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Apostila elaborada pela profª. Vanessa Tozetto em 2006 como material didático de apoio à disciplina Técnica Geral da
Dança e revisada em maio de 2022.
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Uma fenomenotécnica, diz o professor José Américo Motta Pessanha, “[...] é mais que desocultação realizada por um
olhar fenomenológico atentíssimo: porque tecné [sic], é também comprometimento do corpo com a concretude das
coisas, comprometimento da mão que, manipulando, responde às provocações do mundo”. (BACHELARD, 1985,
p.viii).
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É nesta maneira de ‘trabalhar’ o corpo que se funda a gênese do movimento na Dança, onde
a produção do corpo é um desvelar, uma descoberta, um ato criador por excelência. Ainda
que o movimento se particularize em diferentes formas corporais, o corpo como um corpo-
que-pode-ser, não fica restrito àquela situação, mas continua com sua capacidade de
metamorfosear-se em outras maneiras. (LIMA, 2004, p.47).
1. Movimento
A) Estados do movimento
Potencial: estado do movimento iminente, da energia que pulsa e flui no tempo, do corpo
dilatado e presente. Podemos identificar o movimento no estado potencial como “[...] o
movimento do homem imóvel que reside na imensidão” (BACHELARD, 2005, p.190).
Liberado: estado do movimento em que as ações físicas se realizam no espaço através
da mobilização de segmentos, articulações e/ ou do corpo global.
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Cf.: AGAMBEN, Giorgio. Notas sobre o gesto. In: Artefilosofia. Revista de Estética e Filosofia da Arte do Programa
de Pós-graduação em Filosofia – UFOP. n.8. Ouro Preto, jan.2008. p.9-14. Disponível em
<http://www.anpof.org/portal/index.php/pt-BR/ppe/user-item/15648-artefilosofia/27690-notas-sobre-o-gesto>. Acesso
em 01/12/2020, 18h30.
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Para os fins do nosso estudo, serão considerados os seguintes segmentos: cabeça (associando movimentos da coluna
cervical, com a qual se articula), cintura escapular, coluna (em seus segmentos cervical, torácico e lombar), tronco
(englobando em único bloco a coluna, a cintura escapular e a cintura pélvica), cintura pélvica (associando movimentos
da coluna, com a qual se articulam), membros superiores (braço, antebraço, mão, dedos) e membros inferiores (coxa,
perna, pé, dedos).
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C) Combinações
Os movimentos básicos, tanto segmentares como do corpo global, podem ser realizados
de forma isolada ou combinados entre si de forma sucessiva (um após o outro) ou
simultânea (ao mesmo tempo).
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Para fins referenciais, o plano do corpo é definido pelos quadris. A escolha não é aleatória: na região da bacia localiza-
se o centro gravitacional do corpo.
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2. Espaço
A) Planos
Estruturas bidimensionais. Tomando o corpo como referência, temos:
→ Frontal: plano vertical definido pelo alinhamento das cristas ilíacas antero-superiores.
→ Sagital: plano vertical que atravessa o corpo permitindo distinguir lado esquerdo e
direito.
→ Horizontal ou Transverso: perpendicular aos anteriores, atravessa o corpo na altura
da bacia, dividindo-o em unidade superior e unidade inferior.
→ Intermediário ou Diagonal: surge pela variação de angulação dos planos anteriores.
B) Direções
Elementos unidimensionais, lineares, que se estabelecem como eixo de movimento:
C) Sentidos
São vetores que orientam o início e o fim do movimento: da esquerda para direita, da
direita para esquerda, de trás para frente, da frente para trás, de cima para baixo, de baixo
para cima, da diagonal baixa esquerda para a diagonal alta direita, da diagonal baixa direita
para a diagonal alta esquerda, da diagonal alta esquerda atrás para a diagonal baixa direita
à frente, etc.
D) Níveis
A noção de altura permite distinguir os diversos níveis de movimentação das partes e do
corpo como um todo que podemos distinguir como: baixo, intermediário baixo ou
diagonal baixa, médio, intermediário alto ou diagonal alta, alto.
E) Trajetórias
Dizem respeito ao traçado dos caminhos percorridos pelo corpo ou pelos segmentos no
deslocamento entre um ponto e outro. Podem ser bem definidas em termos precisos
(retilíneas, angulares, curvas/ sinuosas) ou aleatórias.
F) Amplitudes
A realização dos movimentos em menores ou maiores amplitudes e na variação entre elas
permite estabelecer noções de longe e perto, grande e pequeno, expansão e
recolhimento.
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G) Contatos e Apoios
O estudo dos contatos, assim como dos apoios, é mais comumente associado ao contexto
do parâmetro Espaço, por abordar relações que extrapolam a individualidade e vinculam
o corpo em suas relações com o outro e com o meio. Essa variante aborda as possibilidades
de contato das partes do corpo entre si, com o outro, com o meio externo. Embora o
emprego do verbete6 pressuponha mais frequentemente a tangência entre os corpos
envolvidos, também aqui devemos considerar as relações que podem ser estabelecidas
devido meramente à facticidade do campo. A diferença entre contatos e apoios reside na
aplicação do peso corporal, no segundo caso, gerando uma relação de suporte/ sustentação.
O apoio do corpo global sobre superfícies sólidas permite distinguir as bases de apoio:
H) Equilíbrio
Em repouso na posição anatômica, dizemos que o corpo se encontra verticalizado, apesar
da ligeira inclinação do seu eixo longitudinal para frente. Nessa condição, o centro de
massa do corpo está sobre a base, configurando uma situação de equilíbrio estático.
Também configura o equilíbrio estático qualquer configuração corporal em estado
potencial de movimento, para o que o peso precisa estar bem distribuído sobre o(s)
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“Contato ou contacto sm. 1. Estado ou situação dos corpos que se tocam. 2. Frequentação, relação”. (FERREIRA,
1977, p.123).
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3. Forma
A) Posições
As oito posições são definidas na base de pé pelo afastamento ou aproximação dos
membros inferiores nos diversos planos, podendo ser básicas (apoio bilateral) ou iniciais
(apoio unilateral) – neste último caso, a perna de apoio é identificada como perna de base;
a outra, a perna leve, pode manter contato ou não com o chão.
B) Linhas
Os conteúdos da Geometria Euclidiana aplicados ao estudo da forma tanto dos segmentos
quanto do corpo global permitem distinguir linhas em processos de formatividade e
reconfiguração dinâmica:
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→ Linhas curvas: são melhor visualizadas em partes mais segmentadas, como a coluna
ou os membros superiores. Visualmente, costumam transmitir suavidade,
continuidade, pela maneira como permitem a fluência das forças.
→ Angulares: são linhas quebradas, de leitura fragmentada.
→ Retas: formas longilíneas, direcionam o olhar frequentemente denotando força,
intensidade, velocidade.
C) Figuras
Dizem respeito às possibilidades de configuração do corpo no espaço, variando entre a
máxima contração no ponto e a expansão, quer seja do todo ou das partes, na
unidimensionalidade da linha, na bidimensionalidade do plano e na tridimensionalidade
volumétrica.
D) Ângulos
Os movimentos básicos de translação levam à alteração da angulação entre as partes. Estas
alterações, bem percebidas, alteram positivamente a composição formal e o trabalho
físico.
E) Simetrias e Assimetrias
Movimentos e formas em simetria evocam o sentido de equilíbrio, harmonia e proporção.
Em relação ao corpo humano a simetria se caracteriza pelo espelhamento das formas dos
segmentos em relação ao plano sagital, mas ela também pode ser verificada nas relações
de grupo. A assimetria é caracterizada pela ausência dessa correspondência.
F) Formas topológicas
Ao contrário da Geometria Euclidiana, o estudo da Topologia não privilegia critérios
quantitativos para definição das formas. Ao contrário, prevalece a observação dos
processos internos, dinâmicos, de formatividade e reconfiguração, em termos qualitativos.
Por esse motivo, muitas vezes esses processos são compreendidos como processos de
deformação.
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4. Dinâmica
Há uma pulsão interior, uma intensidade, uma motivação interna, vida manifesta que faz
brotar, a partir do corriqueiro, o extraordinário – e a experiência da dança se realiza quando as forças
irrompem, superando o habitual e fazendo emergir a criação do espaço amensurável dos fluxos e
intensidades. Este espaço é escrutinado no parâmetro Dinâmica, que concentra o estudo das forças:
intensidades, fluxos, influxos, variações, reverberações, peso.
A) Ligação do movimento
O princípio da ação corporal; ativação e manutenção consciente da energia que integra o
indivíduo em estado de arte, quer seja no movimento liberado ou em estado potencial.
B) Intensidade
Gradação da força aplicada ao movimento, variando do suave ao fortíssimo. Relacionada
ao tônus muscular.
C) Passagem da força
Relacionada ao fluxo do movimento, variando entre continuidade ou descontinuidade –
liberação ou retenção. Assim, a passagem da força de uma parte a outra ou de um
movimento a outro é contínua quando não há interrupção do fluxo. Quando ocorrem
pausas na movimentação a passagem da força é descontínua.
D) Entrada de força
Relacionada aos influxos de força que promovem alteração na condução do movimento.
Pode variar de um discreto salientar do movimento a provocação de impulsos e
acentuações, sendo o impulso um movimento livre, descontrolado, gerado por ligeira
descarga energética e o acento um movimento explosivo, forte e rápido, contido
imediatamente por uma forte contração muscular, mesmo que não seja pausado por
completo.
E) Peso
Mais do que um resultado quantitativo da relação entre massa corporal e força
gravitacional, o que em Física é determinado objetivamente, aqui surge relacionado à
atitude do sujeito, à sua disposição para dominar ou abandonar seu corpo, carreando a
idéia de leve ou pesado.
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F) Modos de execução
As combinações possíveis das variantes acima delimitam modos característicos de
execução do movimento, divididos em três grandes grupos:
G) Caráter
O estudo da Dinâmica contribui fortemente para a delimitação do caráter de uma obra:
dramático, jocoso, místico, romântico ou sensual. No entanto, não podemos perder de vista
que o caráter da obra é resultado de uma rede de operadores que inclui o estudo e a
aplicação dos agentes de variação dos demais parâmetros, bem como todos os outros
elementos constituintes do espetáculo. Assim, não há uma associação imediata e absoluta
entre uma qualidade dinâmica e um caráter específico.
5. Tempo
2000, p.17). Para o estudo desse parâmetro recorremos a elementos e conceitos provenientes da
linguagem musical:
A) Pulsos e compassos
Elementos basilares para a construção de uma relação com o tempo métrico. O pulso
indica a duração temporal tomada como unidade para a estruturação de células rítmicas e
os compassos podem ser pensados como cada uma das divisões de uma composição.
Assim, estruturas rítmicas coreográficas podem ser construídas a partir das noções de
pulso e compasso, assim como é feito com as composições musicais. É importante notar
que uma possível relação com a música nesse processo não é condicionante para a criação
gestual.
B) Andamento
Tem conotação de duração, permitindo a exploração das possibilidades de variação entre
o lentíssimo e o rapidíssimo.
C) Ritmo
Está relacionado à organização e, em relação à composição coreográfica, é determinado
pela distribuição de movimentos e pausas.
Referências bibliográficas:
JARMEY, Chris. O corpo em movimento: uma abordagem concisa. São Paulo: Manole, 2008.
LIMA, André Meyer Alves de. A poética da deformação na dança contemporânea. Rio de
Janeiro: Monteiro Diniz, 2004.