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CARLO GABRIEL KSZAN PANCERA

MAQUIAVEL ENTRE REPÚBLICAS

UNlVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS


Reítor: Clélio Campollna Dlníz
Vice-Reitora: Rocksane de Carvalho Norton

EDITORA UFMG
DireLor: Wandtr Melo Miranda
VJce-Dlretora: Sllvana. C6Ber

CONSELHO EDITORIAL
Wandcr Melo Miranda (pre1ldentc)
Flávio de Lemo- Camlad.e
Heloln MaJJ.a Murgel Starlfng
Márcfo C"me, Soues
Mar~ d.u Gra.çat Santa 13~.rbara
Marn Júuna Da,na~nc, e SIiva M gall EDCT RAUFMG
,;1~,
P~ 6tr?)IJ Laard• 0eJr1o
6Uvana
.Belo 1lorizontc
20 10
CAPÍTULO I

AS INTERPRETAÇÕES
REPUBLICANAS DE MAQUIAVEL

O objetivo deste capítulo é colocar em destaque alguns


dos momentos na história das interpretações de Maquiavel
em que aquelas de matiz republicano ganharam proemi-
nência. Com isso, não pretendemos fazer uma revisão
crítica do conjunto das interpretações nem mesmo da
~ , . tradição de pensamento para a qual elas certamente contri-
m buíram. Ao~ que estiverem interessados numa abordagem
deste gênero, remetemos à obra or anizada or James
~ · s (2000), na qual se encontram vários artigos volta-
dõs para um exame da temática. De fato, a nossa intenção
aqui é bem mais modesta e consiste essencialmente num
esforço de fazer uma apresentação bastante geral destas
leituras para melhor situar a nossa e, em função disso, o
Discurso sobre as formas de governo de Florenca, escrito
de Nicolau Maquiavel, que se constitui no nosso principal
objeto de trabalho.
As interpretações republicanas da obra desse autor
conviveram desde o início com outras que se ocupavam
em pôr em destaque aspectos distintos de seu pensamento.
que fazia com que umas se sobressaísse lizamos nos o empenho em aprc~entar
O movunentto,ras eram obscurecidas, acompanhou O dPc:.~ desse mod o que re a - .- d
d l ~ 11 - d h . to' ria das interprctaçoes republicanas a
m12ntoOU
en't-:-- lítico dos lugares on e e as emergiram. 1 D um esboço a is
votvunento po 1. bl. este obra e do pensamento de Maquiavel.
modo, alem
, da Europa as e1turas repu 1canas tarnb,
• . etn
em solo amencano um 1ugar e um moment
encontraram o
político oportuno para se desenvo1vere~. O predomínio de
uma linha interpretativa em um determma~o período não DO ADVENTO DAS, INTE~PRETAÇÕES
significa, porém, que ela se_to_rnasse exclu,s1va, p ois, ainda REPUBLICANAS ATE O SECULO 19
queesmaecida,outras subs1~t1am sempre as suas margens.
Mas, como este estudo esta voltado para as reflexões de Um resgate das leituras republicanas dos escritos
Maquiavel em torno da república, é às leituras republicanas maquiavelianos leva-nos obrigatoriam ente aos mon~entos
que dirigiremos nossas atenções. de ressurgimento das reflexões em torno da tem~t1c~ na
modernidade, que têm em Maquiavel sua figura pnnc1pal.
Por isso, neste início do trabalho é feito um recorte Ainda que esse autor tenha predecessores preocupados
daqueles momentos nos quais as interpretações republi- com a questão, tais como o humanista Leonardo Bruni~
canas do pensamento maquiaveliano ganharam destaque. no ensamento do secretário florentino ue encontramos
Para realizarmos tal intento, não recorreremos ao estudo as raízes do re u icanismo que alcançou o século 2Q,
direto de fontes, tarefa imprópria para um trabalho deste fornecendo ainda hoje matéria para debates. t. claro que
gênero, mas tomaremos como base a obra de autores que a aemarêação -das- fronteiras que estabelecem o fim da
já empenharam suas energias neste sentido. Assim, num Idade Média pode ser objeto de contestação por parte de
primeiro momento, nos apoiaremos naquela realizada alguns, dado que, por vezes, é possível encontrar elementos
sobre a temática e que ainda hoje se constitui uma impor- de continuidade entre os dois períodos históricos. Este
tante referência para quem quiser tomar conhecimento tipo de debate, porém, é estranho à finalidade de nosso
da fortuna crítica que teve a obra do secretário florentino, trabalho. Por isso, basta-nos aqui o reconhecimento do
desde os anos de seu surgimento até o século 19. Estamos fato de o secretário florentino constituir-se num autor de
especial relevância para o pensamento político moderno
falando a ui do livro Machiavelli nella cultura euro ea
e, no nosso caso, para as reflexões posteriores em torno da
e~l'Et~ Moderna, de Giuliano Procacci, publicado ela forma de governo republicana.
primeira vez em , eescn o tnnta anos
re u 1c ~ O reconhecimento de sua força intelectual, aliás, já
de t a mapear as interpretaçoes e 0 ocorria por parte de seus contemporâneos, tanto por
ª~· que ocorreu ao longo do século 20 valemo-nos de aqueles que o viam a partir da perspectiva de um autor
um numero . d ,
, maior e fontes bibliográficas arranjando-as, inspirador da tirania, quanto daqueles que enxergavam um
Porem, segund linh ili'
~
,
J. Conn 1 º.ª a condutora estabelecida por~ republicanismo incontroverso nos seus escritos. Esse era
____e 'no artigo "Repubblicanesimo e Rinascimento: r,
21

20
........
0 caso, por exemplo, daqueles que o escutavam nos . .
ublicano, por vezes, tirando delas conclusões que
Orto Oricellari, como Zanobi Buondelmonti e dªr~111s rep , · 4 C t -
Rucellai e, sobretudo, Francesco Guicciardini que osirno ultrapassavam as do propn~ autor. ?~ a res auraçao
» ' procu ; da monarquia inglesa, porem, a repub~1ca retorna ao
refutar algumas das formülaçoes da teona republicana d rou
, . f1 . b e 'd -
tano orentmo na o ra onst eraçoes sobre os Dis o secre -
campo das expectativas e o esforço reflexivo em torno da
. lS . - cursos d forma de governo republicana vai paulatinamente
Maquiave . e esta mte retaçao em chave republ · e
. ,di 1cana nã0 minguando. Ainda assim, as repercussões acerca da
era -de to 1
, do me ta, e a permaneceria, contudo, confiInad recepção do republicanismo italiano, por intermédio de
a um circulo restnto ate meados do s é c:..u lo-i~
:....:...!.:." -v porqque. Harrington, fizeram-se sentir não só no continente euro-
nos anos seguintes.a_sua morte, as obras maqu1avehana . . ue,
peu, mas também em terras americanas, sobretudo, no
sofreram a persegwçao da Igreja, o que colocou O , . s
período pré-revolucionário e revolucionário, quando os
na lista dos livros proibidos e censurou partes d t,rmczpe
valores cívicos foram incorporados pelos pensadores
sobre a primeira década de Tito Lívio E b os . zscursos
nh · . · m ora isso n - daquele momento.
te a unpedido a publicação de suas obras e .
. t b ' io1 o sufi
ª.º
cien e para , arrar o debate aberto sobre seu pensamento- Portanto, a nova interpretação republicana produzida
É na Inglaterra ganha corpo, ultrapassa os limites geográficos
neste penado que o autor ganha a alcunha de s , ..
florentino, um modo velado de referir-se a su fi ecretano e torna-se um patrimônio comum, isto é, um bem cultural
hoje, ao contrário, o identifica plenamente. a igura e que europeu e americano. O principal centro de irradiaç_ão
desta nova imagem de Maquiavel na Europa foi a Holanda,
Foi somente durante as tensões que levar pais sensível às influências provenientes da vizinha ln la-
a tornar-se uma rep ' bli . ama Inglaterra
as leituras republ· u ca, nos anos de 1649 a 1653, que terra e en ao o maior centro de produção de livros existente
icanas encontraram , 1! 0 continem:e.. Fm ah que a obra do pensador florentino
para novamente se d um terreno propicio
esenvolver O · · al · fl ganhou um impulso sem precedentes, fruto das condi-
co.m,a publica - d · pnnc1p m uxo veia
çao e Oe ~ (1656) d J ções editoriais favoráveis e da demanda existente. 5 Esta
que estabeleceu • , e ames Harrington,
-
menta de Maq · uma mterpret - ·
açao articulada do pensa:.. ampla recepção serve como prova do renovado interesse
_ mave13 Oauto · , . pela obra maquiaveliana, tanto que, no fim do século
no secretário fio t; - r e mterprete mglês reconhece
ren moum d l 7, são publicadas nesse país as grandes edições da obra
de um modelo d . pensa or que se põe em defesa
eregime m . ~e- ~aquiavel, editadas por François Testard, tendo sido
nunca de vista as . ' as que, apesar disso, não perde
contmgê · , . . miciadas, não por acaso, com a publicação dos Discursos
uma repúbli ncias as quais a implantação de
case encontr b dº sobre a primeira década de Tito Lívio, reconhecidamente
toniana encontra ª SU or mada. A leitura harring- úma obra republicana.6
va no republ · ·
Milton uma int Icamsmo extremado de John

~
erpretação . Um passo decisivo em direção à consolidação de uma
afirmar colocand concorrente que procurava se
leitura em chave republicana da obra de Maquiavel foi
sobre aprimeira dé~; ::le:o c,e~as partes dos Discursos
Tito Livw de teor mais claramente dado por J. F. Christ, que, em 1731, publicou uma biografia

22 23
, io florentino intitulada De Nicolao
.da do secretar d
sobre a VI i·to encontrava-se marca o por u rn autor republicano, fazendo parte, deste modo d h· t ,
. Ilo Esse escr ••t " . ·t" , a lS O-
Machiave · , . i·nterpretativo. Ao ler a obra maquia- ria da filosofia civ1 e do pensamento moderno. A esta
r. ·stematico e ,
es1orço si . , te colocava não so um problema de compreensão da obra e do pensamento maquiaveliano
. mterpre .
veIiana, 0 bém a questão de sua atualidade. U.rn alinhava-se a interpretação de Diderot, respon~ el~
I ·nua como tam . verbete 7:1achiavellismo em a Grande enciclopédia, fato que
ei '. . da da época de seu surgimento, a obra do
tanto distancia b . , 1, simboli~ a uma ve <ladeira consagraçãQda.in.terp~
,. lida deste modo, como uma o ra Jª c assica7
secretano era , lh'd , de Mauiavel em chave r..epublg:ana.12 O juízo de Rousseau,
encontrava uma boa aco 1 a nos c1rculos
e, apesar diss , O na obra Do contrato social,13 não se diferencia deste último,
. s
intelect11a1s. a não ser elo radicaliill!.Q. Ele apontava quer os Discursos
Sua fortuna, no entanto, foi marcada definitivamente sobre a primeira década de Tito Lívio, quer as Histórias
por um outro evento po~ítico-literário.: a publicação do florentinas, obras nas quais o secretário florentino teria
Antimaquiavel, de Fre~enco II. ~om ~ mtento de c~ntra- expressado de fato sua intenção, enquanto via n' O príncipe
por-se às ideias associadas e difundidas por me10 dos um instrumento por meio do qual, fingindo aconselhar
escritos de Maquiavel, o monarca empenha seus esforços
na contestação das teses do secretário florentino, reunindo
suas objeções no opúsculo acima referido, 9 cuja publicação
l os grandes, dava lições aos povos. Por causa da estatura
filosófica destes intérpretes, os juízos por eles formulados
não poderiam passar despercebidos.
teria ficado aos cuidados de Voltaire. A repercussão que As leituras republicanas encontraram seus limites,
teve o livreto do monarca ültrapassa o valor da própria primeiro, na irrupção da Revolução Francesa, em 1789
obra. É por isso mesmo que serve de testemunho para a e, depois, no advento da Era napoleônica, que iria se
popularidade então adquirida pelo pensador florentino. estabelecer na sequência, a partir de 1799. Assim, com a
O livro de Christ, já mencionado, colheu frutos deste ascensão de Bonaparte, ficavam para trás o humanismo
acontecimento: foi, primeiro, republicado anonimamente e O Ilumin1smo. lmciava-se um tempo de duras disputas,
e, num momento posterior, com a identificação do autor. 10 quando se declarar republicano envolvia sempre alguns
O clamor provocado pelo Antimaquiavel contribuiu, deste riscos. Daí também que as tensões compreendessem a
modo, não apenas para reforçar o inter.esse pela obra e pelo imagem de Maquiavel: de um lado, era o teórico do terror
1
pensamento do secretário florentino mas sobretudo para revolucionário necessário, de outro, voltava a ser, com
consolidar a sua interpretaçao - em chave
' ' . ' que 14
( republicana, seu O príncipe, o preceptor dos tiranos. Apesar de to~os
se tornava aos poucos hegemônica.11 ' · flOrentmo
( estes eventos, a fortuna editorial d o secretario •
Deste modo po , . _ .
nao perdia a sua força o mesmo, porem, ' não acontecia
. ' ucos anos apos a publicação do escnto . a, ace1taçao
. ' - por part e de seus leitores das
de Fredenco II ,
philosoph. d ' saia ª quarta parte da Historia critica re1ativamente
s-bu zae: e Brucker, dedicada à cultura filosófica interpretações até então predominantes.
P mamsta. ~ Ne .
a, aqmavel aparecia como um

24 25
-
. ortanto, no fim do século 18 q e as leituras
Fo1, p llinit 1s A t· d de Maquiavel na chancelaria de Florença, Leonardo Bruni
·canas conheceram seu e..: par ir e então
repub _ d , chamaram a atenção do estudioso alemão, sobretudo po;
foi seguida de interpretaçoes que estacavam na_ obra do
secretário florentino a Rarte voltada para a afuma ~ ter sido ele um dos principais difusores, ao longo do Renas-
do Estado como um artifíci humano a ex~ lo de A cimento, de um pensamento político e moral impregnado
civi ização do Renascimento na Itália ( 1860), d e Jaco.h_ de valores cívicos, do qual o secretário florentino seria 0
Burckhardt. Outro fato que, de alguma forma, atesta a mais eminente herdeiro. No .:_ntanto, para que o projeto
fâlta de prestígio e de interesse que as interpretações até de Baron fosse bem-sucedido no estabelecimento deste
então dominantes incorreram foi o ua o cen ' · e- víncu o, oi necessáilo ainda que ele enfatizasse os aspectos
nasclillen o e aquiavel, realizado em Floren~a, no qual republtcanos da o rama mave ia t'-lllodo que pudesse
o re ublicanism s.ador...flor.entino-~Fete- ser estabelecida_uma lin1!_a de_con...!_inuidade entre a-
dentre os temas dominantes. 16 Apenas na metade final do nistas e Maquiavel. _Esta interpretação ganha, a partir de
~ culo 20 é que, novamente, aparecerá no horizonte d ~ então, terras americanas.
interpretaçoes a obra do secretário florentino. Mas o sucesso da tese de Baron foi determinado em
boa medida pela conversão de Felix Gilbert, outro estu-
dioso alemão imigrado para os EUA no pós-guerra, a
uma concepção mais ou menos semelhante quanto aos
AS INTERPRETAÇÕES REPUBLICANAS vínculos entre Maquiavel e os humanistas. 18 Esta alteração
NO SECULO 20
é perceptível quando se depara com a mudança de posição
do ensaio Il concetto umanistico di prínci e e "11 rínc· e"
As leituras em chave republicana da obra de M . I di Machiavelli e , para o Composizione e struttura
foram novamente revi d , aqwave
resultado d . . - gora as no pos-guerra como dei "Discorsi", de 1955, quando o autor refaz sua interpre-
ernjgrados ;;~n~~~~o :ecisiva_ de estudiososã.lemães tação afirmando a "inclinação do secretária florentino
Bamn encontrou gr d . 4..m particular, a obra de Hans em direção ao humanismo ortodoxo". 19 Ü destaque dado
an erecepf 'd d - a ·e sta- indmaçao uman1sta a obra maquiaveliana é o
mico americano e d t d ivi ª e no ambiente acadê-
d fi ' es e mo o foi c d . gue colocava Gilbert e Baron numa mesma estrada. Deste
e mitivamente os estudos sob' apaz e impulsi?nar
~ua tese, exposta em livro 11 re o tema naquele pais.~ modo~ os Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio
ideá-tio te ubl1cano t . '. de que o ressurgimento do eram mterpretados como uma obra típica do humanismo
da república de Fl ena id motivad elo confro to ( florentino, o que permitia alinhá-la ao republicanismo
f d orença contra t· .
ms o século 14
m .
ª--
e meados do 15
irama de Milão, entre clássico. 20
ov1mento por ele d . , engendrando lliil Esta interpretação encontrou, ao longo dos anos 1960,
am~ . es1gna o e ~ ~ --,,~- ----
r~" acolhida. Neste se t'd umanismo czvico, teve um ambiente favorável para sua difusão. Embora formu-
n I o, os escritos do antecessor lado segundo fundamentos diversos, o republicanismo

26
27
republicanismo, )
desses autores veio a oferecer uma saída para O 1· se autor, o a-
rn ass • ~ 24 Segun o es , .
d americanos, torn
que se encontravam os m er es a istória ~..... . e e!1l
<...., - ....... 11encan sua ~:~deais revoluci?~an~a cultura política de
Isto porque, ate entao, quaisquer que fossem~a . a. 21 ·nspiractor º'" ~ caractenstica
s Inter
tações, elas estavam sempre fundadas no press Pre- l e desde entao uma . d
. . IA . uposto d -s is ·tos historia ores
que o regime mg es e o americano eram a encar _ e t al Povo. 1970 mui
dos anos ' d. -o repu-
individualismo e da afirmação da propriedade n~çao do

l
Ainda ao longo em estudar a tra iça .
Privada
portanto, a b ase estava em uma compreensão 1.b e, intérpretes se oc,u~aram ectos. Autores como Quen~n
, . . . 1 eral e us vanos asp de Baron a
pohtica, cuJas matnzes eram encontradas na obr d da blicana nos se contestar a tese
Locke. Os historiadores pareciam estar destinad ª e John 8) rocuraram fi do ue ao
os a segu· Skinner (197 . os referência, a irman , .
compulsoriamente este caminho. Mas as inte _ir q ue anteriormente fizem d . alemão sustentava vanos
. rpretaçoes , . d que o estu ioso
republicanas d o Renascimento, produzidas po B contrario o . ressurgido durante o co
r ~one entos ue tenam
por Gilbert, apresentaram-se aos olhos desses aut dos e em e Milão .á se encont r a .
, . ores como
uma saida para este impasse. Autores como Bernard Bailyn ent~e Floren a A ob·e ão à referida tese promoVIa um
e G?rdon ~o?d com~rovaram o pcedoroínio da cepubli- penodo comunal l' ~ ç relativamente às origens, retro-
cam~mo classico na literatura de panfleto e nos tratados deslocamento crono ?g1c~ do os humanistas e M a uiavel
cedendo no tem o e insenn , d. ,
polit1cos dos EUA revolucionária e póScrevahJCionácio ~ numa linha de continuidade que viria da Idade Me _ia ate
~este modo, rel'!!!_vizava_n:i-se as origens liberais na forma- .d de Mesmo assim um aspecto essencial d e
a mo derm a . ' d·
( ~ ..9 do pensamento23político americano, em prol de uma tãl tese permanecia intocado, pois t~s a~to,res ten . iai:n
leitura republicana. a sustentar em conformidade a refenda hipotese, a ideia
26
Esta releítura em chave republicana repercutiu no de reafirm;ção dos valores do republicanismo clássico.
esforço do estudioso neozelandês J. G. A. Pocock, que, Exemplo disso é a coletânea Machiavelli and Repu-
em_seu The Machíavellían Moment: Florentine Política/ bJicanisrn,27 pnblicada na segunda metade da década de
~o~ght an thi A tlântíc.Jl.ep.ub./.ic.an...Iradition (l 925) 1980, cujos ensaiqs, em sua maioria, estavam ocupados em
segum num a direção sem elhante, p rocurando demonstrar encontrar elementos a partir dos quais seria possível traçar
que O republicanismo norte-americano p od ia ser situado uma linha de continuidade com épocas anteriores. Neste )
dentro de uma tradição europeia e ocidental. Deixando de sentido, Nicolai Rubinstein afirma que, para se compreen-
lado os vínculos específicos relativamente a como certos der o que os florentinos chamavam de república, é preciso
textos eram lidos e citados em determinados períodos e remontar ao século 14 ou mesmo ao século 13.28 Elena
lugares, 0 autor procurou traçar a relação ent re diversos Fasano Gurini em sua investigação sobre o significado dos
autores republicanos, examinando seus principais textos ~~r1:10s stato e ~ittà, na_obra de Maquiavel, conclui que "a
<:°m ª finalidade de apontar as constantes estruturais~
linguagem republicana ao longo do período escolhido para l 1
!ªº de Maquiavel fo1 profundamente ioflnenciada pela
tradição comunal", à qual ele estava ligado. 29 Giovanni

29
28
or sua vez, apesar de reconhecer na cria ~
SilvanO, d - - -.:. ::..:~. . ao do
Conselho Maior de F oren a um _onto e rup__tura na hi , CRÍTICA E BIBLIOGRAFIA NACIONAL
. da cidade conclui ue o conceito de estado que Ma . -
na , ,. : Uta-
outros ensadores
ve e -=.;:::::..r:..:=.=-"'"-- . pohticosxaotempo.rane.o_~
~~
ti ... L -
aru te das críticas que usualmente são dirigidas a muitas
• Par d , . fl .
vista era essencialmente antimoderno, no sent·d das leituras republicanas da, obra o secret~r_10 orentmo,
- l o
<leque nao o Rensavam como r_d~nação_p.o k;a caracterizando-as de ideologicas ou parciais, tem como
30
i.rlstítucionalmente inde12endente. Robert Black, focand--e- cerne O fato de elas terem atribuído um lugar central
0
na personagem histórica que foi Maquiavel, mostra q no pensamento maquiave,li~no à obra J?iscursos ~obre a
ele, como humanista, burocrata, diplomata e homem ~: primeira década de Tito Ltvto, o que tena acontecido em
estado, foi uma figura de seu tempo, seguindo, portanto detrimento de O príncipe, descartado como uma obra
as velhas tradições da chancelaria florentina. 31 A esta séri~ contingente, que procurava responder a uma questão situada
de ensaios iniciais, seguem-se outros que procuram dar temporal e geograficamente. Afastava-se, com isso, o
ênfase às ideias republicanas de Maquiavel e aos elementos incômodo de ter de se explicar as aparentes contradições
de ligação com a tradição, se~indo nisso o tom geral dado que o escrito dedicado a Lorenzo de Médici provocava ao
pelo artigo de Skinner. O mesmo tom vamos encontrar ser inscrito no conjunto do pensamento de Maquiavel, ~
nas se~ões seguinte~, nos artigos que tratam do legado ao mesmo tempo que se tornava possível demonstrar os
( republicano, os quais tomam Maquiavel como ponto de vínculos dos Discursos com a tradição. 33
passagem para as épocas seguintes. A desqualificação de uma obra em favor de outra teria
A partir do final dos anos 1980, as leituras republicanas sido, por exemplo, o a.!._tifício utilizado por Hans Baron.
e europeias passaram a ser objeto de críticas cada vez mais Segundo seus críticos, para que ele pudesse estabelecer
agudas: abrindo campo para a retomada mais frequente de uma linha de continuidade entre o republicanismo antigo
outras mterpretações da obra maquiaveliana. A historio- e o moderno teria, necessariamente, que dar uma solução
grafia posterior vem dar um novo tratamento à questª9, interpretativa para a obra de 1513. Daí ter procurado
procurando tornar mais frouxos os laços que prendem caracterizá-la como uma obra de ocasião. 34 Além de abrir
Maquiavel ao republicanismo, a exem lo do que fizeram a possibilidade de estabelecer este vínculo de continui-
em _suas 1?t:.T._retaçoes ~ar
Hulliung (1 983), Hanna dade, ele tomava distância também de leituras como
~erucfiel P1tkin O~ITT e ictoria Kahn (1994). Isso signi- a de Friederich Meinecke, que, em sua obra A doutrina ~
ftc~ que a vida civil vai aos poucos deixando de ser um da razão de Estado e seu lugar na modernidade, situaYa..,J) )
ObJeto de estudo privilegiado para dar lugar a temas de pensamento de Maquiavel oa origem da tradiçãa da mzão _ /
[ outra natureza. 32 de. estado, doutrina que colocava em relevo diferentes
elementos do pensamento do secretárjo florentino, fazendo
dele um teórico da força e, or isso mesmo, estran
Co..Q!exto republicano. _Baron distanciava-se desta tradição,

31
30
que opu o governo da virtude <éthos> ao go
-------
for <kratos>, sem colocar efetivamente em q Ver~o da anterior, o uai atin iu u au e e
. - ent re as d uas o bras.
upostas contrad1çoes uestao as
americànas ao longo dos anos 1980, -
Essa leitura do pensamento maquiaveliano r
esponct·1
Aobra \fe Bignotto tem seu valor não só pela interpre-
à intenção mais geral de sua obra, estabelecida ª tação que e~tabelece da obra do ~ecretário florentino, mas
nd0
ainda se encontrava em solo europeu. O objetivo d~~ª também el6 recurso a fi a uelas ,normal-
.
consistia principalmente em localizar as raízes da laron
. fu n da das sobre valores semelh
cu tura
mente usada por aqueles que pensaram a temat1ca nos o
moderna que estanam qua ros os a tores e o ras anteri?rmente menc ·
' 1es afi1rmados pe1os escn·tores pol'1ticos
aque · da A fantes. Temos em vista u a fonte em particular, a obra de Claude
d d l' . 36 A fi . - d n igu1-
Lefort. Este autor re izou uma eitura exemplar do pensa-
. a eli c ass1ca. _e etivaçao es_te seu projeto originário
unp cava, portanto, mêillomaquiaveliano \ m seu livro Le travail de l'ouevre
. a reconstruçao dos ideais republ· -
_ 1canos
clcEs1cos ressurgidos ao longo do século 15 e formulad Machiavel, escrito no mesmo período em que as mais
. , .
teoncament e pe1os h umanzstas czvzcos. A sua interpretação
~
candentes interpretações republicanas concentravam as
1:hrobl'ãcle Maquiavel teria levado a marca deste seu am 1 atenções. Apesar da força de suas teses, elas passaram, em
. - po
proJeto, mas a sua recepçao em terras americanas não foi grande parte, despercebidas nos lugares onde as leih!ras
~capaz de apreender o horizonte no qual ela se inscrevia. repu6licanas estavam mais presentes. O mesmo, porém,
Por causa disso, mesmo quando em momentos posterio- não ocorria no Brasil, onde elas já eram conhecidas desde
res a tese baroniana da ruptura era objetada, 0 alcance a década de 1970.38 M~s, com Bignotto, foram integradas
das críticas era reduzido, pois não tocavam nos aspectos no ~bito de uma leitura republicana do pensamento dÕ
metodológicos e históricos que levaram o estudioso alemão secretário florentino. Isso permitiu pensar e interpretar-a
a formular tal tese. 37 r:lação entre as obras de Maquiavel, de modo que as obje-
Não é o caso de examinar até que ponto essas críticas são ç~es que foram endereçadas às interpretações estrangeiras
nao pudessem ter efeito aqui.
pertinentes, mas de aproveitar a dúvida que lançam sobre
certas leituras republicanas e chamar a atenção para um
aspecto bastante positivo da bibliografia nacional, que faz
com que ela passe ao largo das objeções já mencionadas, O DISCURS(? SOBRE AS FORMAS DE GOVERNO
~mpliando o nosso horizonte de compreensão sobre uma ENTRE O PRINCIPE E OS DISCURSOS
mterpretação republicana da obra do secretário florentino.
No contexto nacional, o livro de Newton Bignotto, Maqui~ l d ~ un:a certa corrente interpretativa do
pensamento
re ublicano, ue se tornou uma referência obri atória ara
quem a ui estuda o ensamento do autor ~ em especial,
r: a~mavel precisou, para tomá-lo como um ensador
otr~~~:~º~:~oia~-se numa leitura da obra do !cretário
a temática republicana, acolh~ e~ boa medida o debate , co ocasse acento nos Discursos sobre a

32 33
pri, ,tini I ::ada tic Tito L{vio em d triment de O ,
,;n,-, Jei:ondo sern soluçi\ n aparente tensão exi
t" . •, ~ d
fr,,,.
ente
Uma tal solução livra a interpretação de Maquiavel da obje-
entre unh s s escntos, tu nao po e ser dit d·,\ obr· ção de privilegiar-se um escrito em detrimento de outro e
de Bignotto, pois re orre à interpretação de Lefort E '' de, assim, furtar-se ao debate, reduzindo e simplificando
... . é d . 1. . sse 0 pensamento do autor. É esta inter_Q!~ta.çà<?.21:!9 final das
autor, s~ 1 ve~, ~o u~v; s e sunp esn1e1}!_e_p_~vilegfàr
contas, que servirá tam~ém como _pon~~e partida_p~'lli\
um dos escritos, para assim se contrapor as outr·':1s 1e·-1-;:.lltras
-
anossa, permi.tind~ pe~1sar articuladamente o rincipado )
demonstrou e.\.'istir um mesmo con 1 ll e_ ptess.up.osto~ ea -reptíbT1ca no interior do Discurso sobre as formas de
- - - --- - -
n ·turus na base do nsamento maquiaveliano
governo._
o que lhe permitiu dissolver as aparentes inco~
- o Discurso sol1re as formas de governo tem como
que nu~araçarain seus leitores. ----- problema original saber qual é a forma de governo mais
~ ndo Lefort,19 as duas obras do secretário florentino apropriada para Florença. Esta indagação emerge diante
partilham wna mesma compreensão de base do fenômeno da necessidade de realizar-se uma reforma nas ordenações
político. Todo e qualquer corpo político encontra-se da cidade. Se de um lado, na análise das condições ali
constituti amente dividido entre aqueles que querem existentes, Maquiavel não se aprofunda na definição do
comandar e oprimir e os demais que simplesmente não que seja um princip·\do, que até uma certa altura figura
no horizonte do autor como uma solução possível para a
querem ser oprimidos (D., 1., 4 e P, IX). É dos diferentes
instabilidade político-institucional de Florença, de outro,
arranjos que se pode dar aos desejos de oprimir/não ser pode-se verificar que a via principesca, assim como a
oprimido que surge um principado ou uma república, pois solução republic.ma têm 1m1a mesma compreensão do que
eles constituem-se no dado fundan1ental das comunidades sejam as conumidades políticas, como, de resto, o secretário
políticas. De acordo com o próprio Maquiavel, "destes dois florentino o diz explicitamente (Disc., 14), seguindo o que
diferentes desejos, nasce nas cidades um dos três efeitos: já dissera em outras obras. Por isso, as diferenças entre
principado, república ou licença" (P, IX). No principado, uma e outra forma de governo ficarão por conta dos traços
há uma autoridade que se coloca acima da comunidade particulares ue <:~~acterizam os diversos corpos políticos, 1
política; na república, não existe subordinação, mas todos conforme tere!~2.~ a 2_2ortunidade de demonstrar, mas não
se conformam a um regime de leis e, por isso, há liberdade; de uma com reensão diversa e contra 1tória do tenomeno
por fim, a ausência de qualquer ordem é a licença, que se político. .
põe no limite da dissolução do corpo político. Além disso, no Discurso sobre as formas de governo,
que é efetivamente um projeto de constituição, Maquiavel
Essa leitura apresenta-se como uma solução consistente
explicita nas suas breves páginas alguns dos aspectos mais
para o problema das supostas contradições da obra do autor relevantes de sua teoria republicana ao"'feumr e sintetizar
florentino ao articular internamente os pressupostos sobre determinados elementos de sua reflexão sobre as formas de
os quais Maquiavel constrói o seu pensamento político.
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rdados em obras· anteriores. Sob este aspect
governo abo " . . o,
a obra em questão tem um~ a~rangenc1a_ maior do que
obras anteriores, como O principe ou os Discursos sobre a
primeira década de Tit~ Lívio. Isto porque, além de exami-
nar e articular entre s1 cada uma das formas de governo
abordadas em outros momentos de sua reflexão, ele as
confronta com a história político-institucional de Florença.
Por isso é que se pode dizer que, apesar de sintético, tal
opúsculo não pode ser reduzido a um panfleto político
de defesa de um só regime. Antes, graças à brevidade ili1
opúsculo, poderíamos mesmo dizer que o que temos em
mãos é um recorte ·á pronto do que poderíamos chamar
d~ teoria das formas de governo e aqu1ave , po en 0
servir de orientação para a leitura das demais obras. -

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