de exemplificar como o Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e Amir Brito Cadôr, da
debate proposto por ele relaciona o livro de artista com o campo Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com duas publi-
da Arte e com a produção de livro, foi elaborado o esquema grá- cações importantes sobre o assunto. Na obra intitulada “A pá-
fico a seguir. gina violada: da ternura à injúria na construção do livro de ar-
tista” (SILVEIRA, 2001), o autor desenvolve um capítulo inteiro
apresentando a visão de vários teóricos acerca das “Definições e
indefinições do livro de artista”. Já na obra “O livro de artista e a
enciclopédia visual” (CADÔR, 2016), são apresentados verbetes
sobre o vasto universo dos livros de artista; a maioria faz parte
do acervo da Coleção Livro de Artista da UFMG.
7
“Para o português, dizemos que os livros de artista, no sentido lato, como um cam-
po das artes visuais, podem ser: livros literários, quando não têm evidentes valores
plásticos; livros de artistas propriamente ditos, no sentido estrito, chamados, às vezes,
em certos casos, de livros-obras, como tradução literal de bookworks; e livros-objetos,
obras escultóricas e matérias desprovidas de elementos bibliográficos. Deve-se ter
em mente que a tradução de bookwork é problemática, uma vez que o inglês permite
justaposição e aglutinação com mais liberdade e prontidão. A palavra bookwork é fre-
Figura 7 – Esquema gráfico do livro de artista. quentemente traduzida, na nossa fala coloquial, simplesmente como ‘livro’. Mas não
Fonte: Esquema gráfico produzido pelas autoras com base no diagrama de Clive pelo seu aspecto literário ou textual, ou verbo-visual, e sim por sua existência física,
Phillpot, para conferência reproduzida no Art Libraries Journal, v. 18, n. 1, 1993. plasticamente programada e materialmente fundada.” (SILVEIRA, 2001, p. 51-52).
21 l A PRODUÇÃO DE LIVROS IMPRESSOS NA CONTEMPORANEIDADE

O movimento dos livros de artista surge para tirar a arte de den- à diversidade de suas formas e materiais. Podem, porém, ser vi-
tro da galeria e trazê-la para outros espaços. A literatura traz sitadas por qualquer pessoa interessada no assunto, seja com
como pioneiro o “Twentysix Gasoline Stations”, de Ed Ruscha, im- interesse de pesquisa ou por curiosidade mesmo.
presso em 1963, em offset, com tiragem de 3000 exemplares. As coleções de livros de artista são importantes para tornar aces-
Porém, com o passar dos anos, surgiram livros também para os sível essa produção; entretanto, ainda se trata de um objeto de
espaços da galeria, tidos como preciosos, limitados e colecioná- acesso restrito e procurado por um público específico. Deve-se ter
veis. Já na última década, temos um movimento que retoma o em vista que o livro de artista não tem, em sua maioria, um com-
livro de artista como algo concebido para circular por todos os promisso mercadológico e, apesar de ser também produzido por
espaços e ser acessível a uma maior quantidade de pessoas – demanda, o livro é criado dentro das concepções das Artes Visuais,
uma proposta bastante coerente quando pensamos que tanto a tendo, portanto, liberdade para ser como o artista o desejar.
arte como o livro são experiências necessárias para a formação
Como qualquer obra de arte ou livro, esse objeto precisa ter
do indivíduo reflexivo, consciente e sensível.
um planejamento cuidadoso para se chegar a uma edição, seja
Esses livros podem estar em museus ou pertencer a coleções ele único ou múltiplo. Para isso, é necessário o conhecimento
públicas ou privadas. Podem ser encontrados em feiras de publi- das etapas de produção. Silveira nos faz refletir sobre como a
cações independentes, onde as pessoas podem ouvir do próprio busca pelo exemplar perfeito pode nos trazer a experiência de
artista como foi concebida a obra. Também podem estar expos- uma edição:
tos em ateliês, ser de livre trânsito, estar em nossas estantes e Será preciso fazer entender que livros únicos podem ser extrava-
até serem confundidos com livros comuns, pois assim alguns ar- gantes e isso não significa que um primeiro resultado tenha o valor
tistas os conceberam: sem zelo pela preciosidade, mas sim pela imaginado. Será preciso fazer um segundo trabalho, um terceiro,
poética, pela arte, pela expressividade e pela criatividade. Todos e assim por diante. Será preciso refletir sobre o que já foi feito e
ensaiar o que será realizado. E compreender que assim como fa-
esses livros podem estar também em uma biblioteca pública,
zemos muitos desenhos ou muitas pinturas, precisaremos fazer
como é o caso da Coleção Livro de Artista da UFMG e da Coleção muitos livros únicos, até alcançarmos a qualidade inflexível da
de Livros de Artista do IA-BORA, da Unicamp/SP. Ambas as co- obra. Talvez a partir desse ponto, salvo se frequentou aulas es-
leções se encontram na Divisão de Coleções Especiais e Obras pecíficas, o artista poderá desfrutar melhor a energia pujante da
Raras e têm acesso restrito, por precisarem, muitas vezes, de in- edição (SILVEIRA, 2012, p. 75).

vólucros específicos e de acondicionamento diferenciado, devido


22 l A PRODUÇÃO DE LIVROS IMPRESSOS NA CONTEMPORANEIDADE

A questão da reprodutibilidade do livro de artista está ligada à Diferentemente de como acontece na produção do livro de artis-
concepção da obra; o artista pode escolher entre etapas arte- ta, esse esquema de Haslam coloca o profissional projetista – o
sanais de produção, que resultem em um único exemplar ou em designer – como uma figura que aparece no meio do processo de
uma baixa tiragem, ou pode optar por produções de impressão produção e atua somente depois que o autor, juntamente com
híbrida que resultem em uma tiragem maior. Certamente, dife- o editor, já tomou algumas decisões e entrega ao designer uma
rente do que algumas pessoas pensam, o que define um livro de espécie de briefing – um documento que reúne as informações
artista não é a tiragem, e sim sua concepção pelo artista. que serão utilizadas para caracterizar graficamente o livro a ser
Carrión (2011), em sua obra “A nova arte de fazer livros”, coloca desenvolvido. O designer pode ser aquele que apenas idealiza a
o autor como o responsável por todas as etapas do fazer de um página, sem necessariamente diagramar o que foi concebido. É
livro; ele não precisa ser o executor de todas as etapas que vão perceptível que existe, na realidade, uma concepção elitista do
do conteúdo ao leitor, mas estará presente em cada uma delas. profissional em design que o distancia das tarefas que exigem
O autor-artista, ao participar de todas as etapas de produção do “pôr a mão na massa”, como o seu afastamento das atividades
livro, quebra essa distância criada pelo mercado editorial con- do fazer manual: a modelagem física e encadeamento das es-
vencional. Releva-se que, tradicionalmente, na produção de um truturas do livro. Na era da informática, essa questão é agrava-
livro, o designer é apenas parte desse processo que existe entre da, e apenas uma parcela mínima dos designers se aventura a
o autor e o leitor. No livro de Haslam (2007, p. 22), encontramos escapulir do modo linear de produção, aproximando-se do fazer
alguns modelos convencionais de produção linear de um livro. fisicamente experimental.
Apresentamos um deles na Figura 8.

Briefing/diretrizes Projeto/configurações

Figura 8 – Rede de produção


de um livro.
Fonte: Inspirado no esquema
de Haslam (2007, p. 22).
23 l A PRODUÇÃO DE LIVROS IMPRESSOS NA CONTEMPORANEIDADE

E qual seria o papel do designer


nessa nova concepção de livro?
Releva-se que o debate acerca do distanciamento entre o campo
do Design e a Arte existe há bastante tempo e continua recorren-
te. Há, na realidade, uma série de argumentos que estabelecem
preceitos de negação sobre o entendimento de que o designer é
um artista. Do lado do designer, essa negação parece ter o pro-
pósito de afirmar que a sua produção é resultado consciente de
determinados dados de pesquisa; sendo assim, numa proposi-
tura, ele busca fazer a escolha dos materiais mais convenientes
e das técnicas mais adequadas (MUNARI, 2015). Aproximar o
fazer do designer ao do artista visual, por exemplo, parece ser
uma condição de confinamento em si mesma – como se o artista
Figura 9 – Rede de produção de um livro por um artista produtor independente. estivesse aéreo aos comandos violentos do mercado capitalista
Fonte: Desenho das autoras. e preso absolutamente às suas ideias subjetivas.
Nessa perspectiva, parece que o livro de artista não faz parte da
Já na produção de um livro de artista, ou mesmo em uma produ- gama de possibilidades de objetos concebidos por um designer.
ção independente, essas etapas estão concentradas em apenas Zugliani e Moura (2019, p. 138) citam a autora Ana Paula Mathias
uma pessoa (Figura 9). Esta pode contratar uma gráfica para im- Paiva (2010) para afirmar que um livro produzido de modo arte-
primir ou até um designer para fazer a arte final e encaminhar sanal tende a aplicar “a tecnologia a serviço da inventividade” e
para a gráfica, mas a concepção do livro, a “autoria”, a escolha que, ao fazer as escolhas dos materiais e processos para compor
dos profissionais envolvidos é desse “autor”. Esse autor pode ser a materialidade de um livro, resgatam-se “componentes estéti-
um escritor, pode ser um ilustrador, pode ser um designer, pode cos puros, como formas, linhas, cores, volumes”. Nesse sentido,
ser um encadernador, um artista, ou apenas alguém que quer se o uso de técnicas manuais requer certas habilidades do designer,
expressar por intermédio desse objeto livro. Essa é a “nova arte que corre o risco de expor sua personalidade artística na feitura
de fazer livros” a que Carrión (2011) se refere. do objeto. O problema não parece estar somente em o designer
24 l A PRODUÇÃO DE LIVROS IMPRESSOS NA CONTEMPORANEIDADE

escolher técnicas prediletas, mas sobretudo em optar por ex- Ainda sobre a discussão do que é arte e se o designer é um ar-
planar determinados temas por meio de elementos estéticos tista, trazemos à luz a fala do filósofo Luigi Pareyson, que, para
ditos puros8. explanar a definição de arte, desenvolve o conceito de arte como
Possivelmente para não entrar nesse embate acerca do designer “formatividade”: “pode-se dizer que a atividade artística consis-
produzir ou não arte, Zugliani e Moura (2019, p. 138) propõem te propriamente no ‘formar’, isto é, exatamente num executar,
o termo “Objeto Editorial Contemporâneo” no lugar de “li- produzir e realizar, que é, ao mesmo tempo, inventar, figurar,
vro de artista”. Esses autores acreditam que dessa maneira o descobrir” (PAREYSON, 1997, p. 26). Esse conceito parece ser
conceito é ampliado “sem desviar do objetivo” – ou seja, para mais generoso com as outras atividades criativas, pois exclui a
eles, diferentemente da concepção elaborada por Clive Phillpot ideia de que determinados fazeres pertencem exclusivamente à
(Figura 7), o livro de artista está dentro do espectro do “Objeto arte pura. Nesse sentido, pode-se dizer que o designer executa
Editorial Contemporâneo”. Na visão dos autores, essa concep- atividades formativas, portanto, produz arte.
ção inclui, sem conflito, a possibilidade de o designer produzir Mas é fundamental também a exigência da extensão da arte a todos
um livro com experimentação gráfica e inventividade – com arte. os campos da atividade humana, como atesta toda a história do ho-
Entretanto, considerando que é o resultado da confluência entre mem, especialmente nas civilizações de alto sentido artístico, como
a grega e a humanística, onde em cada atividade se persegue, junta-
o fazer artístico e o fazer um livro que gera o objeto, compreen-
mente com o valor específico daquela atividade determinada, tam-
demos que o uso do termo proposto pelos autores pode fazer
bém o valor artístico, e não se consegue conceber nenhuma atividade
sentido para as publicações que são configuradas fora da forma que não tenha um êxito artístico, e como se vê particularmente numa
convencional, mas não necessariamente engloba ou enquadra o idade como a nossa, em que a renovação do gosto ocorre não apenas
livro de artista, que já é livre por natureza. na arte propriamente dita, mas, sobretudo, nos mais diversos âm-
bitos da vida, de decoração à arte gráfica e do desenho industrial às
Certamente, para o designer que faz livros, aventurar-se na expe-
artes de massa. Assim, com as etiquetas, a vida social enobreceu-se
rimentação artística e romper com os modos convencionais de es-
e refinou-se sob a evidente influência de um ideal estético, as várias
truturar as páginas e outras materialidades de um livro é situar-se cerimônias da vida política ou religiosa colorem-se de arte, num nexo
no Design Contemporâneo. Entretanto, subordinar o livro de artista concreto em que a beleza não é separável do rito, do culto, da con-
ao escopo do “Objeto Editorial Contemporâneo” exige reflexão. venção, do costume e do símbolo (PAREYSON, 1997, p. 30).
8
É difícil compreender que um elemento que foi escolhido para causar um efeito seja
puro, inocente e livre de amarras de sentido.
25 l A PRODUÇÃO DE LIVROS IMPRESSOS NA CONTEMPORANEIDADE

Para Pareyson (1997, p. 62), “colocada sob o signo da arte, a Exemplos de designers que se envolveram com a produção ex-
personalidade do artista torna-se ela própria energia formante, perimental de livros circulam desde os anos 1950. Os livros para
vontade e iniciativa da arte, ou melhor, modo de formar, isto é, “crianças de pouca idade” ou “pré-livros” (1980), e os “livros ile-
estilo”. Ou seja, o modo de fazer arte é inseparável da persona- gíveis” (1957), de autoria do italiano Bruno Munari9, são referên-
lidade do artista e, sendo assim, é o “gesto” do fazer, é o estilo. cias de como um designer pode produzir livros com artisticidade.
Por isso, pensa-se que desabilitar do designer sua capacidade Munari, em sua obra “Artista e designer” (2015), diferentemente
de expressar-se com estilo não parece justo, uma vez que as es- do que afirma Pareyson (1997), desenvolve a separação entre a
colhas feitas por ele se enroscam com suas subjetividades. denominada “arte pura” e outras produções artísticas destinadas
Deve-se ter em vista que o envolvimento do designer que faz às exigências do mercado de consumo. Em controvérsia, o autor
livros com práticas artísticas e experimentais torna-se cada vez apresenta possibilidades gráficas e estrutura de livro com uma
mais importante quando o mundo passa a consumir conteúdos inventividade que transcende a forma convencional do chamado
também por meio digital. Releva-se que a estrutura da materia- “livro de edição”10. Para o autor, os materiais, formas, formatos e
lidade e os constructos gráficos são intertextos de um livro, e o processos, que são os elementos que compõem a arte do livro, já
livro físico se torna, aos poucos, um objeto que não se encerra carregam em si o mesmo teor comunicativo da obra. Nesse senti-
em um bom texto. Por isso, acreditamos que o fazer um livro de do, declina-se da noção de que a função primordial de um livro é a
artista pode ser um dos gestos do designer. informação objetiva, funcional.

9
“Bruno Munari (1907-1998) foi uma das figuras multifacetadas da arte e do design
“Além de criar livros para crian- do século XX que, durante sua carreira, construiu uma verdadeira ideia de realidade
ças de poucos anos de idade, alternativa. Foi designer gráfico, artista e pedagogo, e durante seu percurso profis-
Munari também projeta produ- sional esteve em constante diálogo com diferentes formas e correntes artísticas.
tos industriais e cria cenários Seus projetos foram reconhecidos com quatro prêmios Compasso d’Oro, a mais an-
tiga e prestigiada premiação de desenho industrial italiana, em 1954, 1955, 1979 e,
de mostras, desperta e dorme
em 1995, pelo conjunto da obra. Foi também agraciado por prêmios internacionais,
como qualquer homem, mas, como o Japan Design Foundation em 1985. Munari colaborou intensamente com a
como bem sabido, não é típico produção gráfica e editorial, tendo publicado diversos livros voltados para o público
pintor de cavaletes das antigas, infantil. O método Munari, desenvolvido por ele e voltado à educação para a arte,
mas sim um artista moderno, ainda é aplicado hoje no mundo todo.” (MCB, 2019).
ou, como se diz, um designer.” 10
O livro de edição é assim chamado por envolver uma reprodutibilidade, um pen-
Texto escrito por Bruno Munari samento projetual para que esse livro tenha uma tiragem, podendo ser baixa ou
alta tiragem.
em 1956.

“Na noite escura”, Bruno Munari.


26 l A PRODUÇÃO DE LIVROS IMPRESSOS NA CONTEMPORANEIDADE

Figura 10 – “Livros ilegíveis" lançados por Bruno Munari.


Produzidos com diferentes materiais e feitos à mão, os livros foram primeiramente
expostos em Milão, na livraria Salto, em 1950. Posteriormente, alguns desses
livros foram editados pelo Museu de Arte Moderna de Nova York, em 1967.
Fonte: https://medium.com/@carolinaferreira/munari-livro-ileg%C3%ADvel-e-
pr%C3%A9-livro-3c65b53a54e1. Acesso em: 13 maio 2021.
27 l A PRODUÇÃO DE LIVROS IMPRESSOS NA CONTEMPORANEIDADE

Em “Das coisas nascem coisas” (1998), Munari apresenta o “livro assume que os elementos escolhidos para compor a materiali-
ilegível” (Figura 10) – projetos de livros que utilizam apenas a dade de um livro são comunicantes e, por isso, precisam ser ex-
visualidade da linguagem não verbal – e expõe sua preocupação perimentados, considerando que o designer queira tornar mais
acerca da pouca atenção que um designer tem com a materiali- potente o efeito do objeto no processo de recepção.
dade de um livro: “O problema, portanto, é: o livro como objeto, Destacamos que a criatividade é uma prática importante para o
independentemente das palavras impressas, pode comunicar al- designer, mas a imaginação é igualmente necessária. Ser com-
guma coisa, em termos visuais e táteis? O quê?” (MUNARI, 1998, preendido imediatamente pelo seu público, “sem que haja espa-
p. 211); o autor ainda sugere que, para “pôr à prova as possibi- ço para falsas interpretações” (MUNARI, 2015, p. 106), não deve
lidades de comunicação visual dos materiais de que é feito um ser uma preocupação do designer que experimenta a inventivi-
livro”, é preciso testar tipos de papéis, formatos e acabamentos. dade na produção de livros – até porque não acreditamos em
falsas, mas, simplesmente, interpretações, numa semântica que
Esse parece ser um pensamento fundamental na literatura de
se desdobra em múltiplos sentidos.
Design: a solução aceita deve ser a mais adequada. A questão
está na noção de adequação como preceito obrigatório numa Uma das produções editoriais mais instigantes de Munari é a
propositura do designer, e que, a priori, está relacionada às ditas coleção infantil intitulada “Pré-livros” (Figura 11), apresentada
funções do objeto diante das exigências de mercado, consideran- a seguir pelo pesquisador de livros de artista Amir Brito Cadôr:
do que o usuário desse objeto é um ator imerso nessa mecânica Os Pré-Livros de Munari, feitos para crianças que ainda não foram
de troca de consumo. Esse modo de pensar e fazer Design pre- alfabetizadas, estimulam os sentidos, convidam ao toque de sua su-
cisa ser repensado quando tratamos, por exemplo, da produção perfície lisa ou áspera, macia ou dura. A capa e a contracapa são idên-
de livros que subvertem a lógica da comunicação funcional de ticas, uma aparece invertida em relação a outra, de modo que a criança
uma página. Deve-se ter em vista que a intenção do designer ou não fique constrangida de pegar o livro de maneira errada, podendo
iniciar a leitura por qualquer lado. Ele usa tipos de encadernação va-
artista é reelaborada no processo de recepção do leitor-obser-
riados: cordas, barbantes, argolas. Comercializados em uma caixa-
vador e, por isso, a adequação não é exatamente um fator que -livro contendo 12 exemplares pequenos, cada um dos Pré-Livros é
se controla de maneira objetiva – ou que não se controla pelo feito com um material diferente. Um desses livros, feito de pano, tem
projetista. É exatamente na falta de controle que mora a graça: em algumas páginas um pequeno corte, e um botão branco na página
o objeto livro passa a ser lido de diferentes maneiras e, com lu- central pode abotoar uma ou mais páginas. Munari antecipa boa parte
dicidade, o leitor obtém as informações a partir do momento em do que viria a ser adotado em livro infantil nos últimos 50 anos: cortes
que interage com a materialidade desse livro. O próprio Munari e dobras, livros de pano, de plástico, de madeira (CADÔR, 2012, p. 60).
28 l A PRODUÇÃO DE LIVROS IMPRESSOS NA CONTEMPORANEIDADE

Mesmo que Munari tente encerrar o debate sobre o designer ser


um artista, descortinando os lados como sendo opostos, cada
um com seu modo de pensar e fazer e com resultados que se
caracterizam por determinados enquadramentos sociais, é cer-
to que, em sua produção de livros infantis, ele rompe com essa
fronteira e se permite formar objetos [livros] de produção em
escala com profunda artisticidade.
Em novembro de 2019, na exposição “Bruno Munari: a mudança
é a única constante no universo”, no Museu da Casa Brasileira
(MCB), em São Paulo, foram expostas as obras editoriais infan-
tis de Munari chamadas por ele de “livro ilegível”. A mídia jorna-
lística, que caracteriza Munari como travesso e multifacetado,
anunciou a exposição enaltecendo o caráter artístico dos obje-
Figura 11 – “Pré-livros” lançados por Bruno Munari.
tos. Sem dúvida, o pensamento de que o livro está para além
“Sabe-se que as pessoas de idade têm uma enorme dificuldade em modificar o de suporte do texto, considerando-o como objeto que transmi-
seu pensamento, justamente porque aquilo que se aprende nos primeiros anos te informação por intermédio da experimentação gráfica, é um
de vida permanece como regra fixa para sempre e, ter de a mudar, para muitos, é
caminho possível para o designer que faz livros. A obra infantil
como perder a segurança para aventurar-se numa situação que não se conhece.
A solução deste problema, de aumentar o conhecimento e de formar pessoas “Na noite escura”, a primeira experiência de “livro ilegível", traz
com mentalidade mais elástica e menos repetitiva, está em nos ocuparmos com um texto de apresentação escrito pelo próprio Munari em 1956,
os indivíduos enquanto se formam. Nos primeiros anos de vida, enquanto, como no qual ele se intitula um homem de práticas cotidianas comuns
ensina Piaget, se forma a inteligência. Sabemos também que nos primeiros anos
de vida as crianças conhecem o ambiente que as rodeia por meio de todos os
aos outros, “mas, como bem sabido, não é um típico pintor de
seus receptores sensoriais.” (MUNARI, 1998, p. 222-223). cavalete das antigas, mas sim um artista moderno, ou, como se
Fonte: https://colecaolivrodeartista.wordpress.com/2016/03/10/i-prelibri/. diz, um ‘designer’” (MUNARI, 2007, Orelha do livro).
Acesso em: 13 maio 2021.
Uma grande referência para o Design brasileiro é a produção
de Aloísio Magalhães, no período em que ele, junto com outros
intelectuais pernambucanos, fundaram O Gráfico Amador, em
29 l A PRODUÇÃO DE LIVROS IMPRESSOS NA CONTEMPORANEIDADE

Recife/PE, nos anos de 1954. Para produzir sem necessitar da


aprovação das editoras situadas nos grandes centros e de modo
independente, o grupo O Gráfico Amador foi:
[...] um coletivo editorial transdisciplinar, com tiragens modestas e
uma visão projetual que utilizou as adversidades financeiras e geo-
gráficas para potencializar as poéticas geradas na materialidade de
seus produtos (ZUGLIANI; MOURA, 2019, p. 137).

De acordo com o pesquisador Guilherme Cunha Lima, as obras


desse núcleo eram produzidas com vocação experimental, mas
também faziam uso da diagramação clássica de texto (LIMA,
2014). Lá os livros de pequeno porte eram feitos artesanalmen-
te, com pequenas tiragens, salvo mínimas exceções. Lima relata
que “o texto dos livros era impresso em tipografia. Para as ilus-
trações, foram utilizadas diversas técnicas de impressão: lito-
Figura 12 – “Typographic analysis of a printed surface”,
grafia, clichê de metal, xilogravura, clichê de barbante e pochoir” 1974. Autor: Aloísio Magalhães (1927-1982).
(LIMA, 2014, p. 69). Editora: Steendrukkerij De Jong & Co., Holanda. Essa
obra fez parte da série “Quadrat Print”, que também
Aloísio Magalhães, artista componente do grupo, tornou-se um abarcou um dos “livro intangíveis" de Bruno Munari
dos mais importantes da história do Design brasileiro. Com tra- (CADÔR, 2016). Formato: 25 x 25 cm.
jetória inigualável, envolvendo-se com artes visuais, literatura e Fonte: https://colecaolivrodeartista.wordpress.
com/2015/03/30/a-topographic-analysis-of-a-
design, Aloísio também é considerado um expoente na produção printed-surface/. Acesso em: 13 maio 2021.
de livros de artista no Brasil. Segundo Paulo Bruscky:
Em 1958, produz o livro Improvisação gráfica, com capa de tecido e
com uma experiência tipográfica em cada página. Anos mais tarde,
em 1971, ele também cria 1/8/16 – a informação esquartejada, livro
de artista formado por folhas de outdoor costuradas e encadernadas
(apud OLIVEIRA, 2013).
30 l A PRODUÇÃO DE LIVROS IMPRESSOS NA CONTEMPORANEIDADE

O livro de Aloísio (Figura 12) mostra diferentes profundidades A produção independente de livros é um caminho atualmente
de campo da imagem da pintura “Still life with flowers and shells”, buscado por muitos artistas-editores e, certamente, é a direção
de Balthasar van der Ast11 (1593/4-1657). Como explana Cadôr que supera o hábito capitalista de universalização sobre as coi-
(2016), o processo de ampliação do fragmento de 1,5 x 1,5 cm da sas; é manter-se firma na luta contra uma produção de livros que
pintura por gigantografia torna a imagem uma abstração, enfati- simplesmente se enquadrem nos requisitos estipulados pelo
zando a sobreposição das quatro camadas (retículas) de impres- mercado editorial de massa. Esse caminho da publicação feita
são offset: “a figura torna-se um padrão de pontos e manchas com autonomia acaba com a necessidade de contar com a aceita-
que não representam nada além de si mesmos” (CADÔR, 2016, ção de uma proposta de livro por grandes editoras. Para o artista
p. 541-542). Ricardo Rodrigues:
O Gráfico Amador é considerado por Gisela Creni (2013) uma edi- Um editor independente concebe sua política editorial com total li-
berdade, de forma autônoma e soberana; não é órgão de expressão
tora artesanal de livros. Como explicita a pesquisadora Sandra
de um partido político, de uma instituição, de um grupo de comuni-
Romão, no prefácio da obra de Creni: cação ou de uma empresa (RODRIGUES, 2019, p. 21).
Partindo de motivações variadas, os artistas gráficos aqui apresen-
Esse caminho traz a possibilidade de produzir livros com maior
tados buscam o processo da produção artesanal individualizada,
com a forte presença, inclusive manual, do editor em cada etapa da diversidade para além do conteúdo, permitindo que se experi-
produção de um livro e assim intentam, de certa forma, retornar aos mentem formas híbridas de impressão, meios artesanais de aca-
primórdios da produção gráfica (CRENI, 2013, p. 13). bamento, diversidade de papéis e uso de outros materiais que
agregam narrativa ao objeto. A aproximação do autor com a rea-
A compreensão acerca dessa produção de livros artesanais é um
lização do objeto leva-o a explorar de maneira mais profunda seu
bom gancho para tratarmos do crescimento da produção inde-
conteúdo. Como explicita Rodrigues (2019, p. 21): “Atuar de forma
pendente nos últimos anos (entre 2016 e 2021). Nessas publi-
independente garante, então, a pluralidade e difusão de ideias. É
cações por artistas e editoras que independem dos grandes sis- a oportunidade de testar o que não tem vitrine garantida”.
temas de venda de livros instalados no mercado de consumo,
A circulação e comercialização da produção independente teve
as características dos livros (conteúdo e visualidade) são de livre
um aumento expressivo nos anos de 2017 e 2018 (Figura 13),
escolha de quem está à frente da produção (autor-editor).
com a realização de feiras que abrigam tanto as publicações
A pintura de Balthasar van der Ast, do período holandês, é um retrato de natureza-
11
quanto as artes gráficas, incentivando assim a autopublicação
-morta que contém flores, frutas, cestos e conchas. Essa pintura faz parte da coleção
do Musée de la Chartreuse, Douai, França. e o surgimento de pequenas editoras independentes. A criação
31 l A PRODUÇÃO DE LIVROS IMPRESSOS NA CONTEMPORANEIDADE

Foto Fabiana Grassano.


desse espaço de comércio e troca de saberes vem atraindo um
novo público a cada edição. Algumas feiras já têm datas pro-
gramadas anualmente, e os organizadores têm se mobilizado
para envolver o maior número possível de expositores, promo-
vendo o aumento da circulação e a renovação das publicações
independentes. As artistas e produtoras de livros independen-
tes Ana Paula Francotti e Daniela Padilha organizam um grupo
no Facebook, intitulado “Calendário de Feiras de Publicações
Independentes e Arte Impressas”, que busca justamente uma faiscafestival.com
organização desse setor: feiramiolos.com.br
Olá pessoal, atualizando nosso post fixo com o link para o calendário m.sescsp.org.br/printa-feira-na-rede
festivalimaginaria.com.br
em 2020: […] Lembrando que este grupo foi criado, em 2017, para
feiraestopim.com.br
construirmos coletivamente um Calendário de Feiras de Publicações
Independentes, através da planilha excel aberta para que qualquer
pessoa possa incluir informações. Quanto mais informações tiver- Figura 13 – Quantidade de feiras independentes realizadas no
mos, melhor para todos, portanto se você conhece algum evento Brasil nos anos de 2017, 2018 e 2019.
100 N . NORTE
que se encaixe no propósito, contribua, assim conseguiremos ma- Fonte: Gráfico elaborado pelas autoras a partir das informações
NE . NORDESTE
pear as feiras e democratizar ainda mais as informações. Para man- 90 SE . SUDESTE catalogadas no “Calendário de Feiras de Publicações Independentes
80 CO . CENTRO-OESTE e Arte Impressas”. Disponível em: https://www.facebook.com/
termos nosso objetivo, não inclua eventos que não se encaixem S . SUL SE groups/1787158308213140. Acesso em: 28 jun. 2021.
no tópico "feira de publicação independente", caso sejam incluídos, 70 67
serão deletados. Isso também vale para os posts: feiras do grande 60
SE
circuito ou bazares que não tratem especificamente de publicações 50 SE 54
independentes, não devem ser compartilhados no grupo.12 40
47

30 S
28 S
20 22
10 CO S CO CO
NE N NE NE 4
5 3 8 1 7 8 2
00
2017 2018 2019
ANO
Informações obtidas no “Calendário de
12
Post de 3 de janeiro de 2020 de Ana Francotti. Disponível em https://www.facebook.
Feiras de Publicações Independentes e
com/groups/1787158308213140. Acesso em: 28 jun. 2021. Arte Impressas”, em junho de 2021.
32 l A PRODUÇÃO DE LIVROS IMPRESSOS NA CONTEMPORANEIDADE

O calendário sofreu interrupção no ano de 2021, em virtude da


pandemia da covid-19. Entretanto, mesmo nesse período de Feira Plana na Cinemateca Brasileira, em março de 2018.
distanciamento social, algumas feiras foram realizadas em meio A última edição da feira reuniu cerca de 200 expositores
digital – como, por exemplo, o Faísca Festival Internacional de do Brasil e de outros países, como Argentina, Canadá
e Suíça.
Risografia (de setembro a dezembro de 2020), a Feira Miolos
(5 e 6 de dezembro de 2020), a Printa-Feira (19 a 21 de março
de 2021), o Festival Imaginária (24 a 28 de março de 2021) e a
Estopim (28 de maio a 6 de junho de 2021). A partir do calendá-
rio, é possível observar as localidades que conseguiram aderir ao Entretanto, não é possível afirmar qual foi o motivo que resultou
movimento da produção independente. no decréscimo das feiras em 2019. É sabido que, em São Paulo,
as feiras estavam com baixo retorno de vendas, mas reelaborar
Há uma curiosidade apontada no gráfico da Figura 13, que é um
os modos de operacionalizar a exposição e venda das produções
declínio no quantitativo de feiras em 2019, após a crescente ocor-
independentes implica lidar com outras variáveis necessárias
rida entre 2017 e 2018. Segundo Ana Paula Francotti, em 2019,
à sobrevivência das feiras. Destacamos, porém, que os dados
dentro das feiras mais antigas, começou-se a pensar algumas
foram extraídos do calendário supracitado e que seu preenchi-
mudanças no modo como eram organizadas. O exemplo mais
mento é feito de modo voluntário e colaborativo pelos organiza-
significativo foi a feira Tijuana, que apostou na intenção de uma
dores das feiras; desse modo, algumas informações podem não
organização gerida coletivamente, tentando, de algum modo, en-
ter sido depositadas.
volver na tomada de decisões todos os personagens comprome-
tidos com o evento. Constatou-se que o modo como esses even- Essa curta passagem pela produção independente de livros teve
tos vinham se realizando não fazia mais o mesmo sentido como o propósito de ilustrar o quão profícuo tem sido o pensar e fa-
no início da proliferação das publicações independentes. Também zer livros independentes no cenário nacional, mesmo que esse
em 2019, pela primeira vez decidiu-se que a feira Plana, a maior e debate seja quase inexistente no âmbito do ensino formal do
principal feira de São Paulo, não seria mais realizada. Design – pelo menos na maioria dos cursos oferecidos no Brasil.

Foto: Fabiana Grassano.


33 l A PRODUÇÃO DE LIVROS IMPRESSOS NA CONTEMPORANEIDADE
“Uma comparação com a história social
do conhecimento permite identificar, nos
É certo que ambas as referências apresentadas neste capí- livros de artista, uma prática discursiva
tulo, Bruno Munari e Aloísio Magalhães, nos colocam diante que subverte a ordem estabelecida,
do debate acerca da produção em Design com experimen-
questiona os critérios científicos, ao
tações artístico-criativas. É curioso como designers, tão
mesmo tempo que amplia o campo do
influentes e compreendidos pela literatura específica em
que é possível ser pensado e conhecido.”
debates acadêmicos, são pouco visitados nesse lugar de
(CADÔR, 2016, p. 68)
produção com fortes características artísticas. O que pare-
ce é que quem faz a formação em Design no país não tem
se ocupado de compreender esse lugar, o qual desprende
o profissional de uma mecânica regida pelo mercado de
consumo e o coloca numa jornada repleta de práticas sub-
jetivas, dirigida por sua própria visão de mundo. Existe, na
realidade, uma questão de posicionamento político, na qual
o designer desabilita (ou não) o tratado que engloba mode-
los de produção como alternativa universal. Deve-se ter em
vista que a visão única das coisas – essa que desconsidera
as particularidades socioculturais de um lugar e, portanto,
as intersubjetividades da realidade do indivíduo – é parte do
movimento que aglutina as vertentes capitalistas.
34
ANÁLISE GRÁFICA
DE OBRAS NÃO
CONVENCIONAIS
Neste capítulo, propomo-nos a observar a produção de livros de
edição de alguns designers e artistas visuais, visando compre-
ender as possibilidades do objeto livro concebido fora da caixa.
Nesse sentido, selecionamos alguns livros com tais característi-
cas: produção de pequena (até 300 unidades), média (300 a 500
unidades) e larga escala (a partir de 500 exemplares), indepen-
dentemente de ter passado por processos gráficos parcialmen-
te ou totalmente artesanais, mas considerando os aspectos da
Capas dos livros analisados:
materialidade que propõem novas formas de interação com a “Clichês brasileiros” (2013) e “De
leitura, diferenciando-se do códice tradicional. novo” (2017), de Gustavo Piqueira;
“Conhecidos de vista / Known by
Vamos iniciar com duas obras de Gustavo Piqueira, designer designer deve produzir de modo “adequado”, questão problema- sight” (2018), de Letícia Lampert;
“Dentro do espelho” (2002), de
paulistano com uma significativa produção de livros não conven- tizada aqui anteriormente, nessa mesma palestra Piqueira expli-
Luise Weiss; “Autopublicação: Uma
cionais. Em uma palestra para estudantes do Instituto Europeu citou que o propósito de sua vida “é fazer coisas que não sejam introdução ao sonho perfeitamente
de São Paulo, em 2013, ele declarou que o “Design não é o adequadas”. Cada fragmento da fala de Piqueira parece ser uma possível de contar as suas próprias
histórias impressas” (2019), de
meio, não é o fim. Design é diálogo. Cada projeto é uma possi- premissa para subverter o paradigma funcionalista do Design Ricardo Rodrigues; “Rosa” (2017),
bilidade de se aproximar a um assunto de uma forma diferen- modernista, presente fortemente nos discursos de acadêmicos de Odilon Moraes.
te” (ARBOLAVE, 2013). Contrapondo o pensamento de que o e profissionais em Design em todo país.
35 l ANÁLISE GRÁFICA DE OBRAS NÃO CONVENCIONAIS

“Clichês brasileiros” (2013), Gustavo Piqueira

O primeiro livro observado é “Clichês brasileiros” (2013), no qual


Piqueira fez uso das imagens digitalizadas de clichês tipográfi-
cos brasileiros do início do século XX, retiradas do fac-símile13 do
“Catálogo de Clichês D. Salles Monteiro” (2003), da Ateliê Editorial,
para compor a visualidade das páginas.
Tal restrição não se deu por necessidade ou imposição. Pelo con-
trário, foi uma decisão arbitrária, cujo único objetivo era o de tornar
mais interessante o processo de confecção do livro, deixá-lo mais
propenso a descobertas. Pois ao se fecharem algumas portas tam-
bém força o encontro de saídas onde originalmente não se costuma
buscá-las. Em outras palavras, adotou-se a limitação como instru-
mento de invenção (PIQUEIRA, 2019, p. 27).

As imagens que compõem as páginas narram, em síntese, as-


pectos da história do Brasil (Figura 14). Segundo ele, a ideia foi
criar um paralelo entre clichê do tipo móvel com o sentido de
clichê como estereótipo – o que se repete sem distinção, ori-
ginalidade. Como o autor coloca, a intenção foi de “usar clichês
tipográficos para retratar clichês temáticos”. Em entrevista para
Julliana Bauer, publicada no site Design Brasil em 2013, Piqueira Figura 14 – Páginas e detalhe da capa do livro “Clichês brasileiros”.
conta que, ao pesquisar para a produção dessa obra, achou curio- Autor: Gustavo Piqueira
so que a tradução da palavra “clichês” para o inglês é stereotypes. Editora: Ateliê Editorial
Nº de páginas: 112 p.
Embora não se trate de literatura infantil, essa obra de Piqueira
Edição: 1ª, 2013 (Tiragem única, 1000 exemplares numerados)
não tem texto, como um “livro ilegível” de Bruno Munari. O livro Formato: 23 x 27 cm
propõe uma instigante leitura de imagens construída por clichês Descrição: Capa com lâmina de madeira impressa em serigrafia,
fixada com adesivos, e lombada com costura lateral especial exposta.
13
Reprodução idêntica à publicação original. Fonte: https://www.gustavopiqueira.com.br/cliches-brasileiros. Fotos das autoras.
36 l ANÁLISE GRÁFICA DE OBRAS NÃO CONVENCIONAIS

sobrepostos e dispostos na página de modo racional e também “De novo” (2018), Gustavo Piqueira
de forma orgânica. Interessante é que as imagens geradas pelos
clichês digitais parecem ter sido geradas por carimbos analógi- Atualmente, acreditando nessa possível vitalidade como forma de
cos, pois sua aparência transmite a ideia de que o resultado é propor algo sem previsibilidade para o leitor, trazemos a obra “De
fruto do gesto humano – seja pela imagem gerada pelo clichê, novo” (2018), de Gustavo Piqueira, como referência de uma mate-
seja pelo modo de sua disposição na página. rialidade incomum de página, de como é possível mudar o hábito
da leitura em um livro. Essa obra trabalha a ideia do “de novo” por-
Sobre essa aparência apartada da funcionalidade modernista,
podemos acessar a fala de Robert Venturi, um designer consi- que a informação nova vem junto com conteúdo já tocado, ou seja,
derado pós-modernista que, em 1966, em seu livro intitulado parte do que está sendo lido ressurge, mesmo ao passar a página.
“Complexity and Contradiction in Architecture”, explicita ser “a fa- A obra é composta por 6 livros impressos, cada um com sua
vor da vitalidade caótica em detrimento da unidade óbvia” (apud narrativa, mas todos com a mesma estrutura material. Cada li-
POYNOR, 2010, p. 26). Essa fala foi providencial, à época, para vro é formado por 4 folhas do mesmo tamanho (31 x 22,5 cm),
caracterizar a produção de designers que se recusavam a atu- cada folha com uma dobra gerada por um vinco vertical em
ar em conformidade com os modelos vigentes. Os profissionais um lugar diferente, transformando as dimensões do livro na
mais conservadores alertavam para uma possível erupção da intercalação das folhas; assim, seu tamanho, quando fecha-
subjetividade e ruptura das ideias pós-modernistas; resistiam, do, é 22,5 x 22,5 cm. Com isso, o virar das páginas faz com
inclusive, à ideia de que o design pudesse ser uma forma de arte. que narrativas se sobreponham, fazendo aparecer ou es-
conder conteúdo, criando novas sequências e consequen-
tes leituras, ora textuais, ora imagéticas (Figuras 15 e 16).
“Clichês brasileiros” O virar da página instiga o leitor e o surpreende a cada instan-
tem a primeira capa
te. Piqueira tem uma mente mirabolante, profícua e criativa, O livro ”De novo” em
flexível e dorso com
costura aparente. que nos agracia com seu humor impresso a partir de colagens, envelope produzido
ilustrações, fotos, fotomontagens e textos, criando narrativas em plástico bolha
transparente.
que só acontecem na materialidade desse livro.
37 l ANÁLISE GRÁFICA DE OBRAS NÃO CONVENCIONAIS

1ª dobra 2ª dobra 3ª dobra 4ª dobra

FOLHA 1 FOLHA 4
FOLHA 2 FOLHA 3

1º vinco 2º vinco 3º vinco 4º vinco


Figura 15 – “De novo”.
Autor: Gustavo Piqueira
Editora: Lote 42
Nº de páginas: 6 livros com 16 p. cada; papel offset 150 g/m2, encadernados à
mão com costura tipo panfleto
Edição: 1ª, 2018 (impressão offset, tiragem única de 500 exemplares
assinados e numerados). Formato fechado: 22,5 x 22,5 cm
Fonte: https://www.gustavopiqueira.com.br/gr. Fotos das autoras.
38 l ANÁLISE GRÁFICA DE OBRAS NÃO CONVENCIONAIS

Para a produção do livro, foi necessário passar por muitas ex-


perimentações, fazer bonecos, testar papéis, cortes, dobras e
aplicação do conteúdo para criar a narrativa. Aqui o conteúdo e
a materialidade são indissociáveis. No caso desse livro, Piqueira
primeiro desenvolveu a forma material e depois criou uma nar-
rativa que funcionasse com essas dobras diferenciadas.
O ritmo irregular do monta/desmonta proposto por De Novo con-
verteu uma ação automática e imperceptível, o virar de página, num
lúdico e multidirecional protagonista, evidenciando quão inerente
a forma é ao conteúdo. Se nas configurações ditas “normais” isso
passa despercebido, não é porque essas relações inexistam, mas
sim por já terem sido a tal ponto incorporadas aos nossos hábitos
que nos esquecemos da possibilidade de ocorrerem de outra ma- Figura 16 – “De novo”, de
neira (PIQUEIRA, 2019, p. 126). Gustavo Piqueira.
Fonte: Fotos das autoras.
O leitor tem a liberdade de ler e virar as páginas conforme sua
vontade, navegando livremente pelas dobras, podendo escolher isso seja feito na fase de acabamento, até chegar nessa etapa de
se navegará da esquerda para a direita ou no sentido inverso, produção são realizados muitos testes, reforçando a ideia de fa-
criando novas narrativas. zer protótipos, mockups, bonecos ou modelos. Esses termos são
Nesse livro Piqueira também traz o “fazer manual” na produção: usados para definir a fase de experimentação material e gráfica
os livros foram costurados à mão e embalados em envelopes de antes da produção final do livro – uma fase que é indispensável
plástico bolha – material que também propõe a interação com as na criação dos livros contemporâneos tratados por aqui.
mãos, no gesto de estourar as bolhas e fazer algo de novo. Aliás, Este livro foi feito, desfeito e refeito durante o ano de 2017 e pro-
duzido na virada para 2018. Está composto, num excesso de famí-
essa é uma característica dos livros de Piqueira, o “fazer ma-
lias tipográficas, sobre papel offset 150 g/m2, tendo sido impresso
nual” em alguma etapa da produção. No livro anterior, “Clichês na RR Donnelley Editora e Gráfica Ltda e costurado manualmente
Brasileiros”, temos a aplicação da imagem da capa com adesivos; por Yuri Tateyama. Sua embalagem é de plástico bolha, produzida
em outros, temos a colagem de pedras, a impressão de xilogra- na Plástico Bolha Store, e a montagem final foi feita nas oficinas
vuras, a aplicação de areia – sim! de areia! – na capa. Mesmo que gráficas da Casa Rex (PIQUEIRA, 2018, Colofão).
39 l ANÁLISE GRÁFICA DE OBRAS NÃO CONVENCIONAIS

“Conhecidos de vista / Known by sight” (2018), Vejo hoje, com certo espanto, uma significativa parcela de artistas
e curadores entenderem, ou mesmo defenderem, que para um livro
Letícia Lampert
ser “de artista” ele deve ter tiragens limitadas, assinadas, acaba-
mentos especiais, estas coisas que o diferenciariam de um objeto
Outro exemplo escolhido foi um fotolivro de Letícia Lampert, uma industrializado, como se assim fosse perder a tal aura da obra úni-
designer que faz livro de artista. Lampert escreveu em um artigo ca e feita à mão, colocada já em xeque no início do século passado
que, mesmo se passando quase 50 anos e observando que o livro por figuras como Duchamp, na prática, e Walter Benjamin, na teoria
de artista tem mobilizado “um circuito de entusiastas e suscitan- (LAMPERT, 2020, p. 76).
do curiosidade e estranhamento na grande maioria do público lei-
go”, assim como é crescente todo um cenário que o circunda, como
a geração de redes de artistas, editoras independentes e feiras, as
“contradições que permeiam este universo parecem ter mudado
muito pouco de lá pra cá” (LAMPERT, 2020, p. 76).
Para a designer, é espantoso que ainda hoje existam aqueles que
tentam limitar o conceito do livro “de artista”, desconsiderando
obras que não apresentem características específicas e deter-
minadas. Corroborando com seu pensamento de que não deve-
mos nos prender a regras gerais aplicáveis a todo tipo de projeto,
acredita-se que a definição de livro de artista poderia ser mais
generosa e menos taxativa. Lampert também compreende que
os materiais gráficos e os processos contribuem para dar sentido
Figura 17 – Páginas da obra “Conhecidos de vista / Known by sight”.
ao livro; assim como dizia Munari: são elementos comunicáveis. Autora: Letícia Lampert
Editora Incompleta, 2018
Formato: 152 p.,18 x 23,5 cm, extensão da concertina = 27,36 m
Edição bilíngue português/inglês
Projeto financiado pela Fumproarte – Porto Alegre
Impresso em papel Alta Alvura, 1000 exemplares
Fonte: https://www.leticialampert.com.br/home-2/art/conhecidos-de-vista-livro/
Fotos e desenho do esquema gráfico das autoras.
40 l ANÁLISE GRÁFICA DE OBRAS NÃO CONVENCIONAIS

Ela também questiona essa distorção da intenção dos primeiros No caso do “Conhecidos de Vista”, [...] para me ajudar a nortear as
decisões que precisava tomar no projeto gráfico, fui estabelecen-
artistas que escolheram o livro como suporte da sua arte, traba-
do uma série de conceitos e regras. Foram muitos bonecos de livro
lhando com meios de produção industrial, com tiragens significa- até chegar no resultado final. Primeiro, eu queria que o livro tivesse
tivas, tornando a circulação de livros de artista mais democrática. dois lados, que o papel fizesse as vezes de parede, que tivesse um
dentro e um fora. Queria que o lado de dentro estivesse fechado de
Com um modo de pensar o livro de artista mais flexível – “Furar
alguma forma, que ele não fosse visível num primeiro folhear, que
a bolha da arte elitista, conquistar novos públicos” (LAMPERT, ele precisasse ser descoberto. [...] Também se criou uma espécie de
2020, p. 77) –, Letícia Lampert se aventura na produção de al- leitura circular, pois é preciso passar pelo livro várias vezes para ir
gumas obras dotadas de aspectos estruturais que mexem com a criando associações entre as pessoas que aparecem do lado de fora
zona de conforto do leitor e de outras que se mantêm no que já e os depoimentos e decorações que aparecem do lado de dentro
(LAMPERT, 2020, p. 85-86).
foi convencionalizado no âmbito do Design Editorial.
Nessa perspectiva, sua obra intitulada “Conhecidos de vista” é um
fotolivro com materialidade híbrida: à primeira vista, parece um li-
vro comum de capa dura; ao abri-lo, porém, o leitor se depara com
páginas sanfonadas, em concertina, montadas a partir de uma
tira de papel de 27,36 metros (Figuras 17 e 18). Ela explana que
o projeto foi desenvolvido a partir da visita a mais de 50 aparta- Figura 18 – Estrutura de
mentos localizados nos bairros centrais de Porto Alegre, onde as concertina (sanfona) da obra
“Conhecidos de vista / Known
ruas, com prédios em ambos os lados, configuravam esta situação by sight”. Foto e desenhos
de “confronto” entre janelas (LAMPERT, 2020, p. 84). A ideia de das autoras.
janelas frente a frente, gerando um certo confinamento no qual,
sem escolhas, a visualidade da vida do outro passa a fazer parte
da [nossa] realidade cotidiana, está contida e contada no modo
como as fotografias estão concatenadas na estrutura sanfonada
(Figura 19). É interessante o processo de interação proposto, ca-
paz de causar constrangimento ao leitor que está diante da ima-
gem [fotografia], ao atentar para os detalhes da vida de pessoas
que não conhece pessoalmente – assim como o observador que
está de frente para aquela janela. Lampert descreve seu processo:
41 l ANÁLISE GRÁFICA DE OBRAS NÃO CONVENCIONAIS

“Dentro do espelho” (2002), Luise Weiss

Outra referência é o trabalho da artista Luise Weiss, que se dedica


à construção teórica e prática do livro de artista. No livro “Dentro
do espelho”, publicação da extinta editora Cosac & Naify, a artista
propõe uma interação criativa para o universo da literatura infan-
to-juvenil: uma fábula sobre o mistério do mundo noturno.
Seu percurso para chegar à disposição das páginas desse livro
foi cheio de experimentações dentro de seu universo artístico.
Figura 19 – Páginas da obra “Conhecidos de
vista / Known by sight”. Foto das autoras. Ela parte de formas trípticas ou cúbicas com uma das faces re-
vestida de material reflexivo, para ter a função de um espelho.
Uma questão necessária para este debate acerca do Design do Na Figura 20, podemos ver o conteúdo composto por fotografias
Livro feito com artisticidade é ter noção de como um livro pode antigas – material recorrente nas obras da artista – que, refleti-
tornar acessíveis determinadas informações – sem perder de das concomitantemente no espelho, formam uma nova imagem.
vista que a produção gráfica desse objeto, ainda mais no Brasil,
é bastante custosa. Por isso, processos experimentais de proto-
tipação podem ser uma alternativa válida para estudar melhores
maneiras de estruturar e compor um livro, considerando os as-
pectos que possam amenizar os altos custos de uma produção.
No artigo supracitado, Lampert expõe que, para viabilizar a pro-
dução de “Conhecidos de vista”, foi necessário recorrer a editais
de incentivo à produção artístico-cultural, além de uma parceria
com a editora Incompleta, de São Paulo.

Figura 20 – Experimentações da artista Luise Weiss com a forma tríptica e uso


de material reflexivo. Fonte: Fotos de seu acervo cedidas pela artista Luise Weiss.
Desenho das autoras.
42 l ANÁLISE GRÁFICA DE OBRAS NÃO CONVENCIONAIS

Muitas experimentações de formato de página e possibilidades


de interação foram feitas até chegar à estrutura final do livro
“Dentro do Espelho”. Podemos ver outras experimentações da
artista nas imagens a seguir.

Figura 21 – Processo exploratório da artista Luise Weiss no


desenvolvimento do livro “Dentro do espelho”.
Fonte: Fotos de seu acervo cedidas pela artista Luise Weiss.
43 l ANÁLISE GRÁFICA DE OBRAS NÃO CONVENCIONAIS

O livro publicado apresenta várias características que diferem


de um livro tradicional. O texto está disposto de maneira inver-
tida, tornando-se inteligível apenas quando refletido no espe-
lho encartado na contracapa. As páginas foram compostas com
ilustrações feitas a partir de colagens, tanto a parte imagética
quanto a textual. Em sua estrutura temos uma capa em tríptico14
– uma capa dura em três partes, em vez de duas. O livro não é
para ser aberto do modo tradicional da leitura ocidental, no qual
viramos a capa para a esquerda. Como mostra a Figura 22, abri-
mos o livro desdobrando a capa para cima. Na contracapa, que,
ao abrir o livro, fica na parte superior, temos uma placa reflexiva
feita de acrílico espelhado – e é nesse espelho que o livro acon-
tece, como se a história se realizasse em outra dimensão. O livro
é também uma referência à matriz de gravura – outra linha de
trabalho da artista –, na qual a imagem é talhada de forma inver-
tida para ficar “correta” quando impressa no papel.

Figura 22 – Livro “Dentro do espelho”.


14
Nome dado a um conjunto de placas ou tabuletas de madeira unidos por dobradi- São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
ças (PAIVA, 2010). Acredita-se que essa estrutura de tabuletas articuladas, utiliza- Autora: Luise Weiss
da na Europa até a Idade Média, deu origem ao códice [livro] que conhecemos hoje.
Capa dura em tríptico, com acrílico espelhado aplicado no verso
Esse termo também pode estar se referindo a “{a} Folheto dobrado duas vezes. {b}
Conjunto de três painéis pintados ou burilados que formam um único assunto. {c} da primeira capa. Miolo em papel couchê com 32 p.. Ilustrações
Conjunto de três pranchas articuladas que, nos tempos antigos, eram escritas com com colagens.
estiletes.” (ROSSI FILHO, 2001, p. 616). Fonte: Fotos das autoras.
44 l ANÁLISE GRÁFICA DE OBRAS NÃO CONVENCIONAIS

“Rosa” (2017), Odilon Moraes

Nossa próxima referência vem da obra de Odilon Moraes. Ele não


é apenas um ilustrador: dessa atividade nasceu o autor, um autor
de livro ilustrado, que faz valer da experiência com a linguagem
pictórica para enriquecer a narrativa dos livros ilustrados. Além
de ser uma pessoa peculiar, pois vive longe do mundo digital, ele
é um ser do mundo dos papéis, dos lápis e pincéis, das cores, do
fazer manual; alguém que hoje podemos considerar como estra-
Figura 23 – Da esquerda para direita: autorretrato da artista Luise Weiss nho, mas que acaba trazendo em sua arte um mergulho maior,
e foto de família, ambas estão na página de créditos do livro “Dentro do
espelho”. Fonte: Fotos das autoras.
um envolvimento mais focado, pois o mundo digital nos traz
esse desfoque, ou um multifoco.

Na página de créditos encontramos um autorretrato da artista A obra escolhida para representar o trabalho de Odilon como um
e um texto onde ela se apresenta e conta como se inspirou em artista-autor foi o livro “Rosa’’, que “é constituído por três ca-
uma antiga fotografia de família (Figura 23): madas: uma biográfica, uma literária, outra formal” (MORAES,
Dentro do espelho surgiu do contato com a fotografia de família aci- 2019, p. 179). A biográfica é o que ele carrega da experiência
ma, tirada nos anos 30. O desenho no quadro-negro despertou mi- vivida durante a gestação de seu filho, que ele nomeia de “es-
nha atenção – chamei-o de “Rei da noite”, e assim comecei esse tado de gravidez masculina”; a literária é a referência ao conto
projeto que agora você tem em suas mãos transformado em livro “A terceira margem do Rio”, de Guimarães Rosa, que ambienta
(WEISS, 2002, Página de créditos).
o universo do livro; e a terceira, a formal, é a elaboração da es-
Luise Weiss usou seu repertório como artista e pesquisadora crita, que em seu gênero é híbrida e inclui o texto, a imagem e
ao unir vários universos nesse objeto lúdico e mágico que nos também o objeto.
transporta através do espelho: sua experiência pessoal com a
fotografia de família, seu conhecimento como gravadora, como
Figura 24 – Detalhe da fita adesiva utilizada no
investigadora do livro e do livro de artista, como ilustradora, boneco do livro “Rosa” (Figura 25), que acabou
como produtora e como autora. Ela cria um potente diálogo en- incorporada na versão publicada do livro por
tre diversas linguagens. decisão do editor.
45 l ANÁLISE GRÁFICA DE OBRAS NÃO CONVENCIONAIS

Em seu processo, Odilon cria o boneco do livro e trabalha seus


desenhos e textos em uma narrativa conjunta com o objeto. Nas
margens internas desse livro podemos encontrar as marcas das
fitas usadas na montagem do boneco (Figura 24). Para um livro
que tem as margens como um elemento narrativo, incorporar isso
ao produto final torna esse elemento instigante para o leitor, que
sente o gesto do autor presente no livro. Odilon, além de autor e
ilustrador, também é responsável pelo projeto gráfico do livro.

Figura 26 – Detalhe de processo


de criação do livro “Rosa”.
Fonte: Material de Odilon Moraes,
fotos das autoras.

Figura 25 – Bonecos do livro


“Rosa” produzidos pelos autor.
Fonte: Material de Odilon
Moraes, fotos das autoras.
46 l ANÁLISE GRÁFICA DE OBRAS NÃO CONVENCIONAIS

“Autopublicação: Uma introdução ao sonho


perfeitamente possível de contar as suas próprias
histórias impressas” (2019), Ricardo Rodrigues

Vamos finalizar com Ricardo Rodrigues, um jornalista por for-


mação que se aventura na autopublicação. Em 2016, ele criou a
editora Experimentos Impressos e iniciou sua participação cons-
tante nas feiras de artes gráficas e publicações independentes
(RODRIGUES, 2019).
Sua experiência passa pelo círculo completo citado na Figura 9:
Figura 27 – O livro “Rosa”. Curitiba: Edições Olho de Vidro, 2017. 1ª edição.
Autor: Odilon Moraes. Formato: 19,2 x 22,2 cm; com 48 p. Rodrigues é um editor-autor-produtor-impressor-encaderna-
Fonte: Foto das autoras. dor-distribuidor e tudo mais que envolve a autopublicação. Por
isso, tem autonomia para escrever sobre o assunto. Seus livros
Esse é um livro com uma profundidade de construção, criado são ricos nas narrativas textuais e visuais, sendo sua arte com
para ser lido com a cadência com que foi desenvolvido. Segundo colagens primorosa.
o autor, a obra tem No entanto, escolhemos falar sobre “Autopublicação” porque é
[...] uma dupla orientação cronológica. Enquanto as palavras nos nesse livro que designers, autores, artistas e qualquer pessoa
contam do tempo passado onde algo aconteceu com um homem, que queira se aventurar nessa empreitada encontrarão a experi-
a sequência de imagens nos mostra outro personagem, seu filho
ência de quem tem passado por todas essas etapas e aprendido
(subtende-se ao longo da história), no tempo presente, em busca
de seu passado. Dei a esse efeito o nome de contraponto temporal muito com elas. Sua publicação é metalinguística, pois, enquanto
(MORAES, 2019, p. 179). ele fala sobre o assunto, está produzindo o livro.
Tanto o livro de Luise Weiss como o de Odilon Moraes podem ser O livro foi composto a partir de algumas escolhas comuns: seu
encontrados na seção de livros infanto-juvenis, por serem assim miolo é todo impresso em uma cor (preto), em papel offset 90 g/m2 Figura 28 – Livro “Autopublicação:
Uma introdução ao sonho
catalogados. Contudo, sua natureza sensível e criativa busca lei- com formato A5. Mas também encontramos imagens em cores, perfeitamente possível de contar as
tores de todas as idades e sensibilidades. impressas no papel couchê fosco e aplicadas na página com fita suas próprias histórias impressas”.
Fonte: Foto das autoras.
47 l ANÁLISE GRÁFICA DE OBRAS NÃO CONVENCIONAIS

azul. O caráter artesanal e do “faça você mesmo” é encontrado em


todo o livro: temos tutoriais sanfonados aplicados, além de enve-
lopes, tanto de papel quanto de plástico, contendo inclusive um
kit para fazer um zine, além de ter a encadernação manual com
costura aparente (Figuras 28 e 29). Tudo isso faz com que, apesar
da seriedade, o assunto tratado se torne lúdico, ao mesmo tem-
po em que temos uma experiência da produção de um impresso,
que também é a proposta de sua autoeditora. Ricardo também é o
distribuidor de seus livros, tanto em seu próprio e-commerce como
em livrarias independentes.
Em seu site, Ricardo Rodrigues comercializa todas as suas publica-
ções, seu trabalho artístico e seus cursos. Lá ele descreve seu livro:
Autopublicação é um livro em constante mutação, e é por isso
que a segunda edição chega tão pouco tempo depois dele ser
lançado, em fevereiro de 2019. Nesta nova etapa, ganhou mais
conteúdo e um novo projeto gráfico. Inclui importantes dados so-
bre o mercado editorial independente, destaca o ressurgimento
das pequenas livrarias (também como engrenagem significativa
para a circulação), e amplia referências importantes para quem
deseja organizar o seu próprio projeto editorial (EXPERIMENTOS
IMPRESSOS, 2021).

Figura 29 – Livro “Autopublicação: Uma introdução ao sonho perfeitamente


possível de contar as suas próprias histórias impressas”
Autor: Ricardo Rodrigues
Editora: Experimentos Impressos, 2019, 90 p.
Formato fechado: 15 x 21 cm. Impressão digital: miolo em offset 90 g/m2 e capa
em Supremo 300 g/m2, capa em papel offset 180 g/m2, impressa em uma cor
(azul). 1ª edição de 100 exemplares. Fonte: Fotos das autoras.
48 l ANÁLISE GRÁFICA DE OBRAS NÃO CONVENCIONAIS

Essa forma de trabalhar e ampliar suas habilidades no


mundo editorial enche de criatividade seu trabalho como A experimentação como prática diária,
editor, autor e artista. E, assim como observamos também aprendendo a esperar, dando espaço
na produção de Gustavo Piqueira, Letícia Lampert, Luise para o olhar crítico e estimulando
Weiss e Odilon Moraes, existe um objeto que incorpora novas maneiras de percepção, pode
marcas do processo do fazer, uma ludicidade que chega tornar o fazer perplexo e desafiador.
ao leitor de modo curioso, potencializando a interação e a
leitura. O livro é resultado de um experimento que expan-
de tanto os modos de produção quanto os de recepção de
conteúdo. Nessa perspectiva, devemos compreender que
o designer que opta por produzir um livro experimental
também está se posicionando em relação à Arte, a como
desenvolve seus projetos frente às práticas artísticas. E,
considerando que há sempre muito o que aprender e ex-
perimentar, seja lá qual for a etapa (pesquisa, concepção,
prototipagem ou produção), reunimos no próximo capítulo
algumas possibilidades técnicas para se pensar a estrutu-
ra de um livro, para motivar o leitor a se aventurar.
49
PROCESSOS
ARTÍSTICO-CRIATIVOS
PARA A PRODUÇÃO DO
LIVRO EXPERIMENTAL
EM ESCALA A motivação da cena artística reflete fusão e interpenetração en-
tre pintura, fotografia, literatura, colagem, montagem, desenho,
escultura, fundição, impressão. O resultado é uma mudança de
lugar que nos afeta até hoje: livro na estante, no ponto de venda,
mercadoria, na instalação de galerias, como intervenção, objeto
lúdico, arte (PAIVA, 2010, p. 93).
O ponto de partida para se trabalhar a materialidade de um
livro pode acontecer de diversas maneiras. Alguns artistas e
designers podem iniciar o processo com uma pesquisa acerca
do tema e tentar compreender formas possíveis de interpretar
[materializar] conceitos, ou mesmo alcançar uma estrutura in-
teressante por intermédio do contato experimental, brincando
com materiais e processos. Releva-se que a compreensão da
palavra “experimental” tem a ver com uma prática que pertence
à vanguarda e desafia convenções e métodos. Por isso, avançar
nessa direção é, certamente, romper com modos conhecidos e
confortáveis de se produzir um livro.
50 l PROCESSOS ARTÍSTICO-CRIATIVOS PARA A PRODUÇÃO
DO LIVRO EXPERIMENTAL EM ESCALA

No caso do livro de Letícia Lampert, por exemplo, foi utilizada


uma estrutura em concertina – folhas dobradas para um lado
e para outro que, para obter uma faixa com extensão suficiente
para produzir a sanfona necessária, passaram por um processo
manual no qual o verso de uma página inteira é colado no verso
Figura 30 – Detalhe da
de outra, dobrando a gramatura daquela folha, daquela página
concertina do livro de
Letícia Lampert. do livro15. Geralmente a tira passa pelo processo de vinco, para
Fonte: Foto das autoras. formar as dobras, antes da cola (Figuras 30 e 31).

Deve-se ter em vista que, independentemente de como se inicia


o trabalho, a busca é conceber uma materialidade que afete o
leitor a ponto de ele atingir os sentidos pretendidos. Vimos que
as escolhas dos designers e artistas visuais apresentados no ca-
pítulo anterior não foram gratuitas: cada forma, dobra ou conca-
tenação de páginas é uma parte física do livro que se relaciona
intimamente com a visualidade proposta; e cada tipo de estru-
tura física, de imagem impressa ou mesmo de impressão ajuda
a inserir o leitor no universo de significação pretendido pelo pro-
jetista. Isso quer dizer que a técnica escolhida pode fazer parte
do processo de interpretação do designer e, ao mesmo tempo,
Figura 31 – Processo no qual uma
interferir no processo de recepção do leitor.
página é colada sobre outra para unir
Para compreender como os processos artísticos pensados para e estender as faixas de papel para a
a composição material de um livro podem ser exequíveis na produção de uma concertina.
Fonte: Desenho das autoras.
produção gráfica, vamos buscar identificar, em cada exemplo,
quais tecnologias devem ser utilizadas – ou seja, como uma
gráfica, ou mesmo uma oficina de produção de impressos, con-
segue resolver determinados desafios estruturais e gráficos
15
Esse tipo de processo gráfico é semelhante ao chamado de “empastado” (pasted).
“Diz-se de uma prancha de cartão, de papelão ou outro material formado por duas
para a reprodutibilidade de um livro. camadas controladas” (ROSSI FILHO, 2001, p. 214).
51 l PROCESSOS ARTÍSTICO-CRIATIVOS PARA A PRODUÇÃO
DO LIVRO EXPERIMENTAL EM ESCALA

A concertina16, tal qual produzimos atualmente, vem de uma agressões sofridas por um menino que não tem boca – uma
técnica muito antiga de estrutura sanfonada que foi populariza- alusão àqueles que, por sofrerem algum tipo de opressão, não
da pelos japoneses no século XII (ARAÚJO, 2019, p. 45). Quando conseguem exercer seu poder de fala. Para o autor, a interação
os espanhóis invadiram a Mesoamérica, no século XVI, encon- precisava ser intensa e, por isso, a concertina [sanfona] era a
traram uma valiosa produção de livros sanfonados com ilustra- estrutura ideal para transmitir o conteúdo em carrossel.
ções riquíssimas que narravam sobre as “culturas do México e
da América Central antes e imediatamente após a chegada dos
espanhóis” (LYONS, 2011, p. 86).
A sensação de interagir com um livro em estrutura de concertina
é como se estivéssemos em um carrossel: uma página concate-
nada na outra, uma imagem que não se desprende da anterior
nem da posterior.
Outro exemplo de uso da concertina na produção física de
um livro é “O primeiro beijo do menino sem boca” (2021), de
Aluizio Guimarães, uma história infantil que foi configurada em
duas concertinas de tamanhos diferentes que se intercalam e
compõem uma amarração entre as páginas, excluindo a ne-
cessidade de costura ou cola para uni-las (Figura 32). A ideia
foi transmitir a sensação de um concatenamento fluido entre Figura 32 – Vista superior
as páginas; quase sem fôlego, o leitor é envolvido em uma in- do livro “O primeiro beijo do
teração de leitura sem pausa. As páginas apresentam peque- menino sem boca” (2021).
nas falas de um narrador que conta sobre a vida solitária e as Fonte: Desenho e foto das
autoras.
16
Segundo consta no “Graphos: glossário de termos técnicos em comunicação grá-
fica”, dobra-sanfona (accordion fold) é um tipo de dobra ou método de dobragem que
consiste em executar diversas dobras paralelas de modo que as dobras adjacentes
tenham direções alternadamente opostas, a fim de produzir um produto acabado
que lembra o fole de um acordeom. Termos alternativos: concertina fold; dobra em
leque; fanfold; fan fold; over-and-back fold (ROSSI FILHO, 2001, p. 199).
52 l PROCESSOS ARTÍSTICO-CRIATIVOS PARA A PRODUÇÃO
DO LIVRO EXPERIMENTAL EM ESCALA

Concertina
maior
Concertina menor

Corte para Aba para colar e


engastar a unir as faixas
Vinco sanfona menor (fita dupla face)
Concertina maior

Figura 33 – Livro “O primeiro beijo do menino sem boca”, 2021.


Tiragem: 200 exemplares
Formato fechado (concertina maior): 14 x 14 cm
Formato fechado (concertina menor): 7 x 7 cm
Autor: Aluizio Guimarães
Designer (projeto gráfico e Ilustrações): Germana G. de Araujo 1ª capa

Miolo e capa: couchê brilho 170 g/m2


Acabamento: laminação fosca
Fonte: Fotos e desenhos das autoras.
53 l PROCESSOS ARTÍSTICO-CRIATIVOS PARA A PRODUÇÃO
DO LIVRO EXPERIMENTAL EM ESCALA

O interessante da estrutura sanfonada é que não há limite para a


extensão da faixa de papel que passa pelo processo de dobra. É
possível, inclusive, utilizar as duas faces, frente e verso, como em
um sistema de paginação de um livro convencional. Com relação
ao comprimento da concertina, um bom exemplo é o “Catálogo
da Coleção de Livros de Artista IA-BORA/Unicamp” (2018), que
foi produzido com 324 faces/páginas (Figuras 34 e 35).

Figura 34 – Ferramentas utilizados na produção do “Catálogo Figura 35 – “Catálogo da Coleção de Livros de Artista IA-Bora/Unicamp” (2018).
da Coleção de Livros de Artista IA-Bora/Unicamp” (2018). Tiragem: 6 exemplares numerados e assinados
Fonte: Fabiana Grassano. Formato fechado: 7,5 x 10 cm
Miolo: vergê diamante 180 g/m2
Capa: cartão texturizado
Acabamento: capa em dobra origami com cinta, impressão em carimbo com tinta
branca
Designer (projeto gráfico e produção): Fabiana Grassano
Fonte: Fabiana Grassano.
54 l PROCESSOS ARTÍSTICO-CRIATIVOS PARA A PRODUÇÃO
DO LIVRO EXPERIMENTAL EM ESCALA

A estrutura que sai da rotina de uma gráfica industrial pode tor-


nar o processo bastante custoso. Por isso, é importante conhe-
cer as possibilidades fabris do que se está propondo antes de fe-
char o projeto. Primeiro há a problemática do tamanho do papel,
que sempre interfere nos formatos dos livros que se está proje-
tando. Um papel de gráfica, da forma como sai da indústria, pode
ter os seguintes tamanhos de folha inteira: 66 × 96 cm (formato
BB), 64 × 88 cm (formato AA), ou 76 × 112 cm (formato AM). É
imprescindível que, ao imaginar o formato do livro, se saiba onde
será produzido, para que seja possível utilizar o tamanho da pá-
gina pensada [projeto] considerando o uso inteligente da folha
Figura 36 – Folha Super A3 com
oferecida pela gráfica escolhida [sem desperdícios] (Anexo). impressão digital, do “Catálogo da
Coleção de Livros de Artista IA-
Releva-se que, quando se escolhe produzir em gráficas digitais, O “Catálogo da Coleção de Livros de Artista IA-Bora/Unicamp“
Bora/Unicamp” (2018).
o formato do papel é diferente dos formatos utilizados pelas teve um planejamento muito minucioso para ser executado em Fonte: Desenho e foto das autoras.
gráficas industriais de offset. As gráficas digitais geralmente uti- gráfica digital, justamente pela restrição do tamanho da folha,
lizam papel da série A do padrão internacional ISO 216, constitu- que no caso era um Super A3. Para obter o miolo com 324 pági-
ído em 1975. Esse padrão, baseado no padrão alemão DIN 476 nas sanfonadas e ter o aproveitamento do papel, foram impres-
de 1922, utiliza tamanhos proporcionais entre si: do maior para sas 27 faixas de 12 páginas cada, totalizando 24,30 metros. No
o menor, a proporção é sempre de 1:2, ou seja, um A0 [84,10 cm Super A3 cabiam 3 faixas (Figura 36), que foram emendadas com
de largura e 118,90 cm de altura] é o dobro de um A1 [59,40 cm fita microporosa para não agredir o papel. A colagem para unir as
de largura e 84,10 cm de altura] (Anexo). Os tamanhos mais co- faixas do catálogo foi diferente das soluções encontradas para o
muns de papel usados para impressão digital são o formato A5 livro de Lampert, que teve as faces de dois papéis coladas uma
(14,85 x 21 cm), o A4 (21 x 29,7 cm), o A3 (29,7 x 42 cm), e al- à outra, e para o livro “Primeiro beijo do menino sem boca”, que
gumas gráficas rápidas também oferecem o formato chamado teve as faixas unidas por fita dupla face. Na montagem final, as
Super A3 (32,9 x 48,3 cm), que é fora do padrão internacional e páginas das extremidades do miolo [catálogo] foram encaixadas
um pouco maior do que o A3 convencional. em uma capa montada apenas com dobras.
55 l PROCESSOS ARTÍSTICO-CRIATIVOS PARA A PRODUÇÃO
DO LIVRO EXPERIMENTAL EM ESCALA

A página do livro “O primeiro beijo do menino sem boca” também


foi projetada para ser impressa em um tamanho de papel, mas
teve que ser ajustada na pré-impressão, prevendo a relação de
melhor aproveitamento da folha utilizada pela gráfica offset com
a possibilidade de produzir mais páginas do livro em uma faixa
da concertina. Para a montagem de cada um dos livros, a gráfi-
ca fez a entrega de 4 faixas contendo 5 páginas de 14 x 14 cm
[concertina maior], 2 faixas contendo 5 páginas de 7 x 7 cm
[concertina menor], e duas páginas restantes [3ª e 4ª capas]
(Figura 33). A tiragem foi de 200 exemplares e a montagem foi
efetuada manualmente fora da gráfica. Esse é um exemplo de
uma produção híbrida, que utiliza de processos industriais e ma-
nuais para a materialização do livro.
O tipo de papel e a gramatura também devem ser avaliados por
dois critérios: os aspectos físicos que possibilitem determinadas
modelagens e que possam também inspirar a semântica dese-
jada. Atualmente o Brasil produz uma vasta gama de papéis in-
dustriais e artesanais, mas, certamente, há um terceiro critério
a ser levado em conta: se o custo do papel está de acordo com o
orçamento para a produção da tiragem.
A produção de vincos precisa ser planejada. O vinco é uma linha preciso que a linha seja reta. Caso se pretenda utilizar marcações Figura 37 – Exemplos de vincos.
Fonte: Acervo das autoras.
(sulco) produzida na folha de papel pela pressão de uma máqui- que não sejam em linha reta ao longo dos eixos horizontal, ver-
na (vincadeira). A função primordial dessa marca é produzir do- tical ou diagonal, deve-se optar por clichês ou facas de vinco. As
bras; entretanto, podem existir propostas gráficas que utilizam facas gráficas também podem ser a melhor alternativa quando,
marcas como o vinco para a construção de desenhos em baixo em uma página, é preciso ter vários vincos em diferentes dire-
relevo. É sempre bom lembrar que, para a vincadeira industrial, é ções (Figura 37).
56 l PROCESSOS ARTÍSTICO-CRIATIVOS PARA A PRODUÇÃO
DO LIVRO EXPERIMENTAL EM ESCALA

O livro dobradura (Figura 38) pode ser uma boa experimentação


para trabalhar estruturas com paginação incomum: mesmo que
se proponha algum tipo de ordenação do conteúdo, a leitura não
é linear, seja em uma linguagem verbal ou não verbal, constituin-
do uma proposição lúdica de interação leitor-leitura.

Figura 38 – Livro com estrutura em


dobradura e impressão por xilogravura
(matriz de MDF). Formato fechado de
8,5 x 8,5 cm, composto por 5 folhas de
17 x 17 cm.
Fonte: Acervo das autoras.
57 l PROCESSOS ARTÍSTICO-CRIATIVOS PARA A PRODUÇÃO
DO LIVRO EXPERIMENTAL EM ESCALA

Atualmente já existe uma quantidade significativa de livros – a Numa perspectiva inventiva, a experimentação híbrida rompe
maioria de produção estrangeira17 – que trazem a proposta de en- com o fetiche tecnológico que mantém o designer refém dos
sinar estruturas de livros por intermédio de dobraduras de papel softwares gráficos. Nesse sentido, é de suma importância dar
e costuras manuais. Uma obra traduzida e publicada no Brasil que espaço a uma prática que estimule a criatividade ao exercitar a
reúne vários artistas do livro, incluindo a artista brasileira Gabriela capacidade sensorial do designer: o cheiro da tinta, o tato sobre
Irigoyen, é “Como fazer seus próprios livros: novas ideias e técni- texturas do papel, a visualidade que não é precisamente con-
cas tradicionais para a criação artesanal de livros” (RIVERS, 2016). trolada de uma gravura. Tudo isso sem esquecer que um livro
Trata-se de uma forte inspiração para se pensar novas possibili- impresso em gráfica industrial pode ser montado e costurado
dades, mesmo que seja preciso adaptá-las aos processos de uma artesanalmente, ou seja, o caráter híbrido tem a ver com a jun-
gráfica. Envolver-se com a produção manual de um livro é quase ção de processos de naturezas diferentes.
um processo de investigação de como a forma e o conceito podem Uma reflexão importante para o campo de Design de Livro, tam-
estar numa estrutura; quando dá certo, é pura magia. bém podendo considerar o Design Editorial, que é mais amplo,
Uma questão bem importante é que, quando se planeja a produ- é em qual momento do projeto a experimentação é cabível.
ção de livros de edição, o caráter híbrido, que mescla processos Primeiramente, deve-se ter em vista que, de maneira geral, as
de impressão, pode acontecer. Existem algumas possibilidades de metodologias em Design são triádicas, e as etapas de compre-
produzir matrizes de impressão, e a gravura resultante pode ser, ensão [analítica ou problematização], proposição [criativa] e fi-
mas não necessariamente, digitalizada, para cambiar do universo nalização [acabamento] são definidas com uma série de ações
analógico para o digital. Observando a produção dos livros apre- ou subetapas. Ou seja, esse modelo de desenvolvimento de um
sentados, é possível se deparar com a mistura de processos gráfi- projeto parte do princípio de que a fase criativa só deve aconte-
cos analógicos e digitais. Ainda é possível mesclar a fotografia e a cer depois que os dados são obtidos por pesquisa. Entretanto,
gravura para, dentro de um amplo universo de possibilidades, po- considera-se que um designer é um profissional que investe na
tencializar o diálogo autor-livro e, consequentemente, livro-leitor. alimentação do seu repertório para conseguir proposituras e,
por isso, deve acostumar-se com atitudes criativas em qualquer
17
Uma referência é a obra das artistas Hedi Kyle e Ulla Warchol intitulada “The Art of
the Fold: how to make innovative books and paper structures” (2019), na qual as autoras momento do projeto. Sendo assim, aceitar que a imaginação
ensinam a fazer 36 estruturas diferentes com papel. Essa obra dispõe de alterna- [experimentada] exerça força enquanto ainda se está adquirin-
tivas de livros que mesclam práticas tradicionais de encadernação com estruturas
inovadoras. do conteúdo para a interpretação dos conceitos é extremamente
58 l PROCESSOS ARTÍSTICO-CRIATIVOS PARA A PRODUÇÃO
DO LIVRO EXPERIMENTAL EM ESCALA

frutífero. A metodologia de projeto em Design não tem o objetivo


de estabelecer um único caminho; tampouco deve ser confundi-
da com uma receita de bolo, a qual, se seguida rigorosamente,
permitirá alcançar um resultado de sucesso. Por isso, ao refle-
tir sobre a natureza do projeto, as circunstâncias projetuais e a
personalidade profissional do designer, compreendemos que a
experimentação pode ser uma intervenção artística que favore-
ce novos modos de pensar e fazer design, podendo acontecer a
qualquer tempo.
No caso do Design de Livros, sendo a experimentação na estru-
tura de dobradura, na costura manual de um dorso ou na enca-
dernação mecânica, também é preciso pensar, desde o início do
projeto, na relação que se pretende criar entre página e disposi-
ção de conteúdo, seja textual ou imagético.
59 As ideias pousam entre inúmeras possibilidades experimentadas
DESFECHO dia a dia. Talvez seja essa a diferença entre um artista que faz livro
de artista e um designer que faz livro. Em geral, o designer que
trabalha com produção editorial está tão conectado aos softwares
gráficos e imerso em um conjunto de modelos que a experimen-
tação se torna algo eventual. Seria, na realidade, necessário que
ele dedicasse tempo, com regularidade, para criar uma espécie
de musculatura mental, alimentando assim seu repertório com
as possibilidades promovidas pela prática da experimentação. É
nesse sentido que utilizamos a poética do livro de artista como
inspiração, mas também como um objeto de referência necessá-
Esta obra expõe um debate acerca da importante contribuição rio para refletir sobre a produção de Design de Livro:
das concepções experimentais no âmbito do Design de Livros. O corpo especial de todo livro de artista contém, sim, esse tempo
É certo que, quando se trata do livro de artista, já existem dis- poético em funcionamento. Em suspenso há uma lembrança do
fazer e do prazer de fazer. Uma vez pronto, ainda guarda indícios
cursos consolidados a partir de estudos de pesquisadores ou
dos instantes de reflexão, decisão, escolha, produção, arremates.
olhares de curiosos, principalmente – ou exclusivamente – nos Por ressonância e vibração coloca em evidência a mão, o homem,
circuitos das artes. Entretanto, no universo do Design, a ideia de o autoral e o savoir-faire, que acompanha um métier de paixão e
que as artes podem ser evocadas para se pensar acerca da ma- vocação (PAIVA, 2010, p. 95).
terialidade de um livro, promovendo práticas que se diferenciem Outro ponto que não podemos esquecer é que os designers e
dos modelos funcionalistas e, ao mesmo tempo, possam tornar artistas visuais fazedores de livros apresentados neste estu-
evidentes aspectos da personalidade do profissional, ainda pre- do atuam nos grandes centros urbanos do país. Essa questão
cisa se sedimentar – criar bases que promovam reflexão e mu- torna-se ainda mais relevante quando se trata da produção de
danças de atitude. um objeto que foge da cultura industrial de massa e que, por
Salientamos que a prática experimental, para o artista, é cons- isso, é menos consumível por um público amplo. É nos grandes
tante, e a capacidade da inventividade surge de uma insistência centros que alguns tipos de empreendimentos e projetos con-
em resistir ao tempo e a outras práticas da realidade cotidiana. seguem se estabelecer em espaços como feiras alternativas de
60 l DESFECHO

livros e outros impressos – fora que as possibilidades de públi- em determinados universos simbólicos, sendo providencial para
co interessado nesse tipo de objeto são mais fartas e diversas. a cultura.
Entretanto, devido à sua importância artística e cultural, é sabido Por isso, tentamos aqui lançar algumas provocações necessá-
que a produção de livros experimentais ganhou força e propor- rias para que o estudante ou profissional de Design possa, antes
ções que transcendem os grupos e artistas dos grandes centros, de qualquer coisa, refletir sobre suas escolhas projetuais quando
e seria possível fazer uma longa lista de boas referências além for se envolver com a produção de livros. Pensamos que é im-
das que foram aqui apresentadas. portante buscar práticas que possam torná-lo desinibido para
Uma questão relevante e que pode ser utilizada como argumento ensaiar, sentir, tentar e experimentar, como outras ações que
para a produção deste conteúdo tem a ver com o fato de o objeto propiciem a formação de repertório projetual, assim como a in-
livro ser marcado por uma história repleta de concessão de uso, ventividade da materialidade de um livro. Avante!
privilégio de determinadas camadas sociais, distinção e poder.
Deve-se ter em vista que, mesmo depois de se tornar uma mer-
cadoria18, mais um produto de consumo de massa impulsionado
pela indústria cultural, o livro não se torna um objeto consumível
de maneira ampla, principalmente em países que apresentam
problemas na alfabetização de sua população. Nesse sentido,
parece justo que um livro que carrega em si uma materialida-
de inusitada, que tanto provoca experimentação estética quanto
reflexão acerca de alguma questão sociocultural de valor para a
formação de indivíduos, possa circular em todas as camadas da
sociedade. O livro experimental de edição – que tem uma escala
de produção – é, sem dúvida, uma alternativa para inserir o leitor

18
Segundo consta na obra de Paiva (2010, p. 39), “é a partir do século III que os livros
passam a ter valor comercial. São vendidos. O primeiro regulamento de que se tem
notícia é da Universidade de Paris e diz respeito tanto ao comércio de livros praticado
na cidade quanto à venda e empréstimo de manuscritos de segunda mão pelos es-
tudantes.”
61 CADÔR, Amir Brito. O livro de artista e a enciclopédia visual. Belo Horizonte:

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RODRIGUES, Ricardo. Autopublicação: Uma introdução para quem deseja
criar o seu próprio projeto editorial. 2. ed. Canoas: Experimentos Impressos, ZUGLIANI, Jorge Otávio; MOURA, Mônica Cristina de. Objeto editorial
2021. contemporâneo: transdisciplinaridade, cultura e consumo nas
publicações independentes. In: CDI, 9., e CONGIC, 9. Anais [...]. Belo
ROMERO, Mônica Pujol. Design: apontamentos para definir o campo. Horizonte: Sociedade Brasileira de Design da Informação – SBD, 2019.
In: BELLUZO, Gisela; LEDESMA, Maria (org.). Novas fronteiras do design Disponível em: http://pdf.blucher.com.br.s3-sa-east-1.amazonaws.com/
gráfico. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2011. designproceedings/9cidi/1.0141.pdf. Acesso em: 13 maio 2021.
64 l ANEXO

Formato 01 Formato 02 Formato 03 Formato 04


66 x 96 cm 48 x 66 cm 32 x 66 cm 33 x 48 cm

letter

Formato 05 Formato 06 Formato 06 (2) Formato 06 (3)


32 x 34 cm 32 x 33 cm 21 x 42 cm 22 x 48 cm le ga l

Formato 07 Formato 08 Formato 09 Formato 10


66 x 96 cm 48 x 66 cm 32 x 66 cm 19,2 x 33 cm

Formato 10 (2) Formato 11 Formato 12 Formato 12 (2)


22 x 26 cm 21 x 25 cm 22 x 24 cm 16 x 33 cm

Formato 14 Formato 15 Formato 16 Formato 18


19,2 x 23,4 cm 19,2 x 22 cm 16,5 x 24 cm 16 x 22 cm

Formato 20 Formato 24 Formato 24 (2) Formato 32


16,5 x 19,2 cm 12 x 22 cm 16 x 16,5 cm 12 x 15,5 cm
65 l

Germana Gonçalves de Araújo é professora efetiva do curso de


SOBRE AS AUTORAS Design Gráfico no Departamento de Artes Visuais e Design –
DAVD da Universidade Federal de Sergipe – UFS, desde 2010.
Doutora pelo Programa Multidisciplinar em Cultura e Sociedade
– Pós-Cultura da Universidade Federal da Bahia – UFBA (2013),
Fabiana Grassano é bacharela em Comunicação Social com mestra pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
habilitação em Produção Editorial pela Universidade Anhembi- Desenho, Cultura e Interatividade da Universidade Estadual
Morumbi (2000) e em Design pela Faculdade de Administração de Feira de Santana – UEFS (2008), bacharela em Desenho
e Artes de Limeira (2019). Especialista em Design de Hipermídia Industrial pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB (2000).
também pela Universidade Anhembi-Morumbi (2001) e possui Em 2011, com o foco na profissionalização da publicação científi-
um Master Research em Strategic Design pelo Istituto Europeo ca da comunidade acadêmica, torna-se coordenadora gráfica da
di Design-SP (2007). Em 2016, iniciou suas pesquisas so- Editora UFS. É autora das obras “Bonita Maria do Capitão”, 2011
bre livros de artista no Instituto de Artes – IA da Universidade (1º Lugar no Prêmio Aloísio Magalhães da Fundação Biblioteca
Estadual de Campinas – Unicamp, onde obteve seu títu- Nacional, em 2011); “Cândido de Faria: um ilustrador sergipa-
lo de mestra em Artes Visuais em 2020; no mesmo ano ini- no das artes aplicadas”, 2018 (2º Lugar no 33º Prêmio Museu
ciou seu doutorado, onde investiga a relação das artes gráficas da Casa Brasileira, na categoria Trabalhos Publicados, em 2019);
com o processo criativo e a materialidade do livro de artista. “Lampião em Cena: criatividade na cultura visual do Cangaço”,
Trabalhou como produtora editorial na Universidade Estadual 2020; “Livro corpo aberto”, 2020 (livro de artista); e “Design do
de Ponta Grossa – UEPG, em 2021. É designer editorial há Livro Infantil Ilustrado”, 2021. Atualmente, concomitante à ativi-
22 anos e atua como professora no ensino superior há 15 anos, dade de docência na graduação em Design e na pós-graduação
nas disciplinas de Design Editorial e Produção Gráfica. Desde (nos programas de Culturas Populares e Ciência da Informação),
2014 é professora na Especialização em Design Gráfico da Escola está envolvida com projeto de pesquisa acerca do Design do
de Extensão da Unicamp. Livro e da memória gráfica local (Brasil-Nordeste-Sergipe).

fabianagrassano@gmail.com
germana@academico.ufs.br
lattes.cnpq.br/2019702139404460
lattes.cnpq.br/5486386468044529
66 l nome do capítulo

P D F in terativo,
m
e li v ro d igital é u t ip ográfica
Ess m íl ia
p o s t o c om a fa o 9 6 0 x 600 px,
com at
u m W e b , no form e iro de 202
2.
Titilli ,e m ja n
a r a a E d itora UFS
p

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