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EDITORA UFMG
DireLor: Wandtr Melo Miranda
VJce-Dlretora: Sllvana. C6Ber
CONSELHO EDITORIAL
Wandcr Melo Miranda (pre1ldentc)
Flávio de Lemo- Camlad.e
Heloln MaJJ.a Murgel Starlfng
Márcfo C"me, Soues
Mar~ d.u Gra.çat Santa 13~.rbara
Marn Júuna Da,na~nc, e SIiva M gall EDCT RAUFMG
,;1~,
P~ 6tr?)IJ Laard• 0eJr1o
6Uvana
.Belo 1lorizontc
20 10
CAPÍTULO I
AS INTERPRETAÇÕES
REPUBLICANAS DE MAQUIAVEL
20
........
0 caso, por exemplo, daqueles que o escutavam nos . .
ublicano, por vezes, tirando delas conclusões que
Orto Oricellari, como Zanobi Buondelmonti e dªr~111s rep , · 4 C t -
Rucellai e, sobretudo, Francesco Guicciardini que osirno ultrapassavam as do propn~ autor. ?~ a res auraçao
» ' procu ; da monarquia inglesa, porem, a repub~1ca retorna ao
refutar algumas das formülaçoes da teona republicana d rou
, . f1 . b e 'd -
tano orentmo na o ra onst eraçoes sobre os Dis o secre -
campo das expectativas e o esforço reflexivo em torno da
. lS . - cursos d forma de governo republicana vai paulatinamente
Maquiave . e esta mte retaçao em chave republ · e
. ,di 1cana nã0 minguando. Ainda assim, as repercussões acerca da
era -de to 1
, do me ta, e a permaneceria, contudo, confiInad recepção do republicanismo italiano, por intermédio de
a um circulo restnto ate meados do s é c:..u lo-i~
:....:...!.:." -v porqque. Harrington, fizeram-se sentir não só no continente euro-
nos anos seguintes.a_sua morte, as obras maqu1avehana . . ue,
peu, mas também em terras americanas, sobretudo, no
sofreram a persegwçao da Igreja, o que colocou O , . s
período pré-revolucionário e revolucionário, quando os
na lista dos livros proibidos e censurou partes d t,rmczpe
valores cívicos foram incorporados pelos pensadores
sobre a primeira década de Tito Lívio E b os . zscursos
nh · . · m ora isso n - daquele momento.
te a unpedido a publicação de suas obras e .
. t b ' io1 o sufi
ª.º
cien e para , arrar o debate aberto sobre seu pensamento- Portanto, a nova interpretação republicana produzida
É na Inglaterra ganha corpo, ultrapassa os limites geográficos
neste penado que o autor ganha a alcunha de s , ..
florentino, um modo velado de referir-se a su fi ecretano e torna-se um patrimônio comum, isto é, um bem cultural
hoje, ao contrário, o identifica plenamente. a igura e que europeu e americano. O principal centro de irradiaç_ão
desta nova imagem de Maquiavel na Europa foi a Holanda,
Foi somente durante as tensões que levar pais sensível às influências provenientes da vizinha ln la-
a tornar-se uma rep ' bli . ama Inglaterra
as leituras republ· u ca, nos anos de 1649 a 1653, que terra e en ao o maior centro de produção de livros existente
icanas encontraram , 1! 0 continem:e.. Fm ah que a obra do pensador florentino
para novamente se d um terreno propicio
esenvolver O · · al · fl ganhou um impulso sem precedentes, fruto das condi-
co.m,a publica - d · pnnc1p m uxo veia
çao e Oe ~ (1656) d J ções editoriais favoráveis e da demanda existente. 5 Esta
que estabeleceu • , e ames Harrington,
-
menta de Maq · uma mterpret - ·
açao articulada do pensa:.. ampla recepção serve como prova do renovado interesse
_ mave13 Oauto · , . pela obra maquiaveliana, tanto que, no fim do século
no secretário fio t; - r e mterprete mglês reconhece
ren moum d l 7, são publicadas nesse país as grandes edições da obra
de um modelo d . pensa or que se põe em defesa
eregime m . ~e- ~aquiavel, editadas por François Testard, tendo sido
nunca de vista as . ' as que, apesar disso, não perde
contmgê · , . . miciadas, não por acaso, com a publicação dos Discursos
uma repúbli ncias as quais a implantação de
case encontr b dº sobre a primeira década de Tito Lívio, reconhecidamente
toniana encontra ª SU or mada. A leitura harring- úma obra republicana.6
va no republ · ·
Milton uma int Icamsmo extremado de John
~
erpretação . Um passo decisivo em direção à consolidação de uma
afirmar colocand concorrente que procurava se
leitura em chave republicana da obra de Maquiavel foi
sobre aprimeira dé~; ::le:o c,e~as partes dos Discursos
Tito Livw de teor mais claramente dado por J. F. Christ, que, em 1731, publicou uma biografia
22 23
, io florentino intitulada De Nicolao
.da do secretar d
sobre a VI i·to encontrava-se marca o por u rn autor republicano, fazendo parte, deste modo d h· t ,
. Ilo Esse escr ••t " . ·t" , a lS O-
Machiave · , . i·nterpretativo. Ao ler a obra maquia- ria da filosofia civ1 e do pensamento moderno. A esta
r. ·stematico e ,
es1orço si . , te colocava não so um problema de compreensão da obra e do pensamento maquiaveliano
. mterpre .
veIiana, 0 bém a questão de sua atualidade. U.rn alinhava-se a interpretação de Diderot, respon~ el~
I ·nua como tam . verbete 7:1achiavellismo em a Grande enciclopédia, fato que
ei '. . da da época de seu surgimento, a obra do
tanto distancia b . , 1, simboli~ a uma ve <ladeira consagraçãQda.in.terp~
,. lida deste modo, como uma o ra Jª c assica7
secretano era , lh'd , de Mauiavel em chave r..epublg:ana.12 O juízo de Rousseau,
encontrava uma boa aco 1 a nos c1rculos
e, apesar diss , O na obra Do contrato social,13 não se diferencia deste último,
. s
intelect11a1s. a não ser elo radicaliill!.Q. Ele apontava quer os Discursos
Sua fortuna, no entanto, foi marcada definitivamente sobre a primeira década de Tito Lívio, quer as Histórias
por um outro evento po~ítico-literário.: a publicação do florentinas, obras nas quais o secretário florentino teria
Antimaquiavel, de Fre~enco II. ~om ~ mtento de c~ntra- expressado de fato sua intenção, enquanto via n' O príncipe
por-se às ideias associadas e difundidas por me10 dos um instrumento por meio do qual, fingindo aconselhar
escritos de Maquiavel, o monarca empenha seus esforços
na contestação das teses do secretário florentino, reunindo
suas objeções no opúsculo acima referido, 9 cuja publicação
l os grandes, dava lições aos povos. Por causa da estatura
filosófica destes intérpretes, os juízos por eles formulados
não poderiam passar despercebidos.
teria ficado aos cuidados de Voltaire. A repercussão que As leituras republicanas encontraram seus limites,
teve o livreto do monarca ültrapassa o valor da própria primeiro, na irrupção da Revolução Francesa, em 1789
obra. É por isso mesmo que serve de testemunho para a e, depois, no advento da Era napoleônica, que iria se
popularidade então adquirida pelo pensador florentino. estabelecer na sequência, a partir de 1799. Assim, com a
O livro de Christ, já mencionado, colheu frutos deste ascensão de Bonaparte, ficavam para trás o humanismo
acontecimento: foi, primeiro, republicado anonimamente e O Ilumin1smo. lmciava-se um tempo de duras disputas,
e, num momento posterior, com a identificação do autor. 10 quando se declarar republicano envolvia sempre alguns
O clamor provocado pelo Antimaquiavel contribuiu, deste riscos. Daí também que as tensões compreendessem a
modo, não apenas para reforçar o inter.esse pela obra e pelo imagem de Maquiavel: de um lado, era o teórico do terror
1
pensamento do secretário florentino mas sobretudo para revolucionário necessário, de outro, voltava a ser, com
consolidar a sua interpretaçao - em chave
' ' . ' que 14
( republicana, seu O príncipe, o preceptor dos tiranos. Apesar de to~os
se tornava aos poucos hegemônica.11 ' · flOrentmo
( estes eventos, a fortuna editorial d o secretario •
Deste modo po , . _ .
nao perdia a sua força o mesmo, porem, ' não acontecia
. ' ucos anos apos a publicação do escnto . a, ace1taçao
. ' - por part e de seus leitores das
de Fredenco II ,
philosoph. d ' saia ª quarta parte da Historia critica re1ativamente
s-bu zae: e Brucker, dedicada à cultura filosófica interpretações até então predominantes.
P mamsta. ~ Ne .
a, aqmavel aparecia como um
24 25
-
. ortanto, no fim do século 18 q e as leituras
Fo1, p llinit 1s A t· d de Maquiavel na chancelaria de Florença, Leonardo Bruni
·canas conheceram seu e..: par ir e então
repub _ d , chamaram a atenção do estudioso alemão, sobretudo po;
foi seguida de interpretaçoes que estacavam na_ obra do
secretário florentino a Rarte voltada para a afuma ~ ter sido ele um dos principais difusores, ao longo do Renas-
do Estado como um artifíci humano a ex~ lo de A cimento, de um pensamento político e moral impregnado
civi ização do Renascimento na Itália ( 1860), d e Jaco.h_ de valores cívicos, do qual o secretário florentino seria 0
Burckhardt. Outro fato que, de alguma forma, atesta a mais eminente herdeiro. No .:_ntanto, para que o projeto
fâlta de prestígio e de interesse que as interpretações até de Baron fosse bem-sucedido no estabelecimento deste
então dominantes incorreram foi o ua o cen ' · e- víncu o, oi necessáilo ainda que ele enfatizasse os aspectos
nasclillen o e aquiavel, realizado em Floren~a, no qual republtcanos da o rama mave ia t'-lllodo que pudesse
o re ublicanism s.ador...flor.entino-~Fete- ser estabelecida_uma lin1!_a de_con...!_inuidade entre a-
dentre os temas dominantes. 16 Apenas na metade final do nistas e Maquiavel. _Esta interpretação ganha, a partir de
~ culo 20 é que, novamente, aparecerá no horizonte d ~ então, terras americanas.
interpretaçoes a obra do secretário florentino. Mas o sucesso da tese de Baron foi determinado em
boa medida pela conversão de Felix Gilbert, outro estu-
dioso alemão imigrado para os EUA no pós-guerra, a
uma concepção mais ou menos semelhante quanto aos
AS INTERPRETAÇÕES REPUBLICANAS vínculos entre Maquiavel e os humanistas. 18 Esta alteração
NO SECULO 20
é perceptível quando se depara com a mudança de posição
do ensaio Il concetto umanistico di prínci e e "11 rínc· e"
As leituras em chave republicana da obra de M . I di Machiavelli e , para o Composizione e struttura
foram novamente revi d , aqwave
resultado d . . - gora as no pos-guerra como dei "Discorsi", de 1955, quando o autor refaz sua interpre-
ernjgrados ;;~n~~~~o :ecisiva_ de estudiososã.lemães tação afirmando a "inclinação do secretária florentino
Bamn encontrou gr d . 4..m particular, a obra de Hans em direção ao humanismo ortodoxo". 19 Ü destaque dado
an erecepf 'd d - a ·e sta- indmaçao uman1sta a obra maquiaveliana é o
mico americano e d t d ivi ª e no ambiente acadê-
d fi ' es e mo o foi c d . gue colocava Gilbert e Baron numa mesma estrada. Deste
e mitivamente os estudos sob' apaz e impulsi?nar
~ua tese, exposta em livro 11 re o tema naquele pais.~ modo~ os Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio
ideá-tio te ubl1cano t . '. de que o ressurgimento do eram mterpretados como uma obra típica do humanismo
da república de Fl ena id motivad elo confro to ( florentino, o que permitia alinhá-la ao republicanismo
f d orença contra t· .
ms o século 14
m .
ª--
e meados do 15
irama de Milão, entre clássico. 20
ov1mento por ele d . , engendrando lliil Esta interpretação encontrou, ao longo dos anos 1960,
am~ . es1gna o e ~ ~ --,,~- ----
r~" acolhida. Neste se t'd umanismo czvico, teve um ambiente favorável para sua difusão. Embora formu-
n I o, os escritos do antecessor lado segundo fundamentos diversos, o republicanismo
26
27
republicanismo, )
desses autores veio a oferecer uma saída para O 1· se autor, o a-
rn ass • ~ 24 Segun o es , .
d americanos, torn
que se encontravam os m er es a istória ~..... . e e!1l
<...., - ....... 11encan sua ~:~deais revoluci?~an~a cultura política de
Isto porque, ate entao, quaisquer que fossem~a . a. 21 ·nspiractor º'" ~ caractenstica
s Inter
tações, elas estavam sempre fundadas no press Pre- l e desde entao uma . d
. . IA . uposto d -s is ·tos historia ores
que o regime mg es e o americano eram a encar _ e t al Povo. 1970 mui
dos anos ' d. -o repu-
individualismo e da afirmação da propriedade n~çao do
l
Ainda ao longo em estudar a tra iça .
Privada
portanto, a b ase estava em uma compreensão 1.b e, intérpretes se oc,u~aram ectos. Autores como Quen~n
, . . . 1 eral e us vanos asp de Baron a
pohtica, cuJas matnzes eram encontradas na obr d da blicana nos se contestar a tese
Locke. Os historiadores pareciam estar destinad ª e John 8) rocuraram fi do ue ao
os a segu· Skinner (197 . os referência, a irman , .
compulsoriamente este caminho. Mas as inte _ir q ue anteriormente fizem d . alemão sustentava vanos
. rpretaçoes , . d que o estu ioso
republicanas d o Renascimento, produzidas po B contrario o . ressurgido durante o co
r ~one entos ue tenam
por Gilbert, apresentaram-se aos olhos desses aut dos e em e Milão .á se encont r a .
, . ores como
uma saida para este impasse. Autores como Bernard Bailyn ent~e Floren a A ob·e ão à referida tese promoVIa um
e G?rdon ~o?d com~rovaram o pcedoroínio da cepubli- penodo comunal l' ~ ç relativamente às origens, retro-
cam~mo classico na literatura de panfleto e nos tratados deslocamento crono ?g1c~ do os humanistas e M a uiavel
cedendo no tem o e insenn , d. ,
polit1cos dos EUA revolucionária e póScrevahJCionácio ~ numa linha de continuidade que viria da Idade Me _ia ate
~este modo, rel'!!!_vizava_n:i-se as origens liberais na forma- .d de Mesmo assim um aspecto essencial d e
a mo derm a . ' d·
( ~ ..9 do pensamento23político americano, em prol de uma tãl tese permanecia intocado, pois t~s a~to,res ten . iai:n
leitura republicana. a sustentar em conformidade a refenda hipotese, a ideia
26
Esta releítura em chave republicana repercutiu no de reafirm;ção dos valores do republicanismo clássico.
esforço do estudioso neozelandês J. G. A. Pocock, que, Exemplo disso é a coletânea Machiavelli and Repu-
em_seu The Machíavellían Moment: Florentine Política/ bJicanisrn,27 pnblicada na segunda metade da década de
~o~ght an thi A tlântíc.Jl.ep.ub./.ic.an...Iradition (l 925) 1980, cujos ensaiqs, em sua maioria, estavam ocupados em
segum num a direção sem elhante, p rocurando demonstrar encontrar elementos a partir dos quais seria possível traçar
que O republicanismo norte-americano p od ia ser situado uma linha de continuidade com épocas anteriores. Neste )
dentro de uma tradição europeia e ocidental. Deixando de sentido, Nicolai Rubinstein afirma que, para se compreen-
lado os vínculos específicos relativamente a como certos der o que os florentinos chamavam de república, é preciso
textos eram lidos e citados em determinados períodos e remontar ao século 14 ou mesmo ao século 13.28 Elena
lugares, 0 autor procurou traçar a relação ent re diversos Fasano Gurini em sua investigação sobre o significado dos
autores republicanos, examinando seus principais textos ~~r1:10s stato e ~ittà, na_obra de Maquiavel, conclui que "a
<:°m ª finalidade de apontar as constantes estruturais~
linguagem republicana ao longo do período escolhido para l 1
!ªº de Maquiavel fo1 profundamente ioflnenciada pela
tradição comunal", à qual ele estava ligado. 29 Giovanni
29
28
or sua vez, apesar de reconhecer na cria ~
SilvanO, d - - -.:. ::..:~. . ao do
Conselho Maior de F oren a um _onto e rup__tura na hi , CRÍTICA E BIBLIOGRAFIA NACIONAL
. da cidade conclui ue o conceito de estado que Ma . -
na , ,. : Uta-
outros ensadores
ve e -=.;:::::..r:..:=.=-"'"-- . pohticosxaotempo.rane.o_~
~~
ti ... L -
aru te das críticas que usualmente são dirigidas a muitas
• Par d , . fl .
vista era essencialmente antimoderno, no sent·d das leituras republicanas da, obra o secret~r_10 orentmo,
- l o
<leque nao o Rensavam como r_d~nação_p.o k;a caracterizando-as de ideologicas ou parciais, tem como
30
i.rlstítucionalmente inde12endente. Robert Black, focand--e- cerne O fato de elas terem atribuído um lugar central
0
na personagem histórica que foi Maquiavel, mostra q no pensamento maquiave,li~no à obra J?iscursos ~obre a
ele, como humanista, burocrata, diplomata e homem ~: primeira década de Tito Ltvto, o que tena acontecido em
estado, foi uma figura de seu tempo, seguindo, portanto detrimento de O príncipe, descartado como uma obra
as velhas tradições da chancelaria florentina. 31 A esta séri~ contingente, que procurava responder a uma questão situada
de ensaios iniciais, seguem-se outros que procuram dar temporal e geograficamente. Afastava-se, com isso, o
ênfase às ideias republicanas de Maquiavel e aos elementos incômodo de ter de se explicar as aparentes contradições
de ligação com a tradição, se~indo nisso o tom geral dado que o escrito dedicado a Lorenzo de Médici provocava ao
pelo artigo de Skinner. O mesmo tom vamos encontrar ser inscrito no conjunto do pensamento de Maquiavel, ~
nas se~ões seguinte~, nos artigos que tratam do legado ao mesmo tempo que se tornava possível demonstrar os
( republicano, os quais tomam Maquiavel como ponto de vínculos dos Discursos com a tradição. 33
passagem para as épocas seguintes. A desqualificação de uma obra em favor de outra teria
A partir do final dos anos 1980, as leituras republicanas sido, por exemplo, o a.!._tifício utilizado por Hans Baron.
e europeias passaram a ser objeto de críticas cada vez mais Segundo seus críticos, para que ele pudesse estabelecer
agudas: abrindo campo para a retomada mais frequente de uma linha de continuidade entre o republicanismo antigo
outras mterpretações da obra maquiaveliana. A historio- e o moderno teria, necessariamente, que dar uma solução
grafia posterior vem dar um novo tratamento à questª9, interpretativa para a obra de 1513. Daí ter procurado
procurando tornar mais frouxos os laços que prendem caracterizá-la como uma obra de ocasião. 34 Além de abrir
Maquiavel ao republicanismo, a exem lo do que fizeram a possibilidade de estabelecer este vínculo de continui-
em _suas 1?t:.T._retaçoes ~ar
Hulliung (1 983), Hanna dade, ele tomava distância também de leituras como
~erucfiel P1tkin O~ITT e ictoria Kahn (1994). Isso signi- a de Friederich Meinecke, que, em sua obra A doutrina ~
ftc~ que a vida civil vai aos poucos deixando de ser um da razão de Estado e seu lugar na modernidade, situaYa..,J) )
ObJeto de estudo privilegiado para dar lugar a temas de pensamento de Maquiavel oa origem da tradiçãa da mzão _ /
[ outra natureza. 32 de. estado, doutrina que colocava em relevo diferentes
elementos do pensamento do secretárjo florentino, fazendo
dele um teórico da força e, or isso mesmo, estran
Co..Q!exto republicano. _Baron distanciava-se desta tradição,
31
30
que opu o governo da virtude <éthos> ao go
-------
for <kratos>, sem colocar efetivamente em q Ver~o da anterior, o uai atin iu u au e e
. - ent re as d uas o bras.
upostas contrad1çoes uestao as
americànas ao longo dos anos 1980, -
Essa leitura do pensamento maquiaveliano r
esponct·1
Aobra \fe Bignotto tem seu valor não só pela interpre-
à intenção mais geral de sua obra, estabelecida ª tação que e~tabelece da obra do ~ecretário florentino, mas
nd0
ainda se encontrava em solo europeu. O objetivo d~~ª também el6 recurso a fi a uelas ,normal-
.
consistia principalmente em localizar as raízes da laron
. fu n da das sobre valores semelh
cu tura
mente usada por aqueles que pensaram a temat1ca nos o
moderna que estanam qua ros os a tores e o ras anteri?rmente menc ·
' 1es afi1rmados pe1os escn·tores pol'1ticos
aque · da A fantes. Temos em vista u a fonte em particular, a obra de Claude
d d l' . 36 A fi . - d n igu1-
Lefort. Este autor re izou uma eitura exemplar do pensa-
. a eli c ass1ca. _e etivaçao es_te seu projeto originário
unp cava, portanto, mêillomaquiaveliano \ m seu livro Le travail de l'ouevre
. a reconstruçao dos ideais republ· -
_ 1canos
clcEs1cos ressurgidos ao longo do século 15 e formulad Machiavel, escrito no mesmo período em que as mais
. , .
teoncament e pe1os h umanzstas czvzcos. A sua interpretação
~
candentes interpretações republicanas concentravam as
1:hrobl'ãcle Maquiavel teria levado a marca deste seu am 1 atenções. Apesar da força de suas teses, elas passaram, em
. - po
proJeto, mas a sua recepçao em terras americanas não foi grande parte, despercebidas nos lugares onde as leih!ras
~capaz de apreender o horizonte no qual ela se inscrevia. repu6licanas estavam mais presentes. O mesmo, porém,
Por causa disso, mesmo quando em momentos posterio- não ocorria no Brasil, onde elas já eram conhecidas desde
res a tese baroniana da ruptura era objetada, 0 alcance a década de 1970.38 M~s, com Bignotto, foram integradas
das críticas era reduzido, pois não tocavam nos aspectos no ~bito de uma leitura republicana do pensamento dÕ
metodológicos e históricos que levaram o estudioso alemão secretário florentino. Isso permitiu pensar e interpretar-a
a formular tal tese. 37 r:lação entre as obras de Maquiavel, de modo que as obje-
Não é o caso de examinar até que ponto essas críticas são ç~es que foram endereçadas às interpretações estrangeiras
nao pudessem ter efeito aqui.
pertinentes, mas de aproveitar a dúvida que lançam sobre
certas leituras republicanas e chamar a atenção para um
aspecto bastante positivo da bibliografia nacional, que faz
com que ela passe ao largo das objeções já mencionadas, O DISCURS(? SOBRE AS FORMAS DE GOVERNO
~mpliando o nosso horizonte de compreensão sobre uma ENTRE O PRINCIPE E OS DISCURSOS
mterpretação republicana da obra do secretário florentino.
No contexto nacional, o livro de Newton Bignotto, Maqui~ l d ~ un:a certa corrente interpretativa do
pensamento
re ublicano, ue se tornou uma referência obri atória ara
quem a ui estuda o ensamento do autor ~ em especial,
r: a~mavel precisou, para tomá-lo como um ensador
otr~~~:~º~:~oia~-se numa leitura da obra do !cretário
a temática republicana, acolh~ e~ boa medida o debate , co ocasse acento nos Discursos sobre a
32 33
pri, ,tini I ::ada tic Tito L{vio em d triment de O ,
,;n,-, Jei:ondo sern soluçi\ n aparente tensão exi
t" . •, ~ d
fr,,,.
ente
Uma tal solução livra a interpretação de Maquiavel da obje-
entre unh s s escntos, tu nao po e ser dit d·,\ obr· ção de privilegiar-se um escrito em detrimento de outro e
de Bignotto, pois re orre à interpretação de Lefort E '' de, assim, furtar-se ao debate, reduzindo e simplificando
... . é d . 1. . sse 0 pensamento do autor. É esta inter_Q!~ta.çà<?.21:!9 final das
autor, s~ 1 ve~, ~o u~v; s e sunp esn1e1}!_e_p_~vilegfàr
contas, que servirá tam~ém como _pon~~e partida_p~'lli\
um dos escritos, para assim se contrapor as outr·':1s 1e·-1-;:.lltras
-
anossa, permi.tind~ pe~1sar articuladamente o rincipado )
demonstrou e.\.'istir um mesmo con 1 ll e_ ptess.up.osto~ ea -reptíbT1ca no interior do Discurso sobre as formas de
- - - --- - -
n ·turus na base do nsamento maquiaveliano
governo._
o que lhe permitiu dissolver as aparentes inco~
- o Discurso sol1re as formas de governo tem como
que nu~araçarain seus leitores. ----- problema original saber qual é a forma de governo mais
~ ndo Lefort,19 as duas obras do secretário florentino apropriada para Florença. Esta indagação emerge diante
partilham wna mesma compreensão de base do fenômeno da necessidade de realizar-se uma reforma nas ordenações
político. Todo e qualquer corpo político encontra-se da cidade. Se de um lado, na análise das condições ali
constituti amente dividido entre aqueles que querem existentes, Maquiavel não se aprofunda na definição do
comandar e oprimir e os demais que simplesmente não que seja um princip·\do, que até uma certa altura figura
no horizonte do autor como uma solução possível para a
querem ser oprimidos (D., 1., 4 e P, IX). É dos diferentes
instabilidade político-institucional de Florença, de outro,
arranjos que se pode dar aos desejos de oprimir/não ser pode-se verificar que a via principesca, assim como a
oprimido que surge um principado ou uma república, pois solução republic.ma têm 1m1a mesma compreensão do que
eles constituem-se no dado fundan1ental das comunidades sejam as conumidades políticas, como, de resto, o secretário
políticas. De acordo com o próprio Maquiavel, "destes dois florentino o diz explicitamente (Disc., 14), seguindo o que
diferentes desejos, nasce nas cidades um dos três efeitos: já dissera em outras obras. Por isso, as diferenças entre
principado, república ou licença" (P, IX). No principado, uma e outra forma de governo ficarão por conta dos traços
há uma autoridade que se coloca acima da comunidade particulares ue <:~~acterizam os diversos corpos políticos, 1
política; na república, não existe subordinação, mas todos conforme tere!~2.~ a 2_2ortunidade de demonstrar, mas não
se conformam a um regime de leis e, por isso, há liberdade; de uma com reensão diversa e contra 1tória do tenomeno
por fim, a ausência de qualquer ordem é a licença, que se político. .
põe no limite da dissolução do corpo político. Além disso, no Discurso sobre as formas de governo,
que é efetivamente um projeto de constituição, Maquiavel
Essa leitura apresenta-se como uma solução consistente
explicita nas suas breves páginas alguns dos aspectos mais
para o problema das supostas contradições da obra do autor relevantes de sua teoria republicana ao"'feumr e sintetizar
florentino ao articular internamente os pressupostos sobre determinados elementos de sua reflexão sobre as formas de
os quais Maquiavel constrói o seu pensamento político.
35
34
rdados em obras· anteriores. Sob este aspect
governo abo " . . o,
a obra em questão tem um~ a~rangenc1a_ maior do que
obras anteriores, como O principe ou os Discursos sobre a
primeira década de Tit~ Lívio. Isto porque, além de exami-
nar e articular entre s1 cada uma das formas de governo
abordadas em outros momentos de sua reflexão, ele as
confronta com a história político-institucional de Florença.
Por isso é que se pode dizer que, apesar de sintético, tal
opúsculo não pode ser reduzido a um panfleto político
de defesa de um só regime. Antes, graças à brevidade ili1
opúsculo, poderíamos mesmo dizer que o que temos em
mãos é um recorte ·á pronto do que poderíamos chamar
d~ teoria das formas de governo e aqu1ave , po en 0
servir de orientação para a leitura das demais obras. -
36