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ENSINO DE HISTÓRIA E BNCC – ANÁLISE DA RELAÇÃO

DICOTÔMICA ENTRE O NACIONAL E O GLOBAL NO LIVRO


DIDÁTICO DE HISTÓRIA
SCZIP, Rossano Rafaelle1
CHAVES, Edison Aparecido2

Grupo de Reflexão Docente n. 17 – Livros, materiais didáticos e mídias educacionais de


História: perspectivas no ensino e na pesquisa.
Resumo:
O presente texto analisa a relação dicotômica entre a seleção de conteúdos que ora privilegia a História
Mundial ora a Nacional e como esse tema se apresentou na Base Nacional Comum Curricular para os
anos finais do Ensino Fundamental homologada em 2017. A partir das noções de Nação e Nacionalismo
(ANDERSON, 1989; HOBSBAWM, 2011) no contexto da Globalização (MÉSZÁROS, 2015),
analisamos sua incorporação no livro didático de História (BOULOS, 2015; 2018) para o 9º ano do
Ensino Fundamental. O objetivo é perceber como tais temas foram abordados no currículo prescrito e no
livro didático. O currículo é entendido como uma escolha seletiva, aparato ideológico e produtor de
hegemonia. (APPLE, 1982). O livro didático é percebido como uma mercadoria ligada ao mundo editorial
e à lógica da indústria cultural. (BITTENCOURT, 2009). Concluímos que a BNCC aprovada reforçou,
uma vez mais, a submissão da história nacional à história mundial. Quanto ao livro didático, o modelo de
globalização desenhado pelo autor aparece como inevitável e a nação está presa no passado como se não
fizesse parte do século XXI.

Palavras-chave: Ensino de História; Currículo; Base Nacional Comum Curricular; Nação e


Nacionalismo.

1. Currículo: “uma grande ilusão” ou produtor de hegemonia?


Ao longo de sua trajetória, a disciplina de História do Brasil esteve orientada ora à
consolidação do Estado Nação e a consequente formação de uma identidade nacional e difusão

1
Mestre, SEED/PR. rossano.sczip@escola.pr.gov.br.
2
Doutor, IFPR – Campus Curitiba/PR. edilson.chaves@ifpr.edu.br
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de um nacionalismo patriótico, notadamente voltado a manutenção do poder político e
privilégios econômicos, ora vinculada a formação para o exercício da cidadania.
(BITTENCOURT, 1992; 2003).
A partir das reformas curriculares dos anos 1990, porém, Bittencourt (1992; 2003)
observou que a construção de uma identidade nacional passou a ser redefinida sob outros
parâmetros relacionados às mudanças sociais e econômicas em curso no país, à mundialização e
às transformações do papel e do poder do Estado na nova ordem econômica mundial. Nesse
contexto a relação nacional versus mundial foi submetida a uma lógica preocupada muito mais
em identificar o indivíduo como pertencente ao sistema capitalista globalizado.
Refletindo sobre a Identidade Nacional e Ensino de História do Brasil, Bittencourt (2009,
p. 155-156) argumenta que “na era da mundialização, da difusão do culto à globalização, o
nacionalismo aparece como um valor ultrapassado, e muitas vezes, limitador da modernização”.
Enquanto, por um lado, “modernização e tecnologia são facilmente associados ao mundo da
globalização” – como se o avanço tecnológico por si só representasse também progresso
social e como se a globalização e a mundialização abarcasse a todos no mesmo ritmo e
condições – por outro, “tudo o que se refere a nacionalismo é entendido como
representação do atraso”.
Nessa perspectiva, indagamos: em que medida o currículo prescrito pode
reproduzir os interesses socioeconômicos de determinados setores da sociedade. Da
mesma forma, questionamos em que sentido uma seleção de conteúdos que privilegie a
História do Brasil e problematize questões relacionadas à nação, nacionalismo e
identidade nacional, apresenta-se como um recorte temático válido? Se diante da
necessidade de consolidar uma identidade nacional o Estado convocou o ensino de
História à linha de frente, agora, na era da Globalização, qual é o sentido atribuído ao
nacional? É possível, ou ainda necessário, pensar um ensino de história que equalize a
seleção desigual de conteúdos entre história nacional e mundial, ou que, ao menos,
problematize a relação entre nações globalizadoras e globalizadas?
Nossa intenção não é reforçar ou reivindicar um ensino de história voltado para a
“genealogia da nação”, ao contrário, queremos questionar a BNCC de História (2017)
como currículo pré-ativo que parece relegar o papel do Estado nacional, justamente num
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contexto no qual o mesmo é apresentado pelos organismos internacionais, pelos aparelhos
privados de hegemonia e por forças políticas, como ineficiente para favorecer a lógica privatista
e individualista, na mesma proporção em que contestam a garantia dos direitos sociais. Nessa
esteira, indagamos qual é o papel do ensino de História? Acreditamos, como Bittencourt (2003,
p. 203) que o problema da identidade nacional não é uma questão arcaica ou superada e sem um
sentido intelectual. É nessa direção que também questionamos qual o papel desempenhado pelo
currículo escrito.
Laville (1999) afirma que a crença de que pela manipulação dos conteúdos curriculares
seria possível formar as consciências não passaria de “uma grande ilusão”, haja vista que a
narrativa histórica não é mais um monopólio da escola. De fato, a narrativa histórica não é
monopólio das aulas de História. Mas seria prudente considerar “uma grande ilusão” as disputas
em torno de qual História será ensinada? Por mais que o currículo esteja sujeito a processos de
recontextualização em sala de aula, seria prudente considerá-lo irrelevante, desdenhando as
disputas em torno da definição pré-ativa de currículo, como questiona Goodson (1997, p. 20),
sobretudo em um contexto de padronização curricular?
Assumimos o currículo prescrito como “o testemunho público e visível das
racionalidades escolhidas e da retórica legitimadora das práticas escolares”. Através dele se
“define as racionalidades e a retórica da disciplina”. (GOODSON, 2018, p. 41). Na mesma
direção, Apple (1982) argumenta que o currículo nunca é um mero agregado neutro de
conhecimentos que aparece de algum modo nos textos e aulas de uma nação. Ao contrário,
constitui-se como uma tradição seletiva, cujos conteúdos são selecionados por alguém e
representam alguma visão de grupo com respeito ao conhecimento que se considera legítimo.
Assim, “de todo o campo possível de passado e presente, escolhem-se como importantes
determinados significados e práticas, ao passo que outros são negligenciados e excluídos”.
(APPLE, 1982, p. 15-16).
O currículo escrito pode representar, também, “configurações ideológicas dos interesses
dominantes numa sociedade”, como sugere Apple. Nesse sentido, o autor sugere problematizar o
próprio conhecimento educacional, para dar mais atenção ao “conteúdo” do currículo, a fim de
indagar de onde provém e a quem pertence esse conhecimento e a que grupos sociais apoia.
(Idem, p. 27). Há que se considerar, ainda, o currículo com produtor de hegemonia, uma vez que
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reproduz ideias e valores da classe dominante, bem como a incontestabilidade do capital.
Defendemos, por esse modo, que a seleção operada pelos formuladores da BNCC aprovada em
2017 representa e apoia determinados interesses sociais em disputa na sociedade, e esse se
manifesta nos conteúdos de História listados no livro didático.

2. Nação, Globalização e Ensino de História


Benedict Anderson reconhece que nação, nacionalidade e nacionalismo são
conceitos “difíceis de definir, quanto mais de analisar”. Não se furtando ao debate, no
entanto, propõem que a nação é “uma comunidade política imaginada”. É imaginada
como limitada, como soberana e como comunidade. A nação é imaginada como soberana
pois sonham em ser livres. “O penhor e o símbolo dessa liberdade é o Estado soberano”.
(ANDERSON, 1989, p. 13-16).
Hobsbawm propõe tratar a nação como “qualquer corpo de pessoas
suficientemente grande cujos membros consideram-se como membros de uma ‘nação’”.
(HOBSBAWM, 2011, p. 19). Refletindo, porém, sobre Nações e Nacionalismo no final
do século XX, Hobsbawm questiona se estes são termos adequados para descrever as
entidades políticas descritas como tais, bem como para analisar sentimentos que foram
descritos, uma vez, por essas palavras. O próprio autor argumenta que não, excluindo o
nacionalismo como o principal motor do desenvolvimento histórico na atualidade. (idem,
p. 186; 208). A Nação, por seu lado, vê cada vez mais restringida a possibilidade de
constituição de uma economia nacional circunscrita territorialmente. (Idem, p. 197).
Hobsbawm argumenta que as transformações na economia cada vez mais globalizada
com impactos na divisão internacional do trabalho e a redefinição do papel do Estado por
meio das redes de governança estão colocando em xeque o papel das economias
nacionais, substituídas que são por organismos internacionais – OI – como o Banco
Mundial ou o FMI –, ou mesmo por “associações ou federações maiores dos ‘Estados-
nações’”, tais como a Comunidade Econômica Europeia. (Idem, p. 198).
Se para Hobsbawm “Nação” e “nacionalismo” não são termos adequados para
descrever as entidades políticas descritas como tais, essa não parece ser a posição de
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Mészáros. O filósofo caracteriza a alegada redução do poder dos Estados-nações como um
grande exagero “alardeado por governos com o objetivo de justificar seus fracassos em promover
até mesmo as limitadíssimas reformas sociais solenemente prometidas por eles”. (MÉSZÁROS,
2015a). Tal situação pode ser verificada quando se analisa dois casos referentes à União
Europeia – EU ocorridos em 2015: a vitória do Syriza, por larga margem de votos, respaldando
sua tentativa de afirmar os interesses gregos contra o FMI e à UE; as ameaças do Partido
Conservador inglês em deixar a UE caso não houvesse mudanças no bloco que atendessem aos
interesses do país. Um plebiscito em 2016 decidiu que o país deixaria o bloco, fato ocorrido em
31 de janeiro de 2020.
As contradições entre blocos econômicos e entre estes e os estados nacionais representam
alguns dos exemplos de quão complexo é o debate sobre o papel dos estados nesse início de
século.
Para Mészáros, portanto, a realidade “não é a eliminação das aspirações dos Estados
nacionais”. Ao contrário, estaríamos presenciando, de acordo com o autor, o “superaquecimento
de um caldeirão de perigosos antagonismos e contradições em vários níveis, todos situados entre
os atuais Estados nacionais e aqueles que aspiram a tornar-se Estados nacionais”, envolvendo,
inclusive, “as estruturas criadas para solucionar os antagonismos interestatais como União
Europeia – que está muito longe de ser unificada”. (2015a). Ao mesmo tempo, com o
aprofundamento da crise estrutural do capital, o Estado passaria a ocupar, segundo Mészáros, um
espaço cada vez maior para cumprir a função de garantir as condições mais adequadas à
reprodução acumulativa e expansionista do sistema do capital. (2015b, p. 28-29).
Há, ainda, outro elemento que nos incita a abordar nação e nacionalismo como conceitos
válidos e, consequentemente, também como recortes temáticos pertinentes para o ensino de
História. Referimo-nos aqui a relação entre Estado nacional e cidadania. Assumimos, a partir das
contribuições de Botelho e Schwarcz (2012) que uma das condições para o exercício da
cidadania é a existência de um Estado independente que a reconheça como tal.
Tomando por análise a inserção do Brasil num mundo globalizado a partir de sua política
externa pós 1985, uma característica central parece apontar para um caminho de mão dupla. Por
um lado, o Brasil teria assumido os preceitos do mercado internacional impostos pelos OIs,
cedendo às exigências de maior competitividade, ajuste fiscal, cortes nos gasto públicos,
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privatização dos bens públicos e contrarreformas, notadamente do Sistema
Previdenciário. Por outro, pautou-se pela garantia do desenvolvimento, entendido como
sinônimo de bem-estar social e por uma maior integração sul-americana. (MARTINS,
2018, p. 408).
Do ponto de vista programático, a despeito das posturas ideológicas dos chefes de Estado
que passaram pela presidência, a atuação do Itamaraty pautou-se por uma “política de Estado”.
No longo prazo, as marcas da diplomacia brasileira, incluem a defesa constante da
autodeterminação dos povos, do princípio da não intervenção e da solução pacífica.
Dentre os vetores da política externa, o desenvolvimento, percebido como sinônimo de
bem-estar social, também se fez presente. (Idem, p. 407-408). Nesse quadro, é de
fundamental importância a derrota da Área de Livre Comércio das Américas, a ALCA,
proposta apresentada pelo presidente dos Estados Unidos, George Bush, em 1994. Sobre
a política externa brasileira destacamos ainda, com Araújo (2016), que o Brasil sempre
buscou sua autonomia, seja pela distância, mantida durante a fase desenvolvimentista
para garantir o desenvolvimento econômico, seja pela opção do governo de FHC em
participar dos espaços institucionais, ou pela diversificação como no governo Lula.
(ARAÚJO, 2016)
É preciso reconhecer, no entanto, que na era da mundialização do capital, o
Estado como garantidor de direitos está em crise. A ação dos organismos internacionais
(FMI – Banco Mundial) impondo suas diretrizes da política econômica aos Estados
Nacionais, sobretudo ao sul do Equador, levou a processos de liberalização e
internacionalização da economia, com submissão dos interesses nacionais aos interesses
das grandes corporações multinacionais e transnacionais e privatização das indústrias
estatais, acarretando num acentuado processo de reestruturação produtiva com elevação
das taxas de desemprego e da informalidade e também retirada de direitos. Esse processo
de desmonte de direitos ocorre ao mesmo tempo em que formar para o exercício da
cidadania parece se consolidar como uma das finalidades do Ensino de História. (SCZIP,
2020). Vejamos como nesse contexto Nação, Nacionalismo e Cidadania se constituíram
como finalidade do ensino de História no Brasil.
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2.1 Nação, Nacionalismo e Cidadania no Ensino de História no Brasil
Cidadania já figurava como finalidade do ensino de história desde sua
constituição como disciplina escolar, mas era uma cidadania submetida aos interesses do
Estado-nação em forjar uma identidade nacional patriótica, reprodutora do culto aos
“heróis nacionais” e das festas cívicas. (BITTENCOURT, 2009; 2003). Ainda no período
imperial, nos anos 1870, o ensino de História do Brasil, para as escolas primárias, estava
encarregado de “veicular uma ‘história nacional’”, voltada para a “constituição de uma
‘identidade nacional’”, assim como “uma formação moral e cívica”, sendo os conteúdos
“elaborados para construir uma ideia de nação associada à de pátria, integradas como eixos
indissolúveis”. (BITTENCOURT, 2009, p. 60-61).
A proclamação da República trouxe, de acordo com Nadai, a necessidade de consolidar
uma identidade nacional impondo aos currículos escolares “um passado único na constituição da
Nação” (NADAI, 2000, p. 24) no qual os diferentes grupos étnicos apresentavam-se de maneira
harmônica e não conflituosa para a formação da nacionalidade brasileira. Assim, negros
africanos e as populações indígenas eram abordados, de acordo com Nadai, como “cooperadores
da obra colonizadora/civilizatória conduzida pelo branco português/europeu e cristão”, negando,
desse modo, suas especificidades étnico-culturais. (Idem, p. 25). O objetivo do ensino de
História era a formação de uma identidade comum, “o cidadão nacional”. É nesse contexto que
se edifica a teoria da democracia racial. Nas escolas secundárias, por sua vez, a identidade
nacional era constituída, quase que exclusivamente, pela inserção do Brasil no mundo ocidental e
cristão. A identidade nacional se constituía pela apreensão de um Brasil pertencente ao mundo
civilizado europeu, de acordo com os valores racistas que colocam o branco como superior
conforme apresenta Bittencourt (2003, p. 194).
A partir da Reforma de Francisco Campos em 1931 a formação para o exercício da
cidadania foi reafirmada uma vez mais como finalidade da disciplina de História. Tratava-se, no
entanto, de uma cidadania exclusivamente politica, filiada a tradição liberal e voltada para a
consagração dos grupos sociais dirigentes que tinham acesso não só à escola, mas a vida política
do país. Os recentes direitos sociais eram apresentados como uma dádiva do novo governo.
(ABUD, 1992, p. 165-167).
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Até a década de 1970 predominou um ensino de História no qual o Brasil aparecia
vinculado a uma concepção de “genealogia da nação”. A história nacional era ensinada depois
dos alunos “conhecerem o berço da civilização, iniciando os estudos pela Antiguidade Clássica”
e, seguindo a temporalidade quadripartite europeia, abordava-se a Idade Média e chegava-se ao
nascimento do Brasil na Idade Moderna. Nessa perspectiva, o Estado-Nação era apresentado
como sujeito histórico principal da História do Brasil. (BITTENCOURT, 2003, p. 196).
Na década 1980, frente a possiblidade dos estados reescreverem seus currículos
escolares, novas propostas de ensino de História foram elaboradas com a preocupação de
dar voz aos excluídos trazendo para o centro do debate ações e sujeitos até então
silenciados pela História ensinada. As propostas curriculares dos anos 1990 trouxeram
mudanças referentes à questão da identidade, porém com a preocupação de identificar o
indivíduo como pertencente ao sistema capitalista globalizado. Permaneceu, portanto,
uma História na qual o “Brasil nasce da Europa”, seja por obra do “descobrimento” ou do
mercantilismo europeu. Assim, a história nacional não se originava no espaço nacional,
mas no lugar central do capitalismo emergente. (BITTENCOURT, 2009, p. 101).
Os controversos Parâmetros Curriculares Nacionais, publicados em 1998,
inauguraram uma nova fase no Ensino de História, fundamentalmente, por sugerir uma
organização curricular por eixos temáticos, possibilitando uma abordagem não linear
pautada em novas temporalidades e sugerir, como seleção de conteúdos, a prevalência do
Ensino de História do Brasil e suas relações com as diferentes sociedades e culturas do
mundo. Como uma das finalidades do Ensino de História, os PCN reforçam a formação
para o exercício da cidadania. (BRASIL, 1998).

2.2 O Nacional e o Global prescrito na BNCC de História para o 9º ano – Ensino


Fundamental
O espaço destinado ao ensino de História na BNCC do Ensino Fundamental traz,
inseridos na Área de Ciências Humanas, três textos de apresentação da disciplina. Um
geral, apenas identificado como “História”, (Idem, p. 397); outro voltado para os anos
iniciais (Idem, p. 403), e outro ainda voltado para os anos finais do Ensino Fundamental.
(Idem, p. 416). Além desses textos, há ainda, o currículo propriamente dito, organizado
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em Unidades Temáticas, Objetos de Conhecimento e outro campo destinado às Habilidades.
O texto de apresentação da disciplina de História presente na BNCC dos anos
finais do Ensino Fundamental segue a ordem cronológica quadripartite francesa. O 6º ano
destina-se ao estudo da Antiguidade Clássica e Europa Medieval, abrangendo ainda
partes da África. (Idem, p. 417). O 7º ano abordará as conexões entre Europa, América e África,
englobando os séculos XV ao XVIII. (Idem, p. 418). O século XIX está destinado ao 8º ano,
assim como os processos de independência nas Américas, com ênfase no processo de
independência do Brasil. Por fim, é no 9º ano que parece haver uma centralidade na História do
Brasil quando deverá ser abordado o período republicano e os tempos atuais. No entanto, essa
centralidade deverá disputar espaço com conteúdos referentes aos séculos XX e XXI da Europa,
África, Ásia e América Latina. (Idem).
Como o texto introdutório já anunciava, será no 9º ano que a história do Brasil se fará
mais presente. Dentre os 41 assuntos elencados na BNCC, vinte e um estão reservados para
temáticas relacionadas a história do Brasil ao longo do século XX. Destes, dois abordam
especificamente a questão do negro e três a indígena. Outros dois temas que abordam
conjuntamente negros e indígenas. É importante registrar, ainda, que, das quatro unidades
temáticas do 9º ano, duas são especificamente da história do Brasil.
Dentre os objetos de conhecimento de História listados para os anos finais do Ensino
Fundamental, a BNCC relaciona as noções de Nação, Nacionalismo, Globalização, Global,
Nacional, Internacional e Estado-nação. Com exceção deste último, os demais compõem objetos
de conhecimento e habilidades para o 9º ano. Globalização, especificamente, aparece quando
será estudado o fim da Guerra Fria, para “(EF09HI32) Analisar mudanças e permanências
associadas ao processo de globalização, considerando os argumentos dos movimentos críticos às
políticas globais”, e também as “transformações nas relações políticas locais e globais geradas
pelo desenvolvimento das tecnologias digitais de informação e comunicação” (BRASIL, 2017, p.
433).

2.3 Nação e Globalização na História ensinada – A BNCC, o Livro Didático de História


Como o objetivo central de nossa análise é a relação entre Nação e Globalização no
Ensino de História do Brasil, passemos agora para o exame do livro didático a fim de perceber se
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o currículo prescrito induz ou não a redação do texto didático. Se o contexto de definição
das políticas educacionais, fortemente influenciado pelo setor privado, moldou o
currículo nacional (SCZIP, 2020), teria ele moldado também a formulação do livro
didático sobre o tema de nossa investigação?
Tomamos o livro didático como suporte de conhecimentos escolares propostos pelos
currículos educacionais e, também, como veículo de um sistema de valores, de
ideologias, de uma cultura de determinada época e de determinada sociedade.
(BITTENCOURT, 2009, p. 301-302). A obra selecionada para análise foi “História:
Sociedade & Cidadania” de Alfredo Boulos (2018), participante do Plano Nacional do
Livro Didático (PNLD) de 2020, imposta pela SEED-PR às escolas públicas estaduais.
A BNCC estabelece que o tema Brasil e suas relações internacionais (2017, p.
430) e sua correlata Habilidade – “(EF09HI27) relacionar aspectos das mudanças
econômicas, culturais e sociais ocorridas no Brasil a partir da década de 1990 ao papel do
País no cenário internacional na era da globalização” – sejam estudados no 9º ano. O
tema está presente nos capítulos 14 – “Brasil Contemporâneo” – e 15 – Fim da Guerra
Fria e Globalização. (BOULOS, 2018). Globalização é um subitem, composto de seis
páginas, a ser trabalhado juntamente com o fim da Guerra Fria e extinção da União
Soviética. A política externa brasileira, tratada no capítulo 14, resume-se a um texto de
meia página, no qual, de maneira muito sintética, cita o ingresso do Brasil no grupo das
19 maiores economias, mais a União Europeia – o G-20 – a formação dos BRICS e o
estreitamento das relações com os países da América do Sul. (Idem, p. 238).
Da análise desses capítulos depreendemos que o modelo de globalização
desenhado pelo autor aparece como inevitável e a nação está presa no passado como se
não fizesse parte do século XXI. No texto que trata do Brasil, limita-se a citar os espaços
institucionais aos quais o país procurou se somar, deixando de fora toda a trajetória
recente da política externa brasileira (MARTINS, 2018). Sintomático dessa seleção é o
silenciamento do embate nacional contra a ALCA. Na sessão que tematiza a
Globalização, em seis páginas há apenas duas frases fazendo referências a imposição das
políticas de ajuste fiscal às nações pobres ou em desenvolvimento. Em ambos os textos,
não há a presença de Estados Nacionais a debater-se frente aos blocos econômicos ou
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mesmo em conflito de interesses com outros Estados. Quando elenca os argumentos favoráveis à
globalização, reforça a linha ideológica que procura alinhar avanço tecnológico como mérito do
sistema capitalista de produção. Equivoco talvez só superado pela afirmação do autor de que a
internet teria formado “uma cultura global”. Reforça o falso argumento de que a integração via
comércio mundial e tecnologias de informação e comunicação atinge a todos ao mesmo tempo,
desconsiderando relações de classe, gênero e raça, bem como as dinâmicas internas das nações e
a relação entre Estado e sociedade.

Considerações finais
Desde as reformas curriculares dos anos 1980 o ensino de História tem se debatido diante
da dicotomia entre o nacional e o mundial. A BNCC aprovada reforçou, uma vez mais, a
submissão da história nacional à história mundial, não apenas pela seleção executada, mas
também pelo apagamento da história da nação frente à globalização. A partir do formato da
redação das habilidades na BNCC depreendemos que os conteúdos elencados se configuram
como mínimos obrigatórios ao descrever quais temas devem ser estudados, terminando por
induzir a seleção de conteúdo do livro didático. Não há definição dos conceitos com os quais
aborda a relação Global versus Nacional. Ao mesmo tempo, pela seleção de conteúdo operada,
reproduz uma cultura histórica na qual a Nação imaginada como soberana aparece apenas nos
processos de Independência dos países das diferentes regiões ou na formação do Estado
Nacional.

Referências
ANDERSON, Benedict. Nação e Consciência nacional. São Paulo: Editora Ática, 1989.
APPLE, Michael. Ideologia e Currículo. São Paulo: Brasiliense, 1982.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: Fundamentos e métodos. 3ª ed.
São Paulo: Cortez, 2009.
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