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Mestre, SEED/PR. rossano.sczip@escola.pr.gov.br.
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Doutor, IFPR – Campus Curitiba/PR. edilson.chaves@ifpr.edu.br
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de um nacionalismo patriótico, notadamente voltado a manutenção do poder político e
privilégios econômicos, ora vinculada a formação para o exercício da cidadania.
(BITTENCOURT, 1992; 2003).
A partir das reformas curriculares dos anos 1990, porém, Bittencourt (1992; 2003)
observou que a construção de uma identidade nacional passou a ser redefinida sob outros
parâmetros relacionados às mudanças sociais e econômicas em curso no país, à mundialização e
às transformações do papel e do poder do Estado na nova ordem econômica mundial. Nesse
contexto a relação nacional versus mundial foi submetida a uma lógica preocupada muito mais
em identificar o indivíduo como pertencente ao sistema capitalista globalizado.
Refletindo sobre a Identidade Nacional e Ensino de História do Brasil, Bittencourt (2009,
p. 155-156) argumenta que “na era da mundialização, da difusão do culto à globalização, o
nacionalismo aparece como um valor ultrapassado, e muitas vezes, limitador da modernização”.
Enquanto, por um lado, “modernização e tecnologia são facilmente associados ao mundo da
globalização” – como se o avanço tecnológico por si só representasse também progresso
social e como se a globalização e a mundialização abarcasse a todos no mesmo ritmo e
condições – por outro, “tudo o que se refere a nacionalismo é entendido como
representação do atraso”.
Nessa perspectiva, indagamos: em que medida o currículo prescrito pode
reproduzir os interesses socioeconômicos de determinados setores da sociedade. Da
mesma forma, questionamos em que sentido uma seleção de conteúdos que privilegie a
História do Brasil e problematize questões relacionadas à nação, nacionalismo e
identidade nacional, apresenta-se como um recorte temático válido? Se diante da
necessidade de consolidar uma identidade nacional o Estado convocou o ensino de
História à linha de frente, agora, na era da Globalização, qual é o sentido atribuído ao
nacional? É possível, ou ainda necessário, pensar um ensino de história que equalize a
seleção desigual de conteúdos entre história nacional e mundial, ou que, ao menos,
problematize a relação entre nações globalizadoras e globalizadas?
Nossa intenção não é reforçar ou reivindicar um ensino de história voltado para a
“genealogia da nação”, ao contrário, queremos questionar a BNCC de História (2017)
como currículo pré-ativo que parece relegar o papel do Estado nacional, justamente num
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contexto no qual o mesmo é apresentado pelos organismos internacionais, pelos aparelhos
privados de hegemonia e por forças políticas, como ineficiente para favorecer a lógica privatista
e individualista, na mesma proporção em que contestam a garantia dos direitos sociais. Nessa
esteira, indagamos qual é o papel do ensino de História? Acreditamos, como Bittencourt (2003,
p. 203) que o problema da identidade nacional não é uma questão arcaica ou superada e sem um
sentido intelectual. É nessa direção que também questionamos qual o papel desempenhado pelo
currículo escrito.
Laville (1999) afirma que a crença de que pela manipulação dos conteúdos curriculares
seria possível formar as consciências não passaria de “uma grande ilusão”, haja vista que a
narrativa histórica não é mais um monopólio da escola. De fato, a narrativa histórica não é
monopólio das aulas de História. Mas seria prudente considerar “uma grande ilusão” as disputas
em torno de qual História será ensinada? Por mais que o currículo esteja sujeito a processos de
recontextualização em sala de aula, seria prudente considerá-lo irrelevante, desdenhando as
disputas em torno da definição pré-ativa de currículo, como questiona Goodson (1997, p. 20),
sobretudo em um contexto de padronização curricular?
Assumimos o currículo prescrito como “o testemunho público e visível das
racionalidades escolhidas e da retórica legitimadora das práticas escolares”. Através dele se
“define as racionalidades e a retórica da disciplina”. (GOODSON, 2018, p. 41). Na mesma
direção, Apple (1982) argumenta que o currículo nunca é um mero agregado neutro de
conhecimentos que aparece de algum modo nos textos e aulas de uma nação. Ao contrário,
constitui-se como uma tradição seletiva, cujos conteúdos são selecionados por alguém e
representam alguma visão de grupo com respeito ao conhecimento que se considera legítimo.
Assim, “de todo o campo possível de passado e presente, escolhem-se como importantes
determinados significados e práticas, ao passo que outros são negligenciados e excluídos”.
(APPLE, 1982, p. 15-16).
O currículo escrito pode representar, também, “configurações ideológicas dos interesses
dominantes numa sociedade”, como sugere Apple. Nesse sentido, o autor sugere problematizar o
próprio conhecimento educacional, para dar mais atenção ao “conteúdo” do currículo, a fim de
indagar de onde provém e a quem pertence esse conhecimento e a que grupos sociais apoia.
(Idem, p. 27). Há que se considerar, ainda, o currículo com produtor de hegemonia, uma vez que
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reproduz ideias e valores da classe dominante, bem como a incontestabilidade do capital.
Defendemos, por esse modo, que a seleção operada pelos formuladores da BNCC aprovada em
2017 representa e apoia determinados interesses sociais em disputa na sociedade, e esse se
manifesta nos conteúdos de História listados no livro didático.
Considerações finais
Desde as reformas curriculares dos anos 1980 o ensino de História tem se debatido diante
da dicotomia entre o nacional e o mundial. A BNCC aprovada reforçou, uma vez mais, a
submissão da história nacional à história mundial, não apenas pela seleção executada, mas
também pelo apagamento da história da nação frente à globalização. A partir do formato da
redação das habilidades na BNCC depreendemos que os conteúdos elencados se configuram
como mínimos obrigatórios ao descrever quais temas devem ser estudados, terminando por
induzir a seleção de conteúdo do livro didático. Não há definição dos conceitos com os quais
aborda a relação Global versus Nacional. Ao mesmo tempo, pela seleção de conteúdo operada,
reproduz uma cultura histórica na qual a Nação imaginada como soberana aparece apenas nos
processos de Independência dos países das diferentes regiões ou na formação do Estado
Nacional.
Referências
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