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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS

EDITAL Nº 168, DE 1º DE SETEMBRO DE 2022

SELEÇÃO PÚBLICA PARA APOIO A PROJETOS DE EXTENSÃO

Artes de curar, rezar e brincar: saberes, tradições e suas resistências


ao apagamento no aglomerado Cabana do Pai
Tomás

Coordenação: Bráulio Silva Chaves (Departamento de Ciências


Sociais e Filosofia) e Cláudia Gomes
França (Departamento de Arte, Design e Tecnologia)

RESUMO:

Neste projeto, almeja-se elaborar​um mapeamento de saberes a partir de aspectos


históricos, culturais e políticos que implicam na permanência ou em tentativas de
apagamento de manifestações e tradições que envolvem práticas relacionadas à
medicina popular, à religiosidade e às brincadeiras da infância, no aglomerado
Cabana do Pai Tomás em Belo Horizonte/MG. São práticas que representam saberes
constituídos nas interações entre os sujeitos, compartilhadas por meio de
experiências que ocorrem na tensão entre a visibilidade e a invisibilidade. Territórios
como os aglomerados se caracterizam como espaços onde convivem tradições, ao
mesmo tempo em que são perpassados por processos contraditórios de segregação
e de apropriações com motivações distintas. Por outro lado, embora segregadas, as
práticas aqui destacadas se materializam como patrimônio material e imaterial, uma
vez que constituem representações, expressões, oralidades, conhecimentos e
técnicas que comunidades, grupos e sujeitos reconhecem como parte integrante do
seu território. O projeto está fundamentado, principalmente, no conceito de
epistemologias do sul, proposto pelo sociólogo português Boaventura Santos. Nesse
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sentido, consideramos importante perceber outros saberes, nas experiências que


contribuem para o alargamento dos horizontes das construções humanas. Articulado
também com ações de pesquisa, via aprovação de projeto no Edital 001/2021 -
FAPEMIG/Demanda Universal, o projeto pretende usar de metodologias
colaborativas “não extrativistas” de viés qualitativo. Os procedimentos se distribuem
em: (i) pesquisa documental; (ii) pesquisa territorial; (iii) entrevistas semiestruturadas
em consonância com a metodologia da história oral; (iv) análise das entrevistas; (v)
mapeamento e registro das práticas por meio de técnicas de cartografia social.
Espera-se como resultado a construção de um acervo de caráter aberto, de forma a
evidenciar sujeitos, rituais, expressões, elementos da cultura material e imaterial das
práticas pesquisadas nos territórios, usando de estratégias tecnológicas para seu
registro e visibilização.

Palavras-Chave: Medicina Popular, Congado, Brinquedos e Brincadeiras, Tradição,


Resistência.

Objetivo geral:

Elaborar mapeamento de saberes vinculados à medicina popular, às práticas


religiosas dos grupos de Congado e às experiências corpóreas, técnicas e de
interação social e a partir das brincadeiras da infância, forjadas nas práticas sociais
no aglomerado Cabana do Pai Tomás.

Objetivos específicos:

● Pesquisar sujeitos e práticas relacionadas à medicina popular, ao congado e


aos brinquedos e brincadeiras no aglomerado Cabana do Pai Tomás;
● Levantar, por meio dos sujeitos, motivações e posicionamentos que
representaram movimentos de resistência à manutenção de tais tradições;
● Mapear e coletar informações sobre mobilizações sociais que se relacionam
direta ou indiretamente com as manifestações nos territórios;
● Compreender como a história da segregação dos territórios frente ao processo
de urbanização e ocupação da cidade se relaciona com apagamento das
tradições e produções culturais dos moradores do território pesquisado;
● Abordar artes de curar na interface com práticas da medicina popular e na
utilização em quadros de sofrimento psíquico no território, percebendo-as na

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ótica da integralidade, humanização e complementaridade aos saberes


biomédicos;
● Abordar artes de rezar na interface com matrizes religiosas afro-brasileiras
correntes e questões relacionadas ao racismo social e ambiental no Brasil;
● Abordar artes de brincar na interface com os processos de urbanização e
verticalização das favelas e apropriação de dispositivos e tecnologias.

Justificativa:

O projeto “Artes de curar, rezar e brincar: saberes, tradições e resistências ao


apagamento no aglomerado Cabana do Pai Tomás” é fruto dos oito anos de atuação
do Programa de Extensão SoFiA (http://sofia.cefetmg.br​/ ).

A presente proposta também dá continuidade à aprovação no Edital nº 107, de


17/09/2021, Seleção Pública para Apoio a Projetos de Extensão da
DEDC/CEFET-MG. Em 2021, o projeto também foi aprovado no Edital 001/2021 -
FAPEMIG/Demanda Universal, outra contribuição importante, com uma bolsa de
apoio técnico e recursos de fomento que foram implementados em 2022. Assim, a
presente proposta está atualizada com tais elementos e se justifica também pela
possibilidade de bolsistas que contribuirão para a montagem da equipe
interdisciplinar, bem como de recursos fundamentais.

Ainda em 2021, foi aprovada uma iniciação científica derivada desse projeto, no
edital DPPG Nº 113/2021 - PIBIC, do CEFET-MG. O projeto desenvolvido se chama
“A QUÍMICA EM DIÁLOGO COM OS SABERES POPULARES: análise das plantas
medicinais utilizadas em quadros de sofrimento psíquico em territórios periféricos de
Belo Horizonte”. O projeto objetiva estudar os metabólitos bioativos das plantas
medicinais, cultivadas em territórios periféricos da cidade de Belo Horizonte, que são
utilizadas como recurso terapêutico e complementar na compreensão dos quadros de
sofrimento psíquico, ressaltando o papel dos patrimônios bioculturais desses
espaços. Esse trabalho se desenvolveu em 2022 em parceria com a professora Dra.
Tânia Maria de Almeida Alves, líder do grupo de pesquisa de Química de Produtos
Naturais do Instituto René Rachou (Fiocruz Minas).

Ao longo de 2022, foi possível dar continuidade aos processos de mapeamento e


coleta de fontes documentais. Também foi realizado o mapeamento de sujeitos

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referentes aos três eixos de atuação. Porém, dada a dificuldade de estabelecimento


de conexões com o território do aglomerado da Serra, por causa de sua extensão e
complexidade, decidiu-se pelo foco no aglomerado Cabana. Em 2022, foi realizado o
Encontro de Artes e Saberes da Cabana, no dia 27/08/2022. O evento foi
amplamente divulgado na comunidade e contou com o apoio da Igreja São Geraldo,
que cedeu o espaço. O Encontro foi o ponto alto do projeto no ano de 2022, pois foi
fundamental para sua apresentação a um público amplo da comunidade e
estabeleceu a possibilidade de expandir as redes de contatos com sujeitos
portadores dos saberes de curar, rezar e brincar na Cabana do Pai Tomás. Isso abriu
novos desafios e oportunidades para o projeto.

Nesse sentido, os próximos passos de execução da proposta em 2023 consistem: na


continuidade da realização das entrevistas, após a devida aprovação do projeto no
Comitê de Ética (atualmente está em tramitação); nas oficinas/ateliês com os sujeitos
envolvidos com as Artes de Brincar; na cartografia social das guardas de congado da
Cabana; na realização do documentário (curta-metragem) sobre a Guarda de Congo
de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, que completa 30 anos em 2023; na
continuidade do projeto de estudo químico das plantas medicinais, mencionado
anteriormente.

Como um desdobramento do programa SoFiA, o projeto está inserido no conjunto de


ações em desenvolvimento - como eventos, cursos, parcerias, aprovação em editais
de financiamento regionais e nacionais. Ao longo desse período, o SoFiA se colocou
na perspectiva de ultrapassar os muros institucionais, por meio de frentes de trabalho
que pudessem consolidar a conexão Cabana-CEFETMG. Diversos atores sociais
estiveram presentes nessa história, muitos deles vinculados às manifestações
culturais, religiosas, artísticas, políticas, movimentos sociais em defesa dos direitos
das comunidades, mulheres, nas mobilizações antirracistas, dentre outras. “Artes de
curar, rezar e brincar”, nesse sentido, se justifica como um processo de
sistematização de diversos diálogos estabelecidos pelo SoFiA, uma oportunidade
singular de que tais sujeitos possam reverberar em registros e em estratégias
comunicacionais seus fazeres, saberes, suas histórias de ancestralidade e de defesa
das raízes culturais que compõem os territórios.

Tais práticas sociais foram lugar de força para o SoFiA. Assim, o projeto também
emerge das demandas trazidas pelas comunidades. Congadeiras e congadeiros,
rezadeiras, benzedeiras, raizeiras e raizeiros, artistas diversos, articuladores culturais
constituíram uma rede de contatos que reiterou, ao longo do tempo, um problema

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incômodo: as dificuldades de existir, perpetuar suas práticas e se visibilizar dentro e


fora das comunidades. Desse problema, nasce um desafio que perseguiu o SoFiA
em suas ações pelas comunidades: a necessidade de colocar ciência, tecnologia e a
engrenagem institucional a serviço da preservação de práticas que contribuem na
definição de tais territórios e enfrentam cotidianamente a iminência do apagamento.

Por outro lado, a proposta também se justifica dentro de um conjunto de perspectivas


que ganharam força nos últimos anos, a partir dos trabalhos do sociólogo português
Boaventura de Sousa Santos, de reposicionamento do sul em relação à modernidade
constituída em bases eurocêntricas: em lugar do apagamento e do “epistemicídio” de
saberes, que sejam resgatadas e construídas outras epistemologias,
contingenciadas, socialmente comprometidas, direcionadas à emancipação humana.

Por último, o projeto também se justifica por sua afinidade com o Plano de
Desenvolvimento Institucional do CEFET-MG, em sua função social de formar
cidadãos críticos, solidários, comprometidos com os problemas sociais, bem como
com a “participação no desenvolvimento científico, tecnológico, socioeconômico e
cultural, inclusivo, sustentável e ambientalmente responsável” e, sobretudo, em
atividades de extensão que se pautem também na “disseminação da cultura” e da
“integração escola-comunidade e a construção cultura” (CEFET-MG, 2020).

Fundamentação Teórica:

O arcabouço teórico do projeto está no trânsito de campos de conhecimentos, como


a saúde coletiva, as ciências sociais, a chamada “economia ecológica”, tendo o
aporte das teorias pós-coloniais, decolonias, notadamente as chamadas
“epistemologias do sul” (SANTOS, MENESES, 2010; SANTOS, 2007, 2018).

A profusão de conceitos está longe de indicar ausência de parâmetros e rigor. Pelo


contrário, reverbera um esforço teórico e empírico de pelo menos vinte anos (de
forma mais sistemática) em tensionar visões fortificadas com a globalização, de uma
suposta rede global que obscurece padrões coloniais de tratamento, hierárquicos e
hegemônicos. Assim, diversos grupos emergem inclusive no velho continente na
busca de um diálogo que reposiciona os conhecimentos. Por outro, esses estudos
também foram o combustível de outros, que emergem no próprio sul e objetivam
(re)criar uma identidade epistêmica. Não por acaso, a influência de Paulo Freire
(1921-1997) é decisiva em Boaventura de Sousa Santos. Assim, terminologias como

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justiça cognitiva, epistemologias do Sul, junto com outras como ecologia de saberes,
tradução intercultural, sociologias das ausências e das emergências, dermarcam um
campo profícuo e conflituoso de experimentações teóricas que aceitam um desafio:
colocar às avessas nossa forma de pensar a ciência e a tecnologia na emergência da
modernidade, calcada em referenciais europeizantes da produção intelectual e da
cultura material.

No campo da saúde coletiva, Fasanello, Nunes e Porto (2018) fornecem importantes


caminhos, pois indicam que o trabalho exige um conjunto articulado em que a teoria
está em simbiose com as metodologias, tecendo um lugar em que saberes
anteriormente invisíveis emergem e operam no sentido da emancipação social.

Os saberes populares em saúde cumprem uma tarefa árdua de “transpor as barreiras


do saber médico”, que se impõe com tecnologias que seriam supostamente
universais, mas se orientam pela hipermedicalização, por diretrizes do complexo
industrial-farmacêutico, agências que pautam a dita saúde global condicionada por
interesses de determinados países, os mais ricos. Os saberes populares não
aparecem para abolir os acadêmicos, muito pelo contrário. Eles surgem para
reivindicar seu lugar de integração e complementaridade, em um projeto de
humanização da saúde, na inserção de sujeitos recorrentemente excluídos (PORTO,
2019; PORTO, MARTINS, 2019).

Das festas do congado emanam religiosidade e um quadro antropológico complexo


em que o catolicismo dialoga com religiões de matriz afro-brasileira. Os territórios do
projeto contam com guardas de Congado há pelo menos quarenta anos, que ainda
necessitam de estratégias de visibilidade e preservação. Com seus levantamentos de
bandeira, as guardas do Congado trazem não apenas uma experiência religiosa, mas
a corporeidade – na conexão entre corpo e sociedade –, uma performance que é
também estética, com a dança e as vestimentas. A religiosidade e as festas
populares do Congado são, assim, carregadas de muitos sentidos, tal como outras
manifestações da religiosidade popular (MELO, SANTOS, 2015; SANTOS, 2019).​

As brincadeiras incluem um vasto rol de narrativas, lembranças, elos com o território


– no passado e no presente. Elas compõem a memória afetiva e o lugar do espaço e
dos artefatos lúdicos, nas mediações dos seres humanos entre si e com a natureza.
As brincadeiras também podem, além desses sentidos nos territórios, agregar um

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arsenal interessante que indica tradições orais, experiências geracionais e mesmo


tecnologias forjadas nas ausências.

Não se trata de uma uma negação da ciência moderna, não há por trás das
“epistemologias do sul” um ímpeto passadista, de edulcoramento ingênuo e
autorreferenciado de si, muito menos uma negação da produção científica e
tecnológica que emerge com a modernidade, notadamente a partir dos séculos XVI e
XVII com a revolução científica. Não há nessa perspectiva teórica o desprezo por
artefatos, avanços, contribuições tecnocientíficas ao longo do tempo, mas a
compreensão de que a noção de progresso não é neutra, de que ele não se distribuiu
de forma igualitária no capitalismo, pelo contrário, exclui grupamentos, atua no
apagamento, na morte de saberes, tradições, práticas ancestrais, corrobora o
controle de corpos. A tecnologia, sobretudo aquela reconhecida pelo senso comum -
objetal -, vista hoje em nossas vidas na biomedicina, nanotecnologia, física espacial,
entre outros campos conhecidos pelo caráter hipertecnológico, não deve ser
rejeitada, pois ela é elemento fundamental de prolongamento da vida, do
melhoramento das relações humanas no mundo, entre os seres sociais e a natureza.
Porém, essa noção hipertecnológica caminhou pari​passu à destruição, ao colapso
ambiental, à desorganização societária de povos originários, à criação de
contradições insolúveis entre campo e cidade, corpo e espírito, trabalho e lucro.

O que se quer ressaltar, a partir de tais referenciais teóricos, é que um centro


tecnológico de história centenária, como o CEFET-MG, pode colocar sua produção,
muitas vezes regida por um cientificismo persistente, um fetichismo tecnológico
acrítico, a serviço de outras demandas sociais, para além daquelas que sejam
corporativas, do mercado, de demandas utilitárias e pragmáticas. Em um outro olhar,
pode posicionar a hipertecnologia, tecida diariamente em laboratórios, salas de aula,
em uma estrutura humana de discentes e servidores, também no lugar de
preservação de outras formas de concepção do conhecimento, estabelecendo elos
que não sejam de destituição. As tecnologias podem, mais que isso, contribuir de
forma decisiva com as experiências prévias em torno dos mapeamentos ou
cartografias de saberes (NASCIMENTO, 2018; OLIVEIRA, 2018; PORTO, 2017;
PORTO, MARTINS, 2019; ROCHA, PORTO, PACHECO, 2019; SOUSA, 2010) (Ver
também os sítios: https://encontrocartografiadesaberes.wordpress.com/programacao/
e http://www.museudofolclore.org/mapa-de-fazeres-e-saberes/)​.

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Como os diversos dispositivos tecnológicos poderiam reoperar na condição do


diálogo com os saberes populares e a ancestralidade? Como artefatos,
computadores, redes, sistemas... podem atuar na preservação material e imaterial de
saberes? Em que medida a educação profissional e tecnológica pode se colocar em
defesa das epistemologias do sul? Como esse diálogo subverte a lógica dos saberes
científicos e tecnológicos hegemônicos e nos ajuda a pensar em uma produção
contingenciada, em diálogo com as especificidades locais? Como os referenciais do
desenvolvimento científico e tecnológico podem também estar direcionados ao
encontro com os outros mais próximos de nós e mais distantes das métricas
produtivistas, dos critérios da propriedade privada do conhecimento, das patentes e
de uma lógica que faz da ciência e das tecnologias brasileiras a periferia e o sul
negligenciado no mundo?

Metodologia:

Nossa metodologia está baseada na pesquisa qualitativa, na composição de


metodologias colaborativas “não extrativistas”, pois elas reconhecem os
conhecimentos que são forjados no seio das lutas sociais, interagem com os saberes
dos sujeitos investigados, não os colocando na condição de objetificação: os sujeitos
são (e serão) coatores, “co-labor-adores” de tudo aquilo que é produzido nesta ação
de extensão popular (FASANELLO, NUNES, PORTO, 2018). Tais metodologias são
incrementadas por estratégias no campo comunicacional e na divulgação científica e
tecnológica, como forma de cumprir os objetivos propostos de preservar saberes
negligenciados, fortificando a resistência ao apagamento.

Assim, a metodologia está ancorada em um desafio epistemológico em que a ciência


e a tecnologia estão em diálogo com os saberes populares, tradicionais e ancestrais.

Para cumprir os objetivos, busca-se criar ferramentas de coleta, sistematização e


visibidade/acesso/publicização/preservação e registro de saberes oriundos das:
(1) artes de curar e artefatos – objetos, imagens, registros escritos, em áudio, vídeo –
coleta de história oral, vinculados aos saberes populares em saúde, como práticas de
benzeção, cultivo em quintais, plantas medicinais com raizeiras e raizeiros, parteiras,
alguns deles até incorporados nas práticas integrativas e na atenção primária no SUS
(Sistema Único de Saúde);
(2) artes de rezar vinculadas ao Congado, entendido como manifestação de lastro na
ancestralidade, no catolicismo, na cultura e nas religiões afro-brasileiras, e que se
constitui como experiência estética e corpórea – na música, na dança e nas

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vestimentas. Na Cabana do Pai Tomás existem 3 guardas de congado, porém, após


diálogos com os sujeitos, será realizado um documentário sobre a história da guarda
de Congo de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, pela realização dos 30
anos de existência, em 2023. Sobre as outras guardas, elas participarão do
mapeamento e cartografia social de saberes de rezar;
(3) nas artes de brincar materializadas em espaços infanto-juvenis nos territórios,
bem como em espaços não institucionalizados. A sistematização dos saberes
ocorrerá a partir da realização de “oficinas/ateliês das artes de Brincar” junto a
professores da educação básica (anos iniciais) da Escola Estadual Aarão Reis e da
Creche Crescer com Amor, que serão convidados a informar sobre a presença de
outros sujeitos envolvidos com essas artes, saberes e práticas.

A metodologia se pautará pela abordagem qualitativa e integrará uma série de


procedimentos que se distribuem em: (i) pesquisa documental; (ii) pesquisa territorial;
(iii) entrevistas semi estruturadas por meio de metodologias da história oral; (iv)
análise das entrevistas; (v) mapeamento das práticas de congado por meio de
técnicas de cartografia social (ACSELRAD, 2012); (v) elaboração colaborativa do
acervo virtual dos saberes e práticas de Curar, Rezar e Brincar. Para isso, serão
realizados(as):

● Pesquisa documental sobre práticas da medicina popular, práticas religiosas e


brinquedos e brincadeiras;
● Levantamento documental em acervos públicos sobre processos de formação
e ocupação dos territórios;
● Entrevistas semi-estruturadas com pessoas dentro da comunidade que
possuam envolvimento com as manifestações estudadas;
● Análise das entrevistas;
● Reconhecimento geográfico e reunião com os grupos envolvidos com o
Congado para construção da cartografia social;
● Elaboração de mapeamento em caráter aberto de forma a incorporar demais
práticas que surjam nas interações com o território.
● Registro audiovisual das conversas, encontros, reuniões e atividades culturais
dos sujeitos envolvidos nos saberes, para elaboração do acervo e
documentário.

Resultados esperados:

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● Mapeamento de artes de curar, rezar e brincar, bem como seus saberes,


rituais, expressões, elementos da cultura material e demais manifestações;
● Cartografia social das guardas de congado da Cabana do Pai Tomás;
● 2 oficinas/ateliês das artes de Brincar junto aos professores da Escola
Estadual Aarão Reis e Creche Crescer com Amor
● Acervo audiovisual de forma a documentar o material colhido para
compartilhamento;
● Organização do material colhido - fontes orais transcritas, registros visuais,
registos textuais para elaboração de publicação colaborativa nos suportes
papel e digital;
● Lançamento de bases para concepção futura de um Museu Virtual;
● Lançamento do documentário sobre os 30 anos da Guarda de Congo São
Benedito e Nossa Senhora do Rosário.

Propriedade Intelectual:

Todas as produções do projeto, incluindo sites, repositórios, publicações impressas,


estarão disponibilizadas de forma aberta e livre.

Não há, para o caso do projeto, previsão de registro de patentes.

As produções colaborativas com os sujeitos das comunidades serão visibilizadas em


formato de coautoria, visando garantir o seu lugar de importância na produção do
conhecimento e na sua circulação.

Parceiros:

Escola Estadual Aarão Reis;


Creche Crescer com Amor.

Referências:

ACSERLRAD, Henri (org.). Cartografia social e dinâmicas territoriais: marcos para


o debate – Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, 2010. 225 p.

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http://www.avaliacao.cefetmg.br/wp-content/uploads/sites/224/2019/06/2-PDI-PLAN
O-DE-DESENVOLVIMENTO-INSTITUCIONAL-Pol%C3%ADtica-Institucional-Volum
e-I-2016-2020.pdf,​acesso em 5 de dez. 2020.

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