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Universidade de Brasília
Instituto de Ciências Sociais –
Departamento de Sociologia
Pós-Graduação em Sociologia

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2018/02

334189 – METODOLOGIA
(Curso de Doutorado)
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Parte I
Controvérsias Epistemológicas
no Debate do sobre a Natureza do Conhecimento Sociológico

Decidir se o artesanato da pesquisa sociológica deve responder aos


requisitos de uma metodologia geral ou deixar-se guiar pelas ingerências das
vicissitudes do próprio fazer (PIRES, 2008, p.43-95) extrapolam os meandros das
discussões em torno dos métodos e conduzem ao plano das concepções mesmas
de ciência social, ou seja, remetem aos debates tendo por objeto a epistemologia
das ciências sociais.
Nesta primeira parte do curso, neste semestre, focaremos três desses
debates. O intuito é, antes, fomentar a reflexão a respeito das mediações entre as
escolhas (teóricas, analíticas e empíricas) que contracenam com os fazeres
ordinários da pesquisa em Sociologia e as flutuações discursivas cujo foco são as
lógicas das ciências sociais.

Unidade 01: O desiderato hermenêutico

Nesta primeira unidade, a consideração em torno dos efeitos da


intervenção da perspectiva hermenêutica tem por finalidade traçar, em linhas
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bem-gerais, a sincronia estabelecida entre diferentes matrizes disciplinares na


Sociologia, levando-se em conta como estas últimas portam irredutibilidades
epistemológicas. Em questão, estará o legado estrutural-objetivista da Escola
Francesa e o despontar de uma sociologia hermenêutico-compreensiva.

O Positivismo na matriz estrutural-objetivista

Do período que prepara social e cultural-intelectualmente o contexto de


atuação de Durkheim, consta uma polêmica elementar: qual a natureza da razão
científica das ciências sociais? Ora, o instante anterior ou dentro do qual se deu o
aparecimento da sociologia é sugestivo não porque de antemão trouxesse à baila
a controvérsia referida à polaridade entre razão objetiva e subjetividade, mas
justamente devido a mantê-la embutida, ainda que de maneira conflituosa; ela se
mantinha intrínseca ao cerne da própria condição moderna. Não é o caso de
agora imergirmos na história da modernidade para evidenciar os tantos
episódios constituintes deste diálogo atravessado pelo conflito entre subjetivação
e racionalização/objetividade. Perseguindo os rastros de Touraine (1994), o que
nos interessa é destacar em que igual diálogo e a partir dele quais tendências
filosóficas se revelam decisivas à montagem das ciências sociais. De um lado,
teremos a ênfase na utilidade social como o parâmetro que substitui Deus, já as
coesão e solidariedade estão à contrapartida do acento dado às normas
internalizadas durante a socialização dos agentes. A sociedade, portanto, por ser
externa e geral (coletiva) se imporia objetivamente sobre a profundidade e o
tumulto subjetivo, aí onde habitaria a inconstância da vontade e das paixões.
Sendo a sociedade objetiva, logo a fonte da razão seria inexoravelmente o
social. Imediatamente, de outro lado, na contramão da percepção naturalista da
modernidade se ergueu um sujeito, espécie de resíduo religioso deixado, mas
transformado, pelo encaminhamento secularizador em um mundo do
desencantado religioso da reforma protestante e do laicismo científico. Sujeito
habilitado nos escombros dessa situação à escolha, absorto na solidão da sua
condição. Desde agora, aguda é a dificuldade de como penetrar nessa escolha ou
fazê-la legítima na concretização da sua finalidade. Subjetivo e objetivo dispõem-
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se tenuemente em uma linha na qual o explicar é imediatamente compreender as


motivações do sujeito. Mas tendo em conta que o sentido da sua conduta está
constituído por elementos extraídos numa relação em que a de se considerar
como ele e outros sujeitos detêm a capacidade e o poder para disponibilizar
recursos, quer dizer, materiais e móveis simbólicos conhecidos (valorizados)
como validados pelo contexto sociohumano onde se inscrevem.
Por que é sugestivo o contexto europeu logo posterior ao encadeamento
revolucionário, na metade inicial do século XIX? Exatamente devido ao
mascaramento desta tensão própria à condição moderna. A priorização da
temática da ordem e o apelo ao progresso parecem estar na raiz da situação na
qual reacomodações socioestruturais expunham fraturas e deixavam, desde
então, exalar um odor de azedume. Um cheiro de carne humana passou a
percorrer um cenário envolto no otimismo na autonomia da técnica, na
produtividade fabril, no gênio da razão empreendedora. Algo celebrado na
deflagração dos eventos das grandes exposições, tal como o acontecido na
cidade e norte-americana de São Francisco, em 1915. Na ocasião, a convite do
Ministério de Instrução Pública da França, o iminente sociólogo Emile Durkheim
assinara um dos artigos compondo a obra devotada a apresentar a exposição
francesa dedicada ao progresso científico. No texto, Durkheim assinala o quanto
a França reunira, exclusivamente as condições à gênese da sociologia. Entre
outros, fora naquele país onde o tradicionalismo viu os seus cânones
contestados, o que estivera no compasso do despertar de uma reflexão da razão
e de ser das instituições. Ao ver de Durkheim, feito dessa envergadura só seria
possível se o comprometimento com a razão houvesse alcançado tal nível a
ponto de iluminar a volatilidade da dimensão social da vida humana
(DURKHEIM, 1970, p.103-123).
Como alerta Carlos Moya (s.d.), o indisfarçável nacionalismo do discurso
durkheimiano está referido ao nexo propriamente francês entre a revolução e a
doutrina positivista, a qual teria radicalizado o projeto da enciclopédia
iluminista. Entre um e outro (e também ressoando nas palavras de Durkheim) o
apelo a uma razão legislativa naturalista. Façamos uma breve incursão às bases
desta aliança.
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Nas páginas iniciais dos seus Elementos de Filosofia, outro francês, este do
século XVIII, D´Alembert como que oferece um quadro do amplo conjunto de
fatores que ora “revolucionava” a existência humana. Conjunto baseado no
desempenho das ciências da natureza. O trecho abaixo é especialmente
elucidativo a respeito:

(...) aos meados do século em que vivemos, aos acontecimentos que nos
agitam ou que, pelo menos, nos ocupam, aos nossos costumes, às nossas
obras e até às nossas conversas, é muito difícil passar despercebida à
extraordinária mudança que, sob múltiplos aspectos, ocorreu em nossas
idéias; mudança essa que, por sua rapidez parece-me prometer-nos uma
ainda maior. Cabe ao tempo fixar o objeto, a natureza e os limites dessa
revolução, cujos inconvenientes e cujas vantagens a nossa posterioridade
conhecerá melhor do que nós. O nosso século é chamado o século da
filosofia por excelência. Se examinarmos sem prevenção o estado atual
dos nossos conhecimentos, não se pode deixar de convir que a filosofia
registrou grandes progressos entre nós. A ciência da natureza adquire a
cada dia novas riquezas; a geometria, ao ampliar os seus limites,
transportou seu facho para as regiões da física que se encontravam mais
perto dela; o verdadeiro sistema do mundo ficou conhecido, foi
desenvolvido e aperfeiçoado. Desde a terra até Saturno, desde a história
dos céus à dos insetos a ciência da natureza mudou de feições. Com ela,
quase todas as outras ciências adquirem novas formas e, com efeito, é
imprescindível que o fizessem. O estudo da natureza parece ser por si
mesmo frio e tranqüilo, porque a satisfação que ele ocasiona é um
sentimento uniforme, contínuo e sem dados, e por que os prazeres, para
serem vivos, devem ser separados por e marcados por acessos. Não
obstante a invenção e o uso de um novo método de filosofar, a espécie
de entusiasmo que acompanha as descobertas, uma certa elevação de
idéias quem nós suscita o espetáculo do universo, todas essas causas
tiveram que excitar nos espíritos uma viva fermentação. Essa
fermentação, agindo em todos os sentidos por sua natureza, envolveu
como uma espécie de violência tudo o que lhe deparou, como um rio
que tivesse rompido seus diques. Assim (...) tudo foi discutido, analisado
e, no mínimo, agitado. Uma nova luz sobre alguns objetos, uma nova
obscuridade sobre vários, foi o outro ou a conseqüência dessa
efervescência geral dos espíritos: tal como um feito do fluxo e do refluxo
do oceano é carregar para as praias alguns materiais e delas afastar outros
(D´ALEMBERT, 1758, IV, p. 01).

A empolgação indisfarçável na fala desse intérprete e, ao mesmo tempo,


destacado cidadão do século das luzes francês, um dos autores da enciclopédia,
revela o comprometimento com a filosofia agregada a uma concepção triunfante
de razão peculiar, aquela em sintonia com o progresso do conhecimento. Não se
trata, porém, nos lembra Cassirer, na evocação Iluminista da busca incessante de
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volumes numéricos de conhecimentos, mas o progresso é compromissado com a


qualificação crescente, graças à sua subordinação ao espírito, o agente desta
pulsão expansionista. A razão era a designação desta força, ávida de ampliação,
núcleo no qual expectativas, esforços e realizações estão banhadas pela paixão
do conhecer e do dominar. E a razão seria a característica natural à espécie
humana, já que a atravessa em todas as épocas, imutavelmente, embora
encoberto pelas mistificações da ignorância. Libertar a razão é, pois, a essência da
própria liberdade.
Vale recordar que a filosofia das luzes busca em Newton os elementos
para sua “episteme”. Ora, ao contrário de Descartes e Galileu, para ele, não é a
via dedutiva que conduz a operação científica na física newtoniana, ou seja, não
se parte de axiomas e princípios basilares, na medida em que se afirma crença
segundo a qual os fenômenos consistem em dados (dactum). Pois nestes últimos,
os cruzando, existiria a forma os delimitando. Assim, apenas se chegaria às causas
mediante a experiência. Portanto, a análise se antepõe à sistemática, mas isto
não significa que a negligencia. Desta ótica, os pensadores do século XVIII
extraem a viabilidade de estabelecer os vínculos entre os espíritos “positivo”
(empírico-lógico) e racional (hipotético-dedutivo). Em última instância, isto
implica em uma assertiva com sensíveis desdobramentos sobre a postura política
(democrática, liberal e republicana dos seus propositores). Afinal, se a “razão”
não se antepõe ao fenômeno, a legalidade, a ordem, também não poderia
anteceder a experiência. Sabemos o quanto fora crucial o peso deste raciocínio
sobre as reivindicações dos defensores do governo representativo comum.
Por outro lado, a razão não pode ser encarada como um sistema
fechado no seu autoencadeamento. Deve, ao contrário, realizar-se no
encaminhamento do próprio processo de conhecimento, no acúmulo dos fatos,
no progresso que ao espírito se imporá: “sujeito” e “objeto” se resolvem
mutuamente nesta equação e o conhecimento científico atinge o seu fim no
esgotamento mesmo do movimento.
O modelo para este raciocínio filosófico-positivo fora inspirado na
trajetória das ciências da natureza, afinal o experimentalismo disciplinado as
conduziu, coordenando as ações nos seus nichos. O progresso desses é atribuído
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a tal rigor na relação entre método e teoria. Voltamos a Newton. Partindo dos
vestígios deixados por Kleper e Galileu, num trabalho paciente de artífice,
Newton demonstra as leis coordenadoras do percurso regular dos planetas; em
seu esquema, matemática e observação se fazem cúmplices (KOIRÉ, 2001, p.195-
220). O resultado da empreita mecânica de Newton cala em profundidade na
ciência, porque desde agora se trata de iluminar os fundamentos universais da
natureza. Ou melhor, deixar demonstrável a universalidade desta, na totalidade
indivisível dos seus fenômenos. Quer dizer, na observação dos fatos, a forma
geral ganha visibilidade. Isto requer ater-se às condições particulares
possibilitadoras do fenômeno e desvelar quais são as relações que este estabelece
com as condições de outros fenômenos. Daí, então, a decomposição (análise)
impõe-se à síntese. A razão analítica decompõe para demonstrar as
determinações dos fatores; natural e determinação são agora análogos e a
natureza é, desde já, o reino da determinação – da obrigatoriedade! Pelo
manejo com o material empírico, eu epistêmico adentraria a estrutura cósmica,
tornando-a inteligível, até administrando, controlando seus movimentos.
Para isso, a filosofia do século XVIII vai incorporar o paradigma físico-
matemático para fins bem mais ambiciosos que o conhecimento em disciplinas
específicas. De Voltaire a Kant, passando por Helvetius e D´ Alembert, entre
outros, todos estão empolgados pela confiança na primazia deste paradigma, o
que o torna a base do projeto Iluminista ora em desenho. Eles se mostram os
baluartes do esclarecimento crédulos que a análise capacitará o homem até então
cego a trafegar na multidão do engano e penetrar na aparência, atingido assim o
âmago dos ordenamentos e, portanto, desvelar a fonte dos efeitos. A função
intelectual do explicar tem agora um parâmetro científico, ao contar com o
método empírico-positivo. Não quer dizer que se poderá chegar às últimas
causas, intangíveis, pois são em-si não demonstráveis. Por outro lado, contudo –
e isto o que os interessava – seria possível, porque viável, à própria natureza
conhecer a legalidade empírica da ordem. Absoluto e conhecimento estão
doravante cindidos, devido à prerrogativa segundo a qual ciência e metafísica
ocuparem postos distintos até antagônicos.
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Sob a mesma égide, o ethos positivo contém uma postura diante do


mundo: não se quer a transcendência, já que não se tem meios de atingir o
caminho até ela. Cabe sim dominar indiretamente o possível e acomodá-lo ao
conforto humano. No século XVIII, a razão era antes de ser “possessão”,
“aquisição”. Por isso fora evocada como uma energia capacitada para o acúmulo
aberto, progressivo e transformador. Seu dado revolucionário está justamente na
capacidade de vincular e dispersar, opondo-se a toda concepção de tradição,
revelação e autoridade (CASSIRER, 1984, p.32). Curiosamente, a razão iluminista
se mostra afeita a diversidade por certeza da unidade. A tarefa construtiva que
lhe cabe está banhada no conhecimento que vem das propriedades que, ao
serem inerente aos fenômenos, conduzem à forma que lhes estrutura e esta
poderá ser objeto de manipulação humana. Portanto, trata-se de uma razão
fabril, industriosa, produtivista.
Imediatamente, a distinção entre planos objetivos e subjetivos seria
aparente, afinal tratar-se-ia tão somente da vastidão do natural; a dualidade
corpo e alma é invalidada e o sujeito interditado, pelo triunfo de uma razão
naturalista. Uma vez mais, diz D´Alembert:

Todas as ciências no seu conjunto, nada mais são do que a força do


pensamento humano, que é sempre uno e idêntico, e que deve permanecer
sempre semelhante a si mesmo, por mais variados e múltiplos que sejam os
objetos a que esse pensamento se aplica.

A ciência então não se aplica apenas aos objetos, mas é o ambiente de


autoconhecimento do espírito. E a natureza é um horizonte de compreensão
empiricamente consubstanciado, o que o opõe ao “reino da graça”, porque os
sentidos nos dá acesso à natureza; à graça, só a revelação.
Se a matriz fisico-matemática da razão natural já porta o seu impulso à
aquisição, em detrimento de uma razão possuidora, ao elevar esta razão ao
status de filosofia e “episteme”1 de toda uma época, a corrente Iluminista advoga
a urgente penetração desta razão nos recônditos mais íntimos da existência
humana. Desde logo, a psicologia e a sociologia já estão preditas. Para aquilo

1 Utilizo aqui a ideia de Michel Foucault (2000), que toma a história das ciências pela
descontinuidade entre os espaços das correlações discursivas internas entre elementos cujo
conjunto asseguraria uma função de saber específica.
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que nos interessa, de fato é em Auguste Comte que a sociologia ganha nome e
delimitação como uma disciplina do saber científico, logo laica e universalista.
Não obstante, os ingredientes positivos básicos da disciplina estão prefigurados
no século das luzes. Em vista disso, antes de nos determos na empreita
comteana, vejamos o caminho intelectual e sócio-histórico que conduz a ela.
O retorno à natureza mesma do método naturalista e o ímpeto dos
iluministas em deflagrá-los, impactando o conjunto existencial humano, nos
servem de canal de acesso. A ênfase na causalidade se fazia desde já imperativa a
qualquer conhecimento com pretensão científica, afinal a causa é a razão do
fenômeno, atingi-la seria ir ao recôndito da natureza, da lei que a rege.
Algo assim leva o método analítico cedo aos fenômenos sociais e
políticos: Estado e sociedade são chamados diante do juízo da razão natural.
Ainda que se admita, vale lembrar, tratar-se de uma realidade cuja fonte última
escapa ao homem, e este deve frente a ela se adaptar. Porém já agora a
submissão resignada é posta em causa e a energia motora da razão deve indagar
esta realidade; àquela cabe confessar suas intenções e atestar a validade das suas
prerrogativas. O social agora é uma realidade física de cuja empiricidade o
conhecimento deve cuidar de apreender.
O primeiro a definir os termos do estudo da sociedade nessas condições
fora Hobbes (1988). Interessa-lhe decompor o estado como a um “corpo”, ao
submetê-lo ao crivo do método perscrutador de uma razão universalista, sensível
ao percurso das leis da matéria. Na teoria política do autor britânico, sendo o
pensamento um cálculo (realizado por operações de soma e subtração), o
imperioso está em desfazer a síntese das vontades possibilitadoras do Estado,
para ser possível apresentar as modificações do por que é possível a civilidade.
Ou seja, como se parte da situação de guerra do “todos contra todos” para o
estado de direito? Enfim, contrato e sociedade estão na raiz do problema. Ora
para Hobbes, sabemos, o Estado é plena negação da natureza negativa egoísta
do homem, portanto, fundamento do próprio estado. E este age por dominação
em relação aos indivíduos. A causa seja escutada no efeito do contrato é a
subordinação de vontade impetuosa.
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A reflexão política e social do século XVIII acolhe seletivamente a herança


hobbesiana. As restrições recaíram no conteúdo da proposta. Basicamente,
manteve-se a mesma concepção metodológica, quer dizer, a teoria do contrato
permaneceu o parâmetro. A sociologia, que se ia desenhando, tem na física seu
espelho: a sociedade é um “corpo artificial”, na expressão de Condillac, no qual
a ideia de composição orgânica remete a partes que se interinfluenciam
reciprocamente. O objetivo da intervenção política deve ser organizar o
conjunto, com o intuito de evitar que ocorram discrepâncias e usufrutos de
privilégios que somente beneficiariam alguns, desarmonizando a totalidade.
Antes, quer-se tornar os interesses particulares subordinados ao bem geral.
A contribuição de Montesquieu (1973) ao pensamento social é
emblemático: para ele, não se trata de apenas historiar e tampouco meramente
descrever os regimes políticos. No texto de Espírito das Leis sua pretensão salta
na direção de outro horizonte intelectual. Nessa obra, ao autor está decidido, no
estudo das constituições dos tantos regimes de poder (despotismo, monarquia
constitucional, constituição republicana), revelar pela pesquisa dos aportes
histórico-empíricos as forças que constituem e moldam os ordenamentos de
poder a ter as características que lhes são específicas. Há na proposta um sentido
programático claro, porque a necessidade do conhecer está em demonstrar e
traduzir as forças impulsionadoras da sociedade. Desde aí, ao penetrá-las, busca-
se desenvolver e pavimentar caminhos para que cumpram suas obrigações. Na
sua teoria do equilíbrio entre os poderes, o autor demonstra que apenas outra
forma oposta pode restringir a outra. É desde aí que defende a lógica da “divisão
dos poderes”, fator este, a seu ver, capaz de corrigir as imperfeições do poder e
trocar a chave do equilíbrio instável por aqueles do estado estável.
A perspectiva de Montesquieu é caudatária da razão natural. Seu modelo
parte do método que observa os fatos, mas com o intuito de ver o que os
encaixam, dão-lhes sistemática, enfim, ele procura a lei geral. Do ponto de vista
lógico, o autor vai do particular para geral, em coerência com a crença na
universalidade, que tornaria o particular inteligível. Neste ponto, o
entendimento do que seja o princípio se transforma, pois já não mais
corresponde ao absoluto: compreende um ponto de partida, iniciado onde o
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conhecimento parou na sua última investida. Por outro lado, o social é incluído
como uma materialidade a ser observada para além de sua aparente mobilidade
plural; sua multifacialidade apenas esconde a intervenção da forma: as ciências
sociais, como método, estão já aí delineadas.
Não obstante, neste plano da realidade, a perspectiva empírico-
mecanicista conhece cedo algumas objeções e resistências. Por enquanto,
interessa-nos a maneira como o problema da dinâmica aparece, no
entendimento da regularidade dos fenômenos. Retenho o tema da harmonia, já
que ela nos leva diretamente ao nexo entre dinâmica e organicidade. Façamos
uma breve lembrança do domínio da razão à maneira como o cartesianismo o
define. Basta recordar que, em Descartes (1973, p.46-49), conhecer implica,
antes, apreender as relações de reciprocidades entre elementos de uma
multiplicidade, elegendo um ponto prioritário: esta é a regra que atravessa toda
a totalidade, demarcando-a. Para circunscrever a especificidade desse
pensamento “discursivo”, Descartes repousa na matemática toda a aposta na
proporcionalidade. Trata-se assim de uma redução numérica, pelo enunciado de
que um quantum de desconhecido teria sua contrapartida em algo já conhecido
– no coeficiente de acumulados.
A chamada “Era das luzes” eleva a redução cartesiana e a faz percorrer o
reino da qualidade, guiada pela lei geral da razão universal. O cálculo impõe-se
na determinação das relações fundamentais. Nesse sentido, o pensamento
Iluminista faz evanescer a dualidade espírito e corpo. Nesse instante, no século
XVIII, a divisibilidade entre a unicidade do Espírito e a extensão do corpo é
incluída em um mesmo plano. Embora se concordasse ser equívoco reduzir o
psíquico, decompondo-o; por outro lado, havia a concordância de que o
psicológico se dividiria em momentos. Logo, a razão natural aplicada vai
percorrer esta diversidade e nela encontrar o desenvolvimento progressivo de
um mesmo fenômeno fundante. Ora, esta é a totalidade psíquica, que se divide e
transforma, manifesta as sensações, o corpóreo. Sintetiza Cassirer:

Pensamento e julgamento, desejar e querer, imaginação e criação


artística, nada acrescentam de novo, qualitativamente falando, nada de
essencialmente heterogêneo, em relação ao elemento sensível originário.
O espírito nada cria, nada inventa, ele repete e combina. Nessa própria
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repetição pode dar mostras, é verdade, de um poder quase inesgotável.


Estende o universo visível para além de todo limite; projeta-se no infinito
do espaço do tempo, sem deixar de preocupar-se com a produção em si
mesmo de figuras sempre novas. Em tudo isso, porém, o espírito só tem
que haver-se consigo mesmo e suas „idéias simples‟. Essas constituem o
sólido terreno sobre qual assenta todo o edifício do seu mundo, tanto do
mundo „exterior‟ como do mundo „interior‟ – e esse terreno jamais pode
ser abandonado. (CASSIRER, Op. cit., p. 47).

Contudo esta identidade lógica de uma ciência geral, no século XVIII, teve
de enfrentar outra herança do racionalismo do século XVII: a questão da
continuidade tal qual Leibniz (1998) colocou na sua teoria monológica, ou seja,
o enigma em torno da unidade da multiplicidade, ser no devir, constância da
mudança. Isto leva à pergunta: como operações são possíveis diante das
determinações? Particular e geral ganharam, então, outro estatuto. Não irei
perseguir os meandros da intrincada cosmovisão leibniztiana; quero tão-somente
assinalar como, ao tratar da mônada, o pensador insiste na exigência de inserir a
visão orgânico-funcional. Isto em razão de que a mônada não se reduz a uma
unidade simples ou à multiplicidade, mas é a multiplicidade expressa na unidade
e se desenvolve permanentemente de acordo com múltiplas determinações (algo
semelhante à noção de “concreto” em Karl Marx). A particularidade realiza-se na
associação dos seus movimentos, logo não se dilui frente a cada determinação:
ao contrário, aí se realiza. A mônada é então cultura, uma força realizando-se e
não os efeitos inúmeros da continuidade na dinâmica, na qual aquela se altera
mantendo-se a mesma. Enfim, a atividade é o conceito-chave. Por outro lado, o
individual não é um dado, mas contém e expressa o essencial na sua
particularidade móvel. A totalidade é justamente este comum em que as
mônadas se harmonizam por empatia.
As premissas de Leibniz soarão hesitantes e indiretamente sobre o
pensamento das luzes, sobretudo em razão mediação de Wolf. As concepções
estéticas como as de Baumgarten foram as mais receptivas ao modelo
leibniztiano. Porém a concepção de desenvolvimento será colhida, mesmo que
pulverizada, por espectros vários da imaginação filosófico-científica daquele
século europeu. Com finalidade de entender tal acolhida não cabe estabelecer
uma relação de espelhamento entre pensamento e a infraestrutura social de uma
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época; sei das variáveis com incidência sobre o diálogo. Por isso tentarei, desde
aqui, comentar como as condições mais amplas daquele período, sobretudo na
França, contribuíram ao intercruzamento da perspectiva dinâmico-organicista
com a relação natural, mecânico-empírica.
Vou tomar o texto do capítulo do livro a Imagem Crítica da Sociologia,
de Carlos Moya, como referência. Ali, o autor descreve o que havia de muito
particular na experiência francesa daquele momento na seminação da sociologia.
O peso adquirido pela nobreza na igreja tornará a religião o inimigo-mor de
uma elite ilustrada, laica e laicizante. Seus intérpretes penetram na Assembleia
Nacional Francesa e farão dela o solo propício para fermentar um culto da razão
natural, cuja meta seria a instauração do estado da razão, calçado nas leis da
natureza pura. O esclarecimento se torna um imperativo:

De um lado, a educação do povo para que chegue a ser sujeito coletivo


de opinião pública; de outro, o conselho do príncipe, que assim se torna
déspota esclarecido. Nessas ocupações, puramente intelectuais, se esgota
a idéia do filósofo. Assim, a ilustração se dá no quadro do sistema
estabelecido, a monarquia, cuja progressiva racionalização – unificação e
centralização administrativa, legislativa, judiciária – é obra de alguns
funcionários recrutados fundamentalmente entre burguesia ascendente,
que aspira isolar progressivamente da vida pública a autoridade
tradicional da aristocracia do clero; os velhos pilares do antigo regime
sobre os quais poder monárquico se descansava. Enciclopedistas e
fisiocratas movem-se dentro desses pressupostos comuns, sem se
acautelarem em absoluto com o caráter explosivo do seu racionalismo.
Às portas da revolução francesa, a velha estrutura do antigo regime
continua mascarado o radicalismo de seus conflitos de clássico; na
burguesia, a consciência do poder da razão substitui a consciência real de
seu próprio poder e interesses. (MOYA, s.d., p.17).

Ainda que não discorde integralmente da premissa de Moya, eu não


considero adequado reduzir a problemática do domínio da razão apenas ao
mascaramento de classe. Talvez pudéssemos propor a existência de uma aliança
de classes e grupos, agentes-motores da racionalização e modernização que
estava em franca deflagração. Os enfrentamentos suscitados pelas circunstâncias
do período revolucionário, que sagram a ascensão desta aliança ao poder, estão
subjacentes a um implacável ímpeto positivamente, ávido de harmonia. Ímpeto
que fez sair dos convencionais os artífices do terror, agora escudados no reino da
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razão revolucionária. Mais importante é que, como lembra o próprio Moya, a


razão natural se tornou a condição básica de legitimidade do poder político.
Algo efetivado na instauração do código civil napoleônico.
Ora a positivação do poder, ao estar calcado na lei natural, é o prelúdio
do positivismo e de tudo que fez do século XIX europeu o espírito de uma
época da técnica e do triunfo da sociedade industrial, sob o signo do
cientificismo. Do modelo naturalista, o patrão filosófico dominante propaga a
restrição do conhecimento sobre o que existe e pode ser demonstrado em
termos lógico-empíricos. Deter-me-ei no positivismo, como doutrina, sem por
enquanto imiscuir em suas propriedades.
Para isto é crucial encontrar seus antecedentes no período imediatamente
pós-revolucionário. A vitória da razão natural desperta, ao lado do incremento
da tecnificação da produção material, uma nova concepção de raciocínio e este
jamais se enxerga contemplador, afinal deseja o controle tecnocientífico da
realidade. A indústria é o signo institucional da nova era e a concepção racional-
positiva reorganizaria todos os demais sistemas de orientação das condutas
humanas. O século das luzes se faz ordem: a França é o cenário do domínio de
um racionalismo legitimador, estendido da monarquia de Luiz Felipe à
efetivação do Estado-nação francês, durante a III República, período no qual a
sociologia se consolida como disciplina acadêmica e científica.
Antes de qualquer coisa, diversas frações de classe dominantes na França
se deixam levar por uma concepção de realidade na qual não tem lugar a fixidez
de uma autoridade estável. Ao mesmo tempo, quer-se preencher esta lacuna de
comando com os quadros saídos e obedientes aos desígnios científico-positivos
da razão natural e, cada vez mais, compatível com as prerrogativas da sociedade
industrial. Daí por que Saint-Simon fará da harmonia entre as polaridade dos
elementos constitutivos da modernidade fabril (empresários e trabalhadores)
protagonista de uma cena já prenhe de contradições. E isto nos interessa de
perto. A intensificação das interdependências sociofuncionais e o aumento da
divisão do trabalho, a centralização do poder e a consequente redução do poder
mediador das instâncias secundárias, para ressaltar alguns entre outros fatores,
colocam prioridades nos modos de assegurar uma nova ordem, agora calcada na
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conexão entre constância na operação e unidade na multiplicidade. Talvez, tais


fatores já estivessem tornando patente o desencantamento da sociedade. Não se
tratava mais de uma instância escondida por entre entidades em um plano
metafísico. Revela-se na multiplicidade errática dos atos humanos,
determinando-os em regularidades institucionais. Tem-se agora o objeto das
ciências sociais e o terreno empírico das suas investigações (SAINT-SIMON,
2002).
A França oferece, naquele momento, as condições mais favoráveis ao
despontar da nova ciência, principalmente devido ao conluio entre a
contestação das instituições, insuflada pelo Iluminismo e acionadas durante a
revolução, e as contradições cada vez mais acentuadas com o incremento da
sociedade industrial – o conflito moderno entre capital e trabalho se instaura e
faz da aquisição o novo fator capaz de conferir status. A sociologia em esboço
vai sendo gestada para cumprir a missão de reorganizar os dispositivos capazes
de arrumar, em novas oposições, o que a temporada revolucionária teria
embaralhado. Faz-se imperativo o emprego de uma metodologia que fosse
capaz de revelar as propriedades e as correlações constitutivas dos fenômenos
sociais, a fim de exercer o domínio sobre multiplicidade semovente. Por isso,
Saint-Simon irá propor uma “fisiologia social”. Para este crente na razão natural,
o mundo social é a combinação do fisiológico com o psicológico e ambos estão
sobre o terreno da materialidade físico-química. Deste modo, pode ser
decomposta e resintetizada pelo conhecimento prático.
Porém, se o ativismo de Saint-Simon anuncia, não concretizará a
figuração da nova ciência. A sistemática da disciplina coube a Auguste Comte,
seu discípulo. Empenhado na ideia de reorganização da sociedade, este autor
reafirmou a tese sobre a passagem histórico-estrutural de sistemas sociais
aristocrático-patrimoniais (em que prevaleceriam ideários metafísicos) para
àqueles urbano-industriais fundados ideacionalmente na ciência positiva. A nova
disciplina voltada para o estudo deste fenômeno herdou o modelo histórico-
organicista de sociedade, tendo ênfase no tema da ordem. As categorias de
“estática” e “dinâmicas” sociais adquirem prioridade intelectual e normativa na
demarcação da natureza do objeto sociológico. Para isso, se forjou o projeto da
15

sociologia pela articulação entre a biologia e os saberes voltados ao plano


psíquico-coletivo (a moralidade), a partir do esquema evolucionário aplicado ao
movimento histórico de sistematização das ciências.
Já na fase inicial da trajetória intelectual Comte, duas facetas sobressaem:
de um lado, a análise se volta para o presente, mas o que se busca é a estrutura e
isto o leva até a escuta do processo histórico, ou seja, dos mecanismos
reguladores das mudanças. Por outro lado, embora em consonância com o
anterior, a questão da intervenção direta no presente não deveria implicar em
qualquer ação violenta tentando desviar o curso histórico, justamente por se
tratar este último de uma marcha inexorável, na alteração sucessiva das doutrinas
indo do estado teológico ao metafísico e, daí, ao positivo-científico. O mais
adequado seria, portanto, acelerar a reforma intelectual. Isto o incita propor a
síntese de todas as ciências e a fundamentação de uma política positiva inscrita
no que lhe parece elementar à espécie humana: a busca do repouso, da
estabilidade2. Então se, em coro com muitos dos seus contemporâneos, Comte
reconhece a sociedade moderna como uma situação eivada de crises, ao mesmo
tempo ele não compartilha com Marx, por exemplo, a crença sobre o papel da
revolução no desenvolvimento do processo histórico e nem com Tocqueville a
doutrina das instituições livres e nem tampouco do livre-arbítrio. Seu diagnóstico
é que a crise deve ter sua razão perscrutada na contradição que corta o período
no qual estavam todos imersos. Contradição que seria proveniente da transição
de uma ordem social e histórica teológico-militar em vias de desaparecer à
medida que ascende aquela outra científico-industrial. A seu ver, a marcha
progressiva contínua da humanidade daria cabo da etapa anterior e se realizaria
no triunfo da ordem industrial. É neste cenário do seu raciocínio que o autor
concebe a sociologia, afinal a vitória inevitável da sociedade industrial requeria
tão-somente mecanismos cognitivos habilitados intelectualmente a incrementar o

2 Postulado central à visão de mundo que abraçava e manifesto, principalmente, no lugar


decisivo ocupado pelo dogmatismo no seu raciocínio: “O dogmatismo é o estado normal da
inteligência humana, aquele para o qual tende, por sua natureza, continuamente e em todos os
gêneros, mesmo quando mais parece afastar-se dele. O Ceticismo nada mais é do que um estado
de crise, resultado inevitável do interregno intelectual que sobrevém, necessariamente, todas as
vezes em que o espírito humano é chamado a mudar de doutrinas, ao mesmo tempo que é
indispensável empregado, quer pelo indivíduo, quer pela espécie, para permitir a transição de
um dogmatismo para outro, o que constitui a única utilidade fundamental da dúvida.” (COMTE,
1826, p.35).
16

trânsito de uma etapa a outra. A tarefa da sociologia seria iluminar o necessário


devir histórico, contribuindo à realização plena do novo sistema e neste...

(...) o poder espiritual ficará na mão dos sábios (cientistas), e o poder


temporal competirá aos chefes dos trabalhos industriais. Estes dois
poderes devem naturalmente proceder, na formação do novo sistema,
como hão-de proceder, quando for estabelecido, na sua aplicação
diária, contando também com a importância superior do trabalho que
é indispensável executar nos dias de hoje. Há, neste trabalho, uma
parte espiritual que deve ser tratada em primeiro lugar, e uma parte
temporal que o será consecutivamente. Assim, é aos sábios que
compete empreender a primeira série de trabalhos, e aos industriais
mais importantes, organizar, nas bases que ficarem assim delineadas, o
sistema administrativo. Tal é a marcha simples, indicada pela natureza
das coisas, e ela nos ensina que as próprias classes que são os
elementos dos poderes do novo sistema, e que devem ser um dia
colocadas na supremacia, ou na soberania; só elas podem construí-lo.
Só essas classes são capazes de bem apreender o espírito da
reorganização social; só elas são encaminhadas no sentido da verdade,
graças ao impulso combinado dos seus hábitos e dos seus interesses.
(COMTE, 1977, p.81).

Os objetivos da sua Filosofia Positiva (1978, p.01-115) estão na proposta


de homogeneização do conjunto dos conhecimentos adquiridos, em consonância
com os diversos planos de fenômenos naturais. A unidade exigida está no nível
do método. E este se enriqueceria a proporção em que se ampliaria o seu uso nas
mais diversas disciplinas, das mais simples às mais complexas. Portanto, o
“método científico positivo” compreende uma teoria explicativa dos respectivos
fenômenos pertinentes a cada ciência. O método caracteriza-se pelos
instrumentos manejados para a obtenção e ordenação dos dados reais que,
reunidos em hipóteses gerais de trabalho, acabam por se constituir na ciência
propriamente dita. A classificação das ciências que ele propõe obedece ao
critério de considerar as ciências abstratas e não as suas manifestações concretas.
Interessa-lhe a ordem de generalidade explicativa e da coordenação dos fatos de
cada uma. Elas vão surgindo e sendo admitidas – no cerne do círculo da
positividade –, segundo uma ordem em que essas especulações mantêm com os
fatos da experiência. De acordo com o seu modelo epistemológico, na medida
em que a ordem das ciências se aproxima dos homens, tornam-se mais
complexas e menos gerais, ao mesmo tempo em que é enriquecido o seu
instrumental metodológico. Considerando ser a matemática a lógica geral do
17

saber científico devido à ordenação numérico-dedutiva, teríamos a seguinte


escala histórica e sistemático-doutrinária do corpo propositivo geral do sistema
das ciências positivas: das ciências inorgânicas (astronomia, física e química) às
orgânicas (biologia/fisiologia, sociologia); das gerais e simples às complexas e
concretas.
Uma disciplina de saber apenas poderia ser admitida no escopo do
sistema, para ele, quando o exercício do conhecimento nela se dá pela
abordagem dos fenômenos a partir das suas respectivas relações constantes de
concomitância e de sucessão (leis), advindo daí a possibilidade de previsão.
Dessa maneira, Comte distingue a verdadeira ciência da “simples erudição que
acumula maquinalmente os fatos sem aspirar a deduzi-los uns dos outros”.
Portanto, assevera, método e doutrina são inseparáveis, taxando de metafísica a
possibilidade de se estudar a teoria geral do método, ou seja, excluído de sua
aplicação em cada uma das ciências positivas. Enfim, o método deveria ser
avaliado no seu “uso efetivo”. Por isso, sentencia o autor, somente ao final de
todas as suas aplicações às diversas disciplinas é que o método positivo se torna
verdadeiramente conhecido, em seus aspectos mais importantes. Estes
corresponderiam: a observação, experimentação, filiação histórica (nas ciências
sociais). Comte distingue, logo, entre fatos significativos e não significativos para
o conhecimento científico. Ele descarta seja o empirismo seja o racionalismo, já
que não haveria teorias sem fatos, tampouco inexistem fatos sem teorias gerais
que os informem. Mediante a esse postulado, nem todos os fatos são observáveis
ou significativos.
Ora se, para Comte, a hierarquia entre as disciplinas científicas se alicerça
na disposição legislativa que persevera uma linha contínua do simples geral ao
complexo concreto, na medida em que se aproxima do domínio humano, um
salto fundamental se dá com o advento da biologia, por realizar a passagem do
inorgânico para o orgânico. Várias noções surgem nesse trâmite: consenso,
hierarquia, meio, condições de existência, de relação entre estática e dinâmica,
de órgão e função. Ocorre também a inversão de método com o vetor indo da
síntese para a análise. Sobretudo, a Comte, o modelo biológico proporcionou a
perspectiva funcional, sendo esta muito cara para o seu sistema. Isto porque, de
18

acordo com as proposições próprias ao seu esquema, os fenômenos vitais


compõem o sistema funcional, inextrincável e complexo, distinguindo-se dos
fenômenos mecânicos passíveis de fragmentação e isolamento. A seu ver, a vida
se recompõe a si mesma, como auto-organização.
Mas se a biologia se ocupa dos aspectos anatômicos e fisiológicos da
vida mental, entende Comte, os aspectos ideativos, do psiquismo superior,
inclusive até as suas faculdades afetivas e volitas, estariam a cargo do estudo
sociológico do homem como membro de um grupo. Afinal, conclui, tais
predicados humanos apenas se originariam ou, pelo menos são revelados, no
seio da vida associativa e histórica. A sua nova proposta de uma nova ciência se
justifica, então, por introduzir como problema no estudo do comportamento
humano as leis do desenvolvimento histórico; a ciência social se fundamenta na
observação e na comparação, empregando métodos análogos aos empregados
por outras disciplinas científicas. Mas esses métodos se enquadrariam nas ideias e
diretrizes positivistas das categorias de estática e de dinâmicas, ambas de natureza
sintéticas, porque em um e outro caso o espírito envolve as observações parciais
ao primado do entendimento do conjunto, definido tanto pela ordem de uma
sociedade determinada quanto pelas grandes linhas da história. A “invenção” da
sociologia estaria, nesse sentido, em conexão com o propósito prático de
reorganizar a sociedade. Reformando-a intelectualmente com a finalidade de
sincronizar a mentalidade humana à ordem industrial-científica que se
consolidava. Por outro lado, a sociologia constitui, do seu ponto de vista, o
cume do sistema científico, afinal com a “física social” se atingiria a completa
hierarquia na divisão das ciências. Pois a nova disciplina, além de se utilizar de
todo o estoque de métodos acumulados, introduziria outro elemento
fundamental, a saber, o fato histórico. Assim, o autor pretendia observar a
“filiação histórica”, isto é, a herança sociocultural das diversas gerações humanas.
O que, por sua vez, permitiria entrever o princípio de unidade galvanizador da
“espécie humana” cuja faceta se revelaria no movimento contínuo, histórico,
segundo um esquema evolucionário-progressista da sucessão continuada de
superações entre os estágios, a qual iria do mais simples para o mais complexo. É
19

justamente essa qualidade que inspira o tipo de raciocínio do qual Comte se faz
apóstolo sacerdote.
As duas categorias centrais do seu esquema explicativo são reveladoras
deste raciocínio sócio-histórico, no qual a tônica está depositada na objetividade
coletiva, mas deitaram profundas raízes no imaginário intelectual das ciências
sociais. A ideia de estática consiste essencialmente no estudo do que Comte
chama de “consenso social”. Uma sociedade se assemelha a um organismo vivo.
Assim como é possível estudar o funcionamento de um órgão sem situá-lo no
conjunto do ser vivo, é impossível estudar a político e o Estado sem
contextualizá-los no conjunto da sociedade, em um dado momento. A estática
social comporta, de um lado, análise do conjunto de indivíduos e famílias de
uma coletividade e uma pluralidade de instituições que determinam o consenso,
isto é, que fazem do conjunto dos indivíduos ou famílias uma coletividade e de
uma pluralidade de instituições uma unidade societária. Mas, se a estática é o
estudo do consenso, ela nos leva a procurar saber quais são os órgãos essenciais
de toda sociedade, por conseguinte, a ultrapassar a diversidade das sociedades
históricas pra descobrir os princípios que regem toda ordem social. Já a dinâmica
social parte da descrição das etapas sucessivas percorridas pelas sociedades
humanas. A partir do conjunto, advoga o autor, saberíamos que o devir das
sociedades humanas e do espírito humano é comandado por leis gerais. Como o
conjunto do passado se constitui em uma unidade, deixando entrever as etapas
necessárias do vir a ser histórico, a dinâmica social não se parece com a história
dos historiadores, notabilizada por colecionar fatos ou observar a sucessão das
instituições.
As contribuições de Comte não apenas foram decisivas à circunscrição
da sociologia como um saber científico com pretensões lógico-empíricas, mas
também serviram ao projeto de entendimento das reciprocidades sociohumanas
pelo viés das funções ordenadas dentro de uma sistemática dotada de um
padrão específico de relacionalidade. Ainda que Durkheim e Comte estivessem
de acordo sobre o postulado da necessidade de integração, porém, diante da
crescente complexidade gerada com a diferenciação funcional inscrita na divisão
do trabalho nos sistemas sociais modernos, de saída, a concepção durkheimiana
20

descarta o vínculo entre a nova ciência e os termos da filosofia da história para


interpretar e explicar a passagem história que trouxera a humanidade à
modernidade urbano-fabril.
Em linhas bem gerais, podemos dizer que, segundo o norte ideológico
de Durkheim, a temática do consenso homeostático do organismo possui a
chave que habilita a entrada no núcleo do seu esquema teórico-metodológico.
Ou seja, toca no que lhe é crucial: a definição do objeto próprio à ciência da
sociedade, fator da sua positividade, a saber, as “representações coletivas”. Nesse
sentido, lembra Carlos Moya da dívida de Durkheim para com os pensadores
alemães (Schaffle, Tonnies e Wundt). Da mesma maneira, o autor espanhol
recorda do legado da biologia na formação da sociologia. Ambas estariam
manifestas na concepção “totalista” de sociedade como parece nas Regras do
Método Sociológico. Ali, a sociedade consiste em uma realidade psicofísica, em
uma combinatória entre uma consciência coletiva e um substrato material. A
vertente biologicista está relevada no modelo de uma estrutura anatômica
dinamizada pela organicidade funcional, da qual aquela extrai a própria
vitalidade.
Deixo de lado o dado fisiológico. Vejamos melhor o dado psicofísico.
Ele faz ressoar leituras alemãs (DURKHEIM, 2006) e de alguns pensadores
franceses ocupados com a temática da moral, que trazem as prerrogativas do
evolucionismo para o âmbito o humanístico. Interessa-lhes o engendramento,
realizado pela teoria evolucionista de Darwin, entre a teoria organicista da
compatibilidade das estruturas celulares semelhantes com a versão de uma
dinâmica seletiva calcada na experiência. O interesse esteve na abertura aí
contida: embora ordenada, a vida se dá por uma escala crescente de
diferenciação e complexidade. Schaffle irá pontear as noções posteriormente
intrínsecas ao quadro de raciocínio de Durkheim. Em síntese, o autor alemão se
utiliza do seguinte argumento. Partindo de uma análise morfológica, ele se utiliza
de referencias às analogias orgânicas, mas as diferencia dos processos psíquico-
históricos, isto à medida que sabe distinguir entre as leis mecânicas gestoras do
organismo animal e os laços “ideais” que reagem a coesão social.
Definitivamente, a concepção da “sociedade como ideal” terá relevo destacado
21

na obra de Durkheim. Pois a sociedade é definida de antemão por propriedades


inerentes e irredutíveis aos organismos animais, quer dizer, aos indivíduos. A
garantia da autonomia e objetividade do objeto sociológico tem assegurada sua
reivindicação. O mesmo Schaffle oferece ao sociólogo francês a proposição de
que: se a sociedade é algo não dedutível dos indivíduos, logo, ela os precede e
os superará, influenciando-os e tendo seu destino específico. Em última instância,
o elemento fundamental são os ideais que os indivíduos compartilham,
mantendo-os umbilicalmente coesos, fator impessoal que compõe a “consciência
coletiva”.
Por outro lado, as influências alemãs chegam também pelas correntes
dos pensadores econômicos. Dois autores, Wagner e Schmoller, detêm especial
participação. Ambos descartam o utilitarismo ortodoxo atrelado à perspectiva
individualista. Um e outro vão reconhecer no todo algo semelhante à soma das
partes organizadas e, portanto, distinta das particularidades. A moralidade é,
para eles, apenas compreensível à luz do coletivo. Isto, segundo Durkheim, é
fundamental à conclusão de que é possível estudar as questões morais do prisma
social, epicentro que os originaria. Logo seria possível uma ciência da moral, uma
ciência positiva da moralidade. Possível porque a análise tomaria o ponto de
partida das formas concretas das regras morais, formuladas de acordo com
exigências da sociedade e não graças à vontade de algum indivíduo isolado.
Enfim, as generalidade e complexidade desmentiriam o postulado da vontade
solitária agindo.
Eis o elemento básico a inclusão das ideias de Wundt no esquema de
Durkheim, a saber, a idealidade impessoal. Psicólogo alemão devotado ao papel
significativo da religião na ordem do conhecimento humano, este autor entende
as religiões primitivas como expressões de “especulações metafísicas relativas à
natureza e à ordem das coisas”, além de oferecer regras morais de conduta. A
religião é, portanto, notável força de coesão social, estimulando o
desprendimento e o altruísmo; deixando patente o quanto o individualismo
entrou tardiamente na evolução histórica da humanidade. A idealidade moral é
assim o componente elementar e expressivo da sociedade: a sociedade aí reside.
A perspectiva de Wundt corresponde à sua tese da característica espiritual e dos
22

fenômenos. Estas são “formas de fazer, de pensar e de sentir”, sem com isto seja
preciso reduzi-los a meros fatos psíquicos restritos aos indivíduos, mas compõem
a “consciência coletiva”. As representações coletivas são, na apropriação
durkheimiana, os estados da consciência do sujeito coletivo – a sociedade – e são
os fatos sociais por excelência, desse modo, constituem um plano heurístico à
observação empírica dos sociólogos.
Há aqui um deslocamento epistemológico com sensível rebatimento
sobre a dimensão filosófica. Pois, ao situar na sociedade a fonte do
conhecimento, Durkheim vira as costas a todo centramento no homem. Ao
mesmo tempo, a sua postura positivista procura uma proporção simétrica no
controle da razão mediante a experiência sensível, sem tripudia-la como mero
traço material da vida do indivíduo. A religião e a moral são reconhecidas como
expressões deste equilíbrio. E o entendimento destas revelaria o percurso que nos
conduziu ao estágio positivo do conhecimento. A sociologia do conhecimento
encontra em Durkheim. Vejamos amiúde o deslocamento sugerido, afinal ele nos
ajuda a entender melhor a natureza do objeto sociológico como pensar do por
Durkheim. Antes, é preciso considerar o fato de que, para Durkheim, as
representações coletivas são definidas enquanto “estados da consciência
coletiva”, logo “diferentes em natureza dos estados da consciência individual”. Já
que elas exprimem “o modo pelo qual o grupo se concebe a si mesmo em suas
relações com os objetos que o afetam”. Vale colocar em evidência o modo
mesmo como o autor concebe os fenômenos sociológicos e a maneira que lança
mão para os classificar.
Contudo, com a finalidade de melhor esclarecer a natureza das
categorias do entendimento como o social, tornando-se espécie de a priori, no
esquema de Durkheim, volto seletiva e resumidamente à maneira como o
próprio Kant elaborou o tema dos a priori do entendimento. Nesse sentido é
justo reconhecer qual foi o projeto filosófico do autor alemão. Indisposto com
os eixos dicotômicos marcantes da sua época, imprensada entre o racionalismo e
o empiricismo, Kant traz a alternativa do método transcendental. Este deveria
cumprir por tarefa o aclaramento da razão como juiz da razão. Duas metas
compõem o núcleo do projeto da crítica (juízo): a) Determinar a natureza dos
23

interesses e fins da razão; b) Definir os meios viáveis e legítimos à realização de


tais interesses.
Para o que nos interessa, vamos nos ater ao primeiro livro, A Crítica da
Razão Pura. Nele, Kant se empenha em desvelar a “faculdade do conhecer”.
Sabendo, de antemão, que faculdade consiste na relação entre a representação e
algo que lhe é externo, ou seja, remete ao nexo sujeito e objeto. Já a
representação significa a síntese do que se apresenta. Deste ponto de vista, na
Crítica da razão Pura a questão é expor a relação de conformidade entre o
objeto e a representação. O conhecimento, em Kant é, portanto, a síntese de
representações, aquilo que está a priori à experiência, logo é universal e
necessário. Tratando-se, assim, de uma regra que não apenas subordina a
experiência, mas sobretudo a conforma. Diz o próprio Kant:

A universalidade empírica é, assim, uma extensão arbitrária da validade,


em que se transfere para a totalidade dos casos a validade da maioria,
como por exemplo, na seguinte proposição: todos os corpos são
pesados. Em contrapartida, sempre que a um juízo pertence,
essencialmente, uma rigorosa universalidade, este juízo provém de uma
fonte particular de conhecimento a priori. Necessidade e rigorosa
universalidade são pois os sinais seguros de um conhecimento a priori e
são inseparáveis uma da outra. (KANT, 1997, p. 38).

E mais adiante, ele acrescenta conclusivamente:

É fácil mostrar que há realmente no conhecimento humano juízos


necessários e universais, no mais rigoroso sentido, ou seja, juízos puros a
priori. Se quisermos um exemplo, extraído das ciências, basta volver os
olhos para todos os juízos da matemática; se quisermos um exemplo,
tirado do uso mais comum do entendimento, pode servir-nos a
proposição, segundo a qual todas as mudanças têm que ter uma causa.
Neste último, o conceito de causa contém, tão manifestamente, o
conceito de uma ligação necessária com um efeito e uma rigorosa
universalidade da regra, que esse conceito de uma causa totalmente se
perderia, se quiséssemos derivá-los como Hume o fez, de uma associação
freqüente do fato atual com o fato precedente e de um hábito daí
resultante (de uma necessidade, portanto, apenas subjetiva) de ligar entre
si as representações. Poder-se-ia também demonstrar, sem haver
necessidade de recorrer a exemplos semelhantes, a realidade de
princípios são imprescindíveis à própria possibilidade da experiência,
conseguinte, expor sua necessidade. Pois onde iria a própria experiência
buscar a certeza, se todas as regras, segundo as quais progride, fossem
continuamente empíricas e, portanto, contingentes? (Op. cit., p. 38-
39).
24

A metafísica em Kant é definida como a ciência competente para


determinar a possibilidade, os princípios e a extensão de todo o conhecimento a
priori. E o conhecimento a priori é o próprio conhecimento racional, o qual
submete os objetos à sua faculdade superior de conhecer. Sendo os objetos não
as “coisas em si”, mas as coisas tal qual elas parecem, enfim, os fenômenos. Deste
modo, embora a síntese a priori não se subsuma, à medida que é independente
da experiência não pode se furtar aos objetos da experiência. Assim Kant
distingue dois aspectos mutuamente referendados do conhecimento:
sensibilidade e entendimento. Em relação à primeira, corresponde o acesso aos
objetos; o entendimento é o pensar os objetos. O último aspecto é o
fundamento da teoria transcendental, por sua característica cognitiva:

Na medida em que a sensibilidade deverá conter representações a priori,


que constituem as condições mediante as quais os objetos nos são dados,
pertence à filosofia transcendental. A teoria transcendental da
sensibilidade deve formar a primeira parte da ciência dos elementos,
porquanto as condições, pelas quais unicamente nos são dados os objetos
do conhecimento humano, precedem as condições segundo as quais esses
mesmos objetos são pensados (Op. cit., p. 56).

No rescaldo desse arranjo se torna evidente ser incontornável o lugar


das categorias do entendimento no esquema kantiano. De um lado, refere-se às
autonomia e legitimidade da razão para legislar sobre os objetos, no interesse da
razão em conhecê-los; no seu interesse especulativo-puro, universal e necessário.
Posto, então, que o fato do conhecimento são as representações a priori, formas
a priori da intuição, como espaço e tempo. As categorias do entendimento
dizem respeito a conceitos a priori, cruciais à própria conformação do objeto
dado pela experiência. As categorias do entendimento regulam as representações
derivadas da experiência. Existe em Kant o postulado de uma submissão do
objeto ao sujeito, porém este sujeito é o juízo cognoscente (o “eu epistêmico”).
A imediatez expressa a característica fenomênica do objeto, pois o aparecer do
objeto subentende um espaço e tempo, sendo estas categorias do entendimento
que presidem sua representação, quer dizer, são a condição de possibilidade de
serem reapresentados, expostos. Diz ele: “Como é unicamente mediante estas
puras formas da sensibilidade que uma coisa pode aparecer-nos, isto é, tornar-se
objeto da intuição empírica, o espaço e tempo são puras intuições que contém a
25

priori a condição da possibilidade dos objetos como fenômenos.” Apenas diante


desta lei, os objetos podem compor uma natureza sensível.
A intervenção durkheimiana se revela dúbia frente ao legado de Kant,
isto, no instante em que se mostram decisivos os seguintes deslocamentos no
debate sobre ordem e entendimento: da filosofia para a ciência social, da razão
pura para a razão social. Para apreender o quanto de agudo há nestes
deslocamentos se faz urgente incluí-los naquele debate intelectual-acadêmico
posto na matriz da própria Escola Sociológica Francesa. Porque o
aprofundamento realizado por Durkheim e seus colaboradores nas categorias do
entendimento, inserindo-as no concerto histórico sociocultural, ainda que vivido
como “natureza” nas representações coletivas, fora sem dúvida radical para a
conformação da sociologia como discurso sobre a verdade e disciplina científica
autônoma, justamente ao tomar da filosofia a prerrogativa da investigação e
interpretação do ordenamento e, no reverso, reconhecer na ideia mesma de
ordem um valor, fonte primaz do bem, mais especificamente, o bem coletivo.
Algo assim se deu pela ruptura com o legado kantiano contido na
Crítica do Juízo Analítico, no contexto francês da segunda metade do século
XIX. Contexto este fermentado pelo confronto entre correntes idealistas, de
inspiração hegeliana, e uma ascendente onda neokantiana, alimentada em parte
pelos resultados das sublevações liberais e restaurações aristocráticas estendidas
desde a Revolução de 1789, grassando estalidos em 1815, 1847, 1851 e 18703.
Situação polar no campo intelectual, mas com repercussões políticas seja nas
iniciativas popular-revolucionárias seja no bojo daqueles segmentos de
características mais propensas a propostas reformistas. Em ambos, o ponto
nevrálgico estava na interseção entre apreender as linhas mestras de tal arranjo
social e, desde aí, intervir fomentando ou a ruptura ou a reacomodação dentro
dos princípios normativos estabelecidos. Inscrito nesse contexto, desponta o
problema acerca das representações que orientam as condutas e emergem como

3Como argumenta Geoffrey Hawthorn, ao longo deste período a França conheceu a retomada
permanente das mesmas questões, as quais deixaram em cheque a estabilidade institucional do
país, na medida em que as batalhas entre monarquistas e republicanos ativam rancores mútuos
(HAWTHORN, 1982, p.118-119).
26

objeto de interesse político e filosófico-científico4. Em se tratando da França, as


vertentes kantiana e hegeliana, a um só tempo, enfrentaram-se e se fizeram
complementares, no instante em que estavam em jogo os laços entre
conhecimento e interesse. Por intermédio da obra do filósofo de filiação
neokantiana Octave Hamelim, Ensaio sobre os Elementos Principais da
Representação (Essai sur les Eléments Principaux de la Representación), tais
vertentes filosóficas repercutiram sobre a pretensão, mais tarde, da Escola
Sociológica Francesa em desenvolver o estudo das categorias do entendimento
das “sociedades e povos concretos, como condição prévia à compreensão do
pensamento humano...” (OLIVEIRA, 1988, p. 28). A despeito de muitas
celeumas, o círculo neokantiano francês retoma do criticismo do mestre aquele
postulado de que a percepção humana é capaz de agir a partir de
representações (referentes, a priori).
Obstinado com esta questão, formou-se o célebre “trio brilhante” na
Faculdade de Letras de Bordeaux: Hamelin, George Rodier e o jovem
provinciano da Alsacia Lorena, Émile Durkheim, de origem judaica proveniente
da cidade de Lorraine. Os três pensadores estiveram sob a inspiração dos
estudos do igualmente neokantiano Charles Renouvier, na Escola Normal
Superieure, onde estudaram filosofia, na passagem das décadas de 1870 a 18805.
A ressonância do professor Renouvier nos jovens e futuros acadêmicos esteve
aliada à atitude tenaz do mestre na defesa da dignidade do indivíduo, mas a
articulando à moralidade ao imperativo de uma prioridade da razão. Contudo,
o apriorismo da razão para ele deveria estar subordinado aos ditames da
prática. Tal postura era coerente com a ênfase republicana progressista
compartilhada por intelectuais liberais ou socialistas, na Terceira República
francesa. Não cabe esmiuçar agora as filiações e apropriações propiciadas por
esse ambiente acadêmico e político com a finalidade de identificar até que

4 Sob esse aspecto, é possível destacar dois expoentes notáveis na polarização descrita e
elementar à sociedade industrial no mundo europeu da primeira metade do século XIX, cujas
propostas obtiveram repercussão na montagem da ciência social. De um lado, August Comte e
o projeto de reorganizar a sociedade adequando as mentalidades ao estágio positivo-científico
da evolução da humanidade, em que a impessoalidade engata primado republicano e
coletivismo moral. De outro, o empenho revolucionário de Marx e Engels, embora igualmente
científico-historicista, mas compromissado com a utopia comunista da sociedade sem classes,
embutindo tons proféticos e milenaristas nos postulados da filosofia natural.
5 As informações biográfico-intelectuais arroladas são extraídas de LUKES (1973).
27

ponto as proposições hegelianas ressoam em Durkheim. Vale ressaltar apenas


que as transformações críticas levadas a cabo na reflexão de Kant, por
Durkheim, traduziram-se na afirmação das categorias do entendimento como
históricas e não tão-somente lógicas. O que, óbvio, o afastou definitivamente de
Hamelin. Ainda assim, à semelhança deste último, Durkheim entende no espaço
e no tempo categorias do pensamento e adere à relação entre realidade e
fenômeno. Ambos afirmam o postulado kantiano de que as categorias
compõem um quadro sólido do raciocínio humano; não são contingentes como
as demais representações; concluem que não podem faltar ao espírito como a
ossatura ao corpo. Deste modo, Durkheim as reconhece – as categorias – como
conceito e, assim, sublinha a potencialidades delas à universalização. Isto, ao
serem capazes de transmissão a uma pluralidade de espíritos, a despeito e
independente das respectivas extensões dos últimos, devido às propriedades
daquelas, portanto, aplicarem-se a todos os entendimentos.
Algo assim permite ao autor eleger o conceito como representação
coletiva por excelência, na medida em que é a plenitude da representação
impessoal, geral e externa a qualquer dos estados da consciência individual. E,
também, toma o conceito como a representação coletiva por excelência6, já que
consistiria no ato do ser especial, a sociedade, de pensar as coisas da sua própria
existência. Proposição exposta no trecho abaixo, extraído de uma passagem de
As Formas Elementares da Vida Religiosa, em que a primordialidade da vida
religiosa é destacada, ao ver nela concentrada, na situação ritual do culto, as
representações coletivas, o estado pleno da consciência social, sólida e
impermeável:

Porque o que faz o homem é aquele conjunto de bens intelectuais que


constitui a civilização, e a civilização é obra da sociedade. E assim se
explica o papel preponderantemente do culto em todas as religiões,
quaisquer que elas sejam. É que a sociedade só pode fazer sentir sua
influência, se ela for ato, e ela só é ato se os indivíduos que a compõem
estão unidos e agem em comum. É pela ação comum que ela toma

6 Poderíamos a esse respeito especular sobre a proximidade entre Durkheim e Hegel, na medida
em que para ambos o sujeito não consiste na consciência isolada, mas na antecedência do
“nós”. Ainda assim, certo cuidado deve presidir a aproximação, porque na visão hegeliana
sobressai o espírito como a consciência que se sabe consciência, capaz de se autodeterminar;
posicionamento jamais acatado no projeto sociológico de Durkheim de uma objetividade
societária como fonte lógica e moral do agir pessoal.
28

consciência de si e se impõe; ela é, antes de tudo, uma compreensão


ativa. Até as idéias e os sentimentos coletivos só são possíveis graças a
movimentos exteriores que os simbolizam, conforme estabelecemos.
Portanto, é a ação que domina a vida religiosa pelo simples fato de que
ela tem por fonte a sociedade (DURKHEIM, 1989, p.290).

Por não terem como substrato o indivíduo, conclui Durkheim, as


representações coletivas advêm da exterioridade abrangente da totalidade social
ou, ainda, dos grupos parciais nela encerrados (DURKHEIM, 1969, p.03). Ao se
situarem fora dos indivíduos e possuírem independência em relação às
consciências daqueles e, sobretudo, deterem a qualidade de os superar, pela
generalidade do coletivo, as representações coletivas se impõem; são coercitivas
justamente porque correspondem a pressões sociais sobre os indivíduos
(tendências internalizadas na consciência individual). As representações coletivas,
ainda que sejam veiculadas nas ações de indivíduos, não lhes são inerentes, mas
elas compreendem o complexo societário composto capaz de ultrapassar, assim,
cada membro em específico e mesmo a soma das partes. Quer dizer, as crenças e
práticas religiosas, às da moral, os inúmeros preceitos do direito, todas as
manifestações da arquitetura coletiva, impor-se-iam de fora ao indivíduo. As
representações coletivas têm, enfim, caráter de “obrigatoriedade” – ao não
dependerem do âmbito individual, mas derivarem de um “poder moral” que
lhes transcende, à maneira de Deus (a própria transliteração da sociedade no
sagrado contínuo, intocável, temível e adorado como o bem em abstrato e o
supremo poder). Donde se conclui que, no entendimento de Durkheim, a
integração de um sistema de ação é produzida no ajuste de um consenso
assegurado normativamente, devido ao acordo com o papel desempenhado
pelas representações coletivas, tendo em vista as etapas da diferenciação
funcional-estrutural dos sistemas sociais. São as representações coletivas este
elemento outro capaz de, ao exceder às consciências individuais, persuadi-las à
integração, para além dos fins utilitários daquelas e estão, igualmente, na
soldagem das ações humanas enquanto partes de um sistema de valores últimos;
são tais valores a justificativa primordial dos atos e, assim, mostram-se
obrigatórios como o próprio bem perseguido. Outra vez, o encadeamento entre
moralidade e classificações sociais como mecanismo ordenador ajustando,
correlacionando e dispondo pessoas e coisas aponta, assim, à primazia gozada
29

pelo postulado da estabilidade impessoal no esquema teórico-analítico do autor,


o qual contracena com os limites axiológicos da sua concepção de realidade.
Para Durkheim, estão evidenciadas as representações coletivas enquanto
formas cognitivas de adequação do sentir, além de crenças e de orientação das
práticas que apresentam a propriedade marcante de existirem fora das
consciências individuais, irredutíveis às representações oriundas das impressões
sensoriais. Mas não se pode reduzir as categorias do entendimento a qualquer
entre as representações coletivas, já que estas últimas podem variar de uma
sociedade para outra. Como observa Luís Roberto Cardoso de Oliveira (1993),
enquanto instrumento primordial seja do conhecimento seja da comunicação
humanas, as categorias do entendimento constituem os referenciais à construção
de outras representações coletivas, ou seja, todas as inferências que façamos da
realidade, no ato de classificar e ordenar obediente a modelos fornecidos pela
sociedade, tem por sustentáculo as categorias do entendimento por estarem
justamente na condição de ajustar as discrepâncias do real, por meio dos
dispositivos classificatórios e de ordenamento, os quais são apriorísticos e
necessários, logo, universais (OLIVEIRA, 1993, p.03-04).
Escrito a quatro mãos com Marcel Mauss, no ensaio Algumas Formas
Primitivas de Classificação, Durkheim traça exatamente a conexão existente entre
racionalidades e os modos de classificação com a “história do espírito humano”,
a razão universal, mas sublinha as totalidades reciprocidades, isto é, a sociedade
como ente de precedência cognitivo-moral sobre os indivíduos como a fonte
promotora do (e que fornece os subsídios ao) empenho lógico-taxonômico. Vale
anotar, contudo, que os autores já reconhecem uma via de mão dupla, pois a
grade classificatória age mutuamente sobre as relações sociais que a geram:

O que caracteriza estas últimas (as classificações) é que as idéias são


aí organizadas segundo um modelo fornecido pela sociedade. Mas, uma vez
que a organização da mentalidade coletiva existe, é suscetível de reagir
sobre a causa e contribuir para modificá-la. (DURKHEIM & MAUSS, 1981,
p.419).

Chega-se aqui ao ponto culminante da doutrina e do esquema teórico-


analítico durkheimiano. Pois, no quadro delineado, as categorias de gênero ou as
categorias de tempo (tendo por causa o ritmo da vida social) ou, ainda, a de
30

espaço (devido à ocupação do território pelo grupo), além das de força


(representativa da ação compacta coletiva e base da categoria mesma de
causalidade) e de totalidade (cuja abstração é a forma mesma da sociedade)
sinalizam para o pesquisador que todo este construto intelectual se ergue sobre a
premissa de que cabe – citando o autor – “submeter o variável sob o
permanente, o individual sob o social”. Então, posto que o “pensamento lógico
começa com o conceito, segue que ele – o pensamento lógico – sempre existiu.
Não há período histórico durante o qual os homens viveram de uma maneira
crônica na confusão e na contradição.” (Op. cit.). Nesta sutil crítica à ideia de
pensamento pré-lógico, defendida pelo seu contemporâneo Lévi-Bruhl, evade o
apelo ao primado da ordem contido na característica de impessoalidade com a
qual o autor descreve a imperiosidade coletiva dos quadros permanentes da vida
mental. Precedência da razão social, ou melhor, dos apriorismos societários
sobre as ideias individuais; vale recordar: os a priori sociais estão, agora,
elevados ao status do critério de aceitação do que seja reconhecido como
humano. O trecho seguinte é elucidativo em si mesmo: “Um homem que não
pense por conceito não será um homem; pois não seria um ser social.” (Op. cit.).
Vê-se que o núcleo de todo o suposto está fundado em um mesmo ponto de
partida dicotômico, alargado em espiral, qual seja: todo versus parte; coletivo
versus individual; sagrado versus profano; complexo versus elementar; conceitos
versus sensações; regras morais versus apetites sensuais. E todos estão
atravessados pela decisão a partir da qual Durkheim coloca a sociedade como
substância moral suprema e motor cognitivo das representações coletivas. O que,
por sua vez, tem por alicerce a crença no fato de que a generalidade é o critério
independente e orientador do individual.
Acatando a orientação de Pierre Bourdieu (2000, p. 38-39), de que nas
ciências sociais a ruptura lógica está, muitas das vezes, implicada em rupturas
sociais, notamos que os efeitos da elaboração de Durkheim a respeito do tema
do entendimento humano são de amplas proporções. Diria estar no gesto
durkheimiano muito do ponto de mutação ôntico-cosmológico, àquela altura
do século XIX europeu, em que a antropocéia declina, ou melhor, é abarcada
pela importância adquirida pelo gênero e a espécie humana, em suas
31

impessoalidades: as historicidades e estruturas de ambas subordinam, nas teias


das reciprocidades ou das interdependências biopsíquicas e sociofuncionais, o
primado da razão subjetiva na condução do entendimento humano. Não é
casual o fato de Comte ter feito derivar a sociologia da biologia, principalmente
na relação por ele estabelecida entre as sínteses orgânicas e os fenômenos de
psiquismo (COMTE, 1987; BENOIT, 1999, p.273-358). Para ele, a biologia, por
entrecruzar o orgânico ao inorgânico, mas inserindo o elemento vital, antecipa
o fenômeno do psiquismo resultante da dimensão cósmica constituída pela
humanidade, na dupla face de espécie composta por indivíduos e ente coletivo
histórico-moral. Nesse sentido, a antropocéia cede lugar à sociodicéia, isto é, o
enlace de forças impessoais supraindividuais, mas mundanas dispostas na
explicação e justificativa dos infortúnios da vida, cumprindo agora a sociologia a
tarefa de desvelar nas redes das dependências mútuas entre pessoas e seus
suportes institucionais, acomodados na história social e natural, as razões que
determinam os destinos pessoais e do devir geral.
Em Durkheim, o sujeito do entendimento é a sociedade, em lugar do eu
epistêmico kantiano e nem tampouco corresponde à consciência em sua epopeia
até à emancipação, de acordo com a narrativa de Hegel. Ainda assim, o autor
não abre mão do imperativo da universalidade calcada na unidade de
ordenação societal transpassando quaisquer experiências humanas, a qual se
encontra na impessoalidade do conceito, condição básica de todo o
entendimento. Entretanto, constrange o mesmo princípio universalista ao lançá-
lo no torvelinho da história, no instante em que advoga o indissociável vínculo
das modalidades do entendimento com as diferentes formas e formatos das
solidariedades sociais na transformação das sociedades simples para as
complexas. Em se tratando do tema dos a priori do entendimento humano,
mantida a tônica na ordem social, desponta o dilema sobre as propriedades
mediadas em sua unidade, o que incita a questão em torno dos modos
operacionais desta unificação, tendo por materiais elementos dispares e
heteróclitos entre si, mas também os fatores com incidência na sua reprodução,
no tocante ao problema do tempo, na tensão posta pela conjunção do controle
com a conjuntura.
32

Para encaminhar a discussão, é oportuno o modo como Immanuel


Wallerstein discrimina e descreve três axiomas, a seu ver, canônicos à cultura
disciplinar sociológica. Esta teria por fundamento três “simples” proposições
devotadas ao entendimento da realidade sócio-histórica. São elas: a “realidade
dos fatos sociais”, a “perenidade do conflito social” e a “existência de um
mecanismo de legitimação para conter o conflito” (WALLERSTEIN, 2002,
p.270). A partir de igual ponto de partida, constituído em torno do problema da
ordem nos fenômenos sociais, seguem os seguintes enunciados com a pretensão
de serem evidentes em si mesmos. De início, a formulação racionalista, que
escudada no postulado funcionalista assegura existirem grupos sociais dotados de
estrutura racionais aptas a serem explicadas no tocante ao equilíbrio interno ao
ajuste entre as partes e destas com a totalidade. Já, na contraface, a vertente
marxista cuja visada classista-dialética dispõe o segundo axioma destacando os
conflitos, já que deposita a tônica nas clivagens internas a todos os grupos e tais
subgrupos estão interligados por intermédio de esquemas hierárquicos, tendo
por contrapartida o conflito entre eles. Finalmente, o terceiro axioma é a
resposta weberiana ao mesmo problema do ordenamento, porém a atenção
conferida às unidades sócio-políticas retém, das modulações ou interrupções nas
linhas de comando, a maneira como as facções subalternas estão motivadas ou
não a legitimarem a arquitetura de dominação de uma autoridade (MOYA, s.d.,
p.13-35).
A luz da inferência de Wallerstein, ainda focalizando o legado de
Durkheim, eu me atenho à prioridade devotada por este último autor no
problema em torno dos ordenamentos, em seu esquema teórico-metodológico.
Esquema no qual ideal e consenso estão consorciados à prioridade das
representações coletivas. A esse respeito, vale lembrar que entre Saint-Simon,
Comte e o próprio Durkheim, além da origem francesa, outro fator os
aproxima: o horizonte instaurado pela combinatória entre os efeitos da
revolução francesa (político-ideológica) e as interpelações provocadas pela
mecanização da produção na Inglaterra, ambas na metade final do século XVIII.
Os três autores comungam da mesma angulação científico-racionalista sobre o
conhecimento, mas o entende subordinado às diretrizes positivas da busca de
33

evidências empíricas das especulações. De maneira matizada, é verdade, eles


também advogam a necessidade da reorganização do plano moral dos homens,
visando adequá-la à nova estrutura social, de cunho urbano-industrial (Op. cit.,
p.267-69-70). Mais próximo a Comte neste sentido, Durkheim compartilha da
defesa de um primado moral e este suporia o equilíbrio entre as componentes
da totalidade social, isto é, um consenso cuja normalidade personificar-se-ia no
estado de saúde coletiva. Então, tudo aquilo posto à exceção desta harmonia
seria patológico, ou seja, de acordo com o vocabulário do autor, anômico. Indo
mais precisamente ao ponto, o normal e o moral são apreendidos enquanto
análogos à medida que ambos dizem respeito à generalidade no interior de uma
espécie social, em um determinado momento da escala histórico-evolucionária.
Por isso, no rastro de Comte, caberia à ciência detectar os focos perniciosos
internos ao organismo social. A identificação do elemento mórbido facultaria à
sociedade, quando consciente, intervir empreendendo a autocura, na sua
“reorganização” (COMTE, 1977)7.
Muito embora seja adepto da crença na superioridade da racionalidade
científico-positiva, ao contrário da premissa comteana sobre um estado de
absoluto domínio da racionalidade científica, Durkheim não deriva a moral da
ciência, nem tampouco supõem esta como autossuficiente para soldar toda a
sociedade, a despeito de outros “cimentos”. Enfim, se o teor da reforma
proposta por Durkheim é igualmente intelectual, à maneira de Comte, no

7 Foucault chama atenção ao fato de que, no curso do século XIX, os empréstimos de modelos
das ciências da vida feitos pelas ciências do homem teriam derivado principalmente da estrutura
disjuntiva da polaridade entre o sadio e o mórbido: “Quando se falar da vida dos grupos e das
sociedades, da vida da raça, ou mesma da “vida psicológica”, não se pensará apenas na
estrutura interna do ser organizado, mas bipolaridade médica do normal e do patológico. A
consciência vive, na medida em que pode ser alterada, amputada, afastada de seu curso,
paralisada; as sociedades vivem, na medida em que existem algumas, doentes, que se estiolam,
e outras, sadias, em plena expansão; a raça é um ser vivo que degenera; como também as
civilizações, de que tantas vezes se pôde constatar a morte. Se as ciências do homem
apareceram no prolongamento das ciências da vida, é talvez porque estavam biologicamente
fundadas, mas é também porque o estavam medicamente; sem dúvida por transferência,
importação e, muitas vezes, metáfora, as ciências do homem utilizaram conceitos formados
pelos biólogos; mas o objeto que eles se davam (o homem, suas condutas, suas realizações
individuais e sociais) constituía, portanto, um campo dividido segundo o princípio do normal e
do patológico. Daí o caráter singular das ciências do homem, impossíveis de separar da
negatividade em que apareceram, mas também ligadas à positividade que situam,
implicitamente, como norma.” (FOUCAULT, 1988, p.40).
34

entanto a unidade ciência-pedagogia – para ele – desempenha papel decisivo no


equacionamento de problemas de ordem coletiva, no instante em que a ciência
permaneça um núcleo de produção de conhecimento. Assim, a natureza
reflexiva do saber científico não estará sujeita às prefixações de prazos inerentes
às encomendas visando atender interesses parciais embebidos de paixões e
ideologias (ORTIZ, 2002, p.116-119). Estão claros, para Durkheim, os limites
entre ciência e política. Em se tratando da última, a conexão sociologia-
pedagogia cumpriria a tarefa de propagar princípios da moralidade condizentes
com a nova ordem da III República francesa. O projeto é tributário do lugar
central ocupado pelo tema do ideal no esquema conceitual do autor, ao estar
em reciprocidade com o seu entendimento do consenso. Repetindo a
interpretação de Custódia Selma Sena, o reformismo intelectual durkheimiano
deita sobre o postulado de que toda a possibilidade de manutenção de um
estado de paz na sociedade repousa na existência de sentimentos comuns aos
indivíduos, sentimentos criados pela posse de uma linguagem, de um sistema de
crenças, de uma moral, de um direito, de um sistema lógico comum; em suma,
pelo fato de os indivíduos compartilharem as mesmas representações coletivas
(SENA, 1984, p.136).

Os clássicos e os “mundos” sociológicos

O breve retorno aos epígonos da chamada Escola Francesa, e nesta a


retomada da premissa em torno da natureza impessoal da sociedade, uma vez
mais aciona a recorrente controvérsia que eclode no instante em que intérpretes,
de distintos matizes, põem-se a comparar, contrastivamente, as ciências sociais
das suas congêneres “naturais”. No núcleo do dilema pode estar, entre outros
pontos de discórdia, as motivações para a permanência da figura dos “clássicos”
no interior das nossas disciplinas. Argumenta uma das partes: algo assim não seria
verificado nos campos científicos mais – diríamos – “duros”.
Para ilustrar tal posicionamento e em face do tom enfático, mas original
que aplica à sua inferência, resgato algumas das postulações do sociólogo e
metodólogo estadunidense Robert K. Merton. Publicados ao longo das décadas
de quarenta, cinquenta e sessenta do último século, alguns dos artigos do autor
35

são contundentemente críticos da presença dos clássicos nos domínios das


ciências em geral e na sociologia, em particular. Sumarizo o que há de nodal no
seu argumento.
Inscrito na tradição positivo-empiricista, Merton adota como modelo de
teoria sistêmica as ciências naturais; interessa-lhe nestas últimas o procedimento
adotado na formalização do conhecimento empírico e, desde aí, a formulação
de leis causais explicativas. De acordo com o autor, a sistematicidade resulta da
condução do processo de conhecimento, no instante em que as leis explicativas
seriam testadas mediante experimentos. Daí em diante dar-se-ia o acúmulo do
conhecimento plausível. Justamente em razão desse estoque de saberes
sistematizados estariam descartados os textos canônicos, enfim, os chamados
“clássicos”. Desta perspectiva, a atuação cotidiana, do pesquisador comum, seria
fundamentalmente mais eficiente do que qualquer eminente cérebro do passado
na resolução de problemas postos na tarefa de produzir conhecimento. Merton
conclui, assim, sobre a necessidade de restringir o culto às personalidades à
história das disciplinas.
É nítida a distinção estabelecida por Merton entre história e ciência, ou
melhor, entre historiografia e sistemática. Confundir um e outro domínio, para
ele, implica em inviabilizar a produção do acúmulo de conhecimento científico,
possível tão-somente mediante a pesquisa empírica. A seu ver, diante de tantas
pressões, a maioria dos sociólogos abdica à tarefa de cientista em nome da
priorização humanista e isto redunda em “tendências intelectualmente
degenerativas”. A natureza degenerativa decorreria do apego a estudos antigos,
ultrapassados; isto diria respeito à mera “exegese” dos “ancestrais ilustres”. O
enfrentamento seria entre a esterilidade da “erudição” e a possibilidade de
penetrar em âmbitos empíricos novos. O único tratamento que o autor reserva
aos textos ditos clássicos reduz-se a servirem de fontes de dados e de teorias não-
verificadas, contribuindo portanto ao acúmulo de saberes. Do ponto de vista da
história da disciplina, ele ressalva que se deve recuperar, apenas, o ambiente
deflagrador das idéias e não o teor destas últimas.
A perspectiva defendida por Merton é de um desenvolvimento contínuo
e progressivo da ciência. Algo assim implica em reconhecer nos trabalhos de
36

outras épocas “antecipações”, “esboços” do conhecimento presentemente


evidenciado. Não é difícil notar ser o parâmetro empírico o único detentor de
legitimidade para Merton e, em face dele, o autor percebe a semelhança entre as
ciências naturais e as sociais. Afinal, não seriam as escolas e as tradições que
pavimentam o processo de conhecimento sociológico, mas o referedum da
operação empírica, propiciando acumulação.
Feito este apressado resumo do argumento de Merton, teríamos tantos
problemas a levantar, porém seria extrapolar os nossos objetivos, aqui.
Queremos apenas reter algo que parece saltar da proposta do autor, qual seja, a
tendência em passar ao lardo da diferença ontológica entre o objeto respectivo
das ciências sociais e das naturais, com isto voltando às costas aos impactos dessa
distinção no plano dos procedimentos analíticos em um e outro domínio de
disciplinas científicas, a despeito dos elementos comuns entre ambos. Explorar tal
aspecto nos permitirá acessar à referida questão dos clássicos, agora por um
outro viés. Tal viés compreende a centralidade ocupada pelo tema do valor e
das valorações no plano da produção e dos usos do conhecimento científico.
Com a finalidade desenvolver o raciocínio, eu lançarei mão de determinada
premissa do também epistemólogo e sociólogo norte-americano Jeffrey
Alexander. Crítico da concepção de Merton, Alexander aposta que nas ciências
sociais as considerações gerais e não-empíricas desempenham papel crucial na
formulação do conhecimento produzido. E isto o leva a supor o por que da
importância dos clássicos para as nossas disciplinas. Entende ele, calcado em
Thomas Kuhn e Habermas, estarem as atividades científicas obedientes aos
modos de percepção prevalecentes em determinada comunidade científica,
durante um período igualmente específico. Essas atividades seriam galvanizadas
por aquilo definido como problema à luz de “paradigmas” ou “consensos”
discursivamente obtidos, mas que orientam os fazeres dos pesquisadores. Logo,
apenas no instante em que ocorrem dissensos a respeito dos postulados básicos,
ganham primazia os debates sobre a filosofia da ciência e as discussões acerca dos
fundamentos desta. Ora, nas ciências naturais as dimensões não-empíricas
permaneceriam encobertas, já que apenas os agentes fariam uso dos dados
empíricos e das teorias exclusivamente voltadas para essa base empírica de
37

observação. Procedimento cujo princípio afasta o mais atual do referencial


fornecido pelos clássicos, isto se tivermos em mente que perceber os últimos é
reconhecer o “status esclarecedor” gozado pelos textos canônicos, em equilíbrio
de relevância com as teorias recentes. Na contramão, nas ciências empíricas são
priorizados os modelos, quer dizer, “exemplos concretos de trabalhos empíricos
bem-sucedidos”. De acordo com as palavras do autor, tratam-se de...

(...) exemplos do tipo das imponentes soluções de problemas que


definem os campos paradigmáticos. Embora os modelos encarnem
empreendimentos metafísicos e não-empíricos de várias espécies, são
em si mesmo padrões específicos de explicação do mundo.
Necessariamente incluem definições e conceitos, mas encaminham
aqueles que os estudam para questões operacionais e técnicas. Mesmo
com toda a sua especificidade, os modelos desempenham um papel
apriorístico. São apreendidos em manuais e laboratórios antes que os
neófitos se mostrem capazes de determinar por si mesmos se são ou
não verdadeiros. Em suma, são absorvidos porque gozam de posição
privilegiada no processo de socialização e não porque tenham
validade científica. Os processos de aprendizado são os mesmos na
ciência social: a diferença é que os cientistas sociais absorvem tanto
clássicos quanto modelos. (ALEXANDER, 1999, p.35).

Se em ambos os domínios do saber científico são comuns aspectos não-


empíricos e estes compõem propriedades da socialização do pesquisador
mediante o aprendizado que os habilita à pesquisa, no entendimento de
Alexander a permanência dos clássicos nas ciências sociais se deve ao grau
acentuado de discordância que dinamiza essas disciplinas. Isto faria com que os
fundamentos nelas sejam permanentemente acionados, o que tornaria
improvável um consenso sobre a “natureza exata do conhecimento empírico”,
além de deixar em dúvida a inviolabilidade de leis explicativas. A questão em
torno da verdade proporcionada pelas ciências humanas se estenderia para além
do plano empírico, incidindo sobre os tantos planos que a compreende. Deste
modo, para o epistemólogo, a sociologia se define tanto como um “campo
discursivo” quanto pela busca de um consenso racionalmente fundado. A
respeito do primeiro aspecto, o autor recorre à assertiva de Michel Foucault
(2000a) segundo a qual a natureza discursiva das práticas intelectuais, científicas
e políticas está na contrapartida de serem elementos ativos no sentido de
mascarar sua contingência empírica, para isto lançando mão do apelo metafísico,
38

ainda que de fato estejam modelados por e em uma historicidade. Ao mesmo


tempo, Alexander assinala não deterem as ciências sociais, enquanto discursos, o
mesmo grau de homogeneidade evocado por Foucault. Ele atribui tal
característica ao fato de serem as ciências sociais discursos à procura da verdade,
levando ao constante ingresso em um estágio reflexivo “sobre como a verdade
pode ser alcançada e o que vem ser essa verdade” (Op. cit., p.39).
Neste instante, Alexander resgata a proposição habermasiana
(HABERMAS, 1988; 1999) da racionalidade comunicativa, pois os discursos
científicos das ciências sociais estariam perpassados pela sistemática tentativa de
“identificar tipos de argumentação e critérios capazes de obter uma justificação
convincente”, apontando ao reconhecimento de que os “empreendimentos
racionais e o reconhecimento de argumentos supraempíricos podem ser
combinados.” (Op. cit., p.39). Enfim, em uma primeira conclusão, para Jeffrey
Alexander o alvo permanente do crivo da comunidade científica sociológica são
os critérios de avaliação da verdade, envolvendo os distintos domínios não-
empíricos. Algo assim impediria a apreensão empiricista e acumulativa do tipo
defendido por Merton, por envolver um acordo argumentativo cuja construção
requer por em relevo e discussão os fundamentos mesmo da sociologia como
discurso científico. Isto é, exige a contínua reflexividade comunicativamente
realizada acerca da convergência entre enunciados cuja autoridade advém da
crença na sua condição de apresentar e representar uma estrutura, uma constante
essencial irredutível à volúvel pluralidade do mundo, enfim, de fazer a aparecer
a verdade.
Portanto, nos termos do autor, a inserção recorrente dos clássicos no
interior da disciplina obedece a dois aspectos correlatos a esse mesmo empenho
reflexivo destacado acima. De um lado, do ângulo funcional, em um campo de
discordâncias tão acentuadas, os baluartes assegurariam a continuidade dos
limites epistemológicos do saber socioantropológico, isto considerando o tenso
amálgama entre suas correntes e escolas. Por outro, a presença dos clássicos
expressaria o dado peculiarmente próprio do conhecimento nas ciências sociais;
a saber, o seu caráter genérico, o que justificaria a dificuldade de transpor
perspectivas tão-somente empírico-cumulativas. A propriedade genérica resistiria,
39

mesmo inviabilizaria, a fixação de critérios inequívocos de validação da verdade.


Para Alexander, as validações generalizantes estão amparadas menos no teor do
mundo objetivo; sim, sobretudo, apoiam-se na trama significacional tecida pela
comunidade cultural. Isto desde já compromete o discurso científico com o apelo
à sensibilidade pessoal e esta escapa do torrente evolucionário-progressista
contido na premissa da acumulação contínua. Portanto, devido à sua natureza
hermenêutica, a produção de conhecimentos nas ciências sociais, à semelhança
do que ocorre na arte, estaria atrelado indissociavelmente a critérios não-lineares
mas “transhistóricos”, os quais são relativos também à distribuição irregular e
arbitrária das disposições e capacidades entre sociedades e pessoas. Sobre as
últimas recai a exigência, para o exercício científico social, de possuir a
capacidade de compreender a vida.
A existência viva dos clássicos nas ciências sociais repercute, portanto, as
condições disciplinares e institucionais combinados aos aportes inerentes às
pessoas em dispô-las a lidar, experimentar e compreender sócio-historicamente
as manifestações da vida humana, os comportamentos. Porque, com a finalidade
de realizar uma generalização sobre um fenômeno social, mostra-se crucial a
capacidade de empatia, percepção e interpretação apuradas. Os clássicos são,
assim, obras reveladoras de agentes capacitados a sínteses dessa envergadura. Sua
“classicização” ocorre, exatamente, porque as suas respectivas interpretações
galgam a se tornar chaves ao fazer e refletir científicos. Porém é imprescindível
ter em mente que a gênese das ciências sociais, em linhas bem gerais, como
sublinha Florestan Fernandes (1977), imbrica-se às intensidades e coordenação
dos efeitos produzidos por processos socioculturais na esfera da secularização das
atitudes e racionalização científica dos modos de compreender a existência
humana ou o curso dos eventos histórico-sociais. Ao mesmo tempo, tanto a
pesquisa quanto a transmissão de tal conhecimento e, ainda, o ensino da
sociologia supõem um complexo suporte institucional e estrutural. Este se
formou e desenvolveu em algumas das sociedades ocidentais em conexão com o
desenvolvimento da economia capitalista, também da ordem jurídica e estatal
racional-legal e da ordenação simbólica moderna. Em resumo, o saber racional
científico floresceu em sociedades diferenciadas e estratificadas nas quais a divisão
40

do trabalho e das funções concorreram fortemente à especialização dos papéis


de produção intelectual e estes se concentraram cada vez mais nas mãos de
alguns indivíduos. Com isto, elos de especialistas recrutados pela comprovação
do mérito cercaram-se do domínio das atividades criadoras na explicação seja da
origem e da composição do mundo seja da posição do homem no cosmo e a
respeito do destino humano. Estão vinculados nessa situação os seguintes
processos: a) a emergência e sedimentação de concepções secularizadas da
existência, da natureza humana e do funcionamento das instituições; b) o acesso
aos papéis de produção intelectual se torna aberto, deixando de ser prerrogativa
de determinados segmentos – como castas, estamentos ou círculos sociais; c)
estilos convergentes de pensamento passam a disputar o reconhecimento público
de sua legitimidade ou validade. O saber racional assume naturalmente a forma
de saber positivo ou científico. Na investigação positiva do objeto procurar-se-á,
ao mesmo tempo, um critério para a descoberta da verdade e um instrumento
para selecionar os conhecimentos considerados verdadeiros, para então
reelaborá-los ordenadamente em um sistema de saber positivo e aplicá-lo nas
esferas em que se tomem decisões de significação às coletividades.
Por outro lado, não podemos deixar de considerar que este saber
racional se realiza em nichos institucionais acadêmicos dotados de racionalidades
e prioridades não redutíveis a critérios exógenos aos princípios que alimentam
suas dinâmicas. Assim, como adverte Pierre Bourdieu (1984, p.11-52), é básico ter
em mente o perigo dos anacronismos quando tratamos dos clássicos, por
exemplo. As respectivas celebridades gozadas por Durkheim, Weber e Marx são
valorações socialmente construídas em cursos intergeracionais de circuitos
intelectual-científicos envolvidos nos mais diversos planos interativos e macro-
societais. Immanuel Wallerstein destaca que a elevação desses autores à
condição de clássicos se dá principalmente no após II Guerra Mundial e a
triangulação entre eles corresponde à sincronia dos três axiomas antes
mencionados.
Deste modo, a presença dos clássicos nas ciências sociais contracena com
a importância deles enquanto parâmetros aptos em garantir o dissenso como
propriedade elementar à dinâmica na produção de conhecimentos nessas
41

disciplinas. Nesse sentido, recorro à tese do antropólogo Roberto Cardoso de


Oliveira que, no recurso à ideia de universos hermenêuticos ao tratar do tema da
tradição em Gadamer8, introduz no debate epistemológico das ciências sociais a
proposição sobre a existência de “matrizes disciplinares” atuando
simultaneamente no campo socioantropológico (OLIVEIRA, 1988, p.13-25).
Logo, ao contrário da premissa de Thomas Kuhn, para quem nas ciências naturais
uma sucessão de paradigmas se dispõe numa progressão temporal de
substituições, nos regimes de saberes sociológicos, observamos a
contemporaneidade de continuidade e descontinuidade devido ao
entrecruzamento de diversas matrizes disciplinares em um mesmo contexto
sociotemporal. Antes de avançar nos efeitos desta situação, façamos um breve
reconhecimento de como se distinguem paradigma e matrizes disciplinares. O
primeiro compreende um conjunto de procedimentos que se naturalizam na
realização da atividade científica, em determinando estágio, tanto no âmbito
teórico-empírico quanto nos fundamentos mesmos da ciência. As matrizes
disciplinares, por sua vez, correspondem a paradigmas articulados que são
simultâneos, ao estarem se desenrolando e serem convincentemente
reconhecidos em um mesmo contexto socioinstitucional em que se dá a
produção de conhecimentos científico.
Na mesma direção, mas no rastro da sua crítica também a Merton –
quando este insiste na relevância mínima dos clássicos diante do que seria o
primado cumulativo e ascensional do conhecimento empírico –, Octávio Ianni
(1990) advoga serem as ciências sociais abertas a horizontes distintos de arranjos
categoriais e analíticos, na medida em que não estão pautadas pelo modelo de
paradigmas exclusivos. O que, por sua vez, está implicado às características
ontológicas dos seus objetos. Objeto este diáfano por se constituírem antes em
historicidades, singularidades. Portanto, “o conceito, a categoria, a lei de causa e
efeito, a lei de tendência, a condição de possibilidade ou previsão, somente se
constituem na medida em que se apanham, codificam, taquigrafam, as

8 Em Verdade e Método, Hans-Georg Gadamer anota a característica dúbia dos universos


hermenûeitcos: “O modo como vivenciamos uns aos outros, como vivenciamos as tradições
históricas, as ocorrências naturais de nossa existência e do nosso mundo, é isso que forma um
universo verdadeiramente hermenêutico, no qual estamos encerrados como entre barreiras
intransponíveis, mas para o qual estamos abertos” (GADAMER, 1997, p.35).
42

singularidades e universalidades envolvidas nas configurações e nos movimentos


da realidade social.” (IANNI, 1990, p.12). Em última instância, poderíamos
concluir com Ianni, o objeto sociológico é, na sua conformidade ontológica, um
feixe de bifrontismos inextrincáveis, com os quais deveremos lidar sob o preço
de a não observância resultar em um empobrecimento do conhecimento
produzido:

O objeto da sociologia, bem como de outras ciências sociais, envolve


o indivíduo e a coletividade, as relações de coexistência e seqüência,
diversidades e antagonismos. Diz respeito a seres dotados de vontade,
querer, dever, ilusões, consciência, inconsciente, racionalidade,
irracionalidade. Os fatos e acontecimentos sociais são sempre materiais
e espirituais, envolvendo relações e processos e estruturas de
dominação, ou poder, e apropriação, ou distribuição. Implicam em
indivíduos, famílias, grupos e classes, movimentos, instituições,
padrões de comportamento, valores e fantasias. Esse é o mundo da
liberdade e igualdade, trabalho e alienação, sofrimento e resignação,
ideologia e utopia. (Op. cit., p.12-13).

Ao supor a ontologia do objeto como diversa na sua historicidade


intrínseca, Ianni conclui sobre o caráter processual do próprio conhecimento
enquanto tradição intelectual-científica reatualizada em disposições acionadas em
circunstâncias sócio-históricas. Deste modo, tipológica e cronologicamente,
define o que denomina por “três épocas do pensamento sociológico”. Situada
em meados do século XIX, a primeira abriga os iniciadores da disciplina; já a
segunda se deu na virada para o século XX e, a última, corresponde às décadas
das quais somos contemporâneos. Deixando para outra oportunidade
pormenorizar o que entende o autor pelas aludidas fases, interessa-nos na
sequência que ele descreve a maneira como situa nas escolas e correntes
respaldadas pelos seus respectivos clássicos, os momentos fundadores da tradição
intelectual sociológica, tipificada pela correlação simultânea entre paradigmas
distintos. Isto porque, no curso das nossas aulas, estaremos às voltas com as
matrizes disciplinares cujos “heróis fundadores” seguem repercutindo
permanentemente nas operações corriqueiras no campo sociológico. Afinal, as
suas posições paradigmáticas referendam a continuidade renovada da disciplina,
não somente nas soluções teórico-empíricas mais diretas e especificamente
localizadas, mas principalmente na indagação sobre os fundamentos e a filosofia
43

das ciências sociais, o que atua sobre o entendimento do que é eleito


empiricamente relevante e teoricamente interpretável. Igualmente, tal retorno
chama atenção às maneiras como as ciências sociais participam das tramas sócio-
simbólicas em que são tramados os sentidos da vida, na esteira mesma em que se
desenrola a historicidade do processo socioinstitucional tenso e oscilante desses
mesmos domínios de saberes. Mais ainda. Permite-nos estar habilitados a por sob
o crivo de uma avaliação ao mesmo tempo pessoal e comunitário-científica os
critérios balizadores do nosso ofício definido enquanto um esclarecimento que
tem por objeto a compreensão sociohumana. Mas que, igualmente, compõe e
está indissociavelmente nas malhas desta mesma compreensão.

Dilthey, a hermenêutica e a subjetivação do conhecimento

O trajeto de argumentação no item anterior, cujo foco declinou sobre a


presença dos clássicos – entendendo-os como núcleos de mundos hermenêuticos
constituintes da cultura disciplinar sociológica –, esteve respaldado numa base
epistemológica que, no mínimo, deixa em xeque o postulado da impessoalidade
coletiva sobre o qual se ergue a matriz objetivista-estrutural encarnada na Escola
Francesa. Se, de acordo com a premissa de estarem os domínios das ciências
sociais compostos por irredutíveis esses mesmos mundos, os quais se fustigam e
se complementam estruturalmente, cabe-nos avançar no entendimento da
maneira como a plataforma hermenêutica – e com ela, certa subjetivação do
conhecimento – relativiza, mesmo modula os princípios da ciência social
inerentes à mesma matriz objetivista-estrutural.
Nesse sentido, o deslocamento geográfico se impõe. Isto porque, no
decorrer do século dezenove, instaurou-se um ambiente de paradoxos na
sociedade nacional alemã, a qual foi definida em semelhante período. A
modernização urbano-industrial, aliada à diferenciação maior dos agrupamentos
humanos, inclui na estrutura patrimonial-agrária uma dimensão vertical-
competitiva bem dinâmica e cujo estatuto fundava-se sobre o contrato e a
primazia dos valores burgueses. Contudo a “saída prussiana”, para repetir a ideia
de Lukacs (1968), não significou uma ruptura deletéria das injunções e dos
esquemas identificadas ao Antigo Regime. O II Raich alemão consagra uma
44

dominação racional-legal sob a mão da liderança de Bismarck e em obediência


ao arbítrio do kaiser. Frente às congêneres europeias ocidentais, uma
modernidade muito peculiar adquiria contornos.
E sua peculiaridade evade do terreno político-econômico para penetrar
igualmente o plano cultural, no tocante à esfera de guarda e produção de bens
culturais laicos. Para o que nos interessa, aqui, vale ressaltar que durante o
mesmo século XIX, nesse contexto alemão, a envergadura adquirida por uma
mentalidade romântico-historicista, sensível ao tema da particularidade, do
espírito, do sentido individualmente vivido e da formação cultural como
transcurso da tradição emanada dos laços orgânicos da comunidade, mas
interpretado à luz da vontade polida. Assim, o “espírito do povo” e a vontade
como espírito selaram a ideia de “kultur” como emblema e ideal artístico-
intelectual.
O ideário da “Kultur estará, porém, na contramão da dinâmica
sociohistórica de modernização urbano-industrial, pressionando o deslocamento
dos grupos sociais e tendo por desfecho fraturas com efeitos diretos sobre a
estrutura de status herdada das cortes principescas palacianas e mesmo do
estatuto medieval.
Em razão dos propósitos perseguidos nessa aula, cabe sublinhar que a
industrialização, por um lado, repercute no âmbito universitário, alocando aí
prerrogativas identificadas à concepção positivista e de acordo com interesses
enredados à ascensão das ciências naturais. Por outro lado, e mais importante, o
aumento da divisão do trabalho mais geral repercute no interior da
universidade. A amplificação das especialidades e a própria especialização
impactam a edificação compacta decorrente entre o historicismo e o legado
idealista. Todo o mandarinato intelectual, alicerçado nessa tradição, se vê
ameaçado, à maneira de extrações reinantes de classe, reconhecidas como elites
políticas, que não enxergam com bons olhos a emergência de uma burguesia,
principalmente de uma classe trabalhadora combativa (RINGER, 2000).
O curioso no caso alemão é que transformações sociais evidentes não
foram priorizadas pelos intérpretes intelectuais, no instante em que prevaleceu a
imperiosidade de integrar e, ao mesmo tempo, fazer o reconhecimento crítico
45

do processo. Prevaleceu, atualizada, a velha tradição espiritualista e filosófica.


Desse modo, incorporou-se ao olhar sobre a historicidade o problema da
causalidade (da razão na história), mas algo assim se fez pelo viés da
problemática dos valores e do sentido. No entanto, a opção galgou algo de
inédito e decisivo, por oferecer a primeira crítica contundente e
metodologicamente fundada a respeito da versão positivista de epistemologia do
conhecimento. Se na França, o resgate do pensamento de Kant, como vimos,
esteve na raiz do pensamento do positivismo, no mundo alemão a corrente
neokantiana protagonizou o mais veemente ataque à concepção positivista de
conhecimento. Max Weber é, sem dúvida, herdeiro desta batalha intelectual,
porém, ele se manteve equidistante dos adeptos neokantianos, tornando-se
espécie de filtro. A catalisação permite a Weber dialogar, mas também recortar
de maneira singular, a formatação das ciências sociais como ciências da cultura.
Com o intuito de expor em linhas gerais no que consiste a proposta
alternativa germânica de conhecimento científico sociocultural, a princípio,
iremos retomar vestígios do pensamento daquele que é reconhecido como o
mais exemplar entre os neokantianos – embora seja precipitado chamá-lo de
kantiano, pelo menos de modo cabal. Wilhelm Dilthey descende de uma linha
intelectual cristão-filosófica sem a qual não teria se dado a rotação epistêmico-
metodológica que fez da hermenêutica um método decisivo do conhecimento
do mundo humano, sobretudo no século XX. Teólogo, Dilthey teve como
mestre ninguém menos que Schleiermacher, a quem o próprio Dilthey consagra a
tarefa de ter fundado uma “hermenêutica fecunda”, no momento em que
possibilitou a confluência entre o virtuosismo da interpretação filológica e o
espírito arguto do autêntico filosofo. (DILTHEY, 2010, p. 330-331).
Não é a hora de aqui fazer uma genealogia da hermenêutica, cabe tão-
somente destacar no que consiste tal empreendimento exegético. Seguindo a
letra, ainda, do próprio Dilthey, o fator-motor da hermenêutica é a atitude
compreensiva e esta se dá no instante em que queremos tornar conhecido o
sentido de algo; o compreender é, então, o “processo no qual partindo de
signos sensivelmente dados de algo psíquico, cuja manifestação são, conhecemos
este algo psíquico.” (DILTHEY, 2010, p.322). Ora, se está nos signos externos
46

que nos sensibilizam o caminho para o objeto da compreensão, os “vestígios”


escritos constituem as peças por excelência do olhar hermenêutico. No que tange
a este último, um processo técnico permite a formação de um controle das
intenções humanas veiculadas e expressas na linguagem. O olhar do hermeneuta
é, por natureza, interpretativo e tem por objeto os testemunhos escritos.
Dilthey vai viabilizar o translado do olhar hermenêutico para a cena
histórica. E o esforço compõe a iniciativa de delimitar o campo de conhecimento
do que ele chamou de as “ciências do espírito” e cuja vantagem sobre as
“ciências da natureza” estaria no fato de não se tratar apenas de uma realidade
externa refletida na consciência, mas de uma “realidade interna imediata e que se
apresenta como uma conexão internamente vivida” (DILTHEY, 2010, p.321). O
problema está justamente no modo como apreender objetivamente esta
realidade interna. A compreensão diz respeito ao ímpeto de, de fora, aceder
uma interioridade.
Não há dúvida que há certa semelhança de Dilthey com Durkheim: ambos
querem obter um status científico específico para o universo histórico-cultural.
Porém, as afinidades não devem ser exageradas, na medida em que a correlação
interno e externo em um e outro autor apresenta contornos distintos, ainda que
seja possível vislumbrar outras proximidades. Vejamos com Dilthey leva adiante
a demarcação deste universo epistêmico.
Crítico da postura positivista, em 1883, o Dilthey se devota ao objetivo
de fazer a “crítica da razão histórica” e, com isso, pretendia gerar um conjunto
de procedimentos capazes de proporcionar uma objetividade às “ciências do
espírito”, escapando das armadilhas metafísicas inscritas na historiografia alemã
que lhe era contemporânea, sobretudo, se afastaria da noção herdada de Hegel
de “espírito do povo”. Ao mesmo tempo, ele estava convencido de que uma
tarefa assim era possível sem recorrer à cartilha positivista, mas tornando possível
uma correlação entre especulação e base empírica. Desse modo separa o mundo
histórico daquele definido como o mundo da natureza. Afinal o primeiro teria
por característica a prova da criação humana, verdadeiro artesão da história, já a
outra escaparia à poesis dos homens. Se estes podem ser explicados
externamente, na sua plenitude apreensiva, as obras humanas facultam o
47

mergulho compreensivo. Não se teria, conclui, o estudo atomizado, mas a


apreensão integradora “de formas de vivencia nas ciências do espírito”
(Cohn,1979, p.16). Matéria e vida são, logo, dimensões ontológicas bem
diferenciadas, o que justifica apreensões orientadas por vetores epistemológicos
igualmente distintos.
Antes, o que assume centralidade no esquema proposto por Dilthey é o
predomínio da unidade sobre a fragmentação ensejada pela especialização. A
unidade estaria garantida pela permanência da noção de sentido. E a “vida”,
para ele, implica no fator capacitado a agregar os tantos eventos detonados na
experiência histórica da humanidade. Em vista de que a vida é a conformação
das convivências constitutivas destas experiências e a vivencia jamais pode ser
apreendida isolada, menos ainda indiferenciada, seu caráter é de essência
intersubjetiva, nos vínculos travados entre os sujeitos. Dois eixos então, ao
cruzarem-se, definem a vivência. O horizontal – a intersubjetividade em um
instante preciso por um espaço delimitado. E o vertical, conformado na
memória, acompanhando o conjunto da biografia de um sujeito. Mas, sempre
considerando que esta última é sempre uma densa rede intersubjetiva.
Compreender é, portanto, apreender as formações de ambos os eixos
significativos. Uma primeira impressão é de que apenas no final deste conjunto
de vivências poder-se-ia abranger o sentido que dá unidade a uma biografia. Mas
quando se trata de pensar a história, de que se poderá acessar o grande tecido
constituído por essas múltiplas biografias?
Se a história é o processo de formação significativa das vivências, apenas
na interpretação o conhecimento se faz possível. Logo, a história é o elemento-
chave no “mundo do espírito”. É a história que deve ser penetrada considerando
a vivência, a expressão desta vivência nas obras humanas e a compreensão de
tais expressões. A penetração não corresponde à mera observação, o olhar
interpretativo não fixa conceitualmente o dado semovente das vivências, mas os
recria, pois que a compreensão participa do fluxo criativo da vida. E a
compreensão se faz a partir dos sinais externos cujos rastros levam até o âmago
das intenções dos seus produtores. O conjunto dos sinais e as partes que o
conformam são igualmente significativos e, assim, se fazem comunicantes. Dentro
48

desta perspectiva, Dilthey contesta a fragmentação positivista, porém se mostra


pouco ousado diante do relativismo historicista. Sua tentativa de contornar o
problema aparece na iniciativa de entender as ciências do espírito articuladas
num sistema abarcando esse todo diferenciado. E aí – fortemente influenciado
por Jeremy Benthman (1996) – a psicologia compõe a base mais simples até o
auge constituído pela história. Enfim, ele justifica todo o sistema quando
reconhece nas ciências do espírito a tarefa reflexiva da sociedade, porque essas
disciplinas levariam ao conhecimento do processo constitutivo da arquitetura
histórico-social.
A obra de Dilthey é o deságue tanto das conquistas do historicismo
alemão quanto das agruras que o arruinaram. Sua força ressoou em outras
tradições intelectuais, chegando a Heidegger e na hermenêutica de Gadamer.
Porém as crescentes interferências de disciplinas como a sociologia e a economia
asfixiaram o lugar ocupado pela matriz historicista e seu relativismo. Deste ponto
de vista, entre Dilthey e Weber, por exemplo, não há tantos elementos em
comum. Sem dúvida, o que mais os aproxima é o reconhecimento dos
indivíduos como totalidades integradas por sentidos. Então, se cada individuo é
uma particularidade radical e irredutível, levando-se em consideração as
múltiplas infinidades dos seus respectivos fluxos vivenciais, às ciências do espírito
cabem estudar os indivíduos em sua dimensão interacional. Afinal, aí se aninha o
plano histórico-social. No palco das intersubjetividades, os sujeitos plasmam suas
reciprocidades em formas que expressam totalidades de sentido singulares e
passiveis de compreensão.

A dialética forma e conteúdo no anverso de perspectivismo


vitalista simmeliano

Ir adiante à apresentação das duas correntes requer rastrear, mesmo que


sumariamente, as linhagens na história do pensamento moderno com as quais
ambos dialogam e, também, estabelecem descontinuidades. Por isto, a princípio
cabe recordar que, se no projeto de modernidade, de acordo com a acepção
iluminista, o que está em pauta é uma narrativa ancorada no princípio da
autocertificação, vimos que Hegel ocupa posição no mínimo espinhosa aos
49

desdobramentos filosóficos (e indiretamente, políticos) deste primado da


consciência do tempo da era moderna. O empreendimento de descrever a
história do espírito, acompanhando o movimento no qual o espírito objetivo se
realiza e, desde aí, realiza-se a autoconceituação enquanto espírito universal –
absoluto –, abre flanco a bifurcações cujas respectivas fúrias irão tomar de
assalto o devir da modernidade. O legado hegeliano, que dizer, a especulação
fenomenológica, resultou em duas matrizes em tenso relacionamento. De um
lado, prevaleceu no ambiente alemão, para daí se alastrar, a concepção do
espírito indeterminado, alias, como já aparece em Lutero, desenvolvendo um
dualismo estendido da religião à filosofia secular. E nesta dualidade, a tônica
fora depositada na liberdade do espírito. Em termos sociológicos, observando as
indicações de Karl Mannheim (1974, p.40-44), o que se verifica é a ascensão de
facções de classes médias aptas a condescenderem com a espiritualização das
idéias, na defesa do Estado e da religião como antídotos funcionais à complexa
diferenciação característica do arranjo societal burguês urbano-industrial.
Nesse mesmo rastro, ganhará vulto o postulado da imanência do
espírito tanto no plano propriamente filosófico quanto naquele da história da
arte. Frente a tal movimento, mas exultando Hegel contra ele próprio, os
hegelianos de esquerda combateram seus congêneres do polo oposto evocando
a máxima de que “quem faz a história são os indivíduos ou pessoas socializadas,
interdependentes”. Com isto, acentuando a polaridade “espírito” versus
“matéria”. Na interseção de ambos, porém, constitui-se a apreensão da
realidade histórica como estrutura que inclui atividades inter-relacionadas
(funções), vicejando a unidade entre pensamento e objeto, enfim, sobressaí a
idéia mesma de um complexo secular, o social. E no seio desta estaria a fonte
dialética à emancipação humana das determinações cegas. Na derrocada da
filosofia, em nome da ciência aliada à prática, radicaria a revolução como fator
elucidativo do espírito moderno enquanto consciência do tempo que não paira
sobre o tempo, porque se compreende no ser-aí histórico, como fato da história
humana em ato e não a consciência solitária no seu isolamento subjetivo9. A

9 Na contramão do idealismo, o principal expoente dos hegelianos de esquerda defende a


necessidade material, externa a consciência especulativa, como a fonte do impulso à verdade
entre a humanidade: “Por isso toma o homem consciência de si mesmo através do objeto: a
50

filosofia da práxis em Marx encerra, assim, as fontes desta compulsão humanista,


mas antiespiritualista que busca em Hegel as armas para destronar o próprio
velho mestre em sua aquiescência com a razão subjetivista alardeada à soberana
na ordem burguesa. Isto, no instante em que coteja a especulação como
finalidade remissiva da emancipação humana. Todos sabemos o quanto a
empreita marxiana se indispôs com tal postulado, ao se colocar a favor de uma
racionalidade erguida sobre a necessidade universal de reprodução da espécie.
Logo, a dialética do esclarecimento em Marx tem sua aparição não a partir do
exercício do autoconhecimento do espírito, senão na modulação que se instaura
entre a consciência e a natureza pelo processo histórico de atendimento e
reposição transformada das necessidades no curso mesmo das lutas e conquistas
da humanidade seja intra ou interespécie. A categoria de trabalho desloca a de
consciência e a práxis despoja a especulação fenomenológica enquanto método
do conhecimento10.
De outro lado, o espólio hegeliano resultou no estudo das formas de
sociação (Simmel), em que se passou a interrogar os aspectos associativos e

consciência que o homem tem de si mesmo. Através do objeto se conhece o homem; nele a sua
essência aparece; o objeto é a sua essência revelada, o seu Eu verdadeiro, objetivo. E isto não é
válido somente para os objetos espirituais, mais também para os sensoriais. Também os objetos
mais distantes do homem são revelações da essência humana, e isto porque e enquanto eles são
objetos para ele. Também a lua, o sol e as estrelas gritam para o homem o gnôthi sautón, o
conheça-te a ti mesmo. Pelo fato dele os ver e os ver da forma que ele os vê, tudo já é um
testemunho da sua própria essência. O animal só é atingido pelo raio de luz necessário para a
sua vida, mas também o homem pelo brilho indiferente da mais distante estrela. Só o homem
possui alegrias e sentimentos puros, intelectuais desinteressados - só o homem promove os
espetáculos teoréticos dos olhos. O olho que contempla o céu estrelado, que distingue aquela
luz que nem ajuda, nem prejudica e que quase nada tem em comum com a terra e suas
necessidades, este olho vê nesta luz sua própria essência, a sua própria origem. O olho é de
natureza celestial. Por isso eleva-se o homem acima da terra somente através do olho; por isso
inicia-se a teoria com a contemplação do céu. Os primeiros filósofos foram astrônomos. O céu
lembra ao homem o seu desígnio, lembra-o de que ele não nasceu para agir, mas também para
contemplar.” (FEUERBACH, 1997, p46-47 – itálicos no original).
10
Nas palavras do autor: “O engendrar de um mundo objetivo, a elaboração da natureza
inorgânica é a prova do homem enquanto um ser genérico consciente, isto é, um ser que se
relaciona com o gênero enquanto sua própria essência ou se [se relaciona] consigo enquanto ser
genérico. É verdade que também o animal produz. Constrói para si um ninho, habitações,
como a abelha, castor, formiga etc. No entanto, produz lateral[mente], enquanto o homem
produz universal[mente]; o animal produz apenas sob o domínio da carência física imediata,
enquanto o homem produz mesmo livre da carência física, e só produz, primeira e
verdadeiramente, na [sua] liberdade [com relação] a ela; o animal só produz a si mesmo,
enquanto o homem reproduz a natureza inteira; [no animal,] o seu produto pertence
imediatamente ao seu corpo físico. O animal forma apenas segundo a medida e a carência da
espécie a qual pertence, enquanto o homem sabe produzir segundo a medida de qualquer
espécie, e sabe considerar, por toda a parte, a medida inerente ao objetivo; o homem também
forma, por isso, segundo as leis da beleza.” (MARX, 2004, p.85).
51

ideativos e, deste modo, compondo o campo da síntese sociológica. Algo assim


teve por inspiração a pesquisa das funções mentais no contexto de ação e, para
isto, foi marcante a maneira como a ênfase de Nietzsche na busca das
motivações das condutas deslocou o apelo da evolução imanente das ideias, ao
infringir desconfiança quanto à continuidade conformadora de uma história
universal assentada no que seria a necessidade impoluta, ela mesma
transhistórica. Já imerso no vórtice laico-secular, o recurso à consciência do
tempo subverte de uma só vez todo projeto de uma metafísica em que o fugidio
se reconcilia com o estável, mas também dilacera a aposta historicista em uma
singularidade autossuficiente. Com o empreendimento filosófico-filológico da
genealogia da moral11, a expectativa de Nietzsche é combater ao mesmo tempo
os postulados da objetividade e da subjetividade, ambos centrais ao núcleo duro
da narrativa moderna e da razão discursiva. Proclama o advento de Dionísio
descerrando a consciência do tempo, despido do messianismo romântico e
prenhe do êxtase nas provações das metamorfoses incessantes. Esse mito
desagregaria, a seu ver, a danação Iluminista que teria escondido a face mítica da
história em favor da individuação, ou seja, a própria razão autônoma e que,
portanto, requer sempre mais mediações, isto é, exige crescentemente mais
mecanismos de uma racionalidade visando a fins. A aposta nietzscheana é em um
total descentramento, a ponto de ver o prevalecer apenas da vontade criadora
que, despojada dos escrúpulos de uma verdade etérea, dispõe-se ao desfrute
proporcionado pelo arbítrio das próprias criações. Deixa-se flutuar, enfim, na
superficialidade da aparência, na essencialidade do acontecimento. Logo, toda
pretensão de validade está calcada nos “fluxos e refluxos de processos anônimos
de dominação”.
Tomando de empréstimo a síntese realizada por Foucault à ideia de
genealogia nietzschiana:

11 No prólogo de Genealogia da Moral, Nietzsche apresenta o objetivo do trabalho como


exercício habilitado à busca da origem do “bem” e do “mal” no terreno mesmo da história e não
apelando a qualquer metafísica: “(...) Alguma educação histórica e filológica, juntamente com um
inato senso seletivo em questões psicológicas, em breve transformou meu problema em outro:
sob que condições o homem inventou para si os juízos de valor “bom” e “mau”? e que valor têm
eles? Obstruíram ou promoveram até agora o crescimento do homem? São indício de miséria,
empobrecimento, degeneração da vida? Ou, ao contrário, revela-se neles a plenitude, a força, a
vontade da vida, sua coragem, sua certeza, seu futuro? (...).” (NIETZSCHE, 1998, p.09).
52

(...) Há toda uma tradição da história (teleológica ou racionalista) que tende a


dissolver o acontecimento singular em uma continuidade ideal - movimento
teleológico ou encadeamento natural. A história “efetiva” faz ressurgir o
acontecimento no que ele pode ter de único e agudo. É preciso entender por
acontecimento não uma decisão, um tratado, um reino, ou uma batalha, mas uma
relação de forças que se inverte, um poder confiscado, um vocabulário retomado
e voltado contra seus utilizadores, uma dominação que se enfraquece, se distende,
se envenena e uma outra que faz sua entrada, mascarada. As forças que se
encontram em jogo na história não obedecem nem uma destinação, nem a uma
mecânica, mas ao acaso da luta. Elas não se manifestam como formas sucessivas de
uma intenção primordial; como também não têm o aspecto de um resultado. Elas
aparecem sempre na aléa singular do acontecimento. À diferença do mundo
cristão, universalmente tecido pela aranha divina, contrariamente ao mundo grego
dividido entre o reino da vontade e o da grande besteira cósmica, o mundo da
história “efetiva” conhece apenas um reino, onde não há nem providência, nem
causa final, mas somente “as mãos de ferro da necessidade que sacode o copo de
dados do acaso”. É preciso ainda compreender este acaso não como um simples
sorteio, mas como o risco sempre renovado da vontade de potência que a todo
surgimento do acaso opõe, para controlá-lo, o risco de um acaso ainda maior. De
modo que o mundo, tal qual o conhecemos, não é essa figura simples onde todos
os acontecimentos se apagariam para se mostrem, pouco a pouco, as
características essências, o sentido final, o valor primeiro e último; é ao contrário
uma miríade de acontecimentos entrelaçados; ele nos parece hoje
“maravilhosamente colorido e confuso, profundo, repleto de sentido”; é que uma
“multidão de erros e fantasmas” lhe deu movimentos e ainda o prova em
segredos. Cremos que nosso presente se apóia em interações profundas,
necessidades estáveis; exigimos dos historiadores que nos convençam disto. Mas o
verdadeiro sentido histórico reconhece que nós vivemos sem referências ou sem
coordenadas originárias, em miríades de acontecimentos perdidos. (FOUCAULT,
1979, p. 28-29)

Sem dúvida, a trama filosófica de Nietzsche desenrola ao se considerar


espúria a separação entre intelecto e interesse, tornando inaceitável qualquer
postulação de um desígnio obrigatoriamente uniforme em sua válida de juízo das
coisas. Logo, tão fictícia seria também a separação entre verdade e mentira e o
propósito de “perguntar pelo valor dos valores” compartilha do apelo
nietzschiano a uma superação, ou melhor, à transvaloração dos valores. Esta é
caudatária de uma concepção trágica da existência e da história, pois sendo a
vida puro fluxo, vir-a-ser das potências em sua vontade de comando – nenhum
desejo de certeza poderia se colocar na contramão do leito voluptuoso dos
acontecimentos, impondo um conjunto de convicções absolutas. Tratar-se-ia de
um conhecimento em perspectiva, voltado a adequar o saber à permanente
mutabilidade do mundo. Em lugar da certeza, a pugna entre as infinitas e
53

múltiplas interpretações, o incessante movimento da polêmica das opiniões.


Nota-se que o autor descarta o suposto de um pensamento imutável e com isto
retoma dos sofistas gregos12 a premissa de que a retórica é a essência da
linguagem e tem por caráter a compreensão do conhecer não como o se instruir
sobre as coisas, priorizando a reprodução destas na consciência, mas sim a
maneira como nos relacionamos com elas pelo fato de a linguagem apenas
tomar aspectos na atitude lúdica de jogar a apresentação do mundo, nas
interpretações (NIETZSCHE, 1999). Interpretações que são tanto alusões às coisas
e eventos quanto ilusões, desfazendo a oposição entre ser e aparecer, opinião
(doxa) e verdade (aletheia). Apenas mediante a metafísica da linguagem, conclui
o filósofo, algumas interpretações podem exigir o status de imutáveis, o que ele
atribui ao conceito, por ser a palavra que se pretende acima da interação
agonística das potências (NIETZSCHE, 1987, p.126). Assim, para o olhar
perspectivista de Nietzsche o mais importante é perguntar: “Quem fala?”, para
daí julgar o valor da verdade.
A ênfase posta por Nietzsche na imanência corpórea das motivações da
ação repercute no desenho metodológico, sobretudo, epistemológico legado por
Simmel à sociologia, no instante em que se observa a premissa central a este
último autor de serem os motivos psicohistóricos e materiais inerentes ao
fenômeno da compreensão, considerado em sua totalidade (1983, p.87):

O desenvolvimento psiquicamente real, de uma cadeia articulada e


constituída de elementos consolidados em uma sequência temporal a nós se
torna compreensível unicamente por força da relação objetiva transvital de
seus conteúdos. Sem constatar a existência da ascensão e decadência que
nela se manifesta e sem saber que os conteúdos, objetivamente e como tais,
estabelecem, entre-si, uma referência recíproca, bem como sem saber ainda
que, independente de sua realização no tempo, cada um deles fundamenta
ou determina o outro, também não é possível compreende-los como
sequência psíquica temporalmente real. Por outro lado, como
desenvolvimento ordenado, esta determinação ideal que entre os mesmos se
estabelece, é possível na medida em que um movimento psíquico contínuo

12Para esses sábios da Atenas ao tempo de Péricles, os sofistas, o logos (pensar e discurso sobre as
coisas) estava em relação não com a demonstração, mas com o que denominavam de
pharmakon, ou seja, um remédio indicado na melhoria das “almas e da cidade” e que subtendia
a prioridade posta na eloquência como propriedade da dinâmica da sociabilidade
eminentemente política, marcada pelas disputas argumentativas e estas se medem pelo senso de
oportunidade para persuadir o ouvinte (CASSIN, 2005, p.67).
54

os atravessa. A evolução objetiva dos conteúdos exige que o a priori da


comunicação de sua forma resida na continuidade evolutivo do consciente.
Esta continuidade indefinível se manifesta como sensação específica e não
somente ela consegue quebrar o hermetismo absoluto dos conteúdos
isolados e os introduz na continuidade que outro coisa não é senão o
próprio desenvolvimento (Op. Cit., p.87).

Nas trilhas metodológicas nietzschianas, vê-se derivar do seu


perspectivismo vitalista um modelo analítico de inferência relacional-processual,
para o qual o físico e o psíquico se interpenetram à medida que dizem respeito à
vida e esta se constitui na instância determinante do espírito. Ou seja, a forma é
inerente à vida, assim esta última determina as formas específicas da sua
compreensão: “A vida só pode ser entendida por ela mesma.” No caudal do
mesmo raciocínio, tem-se que a vida se desdobra, ainda, em extratos que
“isoladamente levam à compreensão dos demais, revelando em sua
interdependência mútua, a unidade dessa compreensão.” (Op. Cit., p.88).
A crítica aos modelos atomísticos e mecanicistas vem, justamente, na
percepção de que, nestes, as pessoas se apresentariam como unidades físicas que
contêm, isoladas, alma e equipamento psíquico. Algo assim seria acessível
mediante a associação intelectual. Escaparia, portanto, a percepção quanto à
integração e à unidade do ser vivo. Deixa-se de apreender a compressão “como
um fenômeno primitivo que se erige entre uma pessoa como um todo, outra
pessoa como um todo”. Restaria à concepção mecânico-atomista conceber o
vivo tão somente como “síntese de fatos isolados” (Op. Cit., p.87). Segundo
Simmel, restringe-se então o mecanicismo em definir o processo na identidade
sujeito/objeto, perdendo de vista o traço criativo no qual o sujeito reproduz o
que lhe é estranho. Não se tratando, portanto, da mera reprodução mecânica
por parte do compreendente – ou seja, não diz respeito à obsessão pela
retratação factual do acontecido, enquanto fragmento analógico. Perder-se-ia
com isto a compreensão como atividade subjetiva cujas categorias e formas de
acolhimento do objeto estão sendo constituídas no encadeamento vivencial
histórico do sujeito do conhecimento, lembrando estar este acoplado
funcionalmente aos contextos de interação (Op. Cit., p.89). Conclui o autor que,
assim, a prioridade sociológica da dimensão humana da vida se dá em razão da
tônica posta na ação mutuamente determinada;
55

Na base das condições práticas das necessidades, nossa inteligência, nossa


vontade, nossa criatividade e nossos sentimentos trabalham os materiais que
desejamos arrancar da vida. De acordo com nossos propósitos, damos a
esses materiais certas formas e apenas sob certas formas nós os acionamos e
usamos como elementos da nossa vida. Mas acontece que estes materiais,
essas forças e interesses, afastam-se, de um modo muito peculiar, do exército
da vida que originalmente os produziu e empregou. Tornam-se autônomos
no sentido de que não são mais inseparáveis dos objetos que criaram e
através dos quais eram utilizáveis para nossos propósitos. Passam a viver
livremente em si mesmos e por si mesmos, produzem ou fazem uso de
materiais que servem exclusivamente no seu próprio funcionamento e
realização (Op. Cit., p.166).

Os postulados que respaldam esse raciocínio simmeliano se entretêm no


sua concepção da dialética do que denomina de “jogo” da vida. No limite de
tais postulados se impõe a tese de que a determinação das formas pela matéria
da vida se converte na determinação de sua matéria (da vida) pelas formas que
se tornaram valores supremos (Idem, ibedem). Interação, para o autor,
corresponde tanto à específica forma quanto à ideia mesma da forma, já que diz
respeito ao modo como as motivações humanas são coligidas. Central no
esquema teórico-analítico, a categoria de “sociação” consiste não na imagem
conceitual do mero agregado de indivíduos, mas as distintas maneiras pela qual
os indivíduos são compactados em unidades de satisfação de seus interesses,
sejam tais: sensuais, ideias, temporários e duradouros, conscientes ou
inconscientes, causais ou teleológicos. Quanto ao recorte epistemológico,
portanto, a Sociologia se ocupa do problema em torno das formas sociais
responsáveis pela caracterização social das materialidades. Isto é, para ele, é pelas
formas que os homens vivem um ao lado do outro, uns com ou para outros.
Logo, metodologicamente, persegue-se na diversidade dos fins o que há de
elementar, exatamente, a sociação.
Em última instância, a sociedade se constitui no complexo das formas
específicas de sociação e todas as forças que mantêm unidos seus elementos. Na
caracterização conceitual de Simmel, a sociedade não se restringe ao conjunto
complexo de indivíduos e dos grupos unidos numa mesma comunidade política.
Se as formas decorrem de formas, a sociedade engloba todas as formas, estas são
espécies. Não há interação absoluta, porém diversas possibilidades de intenção:
56

Vejo uma sociedade em toda parte onde os homens se encontram em


reciprocidade de ação e constituem uma unidade permanente e passageira.
Logo, em cada uma dessas uniões produz-se um fenômeno que caracteriza
da mesma forma, a vida individual; a cada instante, forças perturbadoras
externas ou não, opõem-se ao agrupamento, e este, se for deixado a agir
por sua própria conta, não tardarão elas o dissolverão, isto é, transferir seus
elementos para agrupamentos estranhos. Todavia, a essas causas de
destruição opõem-se forças conservadoras que mantêm unidos esses
elementos, asseguram sua coesão e, através disso, garantem a unidade do
todo, até o momento em que, como todas as coisas terrestres, eles se
rendem aos poderes dissolventes que os cercam (Op. Cit., p.166).

Diante do modo como determinado raciocínio dialético contracena com a


unidade analítica das formas de sociação, os fenômenos a serem perseguidos são
aqueless particulares e diversificados de natureza social. A saber: a) A
regularidade do grupo: tipicidade diante do indivíduo/razões da continuidade;
b) Território; c) União psíquica e d) Legação fisiológica das gerações – as
gerações não se substituem de uma hora para o outro. Qualquer fenômeno
social é a unidade de conteúdo e forma social: um interesse, um fim, um motivo
e uma forma ou maneira de interação entre indivíduos, pelo qual ou em cuja
figura aquele conteúdo alcança realidade social. Portanto, importa a forma de
influências recíprocas entre conteúdos específicos. De acordo com Simmel, a
Sociologia diz respeito a uma ciência voltada para o campo total dos objetos. E
isto se faz cruzando conteúdos, ainda isolando-se o fato puro da sociação, que se
apresenta com diversas configurações em relação com os mais divergentes
conteúdos e constitui com ele um campo especial, uma esfera – matéria
conformada.
A análise do conceito de sociedade implica na distância entre forma e
conteúdo societais. Sabendo que o conteúdo implica em tudo que porta os
indivíduos interados, isto é, instinto, interesses, fim, inclinação, estado ou
movimento psíquico. No esquema simmeliano, o indivíduo é portador concreto
e imediato da realidade histórica. E dele parte ou é o receptáculo das ações e
influências temporais. Respaldado na apreensão histórica da ontologia da formas
sociais, conclui Simmel que somente daí se poderá verificar o que significa a
forma pura de determinação da conduta humana, uma circunstância que ela se
aproxima e desenvolve, com ela é modificada pela natureza perpendicular do
57

seu objeto. Ora, se a natureza histórico-social traz implicações de diferenciação


das formas, o sociólogo não pode distinguir a forma pura e os fenômenos por
meios lógicos. Nos fenômenos históricos, três pontos de vista se imbricam: a)
Individual; b) Interativo e c) Formal.
A seu ver, a Sociologia se ateve aos grandes sistemas de forças recíprocas.
Algo assim ocorreu em detrimento dos fenômenos sociais de mínima monta,
aqueles que correspondem ao cada dia e cada hora. Embora, afirma, sejam
nesses em que se faz a tessitura dos nexos sociais e não no plano institucional. A
assertiva é direta: passos pequenos criam a conexão da unidade histórica. A
prerrogativa se calca na proposição de que os acontecimentos e instintos sociais
tem lugar na alma. Deste ponto de vista, a sociação é fenômeno psíquico.
Interessa, portanto, as motivações, sentimentos, pensamentos, necessidades da
alma. Enfim, importa para o sociólogo como o fator anímico da história se
ordena em uma tipicidade interativa.

Sociologia Geometria
As formas sociológicas só podem ser Pode dispor de modelos simples que
aproximadamente definidas. podem contar com as mais diversas
figuras.

Simmel delimita dois procedimentos analíticos sociológicos: a) Uma forma


deve ser avaliada em vários e distintos conteúdos; b) Interesses sejam observados
em formas específicas. Ambos os procedimentos estão em obediência aos
objetivos sociológicos: o estudo das formas puras de sociação, visando que estas
sejam identificadas, ordenadas sistematicamente e estudadas do ponto de vista
de seu desenvolvimento histórico. Daí porque, para o autor, os eixos da
“Supercordenação” e “subordinação” consistem nas formas elementares da
análise das formas sociais. O primeiro aspecto coteja sem referência ao tempo,
quer dizer, prevalece a abstração, com o propósito de observar a estrutura
específica dos elementos. Já o segundo coteja o tempo, assim, observam-se as
formas considerando sua ocorrência espaço-temporal.
58

Por outro lado, no momento em que o fundamento psicológico substitui


o fundamento fisiológico, Simmel realiza a requalificação semântica do
fenômeno da imortalidade das formas sociológicas, afinal estas últimas não estão
sujeitas, como os indivíduos, a uma limitação temporal predeterminda. Por sua
vez, o indivíduo preenche papel de representante e continuidade do grupo.
Quanto mais impessoal o indivíduo, maior a possibilidade de permanência
ininterrupta da personalidade coletiva.
Coesão das sociedades é, por sua vez, intrínseca à dinâmica de mudança:
certa mudança impede o grupo de solidarizar de tal maneira com tal ou qual
particularidade. À contramão da concepção Durkheim, na perspectiva
simmeliana, a oposição se destaca como fator da dinâmica social, já que a
concorrência traduz o aumento da dependência recíproca. Quando voltada para
dentro, oposição reforça a coesão. Voltada para fora, verbera na diferenciação.
A unidade social é, portanto, o elemento constante que permanece idêntico a si
mesmo, enfim, diz respeito à forma, porque esta é a permanência na
variabilidade. Chave analítica, para o autor, o conflito é o dínamo móvel da
correlação entre formas e conteúdos; o conflito é condição da unidade:

A mais límpida consciência que uma sociedade toma da sua unidade, pelo
efeito da luta, reforça essa unidade e vice-versa. Diz-se que: para nós outros,
homens, cuja faculdade essencial é perceber diferenças, o sentimento do que
é único e harmônico não possa tomar forças de outro modo senão por
contraste com o sentimento contrário. (Op. Cit., p.55)

Em Simmel, manifesta-se evidente quanto o problema em torna da


autocompreensão informa o projeto sociológico. Movida pelo interesse de
conhecimento dos tipos de desenhos e as especificidades histórico-empíricas das
reciprocidades humanas, com Simmel, poderíamos dizer que à sociologia
interessa as formas sociais. Se a forma social consiste tanto no complexo das
interdependências quanto na compreensão e no entendimento que dele se tem,
o próprio conhecimento sociológico redunda não apenas em um discurso sobre
as formas sociais, como cumpre – enquanto parte do complexo em que pessoas
se pressionam mutuamente – um importante papel reflexivo na constituição das
formas.
59

Diante de um e outro aspecto, o(a) analista dedicado(a) ao lugar do nexo


indivíduo e sociedade nos esquemas de raciocínios sociológicos deve considerar
sua tarefa levando em conta:

1- De um lado, como – no repertório conceitual e nas soluções


analíticas de inferências por meios analíticos – os distintos
paradigmas (entendo por estes apenas aqueles consensos
simultaneamente vigentes a respeito do que seja o fazer
sociológico) têm pavimentado em estágios intelectuais, interativos
e institucionais diferenciados um trajeto em que as noções de
indivíduo e de sociedade ou de ação e estrutura, a um só tempo,
consistem no sustentáculo último do modo de cognição da
realidade proposto pela sociologia e no objeto por excelência na
produção desse mesmo saber disciplinar;
2- De outro, embora associado ao item anterior, requer ainda
inquerir as condições sócio-históricas e culturais em que tal
prioridade ontológica concedida ao par indivíduo e sociedade
adquiriu tamanha extensão e envergadura. Enfim, se impõe como
tarefa apreender o dueto como constituindo, também, uma
configuração societária a ser alvo do interesse analítico.

Na confluência dessas duas facetas, o problema se estende pois, entendida


como uma atitude reflexiva inscrita em um circunscrito modo de vida, o
exercício mesmo do conhecimento sociológico se descortina compondo uma
cultura histórica cuja uma das facetas é, justamente, a oposição entre indivíduo e
sociedade, sujeito e objetividade, ação e estrutura, sistema e ação. Não resta
dúvida de que o dueto indivíduo e sociedade e seus desdobramentos ocupam
posição nevrálgica no imaginário que vincula a sociologia às narrativas da
modernidade.
É verdade que na obra de Durkheim (DURKHEIM, 1999, p.108-109;
2000, p.95-96) encontramos elementos para implementar este debate, no
instante quem o autor assevera o quanto de correlato existe entre a complexa
divisão social do trabalho moderna e o predomínio do tipo orgânico de
solidariedade social. Para ele, a sincronia entre ambas é fundamental na
caracterização da sociedade industrial e, nela, da importância que goza o
individualismo como culto laico, conquanto as patologias que podem advir, à
maneira da anomia, ou seja, a atitude manifesta de recusa dos laços coletivos.
Afinal, um efeito da situação rarefeita das representações coletivas nas sociedades
60

modernas seria a dispersão de valores e interesses, mas igualmente a abertura


para reflexão individual.
Mas, sem dúvida, em Simmel, na sua busca da compreensão sobre o ajuste
da parte (no caso, o indivíduo) na dimensão objetiva do social, o despertar
pioneiro para o fato de que a disputa entre os defensores do primado do
indivíduo, contra aqueles que afirmam a antecedência moral e ontológica da
sociedade, inscreve-se na condição mesmo da modernidade e nas modalidade
nela prevalentes de teoria do conhecimento que, centrada na oposição subjetivo
e objetividade, se indispõe com o tema da pluralidade (SIMMEL, 1972, p. 107-
132) e de autoimagem de pessoa. Vejamos mais de perto o seu argumento. De
início, ele se move pela curiosidade a respeito de como se dá a permanência do
vínculo social em meio ao fluxo contínuo de vida e morte dos indivíduos de
geração a geração. Constata como a teia social são formas de reciprocidades que
delas derivam outras formas e excedem espaço-temporalmente a particularidade
do indivíduo. Mas ressalta que algo assim não ocorre à revelia das singularidades
que lhe emprestam seus conteúdos (SIMMEL, 1971, p. 251-293).
É desta plataforma teórico-metodológica que Simmel se volta às
experiências sociais e suas representações que traduzem o modo de vida
moderno como o encadeamento de episódios qualificados pelo desmonte das
autoridades comunitárias medievais e, por contrapartida, a emergência da
singularidade pessoal e da tônica posta na autorresponsabilidade. Mas se para o
autor, a escalada que vai da maneira como a noção de individualidade é tratada
no Renascimento até o liberalismo do século XVIII e o individualismo do século
XIX, ao sedimentarem a associação entre igualdade e liberdade, ainda assim este
dueto consistiria no anátema histórico da modernidade. A seu ver, enquanto
suportes “metafísicos” dos princípios que assinalam a livre-concorrência e a
divisão do trabalho como os ícones da cultura moderna, ao mesmo tempo a
complexidade social gerada no compasso da intenção diferenciação institucional
promovida na e pelas relações sociais se define como um aprofundamento sem
precedentes entre os limites subjetivos e a objetividade societária. Esta última se
autonomiza da função de mediatizar a formação do eu com seus pares para se
tornar um fim em si mesmo, enquanto rede sistêmica técnico-institucional
61

expressa na vitalidade dos artefatos (SIMMEL, 1998, p.41-78). O desfecho da


dialética entre criador e criatura, intrínseca à perspectiva simmeliana sobre a
modernidade, encerra-se na queda do indivíduo no alheamento lacônico diante
e em meio ao conjunto formal de regras comportamentais possuidor de
dinâmica e propriedades independentes dos desejos individuais (1998a, p.79-
120; 1971a, p.249-323).

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