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Resumo:

A criação de um objeto científico construído por um referencial teórico que molda a visão da
Sociologia como ciência e que se traduz em um problema sociológico é uma das etapas vitais
do conhecimento sociológico. No entanto, tanto a literatura quanto nossa experiência no
ensino de Sociologia em programas que treinam futuros sociólogos, bem como em outros
programas de treinamento, demonstram que muitas vezes há alguma confusão e dificuldade
em distinguir problema sociológico de problema social. Nesta reflexão, que se baseia em um

Perspetiva de Portugal - onde os autores ensinam e desenvolvem investigação -,


necessariamente aberta ao debate tendo em conta todos os riscos que este tipo de análise
acarreta, pretendemos apresentar a nossa posição sobre o tema da relação entre problema
sociológico e problema social.

Palavras-chave Problema Sociológico, Problema Social, Sociologia, Objeto Científico, Objeto


Sociológico, Conhecimento Científico, Reflexividade o nosso posicionamento sobre um assunto
extremamente ambicioso e amplo, no qual abordamos questões relacionadas com a Sociologia
como conhecimento científico e a relação da Sociologia com outras ciências sociais. O artigo
termina com alguns insights sobre a importância da reflexividade, em vários níveis, na
formulação do problema sociológico e sua relação com o problema social.

Sociologia

Fazer pesquisa é, na verdade, criar ou confirmar conhecimento científico. O conhecimento


científico pode ser considerado um conjunto de conhecimentos verificados e verificáveis,
obtidos através de um processo sistemático e demonstrado de forma rigorosa e controlada.
Este rigor e controle devem estar presentes tanto no processo (na execução de uma pesquisa)
quanto no produto de uma pesquisa (no seu resultado final, como, por exemplo, um artigo,
um livro, um relatório ou uma apresentação, entre outros).

Esse conhecimento científico resulta de um processo de abstração e construção de um olhar


sobre a realidade. Esse procedimento acarreta uma rutura com o bom senso e a linguagem
cotidiana, ou seja, todo tipo de conhecimento não verificado nem verificável.

Introdução

A criação de um objeto científico construído por um referencial teórico que molda a visão da
Sociologia como ciência e que se traduz em um problema sociológico é uma das etapas vitais
do conhecimento sociológico. No entanto, tanto a literatura como a nossa experiência no
ensino de Sociologia em programas de formação de futuros sociólogos, bem como em outros
programas de formação, demonstram que muitas vezes existe alguma confusão e dificuldade
em distinguir problema sociológico de problema social. Este artigo tem como objetivo
apresentar algumas contribuições para o esclarecimento das diferenças e relações entre
problema social e problema sociológico.

Para cumprir este propósito, oferecemos um esclarecimento conciso sobre com pouco
raciocínio empírico e de natureza normativa, e que não pode ser comprovado, ao contrário do
conhecimento científico

Em seu olhar específico sobre a realidade, cada ciência usa um objeto de estudo, teorias,
métodos e um corpo de conhecimento: Sociologia e Antropologia
Cada campo científico propõe, assim, um conjunto articulado de questões - sua problemática
teórica - que demarca zonas de visibilidade. Essa problemática, ponto de partida, a cada
momento, da pesquisa que se realiza, define e acolhe problemas de pesquisa, para os quais se
buscam respostas. Os meios para obtê-los, por sua vez, residem em todo o conjunto de
disponibilidades conceituais substantivas - as teorias em sentido estrito - que a disciplina vem
forjando, bem como nos instrumentos técnicos de coleta e processamento da informação
organizada por métodos, como provisórios. Codificação dos caminhos críticos de pesquisa

Especificamente, dado que o mundo social é multidimensional e complexo - fenômeno social


total, as ciências sociais têm uma natureza complementar, e, a partir de um mesmo objeto ou
fenômeno real, cada ciência constrói diferentes objetos de análise de acordo com seus códigos
de leitura específicos já mencionados, por meio de uma seleção direcionada de sua postura,
que não é imune ao próprio contexto social

Isso também se aplica à Sociologia como ciência que estuda a (des) ordem do mundo social, e
que lida com as interações, o que resulta da interação e tem implicações nessa interação entre
os seres humanos, como objetos, práticas, representações e valores. Inserindo-os em seu
contexto social. Conforme sustentado por Pires, a previsibilidade social e a ordem são
fundamentais na vida social:

[...] quando se reconhece que existe algo que chamamos de sociedade, é porque se reconhece
que a vida social não é caótica, mas ordenada, que existem regularidades nos
comportamentos e interações observáveis, que as reações dos outros aos nossos os ações são,
em geral, previsíveis. Em outras palavras, reconhecemos a sociedade na ordem da vida
humana.

Estas expectativas partilhadas existem independentemente do nível de análise sociológica


(micro, meso ou macrossocial), graças ao processo de socialização que, através da
aprendizagem da cultura de um determinado meio social, traduziu nas formas de agir, pensar
e sentir, permite o alcance de expectativas comuns na vida social, mas sempre com alguma
autonomia relativa do indivíduo. A socialização é dinâmica, não determinística e nunca se
completa: “A pessoa se socializa ao mesmo tempo que se socializa, se constrói na medida em
que é construído pelos outros”

Apesar de ser uma ciência multiparadigmática, a Sociologia tem sempre uma dimensão
empírica na sua busca de explicar o social através do social.

Nessa busca de explicar o social por meio do social, a Sociologia emprega um conjunto de
conhecimentos sistematizados e acumulados; um conjunto de conceitos que definem partes
do real com base em critérios específicos de leitura (indicadores cuidadosamente selecionados
que avaliam certos aspetos do real, mas não sua totalidade); um conjunto de proposições que
relacionam logicamente os objetos analisados pelos cientistas na forma de corpos de hipóteses
teóricas (também chamadas de teorias) que explicam a realidade observada; e também um
conjunto de métodos de observação, análise e conceptualização que visa maximizar a
objetividade das suas afirmações e a verificação dos seus processos de produção de
evidências.

2.2. Problemas sociológicos

Conclui-se que a Sociologia não trata direta ou necessariamente os problemas sociais como
“vividos em sociedade”, não obstante a possibilidade de relações entre eles no contexto social,
mas sim problemas sociológicos que podem ser considerados como um “problema de
conhecimento sobre a sociedade ”. Ao contrário do problema social, muitas vezes definido "a
partir de uma visão parcial, que é influenciada em parte por sua posição social ”, sendo
necessário“ impor a existência da dificuldade como uma questão importante, que sempre
ultrapassa os limites do grupo afetada diretamente e legitimada, por meio de um processo de
formulação específico ”, a Sociologia constrói sua postura específica por meio do corpus de
conhecimento sociológico que“ corresponde a um conjunto de operações de tradução,
corresponde a dar visibilidade na disciplina. a certos problemas sociais, convertendo-os
também em problemas sociológicos ”. Segundo Santos o problema social, como discurso,
comporta as seguintes características que fragilizam a coerência da forma de enunciar o
problema social:

- A multiplicidade de formulações (os discursos são diferentes segundo os grupos, segundo os


indivíduos);

- A variabilidade dos enunciados de grupo para grupo, e mesmo no caso do mesmo grupo ou
indivíduo, segundo as circunstâncias, segundo os interlocutores, segundo o resultado a obter; -
A não sistematicidade, pelo menos se for entendida como o resultado de um processo de
sistematização deliberada a sociologia pode estudar pode ser um obstáculo. Isso pode ser
verdade, pois, em seu processo de pesquisa, a Sociologia pode acabar desmontando e
desmistificando os preconceitos cotidianos. Essa característica enfatiza a necessidade de
rutura, já referida, com ideias pré-concebidas de bom senso e familiaridade social, separando
as ideias pessoais da pesquisa empírica durante todo o processo de pesquisa. Esta é a ideia
modeladora de “O sociólogo como destruidor de mitos”, ao colocar em causa algumas das
ideias prevalecentes aceites na sociedade por via empírica instituído em todos os instrumentos
que participam da formação atual do mundo social. Um problema social não é apenas o
resultado do mau funcionamento da sociedade, mas pressupõe o reconhecimento e a
legitimação desse problema, o que implica grupos socialmente interessados em produzir uma
nova categoria de perceção de uma situação social para atuar sobre ela, mobilizando a
sociedade. Nesse processo, conforme destaca Ferreira, é muito relevante a consagração
estadual desses problemas sociais que exigem soluções coletivas. Essas soluções são
frequentemente desenvolvidas por especialistas. Mas para um "problema" assumir a forma de
um problema social, não basta encontrar agentes socialmente reconhecidos como
competentes para examinar sua natureza e propor soluções aceitáveis; será necessário impor
esse "problema" aos debates públicos e sua publicidade na esfera pública. Uma esfera pública
surge quando certas forças sociais, que pretendem influenciar as decisões de poder,
constituem um público que faz uso de sua razão para legitimar algumas de suas demandas. No
entanto, esta tarefa de separar os julgamentos de valor dos julgamentos empíricos (Weber)
“nunca será totalmente cumprida, na medida em que, dentro e fora de grupos de cientistas
especializados, sempre há aqueles que convertem teorias científicas em sistemas de crenças”.

A perceção de reflexividade do sociólogo, nos seus níveis individual, social e sociológico, é


relevante para ajudar a controlar este processo de formulação e estudo dos problemas
sociológicos de uma forma sociologicamente científica - rigorosa e controlada. Por um lado,
reflexividade individual:

[...] os agentes humanos são competentes para analisar os contextos em que atuam, são
competentes para monitorar, nesses contextos, suas ações e resultados resultantes, são
capazes de ajustar o comportamento em função desse monitoramento e são capazes de
alterar os contextos na sequência da análise e do monitoramento realizado. Por outro lado, a
reflexividade social, visto que as sociedades “são capazes de pensar sobre si mesmas e
aprender com suas experiências e com os conhecimentos que os especialistas produzem sobre
elas” . Dentre eles, está, em certa medida, a incorporação à sociedade dos resultados da
Sociologia, modificando-a. Por fim, a própria Sociologia como ciência reflexiva, que se
autoanalisa permanentemente nas suas várias dimensões, como a construção do problema,
metodologia, análise dos resultados obtidos e suas implicações, “examinando criticamente o
que faz (suas possibilidades, seus limites, seus procedimentos) para pesar as condições em que
o faz e os efeitos de sua atividade”. É, portanto, a reflexão teórica fundamentada, para a qual o
uso da imaginação sociológica é central, que possibilita a inevitabilidade da formulação de um
problema sociológico, por implicar sempre uma simplificação da complexidade da realidade
social. No entanto, é necessário ter em mente que os problemas sociológicos não têm
necessariamente que ser / originar-se de problemas sociais, mas as influências externas
sempre influenciaram a ciência:

Conforme resumido recentemente por Foster, Rzhetsky e Evans, muitos fatores foram
encontrados para influenciar a escolha de um cientista do problema de pesquisa: interesses e
treinamento anterior, encontros fortuitos, mas consequentes, com novos colaboradores,
especialização ou informação, contexto institucional ou cultura disciplinar; oportunidades
comerciais, pressões e políticas comerciais relacionadas podem alterar a composição da
pesquisa científica e as escolhas que a orientam.

Na formulação do problema sociológico, a familiaridade social (real ou aparente) com as


questões sociais que só pode cumprir esse objetivo por meio do estudo de partes selecionadas
pelos instrumentos que utiliza como forma específica de conhecimento científico, por meio da
formulação do problema sociológico. “Compreender um determinado problema científico
significa, portanto, antes de mais nada conhecer a dificuldade que a causa, e o contexto que é
interno (teórico, técnico) e externo (histórico, social) ao meio científico em que é produzido”.

Este estudo reconhece a importância de distinguir claramente o problema social do problema


sociológico na atividade científica, como dimensões distintas. No entanto, isso não é um
impedimento para que os resultados e conclusões obtidos por meio do conhecimento
sociológico sejam aplicados no esforço de resolver o que se pode considerar, na perceção de
alguns. Sociologia e Antropologia 6 (11): 840-844, 2018 843 indivíduos, como um problema
social. Portanto, o processo de produção de qualquer problema deve ser analisado
sociologicamente como um fenômeno social (análise dos interesses de todos os atores e
relações sociais que o processo implica), e como um fenômeno discursivo e conceitual. A
sociologia nos faz descobrir essa forma particular de interesse que é o desinteresse pelo
interesse.

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