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Centro de Ciências da Saúde

Escola de Educação Física e Desportos


Departamento de Arte Corporal
Cursos de Graduação em Dança

Fundamentos da Dança e os Parâmetros do Corpo: princípios para o desenvolvimento da


técnica1

Dança – resultado da precisão da ciência, beleza da arte e filosofia da educação.


Helenita Sá Earp

Em 1939, a professora Helenita Sá Earp, inaugura, no âmbito universitário brasileiro, mais


precisamente na Escola de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
um espaço privilegiado para a Dança, dando início a uma pesquisa original, articulada em Arte,
Filosofia e Ciência, com o propósito de encontrar, para essa prática, fundamentos e princípios
condizentes com a abertura potencializadora do gesto criador, mantendo compromisso, desde seu
alicerce multidisciplinar, com a viabilização dos encontros, dos diálogos, da conectividade e dos
desdobramentos. Sua atitude constante de priorizar o olhar para cada corpo em seus vínculos bio-
sócio-culturais enquanto matriz originária do movimento poiético permitiu compreender que a
aplicação de tais princípios à estruturação das mais diversas técnicas e métodos poderia viabilizar a
ruptura com práticas limitadoras e o despertar da consciência profunda com a qual o profissional da
dança se faz capaz de atingir o âmago da atividade criadora, porque nela se manifesta. Articulando
conhecimentos de diversas áreas, suas investigações constituíram o então denominado Sistema
Universal de Dança [SUD], hoje conhecido como Fundamentos da Dança, buscando consolidar:
“[...] várias possíveis fenomenotécnicas necessárias à expressão da eclosão de cada fenômeno
corporal desejado. Eclosão reveladora do fluxo do ser que dança em constante interação entre o
imaginar, o conhecer e o executar”2 (LIMA, 2004, p.67).

1
Apostila elaborada pela profª. Vanessa Tozetto em 2006 como material didático de apoio à disciplina Técnica Geral da
Dança e revisada em maio de 2022.
2
Uma fenomenotécnica, diz o professor José Américo Motta Pessanha, “[...] é mais que desocultação realizada por um
olhar fenomenológico atentíssimo: porque tecné [sic], é também comprometimento do corpo com a concretude das
coisas, comprometimento da mão que, manipulando, responde às provocações do mundo”. (BACHELARD, 1985,
p.viii).
2

É nesta maneira de ‘trabalhar’ o corpo que se funda a gênese do movimento na Dança, onde
a produção do corpo é um desvelar, uma descoberta, um ato criador por excelência. Ainda
que o movimento se particularize em diferentes formas corporais, o corpo como um corpo-
que-pode-ser, não fica restrito àquela situação, mas continua com sua capacidade de
metamorfosear-se em outras maneiras. (LIMA, 2004, p.47).

Partindo do enunciado de interação harmônica entre todas as coisas, os Fundamentos da Dança


identificam elementos em cuja articulação contínua e fluida reside o fundamento do ato dançante.
Tais elementos permitem a orientação de estudos analíticos acerca do movimento e o estabelecimento
de focos para sínteses poéticas. Além disso, permitem colocar a diversidade corporal em relação,
promovendo a descoberta da corporeidade enquanto devir. Os Parâmetros do Corpo, como esses
elementos foram chamados, constituem delimitações didáticas que permitem identificar variantes,
aprofundar as pesquisas/ observações e, a partir daí, expandir as possibilidades, reinterpretando
limites como potencialidades para extrapolação. São eles: Movimento, Espaço, Forma, Dinâmica e
Tempo.

1. Movimento

Os estudos de anatomia são o ponto de partida, revelando possibilidades mecânico-motoras


que, extrapolando o mero virtuosismo técnico, devem se constituir como entrada para a descoberta
de um universo de infinitas e amplas dimensões, vertendo movimentos em gestos3. No estudo do
parâmetro Movimento destacam-se as seguintes variantes:

A) Estados do movimento
Potencial: estado do movimento iminente, da energia que pulsa e flui no tempo, do corpo
dilatado e presente. Podemos identificar o movimento no estado potencial como “[...] o
movimento do homem imóvel que reside na imensidão” (BACHELARD, 2005, p.190).
Liberado: estado do movimento em que as ações físicas se realizam no espaço através
da mobilização de segmentos, articulações e/ ou do corpo global.

3
Cf.: AGAMBEN, Giorgio. Notas sobre o gesto. In: Artefilosofia. Revista de Estética e Filosofia da Arte do Programa
de Pós-graduação em Filosofia – UFOP. n.8. Ouro Preto, jan.2008. p.9-14. Disponível em
<http://www.anpof.org/portal/index.php/pt-BR/ppe/user-item/15648-artefilosofia/27690-notas-sobre-o-gesto>. Acesso
em 01/12/2020, 18h30.
3

B) Movimentos básicos do corpo


No estado liberado, distinguimos os movimentos básicos do corpo, que podem ser
segmentares ou globais. Os movimentos segmentares englobam todas as possibilidades de
movimentos das partes4. Caracterizam-se por serem movimentos de rotação ou translação
e podem ganhar diferentes designações de acordo com as referências:

→ Rotação: deslocamento do segmento em torno de um eixo fixo que o atravessa


longitudinalmente.
→ Flexão: aproximação de dois segmentos articulados entre si, diminuindo a angulação
entre eles. Pode ser anterior (para frente), posterior (para trás) ou lateral (para os
lados).
→ Extensão: afastamento de dois segmentos articulados entre si, ampliando a
angulação entre eles. Pode também ser designar o retorno da flexão.
→ Adução: aproximação do segmento em direção à linha média do corpo, no plano
frontal.
→ Abdução: afastamento do segmento da linha média do corpo, no plano frontal.
→ Propulsão: deslizamento do segmento para frente.
→ Retropulsão: deslizamento do segmento para trás.
→ Lateralidade: deslizamento do segmento para os lados.
→ Circundução: movimento em que a extremidade proximal do segmento permanece
fixa enquanto a extremidade distal descreve uma trajetória circular.
→ Elevação e depressão (dos ombros): movimentos da cintura escapular, para cima e
para baixo, respectivamente, que combina a rotação das escápulas.
→ Protração e retração (dos ombros): movimentos da cintura escapular, para frente e
para trás, respectivamente, combinando abdução e adução de escápulas.
→ Supinação e pronação (dos antebraços): movimento gerado pela rotação do rádio
sobre a ulna, fazendo voltar as palmas das mãos lateralmente e medialmente,
respectivamente.

4
Para os fins do nosso estudo, serão considerados os seguintes segmentos: cabeça (associando movimentos da coluna
cervical, com a qual se articula), cintura escapular, coluna (em seus segmentos cervical, torácico e lombar), tronco
(englobando em único bloco a coluna, a cintura escapular e a cintura pélvica), cintura pélvica (associando movimentos
da coluna, com a qual se articulam), membros superiores (braço, antebraço, mão, dedos) e membros inferiores (coxa,
perna, pé, dedos).
4

→ Anteversão e retroversão (dos quadris): movimentos conhecidos também como


báscula. Consistem na inclinação da cintura pélvica para frente ou para trás,
respectivamente.
→ Inversão e eversão (dos pés): ambos são movimentos que envolvem as articulações
do tornozelo e do tarso, combinando simultaneamente adução, supinação e flexão
plantar, no primeiro caso, e abdução, pronação e flexão dorsal no segundo, voltando
a planta do pé interna ou externamente, respectivamente.
→ Oposição (do polegar): aproximação do polegar ao centro da palma da mão,
combinando simultaneamente os movimentos de flexão, rotação e adução.

Já os movimentos do corpo global são reunidos nas Famílias da Dança:

→ Voltas: grupo ao qual pertencem os movimentos do corpo em torno do seu eixo


longitudinal, levando à mudança da frente do corpo5 em relação ao espaço.
→ Transferências: grupo dos movimentos caracterizados pelo deslocamento do peso
corporal de um segmento a outro, modificando a base de apoio.
→ Locomoções: grupo dos movimentos caracterizadas pelo deslocamento do corpo de
um ponto a outro no espaço, realizado através de sucessivas transferências.
→ Saltos: caracterizam-se por movimentos que conduzem o corpo à momentânea perda
de contato com a base de apoio, realizados em três momentos: um impulso contra a
ação da gravidade, uma fase de sustentação e a queda, retornando ao apoio.
→ Quedas: movimentos em que, pelo abandono ou impulsionamento do corpo a favor
da atuação da gravidade, ocorre a transferência do apoio de uma base mais alta para
outra base mais baixa que a anterior.
→ Elevações: movimentos contrários às quedas, quando, por uma ação do corpo contra
a atuação da gravidade, ocorre a passagem de uma base de apoio mais baixa para
outra em nível mais alto que a anterior.

C) Combinações
Os movimentos básicos, tanto segmentares como do corpo global, podem ser realizados
de forma isolada ou combinados entre si de forma sucessiva (um após o outro) ou
simultânea (ao mesmo tempo).

5
Para fins referenciais, o plano do corpo é definido pelos quadris. A escolha não é aleatória: na região da bacia localiza-
se o centro gravitacional do corpo.
5

No ínterim da investigação com foco no parâmetro Movimento, devem ser desenvolvidas


noções em relação aos pontos fundamentais de execução do movimento e à integração corporal.

2. Espaço

A investigação do movimento em termos de espacialidade encontra bases nas geometrias e


também na Física Moderna, abrindo caminho para o entendimento do espaço não mais como algo
anterior, absoluto e imutável, mas como campo de interação em devir. Assim, é importante levar em
consideração também a realidade dos espaços psíquico-relacionais que se estabelecem na relação do
indivíduo consigo mesmo – o espaço interno, do movimento das ideias, das afecções, dos desejos –
e nas relações com o meio e com o outro – o espaço externo, no qual se pode distinguir a cinesfera,
espaço pessoal delimitado pelo alcance das partes do corpo. As relações corporais e motoras no
espaço externo podem ser analisadas a partir de variantes que também se constituem referências para
o trabalho físico e a criação coreográfica.

A) Planos
Estruturas bidimensionais. Tomando o corpo como referência, temos:

→ Frontal: plano vertical definido pelo alinhamento das cristas ilíacas antero-superiores.
→ Sagital: plano vertical que atravessa o corpo permitindo distinguir lado esquerdo e
direito.
→ Horizontal ou Transverso: perpendicular aos anteriores, atravessa o corpo na altura
da bacia, dividindo-o em unidade superior e unidade inferior.
→ Intermediário ou Diagonal: surge pela variação de angulação dos planos anteriores.

Plano frontal Plano sagital Plano horizontal


6

B) Direções
Elementos unidimensionais, lineares, que se estabelecem como eixo de movimento:

→ Látero-lateral: eixo definido pela interseção entre os planos frontal e horizontal,


alongando-se para um lado e para outro.
→ Ântero-posterior: eixo definido pela interseção entre os planos sagital e horizontal,
alongando-se para frente e para trás.
→ Crânio-caudal: eixo que atravessa o corpo longitudinalmente, prolongando-se para
cima e para baixo.
→ Intermediária ou Diagonal: eixo que estabelece com os demais uma angulação
diferente de 90º.

C) Sentidos
São vetores que orientam o início e o fim do movimento: da esquerda para direita, da
direita para esquerda, de trás para frente, da frente para trás, de cima para baixo, de baixo
para cima, da diagonal baixa esquerda para a diagonal alta direita, da diagonal baixa direita
para a diagonal alta esquerda, da diagonal alta esquerda atrás para a diagonal baixa direita
à frente, etc.

D) Níveis
A noção de altura permite distinguir os diversos níveis de movimentação das partes e do
corpo como um todo que podemos distinguir como: baixo, intermediário baixo ou
diagonal baixa, médio, intermediário alto ou diagonal alta, alto.

E) Trajetórias
Dizem respeito ao traçado dos caminhos percorridos pelo corpo ou pelos segmentos no
deslocamento entre um ponto e outro. Podem ser bem definidas em termos precisos
(retilíneas, angulares, curvas/ sinuosas) ou aleatórias.

F) Amplitudes
A realização dos movimentos em menores ou maiores amplitudes e na variação entre elas
permite estabelecer noções de longe e perto, grande e pequeno, expansão e
recolhimento.
7

G) Contatos e Apoios
O estudo dos contatos, assim como dos apoios, é mais comumente associado ao contexto
do parâmetro Espaço, por abordar relações que extrapolam a individualidade e vinculam
o corpo em suas relações com o outro e com o meio. Essa variante aborda as possibilidades
de contato das partes do corpo entre si, com o outro, com o meio externo. Embora o
emprego do verbete6 pressuponha mais frequentemente a tangência entre os corpos
envolvidos, também aqui devemos considerar as relações que podem ser estabelecidas
devido meramente à facticidade do campo. A diferença entre contatos e apoios reside na
aplicação do peso corporal, no segundo caso, gerando uma relação de suporte/ sustentação.
O apoio do corpo global sobre superfícies sólidas permite distinguir as bases de apoio:

→ Base de pé: peso do corpo distribuído bilateralmente (posição básica) ou


unilateralmente (posição inicial).
→ Base de joelhos: apoio dos joelhos.
→ Base sentada: apoio dos quadris.
→ Base deitada: peso do corpo distribuído sobre o tronco, nos decúbitos dorsal, ventral
ou lateral.
→ Base invertida: apoio da unidade superior do corpo (parte superior do tronco, cabeça,
membros superiores, cintura escapular), invertendo o corpo no eixo vertical.
→ Base de mãos: apoio das mãos (sem inversão do corpo no eixo vertical).
→ Base suspensa: suspensão do corpo por ponto de contato localizado acima do mesmo
(uma corda, por exemplo).
→ Base combinada: quando o apoio se distribui por duas ou mais partes diferentes,
surgem bases combinadas: de joelho(s) e mão(s), de mão(s) e pé(s), de joelho, mão(s)
e pé, de quadris e pé(s), de quadris e mão(s), etc.

H) Equilíbrio
Em repouso na posição anatômica, dizemos que o corpo se encontra verticalizado, apesar
da ligeira inclinação do seu eixo longitudinal para frente. Nessa condição, o centro de
massa do corpo está sobre a base, configurando uma situação de equilíbrio estático.
Também configura o equilíbrio estático qualquer configuração corporal em estado
potencial de movimento, para o que o peso precisa estar bem distribuído sobre o(s)

6
“Contato ou contacto sm. 1. Estado ou situação dos corpos que se tocam. 2. Frequentação, relação”. (FERREIRA,
1977, p.123).
8

apoio(s). Em movimento, uma série de alterações posturais, isto é, as reiteradas


reconfigurações entre eixo corporal, centro de massa e base de apoio colocam o corpo em
situação de equilíbrio dinâmico.

3. Forma

“Forma é organização. É a particularização de uma estrutura” (EARP, A.C. apud GUALTER;


PEREIRA, 2000, p.14). Visualmente, são evocados os aspectos geométricos e topológicos a partir
dos quais torna-se um elemento carreador de subjetividade pelos sentidos que aquiesce, pela força
expressiva que detém.

A) Posições
As oito posições são definidas na base de pé pelo afastamento ou aproximação dos
membros inferiores nos diversos planos, podendo ser básicas (apoio bilateral) ou iniciais
(apoio unilateral) – neste último caso, a perna de apoio é identificada como perna de base;
a outra, a perna leve, pode manter contato ou não com o chão.

→ Primeira posição: membros unidos.


→ Segunda posição: afastamento dos membros no plano frontal.
→ Terceira posição: aproximação dos membros, com contato de uns dos pés na metade
da extensão do outro.
→ Quarta posição: afastamento dos membros no plano sagital.
→ Quinta posição: aproximação dos membros, com contato de um dos calcanhares
com os dedos do outro pé.
→ Sexta posição: aproximação dos membros em plano intermediário cruzado.
→ Sétima posição: afastamento dos membros em plano intermediário aberto.
→ Oitava posição: afastamento dos membros em plano intermediário cruzado.

B) Linhas
Os conteúdos da Geometria Euclidiana aplicados ao estudo da forma tanto dos segmentos
quanto do corpo global permitem distinguir linhas em processos de formatividade e
reconfiguração dinâmica:
9

→ Linhas curvas: são melhor visualizadas em partes mais segmentadas, como a coluna
ou os membros superiores. Visualmente, costumam transmitir suavidade,
continuidade, pela maneira como permitem a fluência das forças.
→ Angulares: são linhas quebradas, de leitura fragmentada.
→ Retas: formas longilíneas, direcionam o olhar frequentemente denotando força,
intensidade, velocidade.

C) Figuras
Dizem respeito às possibilidades de configuração do corpo no espaço, variando entre a
máxima contração no ponto e a expansão, quer seja do todo ou das partes, na
unidimensionalidade da linha, na bidimensionalidade do plano e na tridimensionalidade
volumétrica.

D) Ângulos
Os movimentos básicos de translação levam à alteração da angulação entre as partes. Estas
alterações, bem percebidas, alteram positivamente a composição formal e o trabalho
físico.

E) Simetrias e Assimetrias
Movimentos e formas em simetria evocam o sentido de equilíbrio, harmonia e proporção.
Em relação ao corpo humano a simetria se caracteriza pelo espelhamento das formas dos
segmentos em relação ao plano sagital, mas ela também pode ser verificada nas relações
de grupo. A assimetria é caracterizada pela ausência dessa correspondência.

F) Formas topológicas
Ao contrário da Geometria Euclidiana, o estudo da Topologia não privilegia critérios
quantitativos para definição das formas. Ao contrário, prevalece a observação dos
processos internos, dinâmicos, de formatividade e reconfiguração, em termos qualitativos.
Por esse motivo, muitas vezes esses processos são compreendidos como processos de
deformação.
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4. Dinâmica

Há uma pulsão interior, uma intensidade, uma motivação interna, vida manifesta que faz
brotar, a partir do corriqueiro, o extraordinário – e a experiência da dança se realiza quando as forças
irrompem, superando o habitual e fazendo emergir a criação do espaço amensurável dos fluxos e
intensidades. Este espaço é escrutinado no parâmetro Dinâmica, que concentra o estudo das forças:
intensidades, fluxos, influxos, variações, reverberações, peso.

A) Ligação do movimento
O princípio da ação corporal; ativação e manutenção consciente da energia que integra o
indivíduo em estado de arte, quer seja no movimento liberado ou em estado potencial.

B) Intensidade
Gradação da força aplicada ao movimento, variando do suave ao fortíssimo. Relacionada
ao tônus muscular.

C) Passagem da força
Relacionada ao fluxo do movimento, variando entre continuidade ou descontinuidade –
liberação ou retenção. Assim, a passagem da força de uma parte a outra ou de um
movimento a outro é contínua quando não há interrupção do fluxo. Quando ocorrem
pausas na movimentação a passagem da força é descontínua.

D) Entrada de força
Relacionada aos influxos de força que promovem alteração na condução do movimento.
Pode variar de um discreto salientar do movimento a provocação de impulsos e
acentuações, sendo o impulso um movimento livre, descontrolado, gerado por ligeira
descarga energética e o acento um movimento explosivo, forte e rápido, contido
imediatamente por uma forte contração muscular, mesmo que não seja pausado por
completo.

E) Peso
Mais do que um resultado quantitativo da relação entre massa corporal e força
gravitacional, o que em Física é determinado objetivamente, aqui surge relacionado à
atitude do sujeito, à sua disposição para dominar ou abandonar seu corpo, carreando a
idéia de leve ou pesado.
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F) Modos de execução
As combinações possíveis das variantes acima delimitam modos característicos de
execução do movimento, divididos em três grandes grupos:

→ Modos conduzidos: são caracterizados pelo controle do fluxo do movimento, sem


variações bruscas, e divididos em modo conduzido propriamente dito, modo
ondulante, quando a passagem contínua da força de um segmento a outro adjacente
provoca sucessivas contrações e relaxamentos, propagando-se através de ondulações,
e modo pendular. Sobre esse último, é importante ter em conta que, apesar do nome,
trata-se de um modo conduzido de movimento realizado em trajetória pendular.
→ Modos impulsionados: são caracterizados por um grande influxo de força
ocasionando movimentos lançados, balanceados ou percutidos. O movimento
lançado se caracteriza como um movimento explosivo (forte e rápido) iniciado por
um impulso. O movimento balanceado apresenta três fases: um impulso inicial, o
abandono do segmento à atuação da gravidade e um novo impulso em sentido
contrário a partir do qual o ciclo se reinicia. O movimento percutido, sendo também
um movimento explosivo gerado por um grande influxo de forças, é acentuado, isto
é, interrompido prontamente por uma intensa contração muscular que implica
necessariamente em sua imediata potencialização.
→ Modo vibratório: caracteriza um tipo de movimento produzido por intensa
contração muscular em isometria, isto é, a partir do estado potencial.

G) Caráter
O estudo da Dinâmica contribui fortemente para a delimitação do caráter de uma obra:
dramático, jocoso, místico, romântico ou sensual. No entanto, não podemos perder de vista
que o caráter da obra é resultado de uma rede de operadores que inclui o estudo e a
aplicação dos agentes de variação dos demais parâmetros, bem como todos os outros
elementos constituintes do espetáculo. Assim, não há uma associação imediata e absoluta
entre uma qualidade dinâmica e um caráter específico.

5. Tempo

Acelerações, desacelerações e pausas dinamizam o movimento em “[...] uma relação entre o


silêncio e a existência, permanência e impermanência” (EARP, A.C. apud GUALTER; PEREIRA,
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2000, p.17). Para o estudo desse parâmetro recorremos a elementos e conceitos provenientes da
linguagem musical:

A) Pulsos e compassos
Elementos basilares para a construção de uma relação com o tempo métrico. O pulso
indica a duração temporal tomada como unidade para a estruturação de células rítmicas e
os compassos podem ser pensados como cada uma das divisões de uma composição.
Assim, estruturas rítmicas coreográficas podem ser construídas a partir das noções de
pulso e compasso, assim como é feito com as composições musicais. É importante notar
que uma possível relação com a música nesse processo não é condicionante para a criação
gestual.

B) Andamento
Tem conotação de duração, permitindo a exploração das possibilidades de variação entre
o lentíssimo e o rapidíssimo.

C) Ritmo
Está relacionado à organização e, em relação à composição coreográfica, é determinado
pela distribuição de movimentos e pausas.

A técnica da dança é aprimorada pelo mergulho profundo na corporeidade. Cada indivíduo é


convidado, pelos Fundamentos da Dança, a uma atitude analítico-sintética e, consciente do potencial
criativo da corporeidade e comprometido com a perpetuação da intuição na criação, a espontaneidade
se desvelará no devir.

Na técnica reside a qualidade do movimento, seja ele simples ou complexo. A técnica e a


criatividade se complementam e devem inter-atuar constantemente no desenvolvimento da
dança. [...] Um corpo qualificado deve estar apto a atender o maior número de solicitações
possíveis. Um corpo não deve ser excluído por suas limitações, porém ampliado por suas
potencialidades. Á qualidade técnica atribui-se a inteireza na ação. (EARP, A. C. apud
GUALTER;PEREIRA, 2000, p.11).
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Referências bibliográficas:

BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. São Paulo: DIFEL, 1985.

______. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

CALAIS-GERMAN, Blandine. Anatomia para o movimento: introdução à análise das técnicas


corporais. 4 ed. São Paulo: Manole, 2010.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:


Editora Nova Fronteira, 1977.

GUALTER, Katya; PEREIRA, Patrícia. Apostila da disciplina Fundamentos da Dança. UFRJ,


2000.

JARMEY, Chris. O corpo em movimento: uma abordagem concisa. São Paulo: Manole, 2008.

LIMA, André Meyer Alves de. A poética da deformação na dança contemporânea. Rio de
Janeiro: Monteiro Diniz, 2004.

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