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de filosofia
GyörgyLukács
EDITORA
Editora UFRJ
Copyright © 2007 by
Os direitos autorais sobre a organização e atradução desta obra foram cedidos gratuita-
Carlos Nelson Coutinho e José Paulo Netto à Editora UFRI
mente por
Ficha Catalográfica elaborada pela Divisão
de Processamento Técnico - SIBI/UFRJ
ISBN 978-85-7108-318-9
Revisão
Simone Brantes
Capa, Projeto Gráfico
Ana Carreiro
Editoração Eletrônica
Janise Duarte
Universidade Federal do
Forum de Ciência
Rio de Janeiro
e Cultura
Editora UFRJ
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José Bonifécio
VI. AS BASES
DO
PENSAMENTO EDA ONTOLÓGICAS
ATIVIDADE DO HOMEM
díssimo iniciador dessa corrente, como Sartre, para pelo menos aludir
aesta problemática e a essa orientação.
Reveladora éaqui a relação com o marxismo. Na história da
filosofia, como se sabe, raramente o marxismo foi entendido como
uma ontologia. Em troca, oque aqui nos propomos émostrar como o
elemento filosoficamente decisivo na ação de Marx consistiu em ter
esboçado os lineamentos de uma ontologia histórico-materialista,
superando teórica e praticamente o idealismo lógico-ontológico de
Hegel. Hegel abriucaminho neste terreno, na medida em que conce
beu a seu modo a ontologia como história; em contraste com a onto
logia religiosa, ade Hegel partia de "baixo", do aspecto mais simples, e
traçava uma história evolutiva necessária que chegava até o "alto até
as objetivações mais complexas da cultura humana. Naturalmente, o
acentorecaía sobre o ser social e seus produtos, assim como era carac
terístico de Hegelo fato de que o homem fosse visto como criador de
Si mesmo.
Aontologia marxiana se diferencia da de Hegel por afastar
todo elemento lógico-dedutivo e, no plano da evolução histórica, todo
elemento teleológico. Com esse ato materialista de colocar sobre os
próprios pés", nãopodia deixar dedesaparecer da série dos momentos
motores do processo também a síntese do elemento simples. Em
Marx,o ponto de partida nãoédado nem pelo átomo (como nos ve
Ihos materialistas), nem pelo simples ser abstrato (como em Hegel).
Aqui, no plano ontológico, não existe nada análogo. Todo existente
deve ser sempre objetivo, ou seja, deve ser sempre parte (movente e
movida) de um complexo concreto. Isso conduz, portanto, a duas
conseqúências fundamentais. Em primeiro lugar, o ser em seu con
junto évisto como um processo histórico;em segundo,as categorias
não são tidas como enunciados sobre algo que éou que se torna, mas
sim comoformas moventes e movidas daprópria matéria:"formas do
ser, determinações da existência"?'Essa posição radical - também na
medida em que é radicalmente diversa do velho materialismo foi
interpretada, de diferentes modos, segundo o velhoespírito; quando
isso aconteceu, teve-se a falsa idéia de que Marx subestimava a im
portância da consciência com relação ao ser material. Demonstra
remos em seguida, de modo concreto., que essa maneira de ver é
As BASES ONTOLÓGICAS 227
o exemplo da luz:
mente onovo no ser da nova formação. Tomemnos
puramente fisico
enquanto sobre as plantas ela ainda atua de modo
químico (mas, na verdade, dando lugar jáaquia efeitos vitais espe
cíficos), navisão dos animais superiores a luz desenvolve formas de
reação aoambiente que jásão especificamente biológicas. Do mesmo
modo, o processo de reprodução assume na natureza orgânica formas
cada vez maiscorrespondentes àsua própria essência, torna-se cada
vez mais nitidamente um ser sui generis, ainda que jamais possa ser
eliminado oseu enraizamento nas bases ontológicas originárias.
Mesmo sem ter aqui apossibilidade sequer de mencionar um tal
complexO problemático, gostaríamos, porém, de destacar que
desenvolvimento do processo de reprodução orgânica nosentido de
formas superiores, o seu tornar-se cada vez mais puro e expressa
mente biológico no sentido próprio do termo, forma também - com
aajuda das percepções sensíveis uma espécie de consciência, im
portante epifenômeno enquanto órgão superior do funcionamento
eficaz dessa reprodução.
Para que possa nascer o trabalho, enquanto base dinämico
estruturante de um novo tipode ser,éindispensável um determinado
grau de desenvolvimento doprocesso orgânicode reprodução. Tam
bém aqui teremos de deixar de lado os numerosos casos de capacida
de de trabalhar, que se conservam, porém, como pura capacidade;
tampouco podemos nos deter nas situações de beco sem saída, nas
quais surge não apenas um certo tipo de trabalho, mas inclusive a
conseqüência necessária do seu desenvolvimento, ou seja, a divisão
do trabalho (abelhas etc.).Contudo, em tais situações, essa diviso do
trabalho - enquanto se fixa como diferenciação biológica dos exem
plares da espécie - não consegue se tornar princípio de desenvolvi
mento ulterior no sentido de um ser de novo tipo, permanecendo, ao
contrário, comoum estágio estabilizado, ou seja, como um beco sem
saída no desenvolvimento.
A
esséncia do trabalho consiste precisamente em ir além dessa
estabilização dos seres vivos na competição biológica com seu meio
ambiente. O momentoessencial da separaçãoé constituído não pela
fabricação de produtos, mas pelo papel da consciència, a qual, pre
cisamente aqui, deixa de ser mero epifenômeno da reprodução bio
As BASES ONTOLÓGICAS 229
Notas
I Lukács cita
aqui uma presente na "Introdução" (1857)
(1 a Para a
expressa0
crítica da economia politica, em id., Manuscritos econômico-filosóficos e outros
As BASES ONTOLÓGICAS 245
textos escolhidos, São Paulo, Abril Cultural, col. "Os pensadores", v. 35,
1974, p. 127.
2A menção, aqui, éà célebre observação de Marx (0 capital, Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1998, livro 1, v. 1,p. 211-212), segundo a qual "o que
distingue o piorarquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua
construção da casa] antes de transformá-la em realidade"
Lukács parafraseia a seguinte observação de Marx: "¾necessário distinguir
sempre entre atransformação material das condições econômicas de pro
dução [...]eas formas jurídicas, políticas, religiosas,artísticas ou filosóficas,
em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência
deste conflito e o conduzem até o fim" ("Prefácio" [1859) a Para a crítica
da economia política, em id., Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos
escolhidos, cit., p. 136).
Areferência é àsexta tese sobre Feuerbach, onde Marx diz: "Por isso, [em
Feuerbach) a essência só pode ser captada como gênero, generalidade
interna, muda, que liga muitos homens de modo natural" (Teses contra
Feuerbach, em Manuscritos etc., cit., p. 58).
5"Com essa formação social [capitalista) se encerra a pré-história da humani
dade" (Marx, Prefácio" (1859), cit., p. 136).
"K. Marx, O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann, Rio de Janeiro, Paz eTerra,
1968, p. 17.
7"De fato, o reino da liberdade começa onde o trabalho deixa de ser deter
minado por necessidade e por utilidade exteriormente impostas. [Mas este
reino] sópode florescer tendocomo base o reino da necessidade" (K. Marx,
Ocapital, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1974, livro 3, v. 3, p. 942).
Ibid.