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EXPANSÃO CANAVIEIRA E TRANSFORMAÇÕES NO ESPAÇO AGRÁRIO

DO MUNICÍPIO DE SANTA RITA: O CASO DO NÚCLEO DE


URBANIZAÇÃO RURAL DE LEROLÂNDIA

Eduardo Rodrigues Viana de Lima


Emilia Moreira(orientadora)

RESUMO:

Este trabalho focaliza as transformações ocorridas na organização do espaço agrário do


município de Santa Rita – PB, em decorrência da expansão da atividade canavieira,
através do estudo de caso do Núcleo de Urbanização Rural de Lerolândia. Além da
pesquisa bibliográfica o estudo baseou-se em pesquisa de campo e em informações
censitárias levantadas junto ao IBGE. Constatou-se que: a) as transformações
processadas no espaço agrário de Santa Rita visaram unicamente o atendimento e a
realização das necessidades de expansão da atividade canavieira; b) estas
transformações são viabilizadas e reforçadas pelo Estado, seja em nível local, regional
ou nacional; c) o Núcleo de Urbanização Rural de Lerolândia constitui mais um
exemplo da política contraditória do Estado que de um lado garante a dominação e a
expansão do capital sobre a agricultura e de outro, tenta atenuar seus efeitos com a
execução de projetos que visam reter parte da população expulsa das propriedades na
zona rural.

Palavras chave: espaço agrário; urbanização rural; atividade canavieira.

RÉSUMÉ:

Le focus du travail sont les transformations dans l’organisation de l’espace agraire du


“município de Santa Rita –PB”, identifiées dans l’étude de cas du Núcleo de
Urbanização Rural de Lerolândia, resultantes de l’expansion de l’activité de la canne-à-
sucre. Au délà de la recherche bibliographique, la recherche direct et les informations
censitaires ont conduit le travail. On a constaté le suivante: a) les transformations dans
l’espace agraire de Santa Rita ont visé uniquement l’atendiment et la réalisation des
besoins d’expansion de l’activité de la canne-à-sucre; b) ces transformations ont été
réforcées par l’état, en niveau local, regional et national; c) le Núcleo de Urbanização
Rural de Lerolândia constitue un exemple de plus de la politique de l’état qui dans cotê
garante la domination et l’expantion du capital sur l’agriculture et de l’autre cotê, essaie
atenuer ses effets avec l’éxecution des projets de fixation de la population dans la zone
rurale.

Mots clés: espace agraire; urbanisation rurale; activité de la canne-à-sucre

I - INTRODUÇÃO
A experiência adquirida enquanto estudante de Geografia no Departamento de
Geociências da Universidade Federal da Paraíba permitiu-nos desenvolver uma
compreensão dialética do espaço levando-nos a buscar além da aparência a resposta
para as questões formuladas.
Foi essa perspectiva que conduziu a escolha do objeto de estudo. A preocupação
com o tema surgiu no momento em que observamos uma séria contradição no seio de
organização do espaço agrário do município de Santa Rita, situado na Zona da Mata
Paraibana: ao mesmo tempo em que a atividade canavieira se expandia às custas de um
processo muito intenso de expulsão-expropriação do trabalhador rural, simultaneamente
desenvolvia-se, com o apoio da prefeitura local, um projeto denominado de
“urbanização rural” que tinha por objetivo “fixar a população rural no campo, oferecer-
lhes melhores condições de sobrevivência, com a instalação na zona rural de
aglomerados beneficiados com infra-estrutura urbana (água, eletricidade, saneamento
básico, serviços médicos, educacionais e de transporte etc)”. A procura de explicações
mais profundas para o fato nos levou a realização deste trabalho.
Sabe-se que, com a penetração do capitalismo no campo, ocorre um processo de
assalariamento do trabalhador rural. No caso particular da Zona da Mata Paraibana onde
está inserido o município de Santa Rita, esse processo intensificou-se após o incentivo
do governo à modernização da atividade canavieira através da criação do Proalcool.
Sobre este processo de assalariamento, Marx afirma o seguinte:
“O processo que cria o sistema capitalista consiste no processo que
retira do trabalhador a propriedade dos seus meios de trabalho, um
processo que transforma em capital os meios sociais de subsistência e os
de produção e converte em assalariados os produtores diretos (...). A
expropriação do produtor rural, do camponês que fica assim privado de
suas terras, constitui a base de todo o processo” (Marx, K. 1971: p.830).
Mas no desenvolvimento do capitalismo, a dominação do capital no campo não
pressupõe a total destruição das formas pré-capitalistas de produção. Isto porque, em
decorrência de sua própria necessidade, o capital em certas ocasiões, não por
impossibilidade, mas devido a própria forma que assume o seu desenvolvimento, pode
não transformar as relações de trabalho, mas a elas agregar novas características
decorrentes da necessidade da elevação da taxa de lucro, ou seja, da racionalidade
econômica sob o ponto de vista do capital (Silva, 1981 e 1982; Cantalice, 1984).
As hipóteses norteadoras do trabalho são as seguintes: a) os Núcleos de
Urbanização Rural foram criados em Santa Rita para abrigar parte das famílias de
camponeses expulsas do campo na Zona da Mata Paraibana durante o processo de
expansão do Proalcool, visando garantir a mão-de-obra necessária à atividade canavieira
nos períodos de safra, só que agora na condição de assalariados; b) a população
residente nos núcleos é composta dominantemente de antigos produtores diretos
(moradores, sitiantes); c) a criação de conjuntos habitacionais em meio rural embora
não impeça a expulsão do campesinato e sua transformação em bóia-fria atenua a
migração para as periferias urbanas.
Para a realização do estudo foram utilizados procedimentos e técnicas de
pesquisa diversos: a) levantamento bibliográfico; b) trabalho de campo: c) levantamento
e a análise de dados secundários: d) análise dos dados colhidos na pesquisa direta; e)
elaboração de um mapa de localização, de esboços cartográficos e tabelas.
A pesquisa de campo desenvolveu-se em três etapas: visitas de reconhecimento
para definir a área de investigação, aplicação de questionários e realização de
entrevistas.
As visitas de reconhecimento realizaram-se no segundo semestre de 1983, e no
primeiro semestre de 1984. Elas possibilitaram um contato preliminar com os três
Núcleos de Urbanização Rural existentes no município de Santa Rita denominados de
Odilândia, Lerolândia e Emanuelândia. Esses três aglomerados populacionais
apresentam as mesmas características do ponto de vista da origem e da forma de
organização. Dada às condições de tempo de que se dispunha para a realização do
estudo escolheu-se apenas um desses Núcleos como objeto de investigação. Trata-se do
Núcleo de Urbanização Rural de Lerolândia, de criação mais recente e situado
praticamente dentro dos partidos de cana do município.
A aplicação de questionários foi feita junto aos chefes de família em 58
domicílios do Núcleo (25% do total de domicílios ali existentes) escolhidos
aleatoriamente, segundo o tipo de construção. Levou-se em consideração porém a
necessidade de contemplar todas as ruas do aglomerado. Os principais pontos abordados
pelo questionário referem-se: a condição de ocupação anterior e atual da população
trabalhadora, as condições atuais de emprego e renda, a composição da população por
sexo e idade, as condições de habitação e saúde e os fatores de migração.
Entrevistas foram efetuadas com o idealizador do Núcleo de Lerolândia e com
alguns habitantes do mesmo.
Os dados secundários foram colhidos nos censos agropecuários da Paraíba de
1970 e 1980 e referem-se à produção e à área cultivada com cana de açúcar e com as
culturas alimentares básicas (feijão milho e mandioca) no município de Santa Rita.
Esboços cartográficos representativos das informações obtidas foram elaborados
com os recursos da cartografia tradicional, único instrumento de que dispúnhamos à
época. Tabelas também foram construídas a partir dos dados primários e secundários
levantados.
Além da introdução e das considerações finais o trabalho foi estruturado em 3
eixos de análise: a) o que apresenta as características geográficas mais gerais do
município onde se localiza o Núcleo de Urbanização Rural de Lerolândia (localização,
características do meio físico, formas de uso do solo agrícola); b) o que estuda a
evolução do sistema canavieiro à luz das transformações nas relações de trabalho na
agricultura no município de Santa Rita e; c) o que se preocupa em estudar o Núcleo de
Urbanização Rural de Lerolândia buscando, através de um diagnóstico detalhado,
confirmar as hipóteses formuladas.

II – SANTA RITA, UM MUNICÍPIO DA ZONA DA MATA PARAIBANA


O município de Santa Rita localiza-se na porção central da Mesorregião da Mata
Paraibana, na Microrregião Geográfica de João Pessoa1. (v. mapa 1). Ocupa uma área de
705km2 e limita-se com os municípios de Lucena, Rio Tinto, Sapé, Cruz do Espírito
Santo, Pedras de Fogo, Alhandra, João Pessoa, Conde, Bayeux e Cabedelo (v. fig 1).

Fig. 1

1
À época da realização do trabalho denominava-se de Microrregião Homogênea do Litoral a área onde se
situa o município de Santa Rita.
ESTADO DA PARAÍBA - LOCALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE SANTA RITA NA MESORREGIÃO DA DA MATA PARAIBANA
-38°30' -38°00' -37°30' -37°00' -36°30' -36°00' -35°30' -35°00'

-6°00' -6°00'

OC
Belém do
Brejo do Cruz

São José do Brejo do Cruz

EA N
DO
Catolé do Roc ha Brejo do Cruz

RI O
Brejo Frei
N O R TE

O
Poço Dantas dos Santos Martinho
Riacho
dos Cavalos Nova Floresta
Bernardino Bom
Batista Sucesso São Bento
Santarém
-6°30' -6°30'
Tac ima
Vieirópolis
Lastro Jeric ó Cuité Araruna
Uiraúna Pic uí Riachão
Mato Grosso

G RA N D E
Santa

A TL
Cruz Lagoa Paulista Logradouro Mataraca
Poço de Baraúna Jacaraú
Triunfo José de Damião Cacimba Dona Inês
Caiç ara
Moura de Dentro
São Francisc o Nova Pedro
Régio
Palmeira Lagoa
São João do Baía da

ÂNT
Serra de Dentro Traição
Rio do Peixe Duas
Pedra Sossêgo Belém da Raiz Estradas
Santa Helena Sousa Vista Barra de Bananeiras Sertãozinho Curral d e Cima Marcação
Pombal Lavrada Santa Rosa Mamanguape
São Domingos Serrana Casserengue
Marizópolis de Pombal Várzea São José Solânea Pirpirituba Rio Tinto
Bom Jesus do Sabugi Remígio Itapororoc a
Aparecida Borborema

IC O
Arara
São José de Cubati Serraria Pilõezinhos Guarabira Araçagi
São Bento
de Pombal Espinharas
Pilões Cuité de
Nazarezinho São Mamede Santa Mamanguape Luc ena
São José da Condado Luzia Seridó Cuitegi
Cajazeiras Lagoa Tapada Malta Capim
Cachoeira Cajazeirinhas Algodão de Jandaíra Areia
dos Índios Junc o do Seridó Alagoinha
Tenório Olivedos
-7°00' Esperança Cabedelo -7°00'
Patos Alagoa
Coremas Nova Mulungu
Juazeirinho Soledade Poc inhos Areial
Carrapateira Quixaba Assunção S. Sebastião de Mari
Aguiar Santa Salgadinho Lagoa de Roç a Alagoa Grande
São José Emas Areia de Sapé
de Piranhas Catingueira Teresinha Baraúnas Montadas
São José Santa Bayeux
Passagem Matinhas
Caldas
do Bonfim Brandão
Cacimba Lagoa Seca Gurinhém Cruz do Rita JOÃO
Igaracy Serra Redonda Juarez Távora Riac hão Espírito Sa nto
C EA RÁ

de Areia PESSOA
Piancó Taperoá Puxinanã Massaranduba d o Poç o Sobrad o
Monte Serra Grande Santo André
Olho d'Água Teixeira
Horebe Mãe d'Água São Miguel
Gurjão São José de Ta ipu
Cacimbas Campina
São José Grande Ingá dos Ramos
Bonito de Santa Fé de Caiana Boa Vista Assis Conde
Maturéia Chateaubriand Pilar
Itaporanga Desterro Mogeiro
Santana Livramento Parari São João do Cariri Itabaiana
Queimadas Fagundes Itatuba Juripiranga
dos Garrotes Imaculada Pedras de Alhandra
Fogo
Pedra Salgado de
Diamante Branca São José São Félix Pitimbu
Boa dos Cordeiros Caturité
Ventura Serra Branc a
Água Cabaceiras
Ibiara Branca
-7°30' Nova Olinda Caaporã
Boqueirão -7°30'
Juru
Aroeiras
Curral Barra de Santana
Conc eição Velho Amparo
Santana São Domingos
de Mangueira
Ouro Velho do Cariri Gado Bravo
Tavares
Natuba
Coxixola Umbuzeiro
Santa Inês Prata
Princesa Sumé
Manaíra Isabel Barra de Riacho de
São Miguel Santo Alcantil Santa Cecília
Antônio
São José Caraúbas
de Princ esa Congo

CO
A M BU
Monteiro Camalaú

-8°00'
Zona da Mata Paraibana PERN -8°00'

Zabelê São João do Tigre

São Sebastião
do Umbuzeiro
Escala original: 1:500.000

MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO


FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA C IBGE

-38°30' -38°00' -37°30' -37°00' -36°30' -36°00' -35°30' -35°00'

De acordo com a classificação climática de Köppen, Sta Rita acha -se inserido
na área de domínio do tipo climático denominado As’, quente e úmido com chuvas de
outono –inverno, um período chuvoso de março a julho e um período de estiagem de
setembro a fevereiro (v. fig. 2). As precipitações pluviométricas oscilam em torno de
1.400 a 1.800 mm anuais e a temperatura média anual é de 26°C .

Fig. 2
ESTADO DA PARAÍBA
CLASSIFICAÇÃO CLIMÁTICA DE KÖPEEN
(Esboço Cartográfico)

38º45’54’’ 34º45’54’
º02’12’’ 6º02’12’’

G RA N D E
RI O DO
Bsh NORTE
Á R

Sta.
Aw As’
C EA

Rita

Bsh

CO
M BU
R NA
PE

8º19’18’’ 8º19’18’’
38º45’54’’ 34º45’54’’

Fonte: GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA. Atlas de Geografia da Paraíba. João Pessoa, 1985.
Segundo a classificação bioclimática de Gaussan "o clima de Santa Rita é o do
tipo 3dTh, considerado como de região xerotérica, subregião Submediterrânea,
recebendo no Brasil a denominação de Mediterrâneo ou Nordestino sub -.seco" (Brasil,
Ministério do Interior, 1973:p.5) (v. fig. 3). Dentre as características deste tipo
climático, pode-se apontar: a) o índice xerotérmico, que varia de 0 a 40°; b) a existência
de um período seco de 4 meses (de setembro a dezembro); c) uma temperatura média
anual de 27°C; d) um regime pluviométrico regular (os meses de março a agosto
correspondem aqueles de maior intensidade de chuvas); e) precipitações médias anuais
que oscilam entre 1.303 e 1.735 mm; f) uma umidade relativa do ar em torno dos 80%,
podendo alcançar os 95% nos meses mais úmidos ((Brasil, Ministério do Interior,
1973:p.6).

Fig. 3
ESTADO DA PARAÍBA
CLASSIFICAÇÃO CLIMÁTICA DE GAUSSEN
(Esboço Cartográfico)

3bTh
3bTh

3c Th

3dTh

Sta. Rita

3bTh

Fonte: CEPA-PB, 1980

Destacam-se no município quatro compartimentos morfológicos principais: as


várzeas, os mangues, a restinga e os tabuleiros terciários litorâneos (v. fig. 4).
Fig. 4
SANTA RITA
PRINCIPAIS COMPARTIMENTOS MORFOLÓGICOS
(Esboço Cartográfico)

ir iri
Rio M

Lerolândia

uíp e
R. Ja c

Em anuelândia

a
ib
ra

o
Pa

ntic
Mangues
Rio

At lâ
Planícies aluviais

Tabuleiros
ano
Restinga
Oce

m ba b a
Rio Mu

Odilândia

Ri o M a m u a b a

Fonte: SUDENE, Cartas Topográficas, 1972; CARVALHO, Maria Gelza de. 1982

a) as várzeas
Com relação às várzeas, merece destaque a do Rio Paraíba, que corta o
município no sentido oeste-leste (v. fig. 4). De fundo chato, apresenta uma largura
média de 5 km e uma altitude de 5m em média. Caracteriza-se por apresentar inúmeros
terraços, diques marginais e rios secundários.
Segundo o Boletim Técnico de Solos da Paraíba, editado pela SUDENE, domina
na várzea do rio Paraíba o solo aluvial eutrófico, textura indiscriminada fase floresta
perenifólia de várzea, relevo plano (v. fig. 5) (SUDENE, 1972: p.435-436). De grande
potencialidade este solo é apropriado ao cultivo da cana-de-açúcar que aí se desenvolve
desde o período colonial.

Fig. 5
SANTA RITA
PRINCIPAIS TIPOS DE SOLO
(Esboço Cartográfico)

Lerolândia

Em anuelândia

Solos podzólic os verm elho-am arelo

Solos podzol hidromórfic o latosal vermelho


amarelo distrófic o textura arenosa
Santa
Solo Gley distrófic o - orgânic o indisc riminado Rita

Solo de m angue

Areias quartzosas Odilândia

Fonte: M.I. SUDENE, 1972

Além da várzea do Paraíba, destacam-se ainda, em Santa Rita, as várzeas dos


rios Jacuípe e Miriri ao norte, e Mumbaba e Mamuaba ao sul, para citar as de maior
importância. Estas várzeas encontram-se encaixadas no baixo planalto costeiro,
apresentam direção oeste-leste e possuem solos do tipo podzólico vermelho-amarelo (v. fig. 5).
Era comum na década de 80 se observar nas vazantes dos rios que cortam o
município, inclusive nas do Paraíba, o cultivo de produtos alimentícios, como o milho, o
jerimum, entre outros, além da prática da pesca.
A vegetação primitiva das várzeas era a Floresta Perenifólia de Várzea (v. fig.
6), hoje bastante degradada, só sendo encontrada em 1984 em alguns pontos do sopé
das vertentes situadas ao norte e ao sul do vale do Paraíba.

Fig. 6
SANTA RITA
VEGETAÇÃO PRIMITIVA (Esboço Cartográfico)

Vv v v
Vv v v v v v v v v v v
Vv v v v v v v v v v v v v v v v v v v v
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vvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvv v
Lerolândia
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vvvvvvvvvvvv

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vvv Emanuelândia

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Floresta subperenifólia
vvvvvvvvvvvvvvvv
Vv v v
Vv v v
Formação m ista com cerrado vvvvvvvvvvvvvvv

vvvvvvvvvvvvv vv
Vegetação de Mangue
Vv v v v v
Formaç ão perenifólia de várzea Vv v v
Odilândiav v v v v v v v v v
e Campo de várzea vvvvv
vvvvvvvvvvvvv
vvvvvvv
Vegetação de Restinga vvvvvvvvv vvvvv

Fonte: FIPLAN-PB; SEPLAN-PB

b) o mangue
No prolongamento da várzea do Rio Paraíba para leste, situa-se a planície de
mangue (v. fig. 4). "Esta área, datada do Holoceno, apresenta camadas em geral não
consolidadas de areia, argila e depósitos orgânicos sobrepostos ou não" (SUDENE,
1972: p.9). Estes depósitos constituem sedimentos finos, ali depositados devido a
diminuição da correnteza dos rios, dada a baixa declividade do relevo e o contato com o
mar. Existem nesta área diversas ilhas, como a da Restinga, a dos Stuarts e a de Tibiri.
O solo característico da área é o Indiscriminado de Mangue (v. fig. 5), com textura
indiscriminada, fase relevo plano (SUDENE, 1972: p.416-17).
A vegetação de mangue (v. fig. 6) possui um aspecto peculiar, apresentando
raízes suportes (adventícias) em virtude da elevação periódica do nível da maré e raízes
respiratórias (pneumatóforas) para compensar a deficiência da aeração do solo. A
permanência do mangue nesta área está relacionada às limitações agrícolas dos solos
(além de afogados pelo excesso d'água e sais são sujeitos a ação das marés). A
mecanização torna-se difícil face à constituição pantanosa do terreno (SUDENE, 1972:
p.616-7). Sendo assim são utilizados economicamente através da atividade de “cata do
caranguejo”, muito comum na área, desenvolvida principalmente pelas populações
ribeirinhas dos aglomerados de Forte Velho, Tambauzinho e Nossa Senhora do
Livramento.
c) a restinga
A leste da área de mangue, no estuário do rio Paraíba, mais especificamente em
pequenas porções de algumas ilhas deste (v. fig. 4), encontra-se a formação de restinga
constituída por sedimentos quartzosos marinhos não consolidados. Os solos desta área
(associação de areias quartzosas marinhas distróficas e eutróficas fase relevo plano e o
solo podzol hidromófico fase campo de restinga e floresta perenifólia de restinga relevo
plano), apresentam baixa fertilidade natural (v. fig. 5) (SUDENE, 1972: p.548).
A vegetação de restinga apresenta porte arbustivo, às vezes arbóreo-arbustivo,
de densidade variável, ocorrendo com freqüência espaços abertos (campos) onde
predominam gramíneas (SUDENE, 1972: p.60) (v. fig. 6). O coqueiro e o cajueiro eram
as espécies vegetais cultivadas nas áreas de restinga de Santa Rita em 1984.

d) os baixos planaltos costeiros (tabuleiros)


A partir do vale do Rio Paraíba no sentido norte e sul, são encontrados os baixos
planaltos costeiros (tabuleiros) (v. fig. 4). Os tabuleiros fazem parte do "Grupo
Barreiras” referido ao plioceno. São constituídos de sedimentos pouco consolidados, de
estratificação predominantemente horizontal, afossilíferos, apresentando sedimentos
areno-argilosos, argilo-arenosos, argilas de coloração variada, intercalando muitas vezes
com camadas de seixos rolados e concreções lateríticas (CARVALHO, 1982).
No município de Santa Rita o tabuleiro é cortado pela várzea do Rio Paraíba,
que o fraciona em duas porções: uma porção mais extensa, localizada ao norte da várzea
com altitude entre 40 e 120 metros e outra ao sul com altitudes mais homogêneas, em
torno dos 80 metros (v. fig. 4).
Os dois trechos do tabuleiro eram recobertos em sua maior parte pela floresta
subperenifólia (v. fig. 6), mais extensa na direção leste devido a maior umidade ali
existente (decorrência da maior proximidade do litoral e do fato deste trecho, pela sua
localização, se achar mais ao alcance da ação dos ventos úmidos do Atlântico). No
trecho oeste, tanto ao norte como ao sul da várzea do Rio Paraíba eram encontradas
formações vegetais mistas com predomínio do cerrado típico dos tabuleiros (v. fig. 6).
Essas duas formações vegetais (floresta e cerrado) encontram-se bastante degradadas
em função da necessidade sempre crescente de novas terras exigidas pela
cana-de-açúcar e, no caso da floresta subperenifólia, pela retirada indiscriminada de
madeira para comercialização.
Os tabuleiros situados ao norte da várzea do Rio Paraíba apresentam duas
associações de solos. A primeira localiza-se a noroeste e corresponde a associação do
solo podzólico vermelho-amarelo variação acinzentada, com fragipan textura
indiscriminada fase cerrado relevo plano, com o solo podzol hidromórfico fase cerrado
relevo plano (SUDENE, 1972: ps. 148 e 428) (v. fig. 5). O solo podzol hidromórfico de
fertilidade natural extremamente baixa, geralmente apresenta deficiência de
micronutrientes além de limitações por excesso de água no período chuvoso e por falta
de água nos meses secos. Portanto, em principio não se prestam à exploração agrícola
(SUDENE, 1972: p.428). A segunda associação de solos corresponde a associação dos
solos podzólico vermelho-amarelo com fragipan textura média fase transição floresta
subperenefólia, cerrado e relevo plano com os solos podzólico vermelho-amarelo
latossólico textura média, fase floresta subperenefólia, relevo plano e podzol
hidromórfico fase cerrado relevo plano (v. fig. 5) (SUDENE, 1972: ps. 178 e 428). O
solo podzol hidromórfico é o mesmo que ocorre na associação anterior. Os solos
podzólicos encontrados na região de tabuleiros do município de Santa Rita são em geral
pouco férteis e só com a aplicação de técnicas corretivas podem ser bem aproveitados
para a atividade agrícola.
A porção dos tabuleiros localizada ao sul da várzea do Paraíba apresenta três
associações de solos. A primeira corresponde a um prolongamento da associação dos
solos podzólico vermelho-amarelo variação acinzentada e podzol hidromórfico que
ocorre no trecho situado a noroeste da várzea (v. fig. 6).
A segunda associação ocupa uma pequena área no extremo sul sendo composta
pelo solo podzol hidromórfico, fase cerrado relevo plano associado ao latosol vermelho
amarelo distrófico textura média fase cerrado relevo plano (SUDENE, 1972: ps. 115 e
428) (v. fig. 5). A terceira associação é encontrada a sudeste, é formada pelo solo gley
dístrófico indiscriminado textura indiscriminada fase campos de várzea e floresta
perenifólia de várzea, relevo plano e o solo orgânico indiscriminado fase campos de
várzea relevo plano (v. fig. 5) (SUDENE, 1972: p. 420).
Os solos dos tabuleiros de uma maneira geral, até a primeira metade da década
de 70 do século XX, não eram muito utilizados para a agricultura. Eram recobertos por
uma vegetação natural de floresta ou de cerrado, ou eram aproveitados para o cultivo de
frutas como a mangueira, o coqueiro e o abacaxi. Praticava-se ainda o cultivo, em
pequena escala, de mandioca, milho e cana-de-açúcar. O cultivo da cana-de-açúcar com
objetivo comercial era restrito ao fundo dos vales que cortam os tabuleiros. Isto porque
a utilização agrícola dos tabuleiros costeiros implica na aplicação de técnicas de
correção do solo que eleva os custos de produção. Como até 1975, os preços do açúcar
vigentes no mercado não cobriam de forma lucrativa estes custos de produção a cana
restringiu-se até então ao fundo dos vales úmidos. Com a implementação do Programa
Nacional do Álcool (PROALCOOL), apoiado em incentivos fiscais e creditícios, tem
início a expansão do cultivo da cana nas áreas de tabuleiro em toda a Zona da Mata
paraibana, inclusive no município de Santa Rita.
A combinação de um clima quente e úmido, um solo de grande potencialidade
agrícola e uma hidrografia perene possibilitaram a implantação e o desenvolvimento da
atividade canavieira na várzea do Rio Paraíba, no município de Santa Rita onde o
cultivo da cana permaneceu restrito até a primeira metade da década de 1970.
A partir de 1975, com os incentivos do PROALCOOL, os canaviais subiram as
vertentes e se espraiaram pelos tabuleiros. Desse modo, embora o meio natural tenha
contribuído para a organização inicial do espaço agrário do município com base na
atividade canavieira, ele não se constituiu no fator determinante desta organização nem
tampouco da expansão atual desta atividade. O elemento responsável foi, de inicio, a
expansão do capitalismo mercantil e atualmente a dominação do capitalismo moderno
no campo assegurado pela política agrícola do governo.
III- EVOLUÇÃO DO SISTEMA CANAVIEIRO À LUZ DAS TRANSFOR-
MAÇÕES NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: O CASO DE SANTA RITA,
MUNICÍPIO DA ZONA DA MATA PARAIBANA.
A organização do espaço agrário do litoral paraibano a exemplo do que
aconteceu em toda costa nordestina oriental, teve inicio no século XVI, através da
implantação da atividade agro-açucareira pelos portugueses. A forma de ocupação
inicial do espaço do município de Santa Rita foi, portanto, semelhante a do litoral
oriental nordestino: baseou-se na exploração da cultura da cana-de-açúcar em unidades
de produção de grandes dimensões, os engenhos, que utilizavam a mão-de-obra escrava
(Moreira, Emilia, 1983a).
“O engenho corresponde a unidade produtiva do sistema açucareiro que
compreende a atividade agrícola, com a produção da cana-de-açúcar, e
a atividade industrial com a transformação da cana em açúcar e seus
derivados" (Moreira, Emilia, 1981: p. 19).
Esta atividade monocultora, latifundiária e escravagista que se organizou em
função do mercado europeu de açúcar, só pode ser compreendida se inserida no
contexto da constituição do capitalismo mercantil europeu do qual ela constitui, ao
mesmo tempo, um resultado e um fator de estímulo. Resultado, na medida, em que é a
expansão do mercado além das fronteiras européias, o que está na origem da descoberta
do novo mundo; fator de estímulo, uma vez que a comercialização da produção colonial
constitui um de seus elementos fundamentais (Wanderley, Maria de Nazareth Baudel,
1979: p.17)
A atividade canavieira teve início na Paraíba com a doação das primeiras
semarias no baixo vale do rio Paraíba nos fins do século XVI. Já no inicio do século
XVII, ali já existia um bom número de engenhos (Moreira, Emilia, 1983).
Segundo Celso Mariz, em 1624 já funcionavam 18 engenhos na Paraíba. Nos
fins do século estes já atingiam a cifra de 40 (Mariz, Celso, 1978: p. 4-6).
O atual município de Santa Rita localizado no baixo vale do rio Paraíba deve,
portanto, a sua ocupação, ao desenvolvimento da atividade agro-açucareira. Esta é
responsável não apenas pela consolidação do povoamento como também pelas
transformações que se processaram e se processam ainda hoje no seu espaço agrário e
urbano.
3.1. Do engenho à destilaria: do trabalho escravo ao trabalho assalariado
Como já foi dito anteriormente, a economia canavieira se organizou inicialmente
em torno dos engenhos. Como a cultura da cana demandava grandes extensões de terra,
os engenhos se desenvolveram em grandes propriedades: os latifúndios. Estes
necessitavam de uma mão-de-obra numerosa. A população européia, de número
reduzido, não se interessava pelo trabalho pesado da cana.
Dada esta dificuldade de absorção de mão-de-obra européia, os engenhos
partiram para a utilização do trabalho forçado do elemento nativo. Esta experiência
porem não foi das mais felizes. Isto porque o índio, de natureza nômade, não se adaptou
à atividade sedentária e pesada e também não detinha nenhuma qualificação técnica
para o trabalho nas fábricas. Resolveram então, os portugueses, importar o negro
africano como escravo.
"A mão-de-obra africana chegou pana a expansão da empresa, que já
estava instalada. É quando a rentabilidade do negócio está assegurada
que entram em cena, na escala necessária os escravos africanos : base
de um sistema de produção mais eficiente e mais densamente
capitalizados" (Furtado, Celso, 1959: p. 42)
"0 sistema de escravidão constitui portanto, um elemento fundamental
nas relações de produção na colônia, na medida em que é sobre a base
do trabalho escravo que se funda o próprio processo de exploração
colonial" (Wanderley, Maria Nazareth Baudel, 1979: p.22).
Os engenhos utilizavam juntamente com a mão-de-obra escrava, o trabalho de
portugueses pobres nas atividades de administração (o feitor-mór, o feitor-de-campo, o
feitor-de-moendas, etc.) e também nas atividades técnicas (mestre de fazer açúcar,
mestre purgador, caixeiro, etc.). E fora dos engenhos, nas suas vizinhanças, se
aglutinavam pessoas dedicadas a pequenas atividades: os carpinteiros, os ferreiros, os
mecânicos e outros (Moreira, Emilia, 1983b).
No que se refere à organização interna do sistema açucareiro, no caso de Santa
Rita, como em todo Nordeste, observa-se modificações decorrentes ora da expansão, ora
da retração do sistema canavieiro.
Durante todo século XVI e primeira metade do século XVII o Nordeste
presenciou uma forte expansão e um crescimento acelerado do cultivo de
cana-de-açúcar. Na segunda metade do século XVII inicia-se uma fase de retração do
sistema açucareiro nordestino, dado o surgimento das Antilhas como produtor de açúcar
no mercado internacional, bem como devido a nova estruturação do poder internacional
que atravessava um período de redefinição do seu centro hegemônico, coincidindo com
o inicio da queda de Portugal como potência colonial (Moreira, Emilia, 1983b).
A nova organização do mercado internacional de açúcar é responsável pela crise
de acumulação e de realização que se abaterá sobre o sistema canavieiro nordestino, a
partir da segunda metade do século XVII, provocando profundas modificações na sua
organização interna. Estas se refletirão nas relações de trabalho (Moreira, Emilia,
1983b).
Abatidos pela crise do sistema, os senhores de engenho ficaram impossibilitados
de comprar mais escravos, que alcançaram um alto preço no mercado. Sendo assim,
como forma de substituição parcial da mão-de-obra, permitiram que camponeses se
estabelecessem no interior dos engenhos. A partir de então surge o sistema de
moradores que gradativamente substituiu o sistema de trabalho escravo nas unidades de
produção. Esses moradores eram camponeses, desprovidos de terra e que recebiam do
senhor de engenho a autorização para morar nas suas propriedades, podendo cultivar
uma roça Mas para usufruírem tal beneficio tinham que prestar serviços ao senhor
(moradores de condição ou cambãozeiros), ou pagar uma certa quantia em dinheiro
como forma de renda fundiária (moradores foreiros) (Moreira, Emilia, 1983b).
No final do século XIX, ocorreu a implantação do primeiro Engenho Central na
Paraíba, o Engenho São João, situado na várzea do Paraíba no município de Santa Rita.
Como sua fundação coincidiu com a derrocada desse empreendimento, ele foi logo em
seguida transformado em usina de açúcar.
Assim, as primeiras usinas paraibanas instalaram-se justamente no município de Santa
Rita (Usina São João e Santa Rita) a qual se somou a Usina Santana, todas pertencentes a maior
oligarquia rural da várzea do Paraíba: a família Ribeiro Coutinho. Com elas tem lugar um
aumento da concentração fundiária e a ampliação do trabalho assalariado que vai aos poucos
substituindo o trabalho permanente dos moradores e arrendatários.
Até 1975, funcionavam no município apenas as três usinas mencionadas. Com o
Proalcool são criadas duas destilarias autônomas (a Jacuípe e a Japungu) e três
destilarias anexas as antigas usinas (v. fig. 7).
Fig. 7

SANTA RITA
LOCALIZAÇÃO DAS UNIDADES PRODUTORAS DE AÇÚCAR E ÁLCOOL
(Esboço Cartográfico)

Luc
Tinto

e
Mamanguape Rio

na
Destilaria Japungu
é
Sa p

Destilaria Jac uípe


Cr
uz
od
Es
p ír
ito
Sa
n to

Usina Santana

Usina Santa Rita


x u

Usina São João


Ba ye

Usina c om Destilaria
anexa Santa Rita
Destilaria autônom a
Jo ão Pesso a

Planíc ies aluviais

Tabuleiros
nd e
Pe d

Co
ra s
eF d
ogo

Alhandra

A destilaria autônoma representa uma mudança importante no processo


tecnológico de produção agrícola e fabril se a compararmos com a usina, que um dia
também representou uma evolução tecnológica em relação ao engenho. Além da
mudança tecnológica tem-se também que na atividade agrícola existe uma importante
diferença entre o processo de modernização dos anos 70 e 80 e aquele que o antecedeu,
pois enquanto a usina disputou as terras de cana-de-açúcar no mesmo domínio natural
dos engenhos, isto é, nas várzeas úmidas, as destilarias autônomas avançaram sobre os
tabuleiros, dispondo dos mecanismos tecnológicos que permitiram a conquista de áreas
até então inacessíveis à cana-de-açúcar.
Assim sendo, os tabuleiros litorâneos foram ocupados por plantações de
cana-de-açúcar com fins energéticos através das destilarias autônomas, ficando as
várzeas sob domínio das usinas e destilarias anexas (Egler, Cláudio A. Gonçalves, 1984:
p.20).
Portanto foram os incentivos do Proalcool que propiciaram o rompimento da
fronteira ecológica que representavam os tabuleiros na medida em que os preços do
álcool compensaram os investimentos na agricultura que propiciaram a adoção de novos
processos e técnicas, a utilização de fertilizantes químicos e agrotóxicos e de variedades
de cana-de-açúcar adaptadas as novas condições ecológicas (Moreira, Emilia, 1983b;
Egler, Cláudio A. Gonçalves, 1984)
É a expansão da área cultivada com a cana-de-açúcar que irá representar o ponto
critico do Proalcool, por acarretar a intensificação dos conflitos pela posse da terra entre
proprietários e pequenos agricultores, a expulsão dos trabalhadores posseiros,
moradores e sitiantes e a retração da produção de alimentos, ocasionando a diminuição
de oferta destes produtos para as cidades.
No município de Santa Rita, podemos observar este fenômeno através da
análise dos dados relativos as tabelas 1 e 2, que demonstram: a) uma diminuição
acentuada do trabalho familiar entre 1970 - 1980; b) um aumento do trabalho
assalariado tanto permanente como e principalmente temporário; c) uma expansão da
área cultivada com cana-de-açúcar e por outro lado uma diminuição expressiva da área
cultivada com feijão, milho e mandioca, produtos alimentares básicos do Estado; d) um
declínio da produção de alimentos e um crescimento da produção da cana.

TABELA 1
SANTA RITA
PESSOAL OCUPADO NA AGRICULTURA, SEGUNDO A CATEGORIA

1970/1980
Anos
Total Total
Pessoal Ocupado, 1970 1980
Segundo a Categoria

Responsável e membros não remuneráveis da família 4.897 1.180


Ocupante 1.082 145
Empregados permanentes 657 1.125
Empregados temporários 1.459 1.842
Arrendatário 722 201
Parceiro 3 1
FONTE: FIBGE - Censos Agropecuários da Paraíba 1970 - 1980.

TABELA 2
SANTA RITA
PRODUÇÃO E ÁREA CULTIVADA COM A CANA-DE-AÇÚCAR E COM
OS PRINCIPAIS PRODUTOS DA LAVOURA DE ALIMENTOS
1970/1980
Tipo de cultura 1970 1980
Quantidade (t) Área (ha) Quantidade (t) Área
(ha)
Cana-de-açúcar 203.127 4.144 518.250 12.823
Feijão em grão 60 133 37 54
Mandioca 10.823 2.224 2.417 248
Milho em grão 21 37 20 15
FONTE: FIBGE - Censos Agropecuários da Paraíba 1970 - 1980.

O estudo comparativo das cartas topográficas da Sudene com a realidade


observada em campo permitiu constatar as transformações na ocupação do solo
indicadas pelos dados estatísticos numa porção do tabuleiro norte do município de
Santa Rita. Esta área se estende desde a BR-101 até o norte do riacho Jacaraúna,
margeando a estrada que liga a cidade de Santa Rita à de Lucena. Neste trecho os
canaviais, em 1984, substituíam totalmente o cerrado e as lavouras alimentares ali
presentes em 1974. A mata no entanto, apresentava-se aparentemente intocada. Isto,
porém, não quer dizer que ela não estivesse sendo devastada para dar lugar a cultura da
cana-de-açúcar.
Conclui-se, portanto, que a expansão canavieira no município de Santa Rita
reproduz em menor escala as mudanças que se processaram no espaço agrário da Zona
da Mata paraibana na década de 70 e primeira metade dos anos 80 do século XX.
Mudanças estas que se referem, como vimos, ao avanço da área cultivada com a cana
sobre os tabuleiros, bem como sobre áreas destinadas à produção de alimentos.
De outro lado, observa-se também profundas transformações nas relações de
trabalho com a expansão do trabalho assalariado e a retração de formas de trabalho
pré-existentes. O trabalhador morador, o sitiante e o posseiro são expulsos da terra que
antes lhe garantia o necessário à sua sobrevivência. Isto, porém, gera uma contradição
uma vez que a atividade canavieira ao mesmo tempo em que expulsa o homem do
campo, ela tem necessidade de mão-de-obra abundante para a atividade agrícola pois o
avanço tecnológico não foi suficiente para dispensar o trabalho manual, principalmente
nas fases de pico da produção e em várias etapas do processo produtivo. Daí, a criação,
por parte da classe patronal e do poder local a ela aliado ou por ela constituído, de novas
formas de conciliação, como, por exemplo, formas novas de fixação da população na
zona rural, como é o caso da criação dos Núcleos de Urbanização Rural de Santa Rita
em 1979. Um bom exemplo, é o Núcleo de Urbanização Rural de Lerolândia, que é alvo
deste estudo.
Embora o discurso sobre a criação deste Núcleo se fundamente na lógica do
“combate ao êxodo rural", a questão que se coloca é a seguinte: até que ponto a
construção artificial de um espaço de vida idealizado para conter o êxodo rural não se
constitui num artifício capaz de reter parte da população expulsa pela atividade
canavieira dos sítios e das propriedades rurais para transformá-la em trabalhador
assalariado, garantindo a mão-de-obra necessária para o desenvolvimento da atividade
canavieira, agora completamente subordinada à lógica do capital através do Proalcool?

IV - O NÚCLEO DE URBANIZAÇÃO RURAL DE LEROLÂNDIA: UM


DIAGNÓSTICO
No final da década de 70, foram criadas no município de Santa Rita três
aglomerações rurais denominadas de “Núcleos de Urbanização Rural”. São eles os de
Odilândia, Lerolândia e Emanuelândia (a localização geográfica desses núcleos no
município é demonstrada em vários esboços cartográficos). Seu idealizador foi o senhor
Marcos Odilon Ribeiro Coutinho, pertencente ao chamado “grupo da várzea”2.
4.1. A busca das origens
Na busca de maiores informações a respeito do surgimento e função dos
“Núcleos de Urbanização Rural” do município de Santa Rita, entrevistamos o senhor
Marcos Odilon, que em 1984 exercia o mandato de Deputado Estadual pelo PMDB

2
Oligarquia rural de maior expressão na região até a segunda metade dos anos 80.
(eleito pelo pleito de 1982). Nesta entrevista obtivemos alguns esclarecimentos relativos
à sua participação como idealizador dos núcleos, bem como, sobre a participação da
Prefeitura Municipal de Santa Rita na criação dos mesmos.
Com base na entrevista realizada constatamos que a idéia da criação dos Núcleos
de urbanização Rural partiu do próprio Marcos Odilon, quando era prefeito do
Município de Juarez Távora (1969-1973).
Segundo o entrevistado, duas causas principais foram responsáveis pela idéia da
criação dos Núcleos. A primeira referia-se à sua preocupação com o intenso êxodo rural
existente na região Nordeste e em particular no Estado da Paraíba, fenômeno causador
de inúmeros problemas tanto nas zonas urbanas como rurais.
A segunda referia-se a sua posição crítica diante da política habitacional adotada
pelo BNH de construir conjuntos habitacionais apenas para a população urbana. Política
que estava, segundo o entrevistado, atraindo a população rural para os centros urbanos e
acentuando o problema do êxodo rural, na medida em que não havia nenhuma política
de construção dos mesmos conjuntos para a zona rural.
O Núcleo de Urbanização Rural de Odilândia foi instalado no topo dos
tabuleiros meridionais do município, próximo ao Rio Mumbaba; o de Lerolândia foi
construído no topo dos tabuleiros setentrionais, próximo ao riacho Jacuípe, em terreno
comprado à Destilaria Jacuípe e o de Emanuelândia nas proximidades do vilarejo
denominado de Nossa Senhora do Livramento, na porção nordeste do município numa
área adquirida da Mitra Arquidiocesana.
Segundo ainda o entrevistado, não teria sido adotado nenhum critério para
selecionar a população que iria habitar os núcleos. Esta poderia provir tanto da zona
urbana como rural, do estado da Paraíba ou de outros Estados, ter família grande ou
pequena, ser constituída de pequenos proprietários, ocupantes, moradores, etc.
Os Núcleos seriam compostos em média de 350 lotes de terra, medindo cerca de
10 x20 metros cada um e comportariam uma população em torno de 1.200 pessoas. Os
lotes seriam distribuídos de forma indiscriminada a todos aqueles que procurassem e
demonstrassem interesse em adquiri-los. A construção das habitações era de
responsabilidade da família que adquiria o lote.
Segundo o projeto inicial, os Núcleos de Urbanização Rural teriam toda uma
infra-estrutura básica: acesso, luz elétrica, água, escola e posto médico. Desse modo ele
permitiria não só a fixação do homem no campo como colocaria à sua disposição os
serviços e a infra-estrutura urbana.
4.2. infra-estrutura urbana

O Núcleo de Urbanização Rural de Lerolândia ocupa uma área de 10 hectares,


situada ao longo da estrada que liga os municípios de Santa Rita e Lucena. Ele foi
subdividido em 368 lotes, dos quais 322 medindo 10x 20 metros e 46 medindo 12 x 20
metros, correspondendo estes últimos, àqueles de esquina. Desses lotes maiores, 8
foram destinados à construção de um Grupo Escolar Municipal, de um Posto
Odonto-Médico, de uma lavandaria e de um abrigo para o motor bomba de uma caixa
d’água.
O grupo Escolar Municipal foi construído com duas salas de aula. A diretora
possuía nível de instrução de 6a. série do 1º. grau. Também possuíam nível de 1º. grau
as três professoras que ali lecionavam.
O Grupo contava no primeiro semestre de 1984, com 136 alunos matriculados,
distribuídos nas quatro primeiras séries do 1º grau (v. tabela 3).
TABELA 3
NÚCLEO DE URBANIZAÇÃO RURAL DE LEROLÂNDIA
DISTRIBUIÇÃO DOS ALUNOS DO GRUPO ESCOLAR MUNIICPAL SEGUNDO AS SÉRIES
1º Semestre de 1984

Número de alunos Número de turmas Séries


90 3 1 a.
33 2 2 a.
10 2 3 a.
3 1 4 a.
Total 136 8 -
FONTE: Pesquisa de Campo. Lerolândia, 1984.

No ambulatório odonto-médico fazia-se atendimento odontológico, clínico e


pediátrico todas as quintas-feiras e em sábados alternados. Nele trabalhavam um
médico, um odontólogo, quatro atendentes (sendo que uma destas, também trabalhava
na administração) e um servente. Nele havia uma farmácia, um consultório médico, um
odontológico e uma sala de curativos.
Além dos oito lotes destinados a escola, ao posto médico, à lavanderia e ao
abrigo para o motor bomba, existiam 8 lotes ocupados com 3 mercearias, 2 igrejas, 2
palhoças e 1 depósito de adubos. Dos 352 lotes restantes, 89 encontravam-se
desocupados, cinco estavam plantados com roça e os demais com casas recém
construídas ou em fase de construção.
Observou-se também a ocorrência de duas casas num mesmo lote. Indagando-se
a razão disto, observou-se que muitas vezes uma família que havia conseguido um só
lote construiu duas casas no mesmo e, ou cedeu uma para outro membro da família
morar ou alugou-a.
As mercearias vendiam produtos de necessidade para a população, inclusive
alimentos. Existiam ainda seis bodegas que comercializavam apenas bebidas, balas,
pipocas, cigarros, entre outros.

4.3. aspectos demográficos

A população residente no Núcleo de Urbanização de Lerolândia é de


aproximadamente 1.200 pessoas. Deste total, 25% (289 pessoas) compôs o universo da
nossa pesquisa. Destas 289 pessoas (49,5%) pertencem ao sexo feminino e 50,5% ao
sexo masculino.
Do total das pessoas que compuseram a amostra, 62,3% situam-se na faixa etária
de 0 a 19 anos. Desta população jovem os homens representam 29,8% do total e as
mulheres 32,5%.
A população adulta (20 - 59 anos) representa 35,6% do total da população da
amostra, sendo 20,0% homens e 15,6% mulheres. Esta faixa etária que compreende a
população mais produtiva e mais biologicamente reprodutiva é composta na sua
maioria, como demonstram os dados, pela população masculina. Merece destaque a
população de 25 - 29 anos pelo fato de nossa faixa etária se concentrar um grande
número de homens.
A população acima de 60 anos é muito pequena: apenas 6 pessoas, o que
representa 2,1% do total da população da amostra. Não consta na amostra nenhuma
pessoa com mais de 70 anos.
No que tange a população economicamente ativa inserida entre as faixas etárias
de 10 a 59 anos observa-se que ela corresponde a 57,8% da população total da amostra.
A partir da análise da pirâmide etária referente a população amostral, pode-se
deduzir que a população velha do núcleo é muito pequena. Por outro lado, a população
em idade de trabalhar é aquela que tem a maior participação relativa no conjunto da
população (mais de 55,0%).
Do total da população amostral, 77,6% são naturais da zona rural, 11,7% da zona
urbana e 10,78% correspondem as crianças que nasceram no município de Santa Rita ou
em outros municípios (na grande maioria em hospitais da zona urbana), quando seus pais já
residiam no Núcleo (v. tabela 4).

TABELA 4
NÚCLEO DE URBANIZAÇÃO RURAL DE LEROLÂNDIA
ORIGEM DA POPULAÇÃO SEGUNDO O LOCAL DE NESCIMENTO

Local de Nascimento Zona % Zona Urbana % Total %


Rural

Santa Rita 107 37,1 18 6,2 125 43,3


Outros municípios do Estado 105 36,3 9 3,1 114 39,4
Outro Estado 12 4,2 7 2,4 19 6,6
Nascidos em Santa Rita, ou não, - - - - 31 10,7
quando os pais já moravam no Núcleo
TOTAL 224 77,6 34 11,7 289 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo. Lerolândia, 1984.

Do total da população nascida na zona rural (224 pessoas), 47,8% é natural do


município de Santa Rita, 46,8% é natural de outros municípios do Estado da Paraíba e
5,4% de outros Estados (v. tabela 4).
Dos nascidos na zona urbana (34 pessoas), 53,0% são naturais da cidade de
Santa Rita, 26,5% são naturais de outros municípios do Estado, e 20,5% nasceram em
outros Estados (v. Tabela 4).
Da população nascida em outros municípios a maior parte é natural de
municípios da Mesorregião da Mata Paraibana (173 pessoas, o que eqüivale a 59,9% do
total da população da amostra). A população nascida em outros Estados, provém na sua
totalidade dos estados de Pernambuco e do Rio Grande do Norte.
Com relação ao local de residência imediatamente anterior ao Núcleo, temos que
78,3% da população residia na zona rural e 21,7% na zona urbana (v. tabela 5). Do total
da população oriunda da zona rural (202 pessoas), 66,8% moravam no município de
Santa Rita, 23,3% residiam em outros municípios do Estado e 9,9% em outros Estados
(v. Tabela 5). Da população oriunda da zona urbana (56 pessoas), 53,6% veio do
próprio município de Santa Rita e 46,4% de outros municípios do Estado (v, tabela 5).
A população oriunda de outros Estados veio exclusivamente da zona rural.
TABELA 5
NÚCLEO DE URBANIZAÇÃO RURAL DE LEROLÂNDIA
LOCAL DE RESIDÊNCIA DA POPULAÇÃO IMEDIATAMENTE
ANTERIOR A CHEGADA AO NÚCLEO*

Zona % Zona % Total %


Local de Residência Rural Urbana

Santa Rita 135 52,3 30 11,6 165 63,9


Outros municípios do Estado 47 18,2 26 10,1 73 28,3
Outro Estado 20 7,8 - - 20 7,8
TOTAL 202 78,3 56 21,7 258 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo. Lerolândia, 1984.
* Excetuando as crianças nascidas após a chegada dos pais ao Núcleo.

A população que residia anteriormente em outros municípios do Estado na


maioria era oriunda da própria região da Mata Paraibana (211 pessoas, o que eqüivale a
73,0% do total da população da amostra). Os procedentes de outros Estados são aqueles
que vieram diretamente do Rio Grande do Norte e de Pernambuco.
Analisando os dados da tabela 5, concluímos que o Núcleo atraiu
fundamentalmente a população de origem rural, principalmente do município de Santa
Rita e, secundariamente, de outros municípios da Zona da Mata paraibana. Isto significa
que a população residente em Lerolândia em 1984 era proveniente da própria área
canavieira do Estado.
Outras observações obtidas com os dados citados são as seguintes:
a) menos de 50,0% da população da amostra é natural da zona rural do
município de Santa Rita;
b) mais de 65,0% da população pesquisada residia anteriormente na zona rural
deste município, o que nos leva a crer que parte da população migrou de
outros municípios para a zona rural de Santa Rita e daí para o Núcleo.
Verificou-se ainda que a população que residia na zona urbana se transferiu para
o Núcleo porque vivia na periferia das cidades como subempregado ou desempregado,
tendo ainda que pagar um aluguel.

O desencargo com os custos do aluguel constituiu, segundo os entrevistados,


uma forte motivação para a saída da cidade.
Alguns entrevistados alegaram ter se transferido para o Núcleo, tentando obter
de vida melhor e mais segura, aceitando até mesmo "trabalhar naquilo que não tinham
experiência, ou seja, na cana".

4.4. força de trabalho, emprego e renda


A população economicamente ativa da amostra (167 pessoas) corresponde a
57,8% do total da população que compôs o universo da pesquisa. Desta, apenas 55, 7%
(93 pessoas) estavam efetivamente trabalhando no momento da pesquisa: 81,7%
estavam trabalhando em atividades do setor primário; 14,0% em atividades do setor
secundário e apenas 4,3% em atividades do setor terciário (v. tabela 6).
TABELA 6
NÚCLEO DE URBANIZAÇÃO RURAL DE LEROLÂNDIA
DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO OCUPADA, SEGUNDO O SETOR DA ATIVIDADE
ECONÔMICA

Setor de Atividade Econômica Total de Pessoas Ocupadas %


Primário 76 81,7
Secundário 13 14,0
Terciário 4 4,3
TOTAL 93 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo. Lerolândia, 1984.

Da população ocupada no setor secundário, 61,5% trabalhavam na agro-indústria


canavieira, 23,1% trabalhavam na construção civil e 15,4% na transformação do carvão
(v. tabela 7). Da população ocupada na agricultura, 82,6% dedicavam-se a esta mesma
atividade antes de vir morar no Núcleo. Sendo que, destes, 4,8% na condição de sitiante,
80,7% na condição de morador, 6,5% na condição de trabalhador permanente das
usinas; 3,2% na condição de arrendatários e 4,8% na condição de assalariados da
agricultura.

TABELA 7
NÚCLEO DE URBANIZAÇÃO RURAL DE LEROLÂNDIA
DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO OCUPADA, SEGUNDO O TIPO DE ATIVIDADE

Atividade Número de Pessoas Ocupadas %


Agricultura 75 80,6
Pesca 1 1,1
Agro-indústria canavieira 8 8,6
Construção civil 3 3,2
Transformação de carvão 2 2,2
Pequeno comércio 3 3,2
Administração Pública 1 1,1
TOTAL 93 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo. Lerolândia, 1984.

Apenas 14,7% do total da população da amostra ocupada na agricultura


dedicavam-se anteriormente às atividades urbanas e 2 pessoas (2,7% da população
ocupada na agricultura) encontravam-se procurando trabalho há menos de 3 meses (v.
tabela 8). As mulheres representavam 22% da população ocupada no setor primário.

TABELA 8
OCUPAÇÃO ANTERIOR DA POPULAÇÃO
QUE HOJE SE DEDICA A AGRICULTURA

Ocupação Anterior Número de Pessoas %


Sitiante 3 4,0
Morador 50 66,7
Arrendatário 2 2,7
Trabalhador permanente na Usina 4 5,2
Procurando emprego há menos de 3 meses 2 2,7
Assalariado da agricultura 3 4,0
Empregado nas atividades urbanas 11 14,7
TOTAL 75 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo. Lerolândia, 1984.

Da mão-de-obra ocupada tanto na lavoura como na agro-indústria, 88,1% não


tinham carteira assinada. Dos trabalhadores que tinham carteira assinada, 70%
trabalhavam na Destilaria de Álcool Jacuípe, em atividades técnicas, 20% na empresa
Maguary3 e apenas 10% trabalhavam para um fornecedor de cana, com carteira
assinada.
Os trabalhadores agrícolas, em sua grande maioria, antes de virem para o
Núcleo, eram moradores. Eles prestavam dias de serviço remunerado ao patrão e
pagavam o aluguel da casa; em troca tinham acesso a pequenos lotes onde plantavam e
colhiam para a sua subsistência. Essa população no momento da pesquisa havia se
transformado em assalariada da cana. Dentre as causas apontadas para explicar sua
vinda para Lerolândia, foram mencionadas a esperança de adquirir uma “casa própria" e
a expulsão das áreas onde residia e trabalhava (fazendas e sítios) com o objetivo de
substituir os sítios pela atividade canavieira.
Os trabalhadores da agricultura que fizeram parte da amostra declararam
trabalhar geralmente oito horas por dia, isto sem contar o tempo de locomoção para ir e
para vir do trabalho. Quando conseguiam trabalho próximo ao Núcleo, não gastavam
tanto tempo de casa para o trabalho e vice-versa. Mas quando o trabalho ficava longe, as
pessoas saíam de casa muito cedo, e não voltavam para almoçar, só retornando quando
já era noite. Muitas vezes, o empregador oferecia transporte, que tinha um horário mais
ou menos certo para apanhar e deixar os trabalhadores. Nem todos o utilizavam na ida
ao serviço porque preferiam chegar mais cedo ao local de trabalho a fim de realizar um
número maior de "contas" (medida da produção), só utilizando o transporte algumas
vezes na volta do trabalho.
Como a pesquisa foi efetuada em época de entressafra, os proprietários
contratavam mão-de-obra para a tarefa da limpa do mato. O pagamento era efetuado
segundo o “sistema de conta” e levava em consideração o tamanho do mato a ser
retirado.
“Então eles adotam o sistema da conta que mede 13 por 12 braças de
terreno, uma braça sendo igual a 2 metros. Se o mato estiver grande
pagam mais, se estiver pequeno pagam menos. Sendo assim a conta
varia de preço desde os Cr$ 700,00 até os Cr$ 2.000,00 em média,
dependendo também de como paga cada empregador”. (depoimento de
um trabalhador entrevistado)
Segundo informações dos próprios trabalhadores, este valor ê muito baixo, visto
que, em outras regiões canavieiras se paga bem melhor.
Os trabalhadores faziam em média 12 contas por semana, utilizando muitas
vezes, a ajuda de outros membros da família. Donde se conclui que o salário médio
semanal de um trabalhador assalariado da cana variava de Cr$ 8.400,000 a apenas Cr$
14.000,00, o que é muito pouco para garantir a sobrevivência de uma família de 5
pessoas (média calculada para a população da amostra).

3
Empresa ligada à produção agrícola e à transformação industrial do abacaxi e outras frutas.
Observamos no decorrer da nossa pesquisa que os trabalhadores assalariados da
cana que moravam em Lerolândia eram proprietários dos seus instrumentos de trabalho.
Encontramos no seio da população amostrada, os seguintes instrumentos de trabalho:
enxada, pá, foice, ferro de cova, machado, enxadeco, facão e picareta. Cada família
possuía um certo número de equipamentos (v. tabela 9). Eles eram obrigados a ter seus
próprios equipamentos de trabalho porque “as destilarias e os fornecedores de cana só
contratam o trabalho deles e não fornecem nenhum material para executar o serviço".

TABELA 9
NÚCLEO DE URBANIZAÇÃO RURAL DE LEROLÂNDIA
EQUPAMENTOS DE TRABALHO DOS TRABALHADORES NA ATIVIDADE AGRÍCOLA POR
FAMÍLIA SEGUNDO A AMOSTRA

Equipamentos Número de Número de


de trabalho Equipamentos Famílias
Enxada 88 51
Pá 22 22
Foice 55 42
Ferro de cova 20 18
Machado 28 25
Enxadeco 34 25
Facão 5 4
Picareta 1 1
Carro de mão 2 1
Gadanho (inst. de trabalho com o carvão) 1 1
Nenhum - 4
FONTE: Pesquisa de Campo. Lerolândia, 1984.

Vale salientar que a forma de pagamento do trabalho na atividade canavieira


diferia de tarefa para tarefa e também havia uma diferença por sexo. Na tarefa da
adubação, o valor da “conta" em torno de Cr$ 250,00 era mais baixo que no trabalho do
corte e da limpa, apesar de comportar sérios riscos de contaminação química ao
trabalhador.
Quem efetuava 12 "contas" por semana, percebia Cr$ 3,000,00 semanais.
Considerando que este trabalho é executado geralmente pelas mulheres, podemos
deduzir que, neste caso o salário da mulher era bastante inferior ao do homem.
Existem também aqueles que trabalham na Maguary e se dividem na atividade
de limpeza e de drenagem de algumas culturas, como o abacaxi e o coco. A drenagem é
feita só no inverno devido à inundação de áreas baixas, chamadas de "paúl", pelas
chuvas. A remuneração nas duas atividades também era calculada com base no número
de "contas" efetuadas. Só que nesse caso "a conta" consistia no número de carreiras e
braças de acordo com a cultura. Uma conta equivalia à época a 20 ou 30 carreiras ou
braças plantadas com coco ou abacaxi. As pessoas que trabalhavam nos drenos só
exerciam esta atividade no inverno; em outra época trabalhavam na cana-de-açúcar. A
braça na drenagem era paga a Cr$ 300,00.
A remuneração da tarefa de limpeza das culturas na Maguary era diferente dos
canaviais quanto ao vínculo do trabalhador. Se ele fosse clandestino percebia em média
Cr$ 1.500,00 por "conta"; se era fichado recebia em média Cr$ 3.000,00 por conta.
Aqueles que trabalhavam na limpa, faziam em média de 1 a 2 "contas" por dia
(entre 5 e 10 "contas" por semana). Donde uma remuneração semanal entre Cr$
7.500,00 e Cr$ 15.000,00 para o trabalhador volante e entre Cr$ 15.000,00 e Cr$
30.000,00 para o trabalhador fichado. As pessoas que se dedicavam a esta tarefa seja na
cana-de-açúcar ou na Maguary recebiam os salários por semana de acordo com o
produzido.
No que tange aos trabalhadores da agro-indústria, constatamos que a
remuneração média mensal era de Cr$ 98.600,000, no momento da pesquisa. Em
contrapartida esta categoria de trabalhadores, embora aparentemente melhor
remunerada, trabalhava cerca de 14 horas em média por dia. É o caso do Sr. Vicente de
Paulo Oliveira que nos assegurou trabalhar das 7:00 às 21:00 horas. (com descanso só
para o almoço), de segunda a sábado, na Destilaria Jacuípe como soldador. O Sr. José
Justino da Silva afirmou também trabalhar mais de 10 horas por dia, também de
segunda a sábado na destilaria onde exercia a função de servente.
As pessoas residentes em Lerolândia que se dedicavam à construção civil,
tinham uma remuneração muito oscilante visto que tinha semana que não conseguiam
trabalho. Quando trabalhavam uma semana inteira chegavam a receber Cr$ 30.000,00
semanais. Os que trabalhavam na transformação do carvão declararam perceber cerca de
Cr$ 30.000,00 por semana. A única pessoa que se dedicava à pesca declarou uma
remuneração média mensal de Cr$ 50.000,00. Por outro lado, a remuneração dos
aposentados e encostados (4 pessoas) variava de Cr$ 20.000,00 a Cr$ 37.000,00
mensais, o que era muito inferior ao salário mínimo vigente na época. O empregado da
administração pública (servente) recebia Cr$ 23.700,00 mensais pago pela Prefeitura de
Santa Rita.
Do exposto infere-se que a maior parte da população ocupada que compôs a
amostra trabalhava na atividade canavieira. Na sua maioria eram antigos moradores que
se transformaram, ao virem habitar no Núcleo, em trabalhadores assalariados ou
volantes. Estes recebiam uma remuneração muito baixa, com base em "tarefas" ou
"contas" realizadas. Comparando-se a remuneração de um trabalhador assalariado da
cana de Pernambuco na mesma época (cerca de Cr$ 200.000,00 mensais) com a
remuneração mensal dos trabalhadores assalariados da cana-de-açúcar, que compuseram
o universo da pesquisa (entre Cr$ 33.600,00 e Cr$ 56.000,00) verifica-se que estes
ganham um salário muito inferior, insuficiente para garantir uma sobrevivência digna.

4.5. condições de habitação


Estudando as condições de habitação do Núcleo de Urbanização Rural de
Lerolândia, nos detivemos em identificar os tipos de habitação existentes segundo as
características da construção. Deste modo, pudemos identificar quatro tipos de
habitação: as habitações de alvenaria com coberta de telha, as quais qualificamos como
sendo de tipo A; as de taipa com coberta de telha que qualificamos como sendo do tipo
B; as de taipa com coberta de palha foram consideradas do tipo C e as de palha, do tipo
D. Após feita esta divisão observamos que apenas 9,5% do total das casas são do tipo
A; 72,4% do total são do tipo B; 9,5% são do tipo C e 8,6% são do tipo D (v. tabela 10).
Constatamos, que 90,5% do total das habitações existentes no Núcleo eram construídas
em taipa.

TABELA 10
NÚCLEO DE URBANIZAÇÃO RURAL DE LEROLÂNDIA
TIPO DE HABITAÇÃO EXISTENTE NO NÚCLEO
SEGUNDO O MATERIAL DE CONSTRUÇÃO

Tipo de Total Habitações %


Habitação
A 22 9,5
B 168 72,4
C 22 9,5
D 20 8,6
TOTAL 232 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo. Lerolândia, 1984.

Com base nestes dados, selecionamos 25% do total das habitações do Núcleo
(58 habitações) para compor o universo da pesquisa. Do total de habitações que
compuseram a amostra, 7 eram do tipo A (12,1% do total); 36 do total eram do tipo B
(62,1% do total); 10 do tipo C (17, 2% do total) e 5 do tipo D (8,6% do total) (v. tabela
11).

TABELA 11
NÚCLEO DE URBANIZAÇÃO RURAL DE LEROLÂNDIA
TIPO DE HABITAÇÃO QUE COMPÕE
O UNIVERSO DA AMOSTRA
Tipo de Habitação Total das Habitações %
A 7 12,1
B 36 62,1
C 10 17,2
D 5 8,6
TOTAL 58 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo. Lerolândia, 1984.

Destas, 81% possuíam o piso de chão batido e apenas 19% tinham piso de
cimento (v. tabela 12); 8 (13,8%) possuíam banheiro dentro de casa (as casas
construídas pela Destilaria Jacuípe); 21 (36,3%) possuíam uma privada fora de casa
(privada construída pela SUCAM); 32,8% do total das habitações pesquisadas não
possuíam senão uma privada improvisada no quintal; 17,2% não possuíam nenhum tipo
de privada (v. tabela 13). As habitações com privadas construídas pela SUCAM eram as
mais antigas.
TABELA 12
NÚCLEO DE URBANIZAÇÃO RURAL DE LEROLÂNDIA
PISO DAS HABITAÇÕES

Piso Número de %
Domicílios

De cimento 11 19,0
De chão batido 47 81,0
TOTAL 58 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo. Lerolândia, 1984.

TABELA 13
NÚCLEO DE URBANIZAÇÃO RURAL DE LEROLÂNDIA
TIPO DE PRIVADAS
Tipo Número de
Domicílios %

Dentro de casa 8 13,8


Fora de casa 21 36,2
Improvisada 19 32,8
Não tem 10 17,2
TOTAL 58 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo. Lerolândia, 1984.

Observamos que nenhum entrevistado era proprietário legal dos lotes. Estes, na
sua maioria, pertenciam à Prefeitura Municipal de Santa Rita que os cedeu a Destilaria
de Jacuípe e aos atuais moradores. Quanto às habitações (executando-se as construídas
pela destilaria) foram construídas pelos habitantes que a consideravam de sua
propriedade embora não possuíssem escritura legal.
De acordo com a forma de ocupação das habitações da amostra 72,4% eram
próprias; 19,3% eram alugadas e 17,1% cedidas, seja pela Destilaria a seus empregados,
seja por aquelas famílias que construíram 2 casas no seu lote e cederam ou alugaram
uma (v. Tabela 14). O aluguel pago era de Cr$ 6.000,00 em média.

TABELA 14
NÚCLEO DE URBANIZAÇÃO RURAL DE LEROLÂNDIA
CONDIÇÃO DE OCUPAÇÃO DOS DOMICÍLIOS

Condição de Número de Domicílios %


Ocupação

Própria 42 12,5
Alugada 6 10,3
Cedida 10 17,2
TOTAL 58 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo. Lerolândia, 1984.

Com relação à posse de equipamentos domésticos, 48,3% das famílias


entrevistadas eram totalmente desprovidas dos mesmos. As demais possuíam rádio de
pilha (equipamento doméstico encontrado na maioria das casas visitadas), fogão a gás,
ferro de engomar a brasa e elétrico, máquinas de costura, sistema antigo de som
(radiolas), televisão e geladeira (v. tabela 15)

TABELA 15
NÚCLEO DE URBANIZAÇÃO RURAL DE LEROLÂNDIA
BENS DE CONSUMO DURÁVEIS EXISTENTES NOS
DOMCÍLIOS

Equipamentos Quantidade De %
Domésticos Equipamentos

Rádio 25 25
Televisão 1 1
Geladeira à gás 1 1
Geladeira (elétrica) 1 1
Máquina de costura 6 6
Ferro de engomar (elétrica) 7 7
Fogão à gás 3 3
Radiola à pilha 11 11
Nenhum 4 4
TOTAL - 28
FONTE: Pesquisa de Campo. Lerolândia, 1984.

Os eletro-domésticos não eram utilizados dada a ausência de energia elétrica no


Núcleo. Eles existiam porque um certo número da família estava morando no Núcleo há
pouco tempo, proveniente de locais onde existia energia elétrica. Uma das geladeiras era
a gás e pertencia ao bar existente no Núcleo; a outra era elétrica, por conseguinte, não
era usada. Se reduzirmos da tabela os eletro-domésticos, verificamos que em relação ao
número de famílias que compõem a amostra (58), era inexpressivo o número de
equipamentos domésticos por família. Isto reflete o baixo poder aquisitivo da
população.

4.6. condições de saúde


O estudo das condições de saúde da população que compôs o universo da
pesquisa concentrou-se principalmente na observação do grau de utilidade e de
eficiência do Posto odonto-médico localizado em Lerolândia. Foram levantados e
analisados dados referentes aos tipos de endemias encontradas, ao saneamento básico do
núcleo e por último, tentamos fazer um paralelo entre as condições de habitação,
saneamento e atendimento médico, na busca de compreender melhor o quadro de saúde
da população residente em Lerolândia.
Inicialmente comprovamos, a partir da aplicação de questionários e da realização
de entrevistas, que o Posto Odonto-Médico situado Núcleo não atendia as necessidades
dos habitantes. Isto porque o médico e o dentista não tinham presença permanente ali.
Por este motivo, a população quando adoecia tinha sempre que se deslocar do Núcleo.
Do total das pessoas entrevistadas que procuraram atendimento médico no ano
anterior ao da pesquisa, 63,8% o fizeram fora do lugar de moradia, na cidade de Santa
Rita, em hospitais ou farmácias. Apenas 15,5% dos entrevistados procuraram o Posto de
Saúde do Núcleo. Os demais foram atendidos em outras cidades, na Destilaria Miriri,
em Sapé, ou simplesmente se trataram com remédios caseiros produzidos a partir de
plantas medicinais.
Da população entrevistada, 41,4% do total quando se dirigia aos hospitais era
atendida na condição de “indigente” por não terem vínculo empregatício e não serem
beneficiária à época nem do INPS nem do FUNRURAL. Os empregados da Destilaria
Jacuípe e da empresa Maguary que tinham carteira assinada eram acobertados pelo
INPS. Algumas pessoas buscavam atendimento médico no sindicato dos trabalhadores
rurais do município.
As pessoas que geralmente eram atendidas no posto médico do núcleo, sofriam
de enfermidades leves e podiam esperar a chegada de médico para uma consulta. Ao
contrário, as pessoas que tinham enfermidades graves, ou esperavam o dia do
expediente do médico ou odontólogo, ou eram obrigadas a se deslocar para buscar
atendimento fora. Existia um agravante para essa situação, é que o transporte coletivo
que ligava Santa Rita a Lucena passando por Lerolândia só tinha 3 horários: 7:00 horas
da manhã, meio dia e 17:00 horas. Se entre esses horários houvesse uma necessidade
urgente de deslocamento de uma pessoa doente, era preciso a boa vontade de alguém
que tivesse transporte próprio, ou então, se fazia necessário pagar uma quantia de 15 a
20 mil cruzeiros por um frete de automóvel até Santa Rita.
Em virtude do não funcionamento de um motor-bomba, há bastante tempo
quebrado, os habitantes de Lerolândia eram desservidos de água encanada ou de
chafariz tendo que se deslocar para obter a água necessária ao atendimento de suas
necessidades. A água utilizada provinha do rio Jacuípe, de cacimbas, de poços cavados
pelos próprios habitantes ou de cisternas. Os empregados da Destilaria Jacuípe eram
abastecidos por um carro pipa pertencente a empresa (v. tabela 16).

TABELA 16
NÚCLEO DE URBANIZAÇÃO RURAL DE LEROLÂNDIA
LOCAL DE ORIGEM DA ÁGUA UTILIZADA
PARA BEBER SEGUNDO O NÚMERO DE FAMÍLIAS

Local de Onde Número de %


provém a Água Famílias

Poço 1 1,7
Cacimba 3 5,2
Cisterna 1 1,7
Rio 46 79,3
Carro pipa 7 12,1
TOTAL 58 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo. Lerolândia, 1984.

Observa-se na tabela acima que mais de 79% das famílias que compuseram a
amostra retiravam do rio Jacuípe a água para beber. Verificou-se que 75,9% da
população amostral não fazia nenhum tratamento na água que bebia (nem mesmo
filtrava).
Para agravar ainda mais as condições sanitárias da população verificamos que
embora 58,6% das habitações possuíssem fossa, muitas dessas fossas eram
improvisadas e precárias. O restante das habitações não tinham fossa.
Tentando observar os efeitos da precariedade das condições sanitárias e de
assistência médica sobre a população que compôs o universo da pesquisa, levantamos
os dados relativos às principais doenças que se verificaram no seio desta população no
último ano. Verificamos a ocorrência das seguintes endemias, pela ordem e intensidade
de ocorrência: gripe, sarampo, varíola, conjuntivite, verminose, diarréia e inchaços,
além de coqueluche, pneumonia, problemas infecciosos, problemas de coluna,
cachumba, anemia, entre outras. Foram constatadas 3 mortes em decorrência de
sarampo e 1 morte por insuficiência respiratória.
A condição de saúde da população que compôs o universo da pesquisa
achava-se, por conseguinte, diretamente relacionada à precariedade das condições de
habitação, saneamento e atendimento médico verificados em Lerolândia A população
entrevistada habitava em residência geralmente de taipa e piso de chão batido, não
contando com as condições de saneamento essenciais básicos (água encanada, rede
geral de esgotos, coleta de lixo) nem com um atendimento médico eficiente. Por outro
lado, a existência de um grande número de pessoas que não se beneficiavam da
Previdência Social através seja do INAMPS seja do FUNRURAL, dependendo
exclusivamente do atendimento médico gratuito, sem falar no baixo poder aquisitivo
que não lhes permitia comprar medicamentos, tornava ainda mais grave a questão da
saúde em Lerolândia.

4.7. fontes de consumo de energia


Em virtude da inexistência de energia elétrica em Lerolândia, 98,3% das famílias
que foram visitadas utilizavam candeeiros a querosene para a iluminação domiciliar e
1,7% queimava lenha para o mesmo fim. Apenas duas famílias possuíam lampiões a gás
que não eram usados em casa mas em suas mercearias. Das famílias que usavam
candeeiros a querosene 59,7% possuía dois candeeiros; 14,0% afirmaram possuir apenas
um candeeiro e somente 3 famílias tinham mais de 3 candeeiros em casa (v. tabela 17).
Apenas l família declarou receber o querosene da Destilaria Jacuípe, dado o vinculo que
o chefe desta família mantinha com a agro-indústria. As demais adquiriam o produto em
mercearias no Núcleo, a um preço de Cr$ 700,00 o litro.

TABELA 17
NÚCLEO DE URBANIZAÇÃO RURAL DE LEROLÂNDIA
NÚMERO DE CANDEEIROS À QUEROSENE POR FAMÍLIA

Número de Total de Famílias %


Candeeiros

1 8 14,0
2 34 59,7
3 12 21,1
4 2 3,5
5 1 1,8
TOTAL 57 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo. Lerolândia, 1984.

Quanto ao consumo de querosene verificamos que 62,3% do total das famílias


que o utilizavam como combustível para a iluminação da habitação, consumiam 4 litros
por mês; 7 famílias (12,3% do total) consumiam 5 litros por mês; 5 famílias (8,8% do
total) consumiam entre 1 e 2 litros por mês e apenas 9 famílias (15, 8% do total)
consumiam mais de 5 litros por mês (v. tabela 18).

TABELA 18
NÚCLEO DE URBANIZAÇÃO RURAL DE LEROLÂNDIA
NÚMERO DE LITROS DE QUEROSENE CONSUMIDO
POR MÊS E POR FAMÍLIA

Litros de Número de %
Querosene Famílias

1 1 1,8
2 4 7,0
4 36 63,2
5 7 12,3
6 1 1,8
8 8 14,0
TOTAL 57 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo. Lerolândia, 1984.

Para cozinhar, usava-se basicamente a lenha (69,0% das famílias) (v. tabela 19).
Esta lenha era apanhada nas matas e tarugos (pequenas áreas não ocupadas com
cana-de-açúcar, devido ao acúmulo de areia e madeira proveniente de desmatamentos,
que se apresentam de forma alongada, com uma largura de 15 metros em média,
situados geralmente distantes do Núcleo). A retirada de lenha nas matas de propriedades
particulares era proibida pelos proprietários que punham vigias para impedir a sua
retirada. Muitas vezes, as pessoas andavam vários quilômetros para conseguir a lenha
necessária ao consumo da família. Esta era geralmente apanhada de 1 a 3 vezes por
semana por 87,8% das famílias entrevistadas. Na maior parte dos casos era a dona da
casa quem apanhava a lenha, porque o marido e os filhos trabalhavam. Quando todos da
casa trabalhavam, a lenha era apanhada por todos na volta do trabalho.

TABELA 19
NÚCLEO DE URBANIZAÇÃO RURAL DE LEROLÂNDIA
TIPOS DE COMBUSTÍVEIS UTILIZADOS NA COZINHA,
SEGUNDO O NÚMERO DE DOMICÍLIOS

Tipo de Número de Domicílios %


Combustível

Carvão 5 8,6
Lenha 40 69,0
Gás 2 3,5
Gás e lenha 2 3,5
Lenha e carvão 2 3,5
Gás, Lenha e carvão 5 8,6
Gás e carvão 2 3,5
TOTAL 58 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo. Lerolândia, 1984.

Era comum muitas famílias apanharem lenha mais de uma vez por dia,
transportando-a na cabeça. Um número restrito de famílias que compuseram o universo
da pesquisa, apanhava a lenha de 4 a 5 vezes por semana. Nesse caso, o chefe da família
apanhava a lenha uma vez por dia, e mesmo assim, em pequena quantidade, quando
voltava do trabalho.
O equivalente a apenas 2,0% das famílias apanhavam a lenha uma vez por mês,
porque possuíam animal de carga, podendo, então, transportar grande quantidade de
lenha de cada vez.
O carvão era usado por um pequeno número de famílias, o equivalente a 8,6%
do total (v. tabela 19). Destas, a maioria, ou seja, 85,8% comprava-o no próprio Núcleo
a Cr$ 1.000,00 a saca, dependendo da qualidade do mesmo, e 14,2% faziam o carvão,
tanto no Núcleo, como em área de mata. O consumo de carvão por família girava em
torno de 2 a 4 sacas por mês.
O gás de cozinha era utilizado apenas por 3,5% do total em famílias (v. tabela
19).
Observou-se também que um pequeno número de famílias (19,5% do total)
usava na cozinha, de forma alternada e por economia, a lenha e o carvão, a lenha e o gás
o carvão e o gás (v. tabela 19). O gás de cozinha só era vendido na cidade de Santa Rita.
Mais uma vez deparamo-nos com outra lacuna no que tange ao objetivo de
realização do Projeto do Núcleo de Urbanização Rural de Lerolândia. O urbano parece
que se limitou unicamente à denominação dada ao aglomerado. Pois até mesmo no
plano do consumo de energia verifica-se uma reprodução, por vezes até piorada do que
ocorria no campo.

V – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do estudo da evolução do sistema canavieiro no município de Santa Rita


e do surgimento do Núcleo de Urbanização Rural de Lerolândia como conseqüência
desta expansão, chegou-se às seguintes constatações:
a) a expansão da atividade canavieira no município de Santa Rita determinou
transformações profundas na organização do seu espaço agrário;
b) estas transformações refletiram-se diretamente sobre as relações de trabalho, pela
destruição, criação e reprodução de formas de trabalho de acordo com a
necessidade do momento;
c) a criação do Núcleo de Urbanização Rural de Lerolândia se fundou num discurso
"político " pautado na melhoria da condição de vida da população, na fixação do
homem no campo, na idéia de trazer os "melhoramentos" (infra-estrutura e
serviços) propiciados ao homem da cidade até o meio rural;
d) nenhum dos itens deste discurso realizou-se na prática, a não ser aquele que fixa o
homem na zona rural porque este achava-se diretamente relacionado ao
atendimento das necessidades de mão-de-obra barata e disponível para a atividade
canavieira. Isto se comprova quando verificamos, a partir da pesquisa efetuada, o
fracasso da política de urbanização do campo, expressa através das precárias
condições de habitação, da inexistência de água encanada, da ausência de luz
elétrica e de rede de esgotos, do precário sistema de fossas, da existência de um
sistema de transporte totalmente ineficiente, de um ineficaz e precário atendimento
médico-dontológico no Núcleo de Lerolândia. Essas condições se reproduzem nos
outros Núcleos de Urbanização Rural existentes no município;
e) a população que habitava o Núcleo em 1984 era formada dominantemente de
trabalhadores assalariados ligados a atividade canavieira;
f) a maior parte desta população era composta de antigos moradores da própria zona
rural do município e da zona canavieira do Estado que ou foi expulsa da terra ou
partiu para o Núcleo a procura do sonho de sobrevivência mais digna e da obtenção
de uma casa própria;
g) a atividade canavieira precisava de terras para expandir sua área cultivada dai a
necessidade de retirar do campo os trabalhadores moradores, os pequenos
produtores, seja sitiantes ou posseiros. Ao mesmo tempo, contraditoriamente,
precisava de mão-de-obra para o desenvolvimento pleno da atividade. Assim
sendo, ao mesmo tempo em que ela se constituía em fator de expulsão do
trabalhador do campo, também encontrava formas de reter uma parcela dessa
população expulsa nas proximidades, de modo a garantir mão-de-obra a ela
necessária, uma vez que o processo de mecanização não foi realizado em todas as
etapas do processo produtivo.
Em suma, o que se conclui a partir do estudo efetuado é que as transformações
processadas no espaço agrário de Santa Rita redundaram principalmente no atendimento
e na realização das necessidades de expansão da atividade canavieira. Isto vem
reafirmar a contradição presente na expansão do capital no campo ora expulsando, ora
criando novos mecanismos de fixação da mão-de-obra de que necessita para a sua
valorização. Estas transformações foram viabilizadas e reforçadas pelo Estado, seja em
nível local, regional ou nacional.
Por outro lado, entende-se a preocupação expressa pelo idealizador dos Núcleos,
de buscar alternativa para atenuar o êxodo rural. Na prática, porém a criação dos
Núcleos de Urbanização Rural acabam por refletir a política contraditória do Estado que
de um lado garante a dominação e a expansão do capital sobre a agricultura e de outro,
tenta atenuar seus efeitos através de políticas e programas diversos.

BIBLIOGRAFIA
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