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Sinopse

Belladonna sempre se importou mais com feras e criaturas do que com


pessoas. Como ela não poderia, quando vê as crueldades da humanidade todos
os dias enquanto trabalha? Ela está pronta para enfrentar os caçadores furtivos
que ousam entrar em Yellowstone, mas nada poderia prepará-la para a
abertura de um portal e levá-la para outro mundo.

A Floresta Grimm está cheia de perigos, mas talvez nenhum seja tão
ameaçador quanto o homem que a encontra. De comportamento rude e
propenso à fúria mais do que qualquer outra emoção, o Capitão Barba Azul é
um homem fera. Com uma maldição sobre ele e muitos mundos tentando se
fundir, Bell não sabe como lidar com tudo isso. Sua crescente atração é um
incômodo, com certeza, mas a sala escondida no castelo do Barba Azul pode
destruir tudo.

Os vilões estão se libertando e lutando pelo poder. Branca de Neve e seus


sete demônios estão deixando um rastro de destruição. Bell sabe que o capitão
pode ajudar o mundo se apenas tentar, mas a maldição pesa sobre o homem
amargo. Apaixonar-se por Barba Azul iria condená-la, mas recusar-se a ver sua
luz poderia condenar o universo.
“Um mar calmo nunca fez um marinheiro habilidoso.”
-Franklin D. Roosevelt

Quando o mar estiver agitado, saiba que você está aumentando seu arsenal.
Do outro lado da tempestade surgirá um durão.
Saque sua arma e dê a eles o Inferno.
Prologo

Fico em pé sobre a cama, olhando para o que há dentro dela. O óleo na


madeira ainda está fresco, ainda recém-esculpido. Ainda nem teve a chance de
penetrar adequadamente na madeira. As folhas são bem esticadas, cobrindo
completamente a forma que está dentro delas.
Uma pequena parte de mim pensou que desta vez poderia ser diferente.
Alguma parte egoísta de mim queria que fosse diferente, queria aceitar
sabendo qual seria o resultado.
E agora ela está morta na cama que eu tinha esculpido para ela.
Sempre há uma cama nova. Assim que ela descansar, esta nova cama será
queimada, reduzida a gravetos e cinzas. Isso nunca muda. Não podemos
mudar a natureza do nosso destino e estou destinado a ficar sozinho.
A agonia aperta meu coração, me arrasta para baixo, mas além disso, há
raiva.
A fúria me enche por esta vida com a qual fui amaldiçoado, pela
maldição que faz essa amargura crescer em meu coração. Fodam-se todos que
conspiraram para fazer deste o meu destino. Foda-se a vadia que deixou essa
maldição para mim.
Foda-se essa dor.
Enquanto olho para o corpo envolto em branco, enquanto me acomodo
na ideia de que outra morreu, meus lábios se curvam em amargura. Eu desisti
do mar por causa daquela bruxa. Esta será apenas mais uma coisa da qual
desisti por causa daquela maldição miserável que ela lançou sobre mim há
tanto tempo.
Fora do castelo, o oceano me chama, mas não respondo. Não posso. Não
consigo enfrentar os mares depois de tudo que fiz, depois de tudo que
presenciei. Não suporto olhar novamente para o mar atrás do leme de um
capitão. Agora não. Nunca. Eu não pertenço mais a esse lugar.
Estendo a mão e passo a mão pela testa por baixo do lençol, num último
adeus.
— Sinto muito — murmuro, sabendo que é inútil falar as palavras em
voz alta. Ela não está mais aqui. Ela não pode me ouvir.
A vontade de uivar minha dor me consome.
Para os terrestres que esperam nas sombras, eu digo: — cuidem disso.
— Sim, senhor — Morris, meu maior amigo, responde respeitosamente,
com a cabeça inclinada para baixo em luto.
De todas as mulheres, Val era a sua favorita.
Como ele pode não me odiar pelo que fiz? Como ele ainda consegue me
chamar de senhor?
— É uma maldição terrível, capitão — murmura Morris, seus dedos
segurando suavemente a mortalha preta destinada a ser colocada sobre o corpo
antes dos ritos serem realizados. — Um dia, será quebrada.
Mas eu não quero isso. Eu não quero essa maldição. Eu não quero essa
dor. Não quero que essa mesma cena se repita continuamente ao longo dos
anos, às vezes pior, às vezes gentil, mas nunca fácil. Não quero nada com esse
destino, mas é um destino que devo carregar.
— Chega, Morris, — eu resmungo. — Não haverá mais.
— Capitão?
Tiro a grande chave mestra do bolso e a passo para Morris.
— Esta será a última vez. Depois de terminar os ritos, feche a porta atrás
de você e tranque-a.
— Mathieu...
— Você me ouviu, Morris, — rosno, empurrando a chave com mais força
em suas mãos. — Tranque-a. Para sempre.
A hesitação em seu rosto é clara, sua compreensão do que estou fazendo
aqui brilha em seus olhos.
— Eu entendo, capitão. — Ele inclina a cabeça e olha em direção ao leito
de morte. — Eu cuidarei disso e devolverei a chave para você assim que estiver
concluído.
Concordo com a cabeça, dou uma última olhada para o lençol que cobre
seu corpo e saio correndo dos quartos. Eu preciso...
Eu preciso...
Capitulo 1

— Ainda está viva, Bell? — Orlando, meu companheiro, pergunta de


onde ele está com o carro.
Aproximo-me da massa de penas caída na beira da estrada, movendo-
me lentamente para o caso de a pobre criatura ainda estar viva e entrar em
pânico com a minha aproximação. Tenho uma toalha nas mãos, caso a coruja
queira lutar. Espero que, se estiver viva, não use o que resta de sua energia
lutando comigo quando já está lutando por sua vida.
— Ainda não sei — respondo.
A coruja certamente não está se movendo, as penas abertas em ângulos
errados, as pernas para cima. Uma das asas está rompida de uma forma que
sei que levará longos meses de reabilitação para ela voar novamente, se for
capaz.
Quando chego perto o suficiente para me inclinar, observo o rosto da
coruja. Dois olhos grandes encontram os meus e mudam, mas a pobrezinha
ainda está atordoada por causa do carro que a pegou.
— Está tudo bem, garotinha, — eu murmuro, chegando mais perto com
a toalha. Estou usando luvas grossas de couro para o caso de ela tentar cravar
essas garras em meus braços. Aprendi minha lição muitas vezes. — Estou aqui
para ajudar.
Talvez porque ela esteja tão ferida, ela não tenha coragem de lutar, ou
porque ela saiba que sou uma amiga, a grande coruja nem sequer luta
enquanto eu gentilmente a enrolo na toalha e a levanto.
— Legal! — Orlando diz, levantando o punho no ar antes de abrir o
grande canil na cabine do pequeno caminhão. Nós o mantemos atrás apenas
para casos como este. — Espero que ele consiga.
Não é incomum encontrar corujas e outros animais nas margens da
estrada em Yellowstone. As pessoas não conseguem desviar quando os
animais atravessam a estrada sem causar mais acidentes, por isso os animais
sofrem. Às vezes conseguimos salvá-los. Às vezes, chegamos tarde demais.
Para esta coruja sortuda, ela receberá o melhor tratamento e, se
sobreviver inteira, será devolvida à natureza.
Eu gentilmente a coloco no canil, mantendo-a enrolada na toalha. Ela
parece contente em me deixar mantê-la aquecida. Não se sabe há quanto tempo
ele está ali na beira da estrada, mesmo que seus ferimentos pareçam
relativamente recentes. Foi bom termos aparecido em nossa patrulha naquele
momento.
— Ligue para Nancy — digo a Orlando enquanto fecho o canil.
— Já estou nisso. — Orlando leva o telefone ao ouvido mais rápido do
que posso dizer a ele, avisando Nancy de que estamos levando outro animal.
— Vou avisá-la que estamos levando uma coruja ferida que pode precisar de
tratamento médico pesado.
É por isso que Orlando é tão incrível. Apesar de ser jovem e fresco, ele já
é um excelente Diretor de Caça. Ele se preocupa com Yellowstone. É isso que
faz os grandes guardas, e não qualquer outra besteira que alguns dos outros
guardas consideram mais importante. Não se trata de uma masculinidade
elevada. É sobre o coração que você coloca nisso.
Leva apenas vinte minutos para chegar à exótica clínica veterinária de
Nancy. Embora Nancy seja uma referência na área para animais de estimação,
ela também é uma excelente veterinária quando se trata dos animais mais
exóticos que trazemos. Trouxemos para ela um filhote de alce ferido há alguns
meses e ela nem piscou, apesar do mamãe alce esperando do lado de fora do
veterinário, irritada porque havíamos levado seu bebê. A mãe causou alvoroço
nos outros pacientes, tentando atacá-los quando eles chegavam para as
consultas, até que Nancy pudesse retornar à panturrilha uma semana depois.
Os instintos de uma mãe são fortes e, antes de arrombar a porta (acredite,
mamãe tentou), ela garantiu que todos soubessem que ela estava brava porque
seu bebê não estava com ela.
No momento em que chegamos ao veterinário, Nancy já está esperando
do lado de fora, seus técnicos veterinários prontos com um carrinho para levar
até o canil. Não partimos imediatamente. Eu os ajudo a colocar o canil dentro
e depois ajudo novamente a puxar a coruja de dentro. Desta vez, ela resiste,
percebendo quantas pessoas estão ao seu redor e entra em pânico.
— Está tudo bem, garotinha, — murmurei para a grande coruja. — Nós
não vamos machucar você. Todos aqui foram feitos para ajudar. Você está
muito ferida. — Olho para Nancy enquanto colocamos a coruja na mesa e
gentilmente a deitamos. Os técnicos veterinários assumem o controle dele. —
Acha que ele vai conseguir?
Nancy se inclina, estudando a asa claramente quebrada.
— Se ela tiver coragem de se curar, de se esforçar, então sim. Ela tem uma
chance. — Nancy inclina a cabeça. — Se ela não puder ser solta de volta na
natureza, ela terá um lar no centro.
Concordo com a cabeça, sabendo que é o melhor. Pelo menos podemos
salvar aqueles que pudermos e, se ele for ao centro, ajudaria a ensinar as
crianças e os turistas sobre a importância da vida selvagem. Mas nunca mais
poder voar...
— Eu simplesmente não entendo que tipo de pessoa pode bater nela e
deixá-la lá, batendo as asas no chão — murmuro com tristeza.
— Às vezes, as pessoas nem percebem que bateram em alguma coisa. —
Nancy dá de ombros. — O que importa é que você a encontrou. Vamos
consertá-la da melhor maneira possível, Bell. Não se preocupe.
Eu sorrio agradecida para ela.
— Espero que ela supere. — Olho para o meu relógio, os olhos
arregalados com a hora. — Orlando. Hora de voltar.
Orlando enfiou a cabeça para dentro. — Fim do turno já?
Concordo com a cabeça e sorrio agradecida para Nancy e seus técnicos.
— Obrigada, Nanci. Vejo você na próxima vez.
Depois de voltarmos e eu mandar Orlando embora, vou para minha
cabana do outro lado de Yellowstone. O terreno dá para o parque, um presente
que meu bisavô deixou para minha mãe e depois para mim, tornando-o
privado e garantindo que ninguém esteja a menos de vinte acres de mim em
ambos os lados.
No momento em que destranco a porta e entro, a grande fera dentro dela
praticamente me ataca. Rindo, empurro o carcaju das minhas pernas e esfrego
sua cabeça, sorrindo para ele.
— Ei, Logan. Você esteve bem hoje?
A criatura, uma verdadeira força a ser reconhecida na natureza, olha para
mim com a língua de fora e a felicidade no rosto. Ele não parece um animal
que pode te fazer em pedaços, mas se ele decidisse, ele poderia. Para minha
sorte, Logan é tão amigável quanto a maioria dos cães.
Logan foi meu próprio resgate, um carcaju que foi capturado por
caçadores furtivos. Eu o resgatei do grupo desagradável, mas não antes de eles
o machucarem. Eu concordei em adotá-lo enquanto ele se recuperava, até que
ele pudesse voltar para a natureza. Eu estava lá para lhe dar o remédio e cuidar
de seus ferimentos. Eu troquei os curativos e o alimentei com colher quando
ele mal conseguia levantar a cabeça. Ele estava perto da morte quando o
resgatei, a um passo de ser esfolado. Houve apenas um problema com todo o
plano de adoção.
Logan se recusou a sair.
Já tentei soltá-lo diversas vezes, mas ele sempre reaparece, seja aqui na
cabana ou na cabana do diretor. Ele é um excelente rastreador e não importa
onde eu esteja, ele me encontra. Eu tentei ignorá-lo quando ele reapareceu, mas
no final, o reabilitador da vida selvagem declarou que ele era muito
dependente dos humanos e que não poderia mais ser libertado. Sério, eu só sei
que ele se apegou a uma boa refeição confiável e tapinhas na cabeça, mas eu
não iria reclamar quando o reabilitador sugeriu que eu conseguisse a licença
adequada para manter o carcaju por perto, já que ele claramente formou um
vínculo comigo. Logan torna as noites solitárias menos solitárias e, nos dias de
excursão, ele alegremente vai trabalhar comigo para conversar com as crianças.
Ele é um animal selvagem, e os carcajus são conhecidos por sua ferocidade,
mas é como se Logan se esquecesse completamente de tudo isso quando
alguém quer acariciá-lo, principalmente crianças. Logan adora crianças.
— Longo dia, Logan, — murmuro, tirando meu cinto e colocando-o na
mesa lateral. — E amanhã cedo. Estou em missão de campo novamente.
Logan ri e me segue até o banheiro enquanto me preparo para encerrar o
dia. Demoro o suficiente para colocar um jantar de TV no microondas e engolir
um pouco antes de cair na cama. Logan se enrola ao meu lado como um gato
alguns segundos depois e nós dois adormecemos.
Até meus sonhos são solitários.
Capitulo 2

O sol da manhã entra pelas janelas enquanto faço meu café da manhã.
Quando termino de preparar, aproveito o tempo para despejá-lo na caneca de
viagem chique que comprei. A praticidade mantém o café quente por horas,
fazendo com que eu esqueça que até o tomo como sempre faço e ainda tomo
mais tarde, quando me lembro.
Os dias de viagem de campo são sempre divertidos para mim. Muitos
guardas florestais temem sua rotação, mas descobri que adoro isso. Afinal, foi
por causa de um guarda florestal falando para minha turma quando eu estava
na primeira série que me tornei uma. Lembrava-me de estar sentada no grupo
de crianças, observando com admiração o diretor erguer a coruja-pigmeu e
demonstrar suas garras afiadas. Eu nunca quis ser outra coisa daquele
momento em diante.
Minha rotina matinal raramente muda. Tomo banho, prendo o cabelo e
lentamente visto meu uniforme. No entanto, em dias de excursão, posso usar
jeans. Eu felizmente visto o jeans bootcut e me acomodo no conforto antes de
vestir o resto do meu uniforme. Coloco meu cinto em volta dos quadris,
verificando minhas armas e munições. Tenho dardos tranquilizantes e balas no
cinto, não porque sempre precise delas, mas porque talvez precise. É sempre
melhor estar preparado com todas as opções.
Inferno, os caçadores furtivos em Yellowstone estão ficando mais
ousados. Outro dia, eles foram pegos tentando capturar os lobos. Mas quem
quer que eles conheçam na delegacia os libertou em um dia, como sempre
fazem. Alguns policiais acham que é uma perda de tempo e não é grande coisa
para alguns caçadores furtivos estarem em Yellowstone. É meu trabalho
lembrar a todos por que isso acontece e ensinar às novas gerações por que é
importante proteger a vida selvagem. Eles podem não estar aqui por muito
mais tempo se não ajudarmos o aumento da população.
Vou em direção à porta e Logan dança em volta dos meus pés,
implorando para ir, gesticulando em direção ao arnês e à guia que comprei só
para ele.
— Você quer ir? — pergunto, sabendo que já estava planejando levá-lo.
Ele é ótimo para dias de viagem de campo. As crianças enlouquecem por causa
de um carcaju que fica feliz com massagens na barriga. Sério, acho que Logan
deve ter sido um cachorro em uma vida passada. Ele alegremente dança ao
redor dos meus pés em resposta, me dando sua resposta.
Sorrindo, pego o arnês e coloco em volta dele antes de pegar a coleira.
— Tudo bem, tudo bem. Vamos.
Tranco a porta atrás de nós enquanto saímos, sorrindo com a maneira
como ele se aproxima de mim, animado para dar um passeio. Se eu tentar
deixá-lo para trás quando ele ficar assim, ele simplesmente sairá de casa e vai
para a cabana do diretor. Ele literalmente aprende como destrancar portas ou,
pior, como mastigá-las. Houve muitas vezes em que estive no trabalho e um
carcaju entrou deslizando no prédio procurando freneticamente por mim. Tive
que substituir a porta da frente algumas vezes, as janelas pelo menos duas
vezes e adicionei mais fechaduras à porta sem sucesso. Ele pode ser doce na
maior parte do tempo, mas consegue mastigar uma porta de madeira mais
rápido do que um castor. Estou quase com medo de que um dia ele mastigue
a parede.
Fazendo um gesto para que Logan entre na caminhonete, entro, fecho a
porta e olho para a cabana à minha frente por um momento. É uma rotina
solitária de vida que vivo, mas faço exatamente o que sempre quis fazer. É isso.
Estou vivendo o sonho.
Seria bom ter alguém com quem compartilhar, mas estou disposta a
sacrificar o que preciso para ajudar os animais que dependem de mim. Às
vezes, eles precisam de alguém que fale por eles, que os salve se necessário.
Minha solidão é uma pequena parte do grande esquema das coisas. Além
disso, eu tenho Logan.
Quando Logan está no painel e uiva sua canção de carcaju, me
incentivando a seguir em frente, sorrio e giro a chave na ignição.
— Tudo bem, estamos indo, — digo a ele, balançando a cabeça. — Você
sabe que não é o chefe nesse relacionamento, certo?
Ele apenas olha para mim com a língua de fora, como se dissesse “nós
sabemos quem está no comando aqui” e eu bufo. — Carcaju atrevido.
Engatei a marcha e segui pela estrada de cascalho, pronta para mais um
dia de trabalho, não importa o que isso traga.
Capitulo 3

— Você sabe, eventualmente eles vão me pegar por você me


acompanhar, — eu digo, olhando para o carcaju inclinado para fora da janela.
Sua língua está pendurada no canto da boca, e me pergunto novamente como
ele parece mais com um cachorro quando não está muito perto de cães. O
especialista em reabilitação o colocou entre um e dois anos de idade. Não
sabemos realmente a sua idade, apenas que ele se recusa a regressar à vida
selvagem, apesar dos nossos melhores esforços. Inferno, é uma questão de
tempo até que alguém apareça e me diga que não posso ter um carcaju, mas já
consegui a licença necessária. Ajuda o fato de eu já ser uma Guarda Florestal.
Logan olha para mim com as palavras, seu rosto brilhante e feliz, sem
nenhuma preocupação no mundo. Como alguém poderia castigar esse rosto?
— Continue parecendo tão presunçoso, — resmungo. — Você vai me
fazer ser demitida um dia. Apenas certifique-se de não ir atrás das outras
reabilitações desta vez. Fiona quase teve um ataque cardíaco quando você foi
atrás de Dale.
Dale é a grande coruja com chifres que vive permanentemente no centro.
Ele foi baleado por um caçador furtivo quando era uma coruja mais jovem, a
bala rasgando sua asa, então ele não pode mais voar mais do que quatro metros
e meio, mas agora ele faz de seu lar ensinar às crianças a importância de
proteger a vida selvagem. A última vez que Logan esteve comigo, ele foi atrás
de Dale, seu instinto de pegar uma refeição fácil era forte. Eu mal o abordei
antes que ele tivesse sucesso.
Abrindo minha janela, mostro meu distintivo para o guarda no portão.
— Dia de visita de campo, hein? — ele pergunta, seu grande bigode se
contorcendo com suas palavras.
— É — respondo com um sorriso. — É por isso que o velho Logan está
comigo desta vez.
Os olhos de Pop vão para o carcaju pendurado na janela e ele balança a
cabeça.
— Boa sorte, Bell. Essa coisa vai te comer enquanto você dorme uma
noite.
— Não, ele prefere a comida que eu preparo para ele todas as noites.
Logan ficou legal e mimado.
Rindo, Pop acena para mim e eu viro em direção à cabana do diretor.
Mesmo que eu esteja em missão de campo, ainda preciso marcar o ponto e ter
certeza de que nada urgente aconteceu desde ontem. Às vezes, minha posição
exige que eu participe de outro evento, e Orlando terá que assumir a viagem
de campo se eu não conseguir voltar. Às vezes, Nancy era gentil o suficiente
para passar por aqui. Mas isso não acontece muito.
Paro em uma vaga de estacionamento e me viro para Logan, baixando as
janelas para que ele possa respirar bastante, mesmo que não esteja quente lá
fora.
— Fique na caminhonete. Estarei de volta aqui em um minuto.
Minha única resposta é uma risada antes de Logan voltar a ficar
pendurado na janela. Não tenho plena fé de que ele ficará aqui onde deveria,
mas ficará bem mesmo que não fique. Não importa o que eu faça, Logan não
vai embora. Ele se comporta melhor do que um cão treinado na maioria das
vezes. E todos por aqui sabem a quem ele pertence e que não representa perigo.
Saio da caminhonete e vou para o barraco, que na verdade não é um
barraco. Antigamente, os guardas florestais tinham exatamente isso, um
pequeno prédio que mais parecia um barraco. Hoje em dia, o barraco é um
prédio policial de alta tecnologia, completo com celas de prisão e locais de
confisco. Mesmo assim, todos nós chamamos isso de barraco por algum
sentimento de nostalgia pelos tempos mais simples dos quais muitos de nós
não fizemos parte. É engraçado como essas memórias nostálgicas passam de
geração em geração.
— Bom dia — digo, inclinando a cabeça para Betty, a recepcionista,
enquanto entro.
— Ah, ei, Bell! — ela responde com um pequeno aceno. Vestida com
elegância com roupas profissionais de escritório, Betty sempre se destaca.
Embora ela pudesse ter optado por usar jeans simples e blusa, ela sempre usa
roupas mais adequadas para a semana de moda empresarial. Hoje, ela está
vestindo uma saia lápis rosa brilhante e uma blusa branca estilo vampiro. Os
saltos em que ela está apoiada têm grandes pontas prateadas saindo de trás
deles. — O sargento Holland pediu uma palavra.
Eu levanto minha sobrancelha com a informação e aceno com a cabeça
que ouvi. O Sargento Holland só pede reuniões quando há algo que valha a
pena. A curiosidade me fez ir até a hora no computador e depois direto para o
escritório dele.
Batendo no batente da porta do sargento Holland, espero que ele dê seu
grunhido característico como permissão para entrar antes de fazê-lo. Orlando
e alguns outros guardas já estão lá dentro, rindo de algo que um dos outros
disse. No momento em que bato, todos ficam sóbrios e se endireitam, tanto por
respeito quanto porque o Sargento está claramente pronto para prosseguir com
as coisas.
— Lawrence, ótimo. — Ele acena para mim. — Entre.
Concordo com a cabeça respeitosamente e sigo suas ordens, entrando e
me posicionando contra a parede. O sargento Holland é diretor de Yellowstone
há mais de trinta anos, um dos homens que servem há mais tempo. Ele é um
excelente sargento e um homem ainda melhor. Sua esposa é ainda melhor. Ela
regularmente traz comida caseira para a cabana para todos comerem.
— Agora que todos estão aqui, há relatos de tiros novamente perto da
entrada oeste esta manhã. Cerca de uma hora atrás.
Johnson, um dos outros guardas, franze a testa.
— Acha que é o Velho Bob disparando tiros de advertência contra o alce
de novo?
Eu balanço minha cabeça.
— Eu avisei o Velho Bob há alguns dias para parar com isso. O tolo
teimoso não escuta, mas geralmente espera uma ou duas semanas antes de
voltar a fazer suas travessuras.
— Teremos que lhe dar uma multa que ele não poderá pagar se continuar
assim — acrescenta Johnson. — Ele não pode estar atirando no alce.
O sargento Holland suspira.
— Ele nunca bate neles. O velho Bob se preocupa com os alces tanto
quanto nós, mas os animais continuam pisoteando seus jardins. Um cervo
machucou seu cachorro da última vez.
— Ele precisa de uma maneira melhor de assustar os alces — argumenta
Johnson.
— Não posso discutir isso, — eu interrompo. — Atirar direto para o alto
não é o melhor método para assustar um cervo e não quero ter que assinar uma
multa para o Velho Bob. Onde você disse que os tiros foram relatados?
O sargento Holland mostra as coordenadas na tela.
— Os relatórios vieram desta área.
Eu me inclino.
— Espere, isso fica cerca de um quilômetro e meio ao norte do Velho Bob.
Não há estradas lá fora. — Meus olhos encontram os do sargento Holland. —
Você acha que são os caçadores furtivos de novo?
— Poderia ser — diz Sarge. — Só há uma maneira de descobrir.
Rolando o lábio entre os dentes, viro a cabeça na direção do centro
educacional.
— Estou em serviço de excursão hoje.
— Você deveria voltar a tempo para isso — responde Sarge, afastando
minha preocupação. — A primeira palestra é só ao meio-dia. — Seu olhar vai
para a janela. — Você está com Logan com você? — Eu faço uma careta e aceno
com a cabeça. — Leve-o com você, eu acho. Deus sabe que a fera não ficará
aqui conosco. Apenas mantenha-o na caminhonete enquanto verifica o
relatório. Podemos pelo menos manter o Carcaju seguro.
— Sim, Sargento — respondo antes de nós quatro irmos para as
caminhonetes. Logan ri alegremente quando volto. — Temos uma tarefa
primeiro, Logan. Comporte-se.
Orlando abre a porta do passageiro e faz uma careta para o carcaju que
se vira e olha para ele. Os dois ainda não encontraram o meio-termo. Não sei o
que há em Orlando que Logan não gosta, mas o carcaju tem prazer em irritá-
lo. Mesmo agora, ele mostra os dentes em uma espécie de rosnado e Orlando
levanta as mãos em sinal de rendição, não muito interessado em brigar com
um carcaju hoje.
— Pare com isso, Logan, — eu repreendo, e o carcaju imediatamente se
solta. Orlando entra e então partimos em direção às coordenadas, Johnson e
Fallon atrás de nós. Deve ser uma viagem rápida para verificar se os caçadores
furtivos não estão na floresta e então voltarei para o dia da excursão.
Apenas uma viagem rápida. Isso é tudo.
Capitulo 4

As coordenadas estão no lado oeste de Yellowstone. A essa hora da


manhã não há muita ação deste lado. A maioria dos turistas tende a usar a
entrada principal para aproveitar ao máximo e aqueles que são caminhantes
mais avançados tendem a ficar nas outras áreas. Menos pessoas tendem a
vagar pelas áreas onde há menos conveniências entre o Parque Nacional de
Yellowstone e a Floresta Nacional Custer-Gallatin. Acenando para o guarda do
portão enquanto passamos, continuo dirigindo pela rodovia e viro na trilha do
guarda mais próxima dos tiros, indo mais para dentro das árvores. Nenhum
carro passa por nós, mas quanto mais nos aproximamos do local, menor fica a
estrada, até se tornar mais uma via de acesso do que qualquer outra coisa. Nem
sempre os turistas vêm aqui, mas às vezes decidem sair da estrada e se perder.
Já participei de muitas missões de resgate de famílias que se afastaram muito
das áreas normais. Os habitantes mais experientes podem não ter problemas,
mas muitos inexperientes tentam caminhos para os quais não estão
preparados. Esperançosamente, esta ligação é apenas para um turista
apaixonado por armas que pensou ter visto um urso e termina com um tapa
no pulso e uma verificação da licença. Prefiro isso do que os caçadores furtivos
de volta.
— Um quartinho seria bom — Orlando resmunga enquanto Logan sobe
em seu colo para se pendurar na janela. Logan apenas dá um pequeno
grunhido antes de continuar sua tarefa, indiferente ao fato de Orlando estar
claramente sem espaço para se mover.
Eu pego o rádio.
— Tudo bem, pessoal. As coordenadas estão um pouco mais acima.
Podemos continuar...
Eu estava prestes a dizer para ir a pé, mas quando viramos uma esquina,
o veículo aparece. A caminhonete vermelha é dos anos 80, a pintura está
desbotada pelo uso. Os pneus estão mais carecas do que o necessário para a
estrada, mas eles nunca se importam com isso. No espelho retrovisor está
pendurado um pé de coelho da sorte. É um caminhão que reconheço e que
temo ver.
— Parece que nossos amigos estão de volta — digo no rádio.
— Parando e transmitindo por rádio — responde Johnson. — Sarge pode
querer enviar mais alguns guardas.
Os caçadores furtivos são um grupo sórdido liderado por um homem de
meia idade chamado Jack Brown. Considero que são um bando de extremistas
religiosos, embora não sejam rotulados como tal na cabana. Eles afirmam que
ninguém pode reivindicar nenhuma terra porque toda terra é de Deus. Sempre
achei que a crença era boba, de certa forma. Com a discussão deles, eu poderia
ir até a casa deles, fixar residência e dizer-lhes que é a casa de Deus, não a deles,
mas eles não ficariam felizes com isso. Afinal, isso é invasão. De alguma forma,
não parece que Yellowstone entenda ou que estamos tentando preservar os
animais, para que não sejam extintos. Muita caça e não haverá nenhum animal
para ver, muito menos caçar.
Os caçadores furtivos nunca são muito inteligentes.
Paro a caminhonete na frente da de Johnson e desligo o motor
rapidamente, certificando-me de que estamos longe o suficiente para que os
sons do motor não cheguem muito até eles. Pelo que eles sabem, estávamos
apenas passando por uma estrada diferente. Yellowstone é um parque
nacional movimentado. Sempre há pessoas por perto.
Eu verifico minhas armas, Orlando fazendo o mesmo, enquanto Johnson
e Fallon ligam e se preparam. Johnson rapidamente comunica pelo rádio a
confirmação dos caçadores furtivos e descobre que Sarge quer que ajamos com
cuidado antes que mais guardas apareçam, antes de virem e se juntarem a nós.
Todos nós mantemos nossas vozes baixas, para que eles não passem por entre
as árvores.
— Tudo bem — Johnson sussurra com o polegar para cima. — Pise com
cuidado.
Antes que eu possa dizer qualquer coisa em resposta ao seu comentário
sobre o rádio, outro tiro ressoa nas árvores ao nosso redor, ecoando de uma
forma que só acontece na natureza. Ele ecoa por alguns segundos antes de
desaparecer.
Fazemos uma pausa até que desapareça completamente antes de olhar
para Fallon.
— Drone?
— As árvores são muito densas para ver através da folhagem, mas posso
procurar outros veículos ao longo das estradas que possam estar na área para
obter um número — responde ele.
Balanço a cabeça e entro na cabine em busca do rifle pendurado na janela
traseira. Está carregado com balas em vez de dardos tranquilizantes.
— Espere isso. Se Jack os estiver liderando, ele prefere grupos de quatro.
Não haverá um número substancial. Orlando, você está comigo. Entraremos
em duas equipes, divididas para receber tiros de ambos os lados. Esteja atento.
Os suspeitos estão armados.
Orlando puxa sua própria 9mm e acena com a cabeça. Fallon segue as
pistas de todos e puxa uma arma enquanto liga sua câmera de verificação para
capturar qualquer filmagem que possamos precisar para condenar os idiotas.
Johnson pega seu próprio rifle e o carrega com dardos em vez de balas. Se
houver um animal ferido, talvez seja necessário tranquilizá-lo para conseguir
a ajuda de que necessita.
— Fique no carro, — ordeno a Logan. O carcaju funga irritado, como se
pudesse entender minhas palavras. É para a segurança dele mais do que de
qualquer outra pessoa. Os caçadores furtivos não hesitariam em abater um
carcaju para sua coleção se ele aparecesse de repente.
— Nenhum outro sinal de veículos, — Fallon murmura baixo enquanto
olha ao longo da estrada. — Não significa que eles não tenham números pela
primeira vez, mas Brown prefere suas regras, o lunático.
— Vamos, — eu aceno. — Mantenha seus olhos abertos.
Nós nos aproximamos das árvores, o mato se movendo ao longo das
pernas da minha calça enquanto passamos. Nós nos movemos o mais
silenciosamente possível, separando-nos assim que alcançamos as árvores
mais grossas para chegar ao local por lados opostos. Saber que os suspeitos são
armados nos obriga a ter mais cautela. Aqui não há prisões fáceis. Tudo traz
problemas, e os caçadores furtivos estão no topo da lista de problemas. Quase
todo mundo carrega uma arma nos parques ou através deles, mesmo que não
tenha permissão para disparar dentro de Yellowstone. Isso torna quase todas
as prisões uma ameaça.
Nenhum de nós fala enquanto nos separamos. Johnson e Fallon
desaparecem, indo nos encontrar do outro lado. Orlando se move ao meu lado,
com sua arma em punho, assim como a minha. Os caçadores furtivos preferem
atirar para matar a enfrentar mais acusações ou serem levados novamente para
a prisão. Os bastardos sempre conseguem escapar de alguma forma, mas não
consigo imaginar que essas acusações retiradas sejam gratuitas. E mesmo que
um de nós seja morto, será mais difícil retirar essas acusações, como sempre
acontece. Prefiro que nós quatro voltemos vivos.
Movemo-nos silenciosamente por entre as árvores, observando os nossos
passos e, à medida que nos aproximamos, o som de vozes chega até nós.
Olhando para Orlando para confirmar que ele ouve, diminuímos nossos
movimentos, certificando-nos de não fazer barulho enquanto nos movemos
entre as árvores, mantendo-nos próximos, mas afastados, caso haja tiros.
— É um grande negócio, não é? — Uma voz declara em voz alta. Ele
assobia. — Ele vai conseguir um bom preço.
— Pode apostar que sim — outro acrescenta. — O monstro levou um
punhado de balas antes de cair.
Eles continuam a vaiar e gritar, comemorando sua morte. Já sei que vou
odiar o que encontrarei quando chegarmos o mais perto possível e assumirmos
nossas posições. Com cuidado, me inclino em volta da árvore, tomando
cuidado para não alertar ninguém.
Parados diante de nós, numa pequena clareira, quatro homens se
aglomeram, olhando para a criatura no chão. Eles estavam claramente
trabalhando para amarrar o grande alce antes que se distraíssem com sua
ostentação. Obviamente tentando descobrir como tirar da floresta o animal de
quase quatrocentos quilos, eles começaram a discutir a missão. Ele não está
respirando, o sangue escorre de uma artéria principal em seu pescoço que
eventualmente o derrubou.
O rosto de Orlando se contrai de raiva com a visão quando ele se
aproxima. A tristeza me atinge primeiro. O cervo é grande, um dos maiores
que já vi entre muitos em Yellowstone. Há uma grande etiqueta laranja em sua
orelha, o que significa que ele está sendo rastreado por Yellowstone há algum
tempo. Os mais novos agora têm etiquetas amarelas.
Mas essa etiqueta nos dá a prova de que precisamos acusá-los, mesmo
que seja triste.
Vejo Orlando pegar seu telefone e tirar fotos e fazer um pequeno vídeo,
incriminando-os completamente para que possamos usá-lo no tribunal. A
câmera torácica de Fallon capturará tudo de outro ângulo. Com tantas
evidências, eles não serão capazes de refutar a afirmação e, esperançosamente,
as acusações serão mantidas.
Encontro os olhos de Orlando e depois caminho em volta das árvores.
Não consigo ver Johnson e Fallon, mas sei que estão lá, esperando meu sinal.
Com uma lufada de ar, solto um canto de pássaro que deixa os caçadores
furtivos tensos e segurando suas armas com mais força.
Então, com a cabeça erguida, saímos de trás das árvores, nossas armas
apontadas para os caçadores furtivos. Os olhos redondos de Jack encontram os
meus.
Capitulo 5

Não é como nos filmes. Não há nenhum momento em que os caçadores


furtivos olhem para cima e eu grite “pare!” em voz alta enquanto os guardas
saem dos esconderijos. Não há queda dramática de armas quando todos nós
avançamos e apontamos nossas armas para eles.
Esses caçadores furtivos já existem há muito tempo para isso.
O líder, Jack Brown, levanta seu rifle imediatamente, apontando para
mim. Só tenho tempo de voltar para trás da árvore antes que a bala faça a casca
da árvore voar pelo ar e sei que será mais um tiroteio do que uma prisão fácil.
— Tiros disparados — Orlando grita em seu rádio, avisando ao barraco
que precisaremos do reforço mais rápido. O problema é que Yellowstone é
grande. Não há como alguém chegar aqui a tempo e eu não vou recuar. Eles
não vão escapar dessa vez.
— O cervo! — um dos caçadores furtivos grita.
— Deixe isso por enquanto — ordena Larry, sabendo que não há como
eles arrastarem a fera enquanto estiver sob ataque. Não quando pesa tanto
quanto pesa.
— Larguem suas armas! — Ouço Johnson gritar, seguido por uma rajada
de balas que o faz gritar palavrões enquanto os caçadores furtivos fogem.
— Porra! — Rosno enquanto somos forçados a nos dispersar, assumindo
posições atrás das árvores mais grossas. — Sede da rádio de novo! Obtenha
reforços aqui! — Eu peço por Orlando. Ele está a cerca de dez metros de mim,
seu peito subindo e descendo rapidamente com sua adrenalina. Ele não esteve
em tantas situações assim quanto eu. Já aprendi a manter a calma.
Sem esperar pela resposta dele, dou a volta na árvore e começo a
persegui-lo.
— Bell! Espere! — Orlando grita, mas ele obedientemente entra em
contato pelo rádio, permanecendo onde está para levar a mensagem ao
barraco. Ele vai alcançá-lo.
— Johnson! Você acertou? — Grito enquanto me movo, meus olhos
examinando as árvores.
— Só um arranhão — ele responde, aparecendo um momento depois. Há
sangue em sua manga, mas ele está certo. Parece apenas um arranhão. —
Orlando?
— Atrás de mim, transmitindo por rádio. Fallon?
Johnson franziu a testa. — Ele também saiu atrás dos caçadores furtivos.
— Porra, — eu rosno, olhando atrás de mim para o cervo abatido, para a
tristeza de tudo isso. — Vamos pegar esses bastardos de uma vez por todas.
Eles não conseguirão voltar para a caminhonete.
Tiros soam novamente, sem dúvida disparando contra Fallon. Johnson e
eu imediatamente partimos, correndo na direção deles, apesar do perigo que
corremos. Nos protegemos quando necessário, e isso acaba nos separando
novamente quando nos desviamos em direções diferentes. As balas cravadas
nos troncos das árvores ao meu redor me obrigam a manter a cabeça baixa e o
corpo a continuar em movimento. Não consigo mais ver Johnson quando me
aproximo, e Fallon nunca aparece. Não tenho certeza de quão longe Orlando
está, mas estou sozinha enquanto me aproximo dos caçadores furtivos que
avançam por entre as árvores.
Eu não preciso de proteção. Eu preciso de justiça.
Jack e sua gangue não conseguirão chegar até sua caminhonete, aconteça
o que acontecer. Eles têm nos causado problemas há anos. Mais uma acusação
importante e esperamos que sejam afastados por um tempo. É isso. Se
perdermos esta oportunidade, eles continuarão a infringir a lei. Posso não ser
capaz de apreendê-los, mas não posso permitir que escapem. Os outros vão me
alcançar e ajudar quando eu os dominar.
Saindo de trás da árvore depois de respirar fundo, fico cara a cara com o
cano de uma espingarda. Jack sorri para mim, seu rosto desgastado se contrai.
— Largue isso, — ele ordena quando meu próprio rifle se concentra nele.
Carrancuda, eu levanto minha sobrancelha. — Foda-se.
Outro caçador furtivo aparece, um de sua gangue, me cercando,
mantendo suas armas apenas contra mim. Isso dará aos outros tempo para me
alcançar e colocar mais armas do meu lado.
— Você não pode atirar em todos nós — incita o novo caçador furtivo.
Meus próprios lábios se curvam. — Você tem certeza disso?
Mais dois aparecem pela direita, com as armas apontadas para mim.
Mesmo assim, não abaixo minha arma. Não lhes darei essa satisfação.
— Uma coisa bonita como você não deveria estar perseguindo homens
estranhos pela floresta — diz um dos outros. Ele é mais jovem, provavelmente
com quase vinte anos, e novo. Eu nunca o vi antes. Seus olhos percorrem meu
corpo de uma forma que me faria bater seu rosto no balcão de um bar. — Você
está com calor nesse uniforme. — Seu tom se torna ameaçador. — Existem usos
melhores para você do que este.
Não sou estranha a insinuações e flertes como guarda florestal. Você
ficaria surpreso com quantos homens tentam escapar de uma acusação ou
multa dando em cima de mim. Eles veem uma mulher de uniforme e se acham
charmosos o suficiente para me conquistar. Nunca funciona, mas esta é uma
situação diferente. Esses homens não são apenas alguns bêbados trazendo
garrafas de vidro para o parque. Eles são criminosos perigosos e meu reforço
está bloqueado no momento.
— Vocês estão todos presos por caça furtiva em Yellowstone —
respondo, mantendo minha arma apontada para Jack. — Se você entregar suas
armas agora, posso pegar leve com você.
Jack bufa, mas é um dos outros que responde.
— Esta é a terra de Deus — declara ele. — Ninguém decide quem pode
caçar aqui além dele.
Ele dá um passo à frente, uma ameaça, mas antes que possa fazer o que
quer que esteja planejando, Logan aparece do nada com um rosnado que
deixaria orgulhoso o mais furioso leão da montanha. Sem esperar por uma
palavra minha, Logan aperta a perna do homem. Posso ouvir o barulho dos
ossos, sei como deve ser aquela dor quando ele cai com um grito enquanto o
carcaju começa a balançar a cabeça, tentando arrancar a carne.
Viro a coronha do meu rifle na direção de Jack, mas ele se esquiva no
último segundo. Ele se vira para correr enquanto Logan se prepara para atacar
outro caçador furtivo. Levanto meu rifle, miro e puxo o gatilho. A bala atinge
seu ombro, forçando-o a largar a espingarda, mas ele não para. Ele sai em
direção às árvores. Ele ainda está armado com outro rifle jogado nas costas,
mas não o alcança, muito decidido a correr agora com o ferimento de bala no
ombro.
— Bom trabalho, Logan! — Eu grito enquanto os homens se dispersam.
— Vamos pegá-los!
Saímos atrás dos caçadores furtivos e, enquanto corro, levo meu rádio
aos lábios.
— Johnson! Orlando! Onde estão vocês gente? — Estática é minha única
resposta, algo interferindo no sinal. Raramente há interferência no sinal, então
não tenho certeza do que está acontecendo. De qualquer forma, é um
verdadeiro pé no saco. — Droga!
Já se foram os dias em que o sinal de rádio era irregular na floresta. O
equipamento atual supostamente torna impossível que algo dê errado, a
menos que algo aconteça com a torre e, mesmo assim, há outros para
compensar. Para que as linhas sejam estáticas, algo deve estar errado.
Logan salta ao meu lado, acompanhando o ritmo, enquanto os outros três
caçadores furtivos correm na frente. Diminuo a distância, determinada a
mandar seus traseiros para a cadeia, mesmo que eu mesmo tenha que tirá-los
de lá. Enquanto olho para suas formas correndo, o ar parece brilhar e tenho
que piscar para limpar o que acho que é suor entrando em meus olhos. Quando
os abro novamente, o brilho não desaparece. É pior.
— Johnson! — Ligo para o rádio novamente.
— Lei... apenas... agora... — Entre a estática, algumas palavras passam,
mas nada que faça sentido.
— Diga isso de novo!
O brilho no ar fica mais forte e os caçadores furtivos começam a diminuir
a velocidade, como se também o vissem. Eu não desacelero, aproveitando uma
oportunidade. Uma névoa na minha visão não vai me impedir de derrubá-los.
Os cabelos da minha nuca se arrepiam enquanto a floresta ao nosso redor
fica em silêncio de uma forma que nunca acontece. Só então meus passos
vacilam.
Fico olhando em estado de choque quando o brilho começa a se
condensar e girar rapidamente, combinando-se em um túnel ao nosso redor
que parece feito de eletricidade ou outra coisa. Com os cabelos em pé e arrepios
nos braços, fico surpresa com a visão estranha.
— Logan, — eu grunhi, e ele se aproxima, empurrando contra minha
perna enquanto eu derrapo até parar completamente. A confusão me impede
de apontar imediatamente minha arma para os idiotas. Quando o túnel
cintilante de repente se transforma e engole os caçadores furtivos inteiros, viro-
me para correr. Seja o que for, não quero nada com isso.
Eu dou três passos.
O túnel passa ao nosso redor, quase ensurdecedor, pois bloqueia os raios
de sol que atravessam as árvores acima. Tudo gira e já não sei em que direção
está para cima.
O mundo à minha frente se abre, puxando Logan e eu, e caímos dentro
do túnel cintilante logo após os caçadores furtivos.
Até meu grito parece estrangulado.
Capitulo 6

Num momento, estou na floresta, em Yellowstone, perseguindo os


idiotas que ousaram continuar matando animais protegidos, e no seguinte,
estou pousando com força em um solo coberto de folhas secas e samambaias.
Quando olho para cima, a floresta parece mais uma floresta temperada do que
uma de abetos, a luz do sol entrando através de grandes folhas largas acima.
Fico imediatamente desorientada, sem entender como posso de repente estar
em uma floresta completamente diferente. Procuro em minha memória, só me
deparando com o estranho túnel aparecendo e os sons ensurdecedores antes
de eu cair.
E então abri meus olhos para este lugar.
À minha frente, os três caçadores furtivos que se juntaram a mim - não
sei para onde foi o quarto - parecem igualmente desorientados. Levam um
momento para perceberem que estou aqui, mas quando o fazem, eles se
levantam e erguem os rifles novamente. Jack até agarra o seu pelas costas. O
meu é treinado neles mais rápido, preparado para lutar. Não sei onde estamos,
mas ainda tenho um trabalho a fazer.
A desorientação faz com que minha mente esteja acelerada, mas
enquanto estou confusa sobre como chegamos a esta floresta, minha mão está
firme na minha arma. Só então percebo que Logan está bem ao meu lado, com
os dentes arreganhados para os caçadores furtivos. Eu respiro uma lufada de
ar. Pelo menos o carcaju está bem.
— O que você fez? — Acuso Jack apesar de não entender a situação. Meus
olhos percorrem a floresta, observando a clara mudança de pressão,
temperatura e hora do dia.
— O que nós fizemos? — Jack cospe. — O que você fez, bruxa? — Ele olha
para os outros dois caçadores furtivos. Um deles está com o rifle frouxo,
claramente mais desorientado que os outros, com os olhos voltados para as
árvores acima dele. — O que é este lugar? Para onde você nos trouxe?
Mas eu sei que não fiz nada. Não tenho habilidades mágicas. É verdade
que acredito totalmente em bruxas e coisas assim, mas isso? Isso é
teletransporte, certo? Quem diabos pode fazer isso? Certamente não eu.
— Para onde você nos trouxe, bruxa? — o segundo caçador furtivo grita
e corre para frente.
Só tenho tempo de me desviar para a direita antes que ele chegue até
mim, evitando por pouco ser atingido pela coronha do rifle.
— Isso não é obra minha! — Eu rosno enquanto o chuto, fazendo-o
arremessar-se em direção ao chão da floresta. — Se pudéssemos parar por um
momento e nos orientar, poderíamos sair daqui.
Mas os idiotas não ouvem uma palavra do que eu digo. Em vez disso,
cada um deles vem em minha direção, como se eu fosse a inimiga aqui. Sério,
se fosse eu quem fizesse isso, seria tolice matar a única pessoa que poderia
aceitar você de volta. Claramente, pensar não é seu forte.
Três contra um não são grandes probabilidades. Com certeza não é justo,
mas nunca fui de desistir de uma luta. Logan fica ao meu lado enquanto nos
movemos para a esquerda e para a direita para evitar que os caçadores furtivos
venham atrás de mim. Felizmente, qualquer raiva que sintam os faz esquecer
que estão carregando armas em vez de porretes. Não há para onde correr aqui,
não quando não posso virar as costas e sair em direção às árvores. Eu estaria
morta antes de dar três passos, talvez cinco, se fossem tiros terríveis.
Assim que eu decido que provavelmente é melhor levantar minha
própria arma e atirar neles, tiro pelo menos um, os seres sonoros
ensurdecedores sobem lentamente novamente.
— Espere! Vocês ouviram isso? — Eu pergunto, mas eles não se
importam com o que tenho a dizer. Eles simplesmente continuam vindo. —
Imbecis — resmungo e tento me concentrar no que está acontecendo ao nosso
redor.
O som é como estar em um túnel e o vento forte passar, como se algo
estivesse se preparando para acontecer. Acima de nós, o sol brilha por entre as
árvores, quase como se alguém estivesse acionando um interruptor de luz.
Somente quando o som atinge o nível de um trem de carga é que os caçadores
furtivos param de atacar por alguns segundos para olhar para cima.
— Pare com isso! — Jack rosna. — Pare tudo o que você está fazendo!
— Não estou fazendo nada — cuspo de volta, olhando para as folhas que
estão sendo levantadas ao nosso redor.
Com um rugido que é três partes aterrorizante e uma parte curiosa, o
mundo parece se dividir diante de nós e se remodelar, um buraco aparecendo
e engolindo nós quatro um momento depois. Estamos em queda livre por cinco
segundos e, quando pousamos novamente, a floresta está diferente pela
segunda vez.
Estou de joelhos, caindo em uma posição estranha que me força a cair.
Meu cabelo está uma bagunça selvagem em volta dos meus ombros, os ventos
violentos arrancando-o do coque na minha nuca. Quando olho para cima, Jack
e um de seus capangas estão se levantando. O terceiro caçador furtivo não se
move de onde pousou, com o pescoço em um ângulo estranho. Jack olha para
o homem caído e seu rosto se contorce de raiva.
A floresta ao nosso redor está mais escura, o sol se foi em favor da noite.
As árvores ainda são árvores de folhas largas e temperadas, mas são escuras e
retorcidas, quase como se algo as estivesse corrompendo com qualquer
escuridão que este lugar contém. Lembro-me das histórias da floresta
Aokigahara, no Japão, dos rumores sobre o quão assombrado esse lugar é.
Eu fico de pé e toco minha mão em Logan, onde ele está encolhido contra
minhas pernas. Meu toque parece reanimá-lo, e ele se incha, mostrando-se
como a ameaça que é.
— Não sei o que você está fazendo — Jack cospe, — mas vou matá-la pela
bruxaria que corre em suas veias.
Eu faço uma careta.
— Este não é Salem, idiota. Mesmo se eu tivesse algo a ver com isso, você
não poderia fazer nada. — Só então percebo que perdi meu rifle. Eu alcanço
meu quadril e puxo o 9mm. Pelo menos o coldre fez seu trabalho. — Agora
abaixe sua arma e poderemos descobrir onde diabos estamos.
— Eu não vou deixar cair merda nenhuma — ele responde. Seu capanga
restante, um garoto que não parece ter mais de vinte e cinco anos, está ao lado
dele, com a arma solta ao lado do corpo. Ele está olhando para a floresta, com
os olhos arregalados de medo, sentindo claramente o perigo dançando na
escuridão.
Eu também sinto isso.
— Precisamos sair daqui — sussurro no momento em que percebo o quão
silenciosas as árvores se tornaram ao nosso redor. Não há sons de insetos ou
pássaros, nada se movendo na vegetação rasteira. A floresta fica em silêncio
por uma razão e apenas uma razão.
Há um predador entre nós.
— Jack, ela está certa. Alguma coisa está...
— Cale a boca, Liam, — Jack rosna. — Vamos cuidar dessa vadia e depois
vamos embora.
Os cabelos da minha nuca se arrepiam. A floresta está tão silenciosa que
nem o ar se move. Tenho medo de dar um passo para longe, de correr.
Dependendo do animal, existem diferentes métodos a seguir. Um puma? Não
vire as costas e corra. Um puma irá ultrapassá-lo e derrubá-lo mais rápido do
que você imagina. Um urso pardo? Alcateia? Todos são inimigos terríveis com
os quais entrar em contato. Embora sejam criaturas protegidas, isso não
significa que não sejam horríveis de enfrentar. A natureza é uma designer
brutal.
— Jack... — o garoto tenta novamente, mas Jack apenas faz uma careta
para ele.
O medo me fez perceber o quanto a floresta está às minhas costas, o
quanto todos nós estamos em desvantagem. Nenhum de nós está apoiado
contra uma árvore. Nenhum de nós está seguro. Porra, se Jack não tirar a
cabeça da bunda, todos nós seremos comida de urso.
Algo faz com que minha consciência se volte para a direita, em direção à
floresta ali. Não sei se é instinto ou algum sexto sentido, mas estou olhando na
direção de onde vem quando aparece. A princípio, minha mente não consegue
entender a escuridão que de repente se move e se transforma. Quando ela entra
na luz da lua filtrada pelas árvores, minha mente simplesmente se recusa a
entender o que realmente é.
Não é um urso.
Eu não sei o que é.
Eu observo, com os olhos arregalados de horror, enquanto a criatura, seja
lá o que for, avança para a pequena área em que estamos. É mais alta do que
todos nós, sua pele manchada e pálida. Ele anda sobre duas pernas enormes
como um humano, mas tem pelo menos seis braços ao longo da parte superior
do corpo. Onde estariam as mãos, elas são pontas, como as pontas das pernas
dos insetos. Não há rosto claro, mas há duas bocas. Uma onde deveria estar o
rosto e a outra ao longo do tronco. Ambas estão bem abertas, revelando fileiras
e mais fileiras de dentes afiados e línguas que ondulam pelo ar como uma
espécie de alienígena. À medida que se move, a coisa deixa um rastro como o
de uma lesma. O cheiro... Porra, o cheiro é horrível e faz meu estômago revirar.
A criatura não perde tempo. Eu vejo isso antes de Jack e Liam, mas eles
ouvem sua aproximação. Fico congelada enquanto a criatura vai atrás de Liam,
a pessoa mais distante do nosso grupo. Ele está apenas alguns passos atrás de
Jack, mas isso é tudo que precisa. Liam grita, o som de puro terror que
assombrará meus pesadelos, enquanto a criatura o atravessa pelo abdômen
com uma de suas pernas, a boca no topo silenciando seu grito enquanto morde
sua cabeça.
Jack tropeça para trás, em minha direção, e diante de um inimigo pior,
não nos importamos mais um com o outro. Não importa o problema que
tenhamos, não importa o meu dever, o instinto avassalador de fugir do
monstro está na vanguarda de nossas mentes.
Nunca vi nada parecido, não fora dos programas de televisão fictícios.
Eu levanto minha arma e miro na coisa enquanto ela despedaça Liam, ambas
as bocas se empanturrando de comida. Minha mão treme.
Jack dá um passo para trás, em minha direção, e a criatura se vira ao ouvir
o som, suas bocas ensanguentadas se abrindo em um rugido. Nenhum de nós
fica por perto para saber se ainda está com fome. Como um só, Jack e eu nos
viramos e começamos a correr por entre as árvores desconhecidas, nenhum de
nós sabendo um destino ou mesmo onde poderíamos ir em segurança. Tudo o
que sabemos é fugir.
À minha frente, Logan corre, olhando para trás de vez em quando para
ter certeza de que estou seguindo, protetor mesmo diante do monstro. E isso
me diz tudo que preciso saber.
Se o carcaju estiver correndo, é melhor correr.
O mais rápido que pudermos.
Capitulo 7

— Sua maldita bruxa, — Jack cospe enquanto corremos, claramente


ainda pensando que tenho algum controle sobre o que está acontecendo.
— Você é um idiota, — eu ofego. O suor começa a escorrer pela minha
espinha, encharcando minha camiseta e o colete à prova de balas que estou
usando. Pelo menos tenho um pouco de proteção extra, mas não vai me
adiantar nada com esse monstro.
Apesar de tudo, o monstro não parece ser sobrenaturalmente rápido,
mesmo que esteja se aproximando de nós. Pelo menos não sobe nas árvores
como uma aranha. Eu poderia ter morrido naquele momento, se isso
acontecesse.
Jack e eu estamos correndo lado a lado, ambos correndo com uma arma
na mão, sem saber para onde estamos indo ou que direção devemos seguir.
Tudo o que sabemos é que precisamos fugir.
— Eu não estou morrendo por causa de algum lixo de guarda,— Jack
murmura através de sua exaustão lentamente crescente. Parece que o querido
e velho líder não está em tão boa forma como costumava estar.
— Apenas corra, seu idiota, — eu digo de volta, me esforçando mais.
Tenho pelo menos sete quilos extras de peso no corpo, mas tenho feito
treinamento físico constantemente desde que me tornei guarda. Estou
acostumada a correr 5 km com colete pesado, então é mais fácil trabalhar com
ele.
Ele olha por cima do ombro, arregalando os olhos com o que vê.
— Desculpe, bruxa. Sem ressentimentos.
Olho para ele confusa pouco antes de ele me empurrar com força para o
lado. Vou cair antes que possa me conter, meus braços se estendendo para
segurar a queda. O tempo que vou levar para me levantar, para correr, é uma
sentença de morte. A criatura estará em cima de mim antes que eu possa me
mover. Então, com minha arma apontada, miro na criatura enquanto ela se
aproxima, preparada para atirar bem na boca do filho da puta. Se vou morrer,
não será sem luta.
Logan, para seu crédito, para comigo e se posiciona na minha frente, com
os ombros bem abertos, preparado para me proteger. Lealdade é uma coisa tão
rara.
— Vá em frente, — eu sibilo para o carcaju. — Salve-se.
Mas Logan não se move. Ele nem olha para mim enquanto o monstro se
aproxima, e mais perto, e mais perto.
Meus ombros ficam tensos. Meus dedos pressionam suavemente o
gatilho. A coisa está quase bem em cima de nós, os membros mortais
balançando, aquelas grandes bocas abertas em um rugido.
Seis metros.
Quatro metros.
Dois metros.
Respiro fundo.
O monstro está a um metro e meio de distância, correndo em nossa
direção...
... e então continua passado.
Eu pisco em confusão, meus olhos seguindo o estranho monstro
enquanto ele passa por Logan e eu e vai atrás de Jack. Ele grita de horror ao
perceber que o monstro ainda está vindo, se esforçando mais, mas a distância
está diminuindo. Meu único pensamento é que a criatura deve ter pensado que
eu estava ferida e que poderia voltar para me buscar. É gananciosa, quer a
refeição completa em vez de desistir.
Arrastando-me para ficar de pé, seguro minha arma na minha frente,
entendendo que não serei capaz de fugir dela. Observo enquanto a criatura dá
um rugido de triunfo e derruba Jack no chão, seus gritos estridentes. Seu rifle
dispara, mas o tiro sai longe quando os braços atingem seus ombros, o mesmo
ombro em que eu já havia atirado nele. A cena sangrenta me faz querer vomitar
enquanto o monstro enfia os braços afiados repetidamente no corpo de Jack.
até que ele fique em silêncio. Só então as duas bocas festejam, os sons úmidos
e crocantes alcançando meus ouvidos de uma forma que sei que vou passar
mal se sobreviver a isso e pensar nisso mais tarde.
Logan fica na minha frente em uma pose defensiva enquanto o monstro
se endireita e se vira para mim. Deve lembrar-se que estou aqui, que há outra
refeição fresca por perto. O sangue escorre da boca pelo corpo, como se ele
tivesse tomado um banho horrível. Tudo em mim se revolta contra a visão,
com a realidade do que estou vendo. Isso não deveria ser real. Caí para trás em
Yellowstone e bati a cabeça, e isto é apenas um estranho sonho febril.
Minha arma está apontada diretamente para a segunda boca da criatura.
Presumo que haja um coração em algum lugar e mirar na maior parte de seu
corpo significa que conseguirei o máximo de golpes antes que ele me alcance.
Só tenho nove cartuchos e nove balas para derrubá-lo. Eu tenho que fazê-los
contar.
O monstro começa a me perseguir, avançando lentamente, preparando-
se para atacar. Estou pronta. Eu sou uma lutadora, então isso não é novidade.
Não importa o que eu esteja lutando, não vou cair chorando.
Desta vez, minha mão está firme.
— Você está pronto, Logan? — Eu pergunto. Estamos nisso juntos, goste
eu ou não. Ele não vai me deixar aqui.
Minha resposta é uma pequena risada.
O monstro se ergue sobre os quartos traseiros e solta um rugido horrível,
tão alto que tenho certeza de que as árvores devem tremer. E então ele começa
a vir em minha direção, correndo desajeitadamente sobre duas pernas, como
se preferisse usar os braços. Eu me preparo, meu dedo pressionando um pouco
o gatilho, preparada para descarregar meu pente em suas bocas feias. Está
muito longe agora, minhas chances de acertá-lo com todos os tiros são
menores, então espero, inalando profundamente e puxando o ar pelo nariz.
O grito da minha direita me pega desprevenida.
Por um momento, o pânico de que possa haver um segundo me enche,
mas quando a criatura responsável pelo som sai das árvores e derruba o
monstro no chão, percebo que não é uma criatura.
É um homem.
Um maldito homem enorme.
Ele é mais alto que eu, sem dúvida. Seus ombros são tão largos que me
pergunto o quanto ele tem que trabalhar para ser tão grande. Ele literalmente
dá um soco na boca superior do monstro, quebrando dentes, cortando sua
própria mão enquanto a boca inferior o ataca e tenta morder seu torso.
Observo, extasiada, enquanto o homem literalmente espanca o monstro até a
morte com os punhos nus. Ele bate nele uma e outra vez, o monstro fazendo
sons de angústia a cada golpe antes de tentar fugir e não conseguir. O homem
continua atacando. Somente quando a coisa se transforma em uma polpa
sangrenta e para de emitir sons é que ele faz uma pausa em sua brutalidade.
Ele olha para baixo, como se só agora percebesse o que fez, antes de se levantar.
Quando ele se vira para mim, consigo vê-lo claramente e o terror me faz
apontar minha arma para ele.
Se eu dissesse que ele era grande antes, quando ele se levanta e olha para
mim, isso apenas revela o quão enorme ele é agora. Tenho que olhar para ele
mesmo desta distância, e estamos a pelo menos quatro metros e meio de
distância. Tatuagens cobrem sua pele, aparecendo sob os respingos de lodo
preto que deve ser o sangue do monstro. Ele tem barba e cicatrizes percorrem
sua pele em lugares que posso ver. Ele não está vestindo camisa, revelando
quantos músculos ele realmente tem. Deveria ser sexy, mas o olhar bestial em
seus olhos torna impossível vê-lo como algo que não seja uma ameaça.
O estranho dá um passo em minha direção e o pânico me faz fazer algo
que não esperava fazer. Eu disparo a pistola em minha mão.
Só uma vez. Apenas uma única bala. E miro em seu ombro, não
exatamente querendo matá-lo, mas querendo debilitá-lo para que eu possa
fugir.
A bala atinge bem o ombro que almejo.
Seu grunhido de dor e falta de grito me prepararam para atirar
novamente.
— Fique para trás — ordeno, segurando minha arma com firmeza. — Ou
eu atiro de novo.
O homem olha para mim, estuda minhas roupas e meu cabelo rebelde,
olha para Logan, onde ele está rosnando. Ele é ameaçador, intimidante apenas
pela sua presença, e acho que é isso. Ele está prestes a me matar.
No momento em que estou me preparando para lutar contra o próximo
monstro, ele balança a cabeça e se vira para ir embora.
Eu pisco para suas costas recuando.
Capitulo 8

A Floresta Grimm irá a merda, penso comigo mesmo balançando a


cabeça. Olho para a ferida em meu ombro, aquela que será curada dentro de
um dia, e faço uma careta. A dor surge quando viro meu ombro, minha
tentativa de desalojar a bala em meu braço da estranha arma que a mulher
carrega, mas ela permanece parada. Perfeito.
Meus dias estão cada vez melhores, ao que parece. A tentação de revirar
os olhos diante dos meus próprios pensamentos é forte, mas ainda há a questão
da mulher atrás de mim da qual eu deveria me afastar e da estranha criatura
ao seu lado.
As malditas feras e monstros estão ficando ousados, abrindo caminho
através de Grimm e deixando um rastro de sangue em seu rastro. Embora eu
pouco me importe com quem eles matam em sua sede de sangue, ainda é meu
trabalho distribuir a punição por quebrar as leis, seja para os pagãos ou para
os monstros.
Grimm sabe que o inútil Rei Sapo não está fazendo nada para deter os
monstros como deveria.
Então, novamente, também não estou fazendo muito. Acontece que eu
estava no lugar errado na hora errada. E agora há um pedaço de metal no meu
ombro para ajudar a mulher. Porca ingrata.
— Ei, espere! — A mulher em questão chama atrás de mim.
Eu rosno ao ouvir o som dela perseguindo, sua estranha criatura
correndo junto com ela. Não me viro para olhar para ela ou para a fera. Já
passei muito tempo na companhia deles.
— Espere!
— Vá embora, — eu rosno. Quando outra pontada de dor atravessa meu
braço, estendo a mão e examino o ferimento com um dedo, cavando dentro do
buraco com um grunhido para tentar desalojar a bala. Posso sentir o metal, mas
é claro que está um pouco alojada no osso. Pelo amor dos Deuses.
— Você não pode simplesmente vir, salvar minha vida, levar um tiro e
depois sair furioso! — Ela rosna de volta.
Pequena humana mal-humorado.
Eu bufo.
— Me veja.
Ela solta um suspiro, claramente já cansada de fugir da lesma empolada,
mas eu não me importo. Fiz um favor a ela, do qual já me arrependo. O mínimo
que ela pode fazer é me deixar em paz.
— Se você não vai me matar, eu deveria ajudar com a bala — ela
responde, com culpa em suas palavras.
Ela finalmente percebeu que eu estava lá para ajudar e não para
machucar, mas não posso culpá-la. Coberto como estou pelo sangue de lesma,
faço uma imagem intimidante. Inferno, inimigos maiores foram ameaçados
por mim. Eu não a culpo exatamente por ter atirado em mim depois da imagem
que fiz. Ela sopra o ar para tentar acompanhar, claramente lutando para fazê-
lo.
Pena que não me importo.
— Eu não preciso de ajuda. Vai curar.
— Ei! — ela rosna. Quando continuo andando, ela grita: — Ei, idiota!
Faço uma pausa diante do insulto e respiro fundo para acalmar a
brutalidade que está sob minha pele. Lentamente, olho para ela por cima do
ombro, observando a bela imagem que ela faz com seu cabelo castanho em
volta do rosto e a expressão feroz ali. Aqueles olhos castanhos brilhantes
brilham para mim, a culpa é substituída pela raiva. Espero ela falar.
— Você poderia pelo menos me dizer onde diabos eu estou? — ela
pergunta, guardando sua arma.
Eu não me preocupo em dizer a ela para manter isso fora. Ela descobrirá
isso em breve.
Estudando suas roupas, percebo que não se parece em nada com o que
as pessoas de Grimm usam. Ela está usando calças que abraçam seu formato
de uma forma que deixa pouco para a imaginação. Sua forma é curvilínea e
musculosa, como se ela trabalhasse sua força com frequência. Ela é um pouco
volumosa na parte superior, mas percebo que é por causa das muitas camadas
de roupas, e não por seu formato real. Ela está usando algum tipo de armadura.
A beleza que vejo me faz querer me afastar dela mais rápido.
— Floresta Grimm — finalmente respondo.
Vejo o momento em que a resposta chega, mas ainda há confusão aí.
Com hesitação, ela pergunta: — E em que país é isso?
— Mundo — eu corrijo.
Ela pisca. — O que?
— Eu disse, mundo. — Balanço a cabeça diante de sua óbvia falta de
coerência. — Grimm é seu próprio mundo.
Ela não diz nada, seus grandes olhos apenas me encaram como se eu
tivesse brotado uma segunda cabeça como uma hidra.
— Suspeito que você não é daqui, então aqui vai um aviso — ofereço. —
Evite qualquer coisa que tente te matar. Não acredite em ninguém. — Inclino
a cabeça em respeito porque ela sobreviveu à lesma por mais tempo do que
qualquer ser humano deveria. — Boa sorte.
Então olho para frente e continuo meu caminho.
Capitulo 9

Outro mundo.
Olho para as costas do homem enquanto ele continua sua retirada, suas
palavras flutuando em minha mente. Estou em outro mundo, diferente do
meu. O que significa que a outra floresta provavelmente era diferente desta.
Não tenho tido muito tempo para assistir ao noticiário ultimamente, mas
certamente se houvesse pessoas desaparecendo em outros mundos, eu teria
ouvido alguma coisa, certo?
Se houvesse buracos aleatórios rasgando os mundos e engolindo
pessoas, certamente haveria relatos. Não consigo pensar em uma única menção
de alguém sobre algo assim.
Não que eu passe muito tempo perto de outras pessoas. Só Orlando, e ele
quase não fala sobre outra coisa senão anime e os últimos jogos esportivos.
Não tenho ideia do que fazer ou para onde ir. Se estou realmente em
outro mundo, meu conhecimento é limitado. Não sei como é este lugar -
embora a lesma empolada seja uma boa introdução - e certamente não conheço
ninguém que possa ajudar. A única coisa que sei é que o homem que se afasta
de mim é a única conexão para possíveis informações.
— Como faço para voltar para onde vim? — Exijo, movendo-me para
segui-lo novamente.
Ele suspira como se eu fosse o maior inconveniente do mundo. Para ele,
provavelmente sou.
— Não sei.
— O que você quer dizer com você não sabe? — Eu rosno.
Ele para e gira em minha direção, me forçando a parar e dar um passo
para trás diante do tamanho dele.
— Olha, mulher — ele grunhe. — Eu salvei sua vida e você me
recompensou com uma bala no meu ombro. Eu não posso te ajudar. Encontre
outra pessoa que possa e me deixe em paz.
Meu nariz torce de raiva e a famosa cabeça quente que meu pai
costumava dizer que eu tinha ganha vida.
— Eu atirei em você porque você olhou para mim como se fosse me fazer
em pedaços! — Eu indico. — Perdoe-me por ser cautelosa depois que um
monstro literal tentou me comer.
— E agora estou com uma bala no ombro — ele repete, com o próprio
rosto franzido de raiva. Seus olhos brilham, como se a tentação de me destruir
ainda estivesse lá. — Sua gratidão está anotada.
— Eu deveria ter mirado na sua bunda — resmungo, e um músculo se
contrai no canto de seus lábios, como se ele quisesse rir, mas fosse macho alfa
demais para fazê-lo. — Olha, — eu suspiro. — Obrigada por parar o... seja lá o
que isso fosse...
— Lesma empolada — ele oferece surpreendentemente.
— Sim, claro. Que seja. Mas estou tentando voltar ao meu... mundo, então
se você pudesse me dizer uma maneira de fazer isso, vou deixá-lo com sua
jornada agressiva e taciturna.
Ele me estuda como se eu fosse uma criatura que ele não consegue
entender. Nós dois somos humanos, mesmo que ele seja enorme e idiota.
Certamente, ele pode me ajudar. Alguém que assume tanta presença e tem o
poder de socar um monstro até a morte deveria saber de alguma coisa. Ele
parece alguém acostumado a estar no comando.
— Não posso ajudar você — ele repete, apertando a mandíbula.
— Não pode ou não quer?
Olhando para mim, ele mostra os dentes como uma fera. Logan reage da
mesma forma, rosnando com a ameaça, claramente confuso se estamos
olhando para o homem como um inimigo ou um amigo.
— Ambos.
Virando-se, o homem continua sua jornada, sua bunda extremamente
bonita atraindo meus olhos por uma fração de segundo antes de eu me castigar
pelo deslize. Só porque ele é atraente não significa que ele não seja um idiota.
Eu o vejo partir, sabendo que ele provavelmente é a única pessoa que
pode me ajudar a chegar em casa. Não sei se ele realmente não sabe como
ajudar ou apenas se recusa porque é apenas um idiota, mas na verdade só
tenho uma escolha e quanto mais ele se afasta de mim, menos tempo tenho
para fazer a minha decisão. Realmente não há muito tempo e não posso
continuar a me destacar nesta floresta com coisas como lesmas empoladas à
solta.
— O que você acha, Logan? — Pergunto em um sussurro, olhando para
ele. — Devemos seguir caminhos separados ou seguir o grande macho alfa
grunhido em sua caminhada taciturna?
Logan bufa e olha para o homem e de volta para mim, me dando a
resposta.
— Siga-o então. Tente ficar quieto para que ele não nos pegue.
Espero até que ele esteja longe o suficiente antes de começarmos a
rastreá-lo pela floresta, minhas habilidades como guarda florestal são úteis
pelo menos para alguma coisa. Talvez eu encontre alguém que possa ajudar ao
longo do caminho. Talvez eu seja comida por outra lesma empolada. De
qualquer maneira, não há escolha. Eu tenho que seguir a besta de um homem
mais profundamente em seu mundo.
Só enquanto o seguimos é que percebo o quão silenciosa a floresta fica
quando ele passa.
Um predador...
Capitulo 10

Eu rastreio o estranho pela floresta, ficando longe o suficiente para que


ele não possa nos ver e eu não possa vê-lo. Ser guarda florestal e ter experiência
em rastrear animais tem suas vantagens. Embora o homem provavelmente
pudesse evitar ser rastreado se quisesse, dependendo de quão leve ele é, ele
não está tentando esconder seu caminho. É como se ele fosse uma ameaça
maior do que qualquer outra coisa na floresta e não se importasse com quem
sabe disso.
Ele provavelmente é a maior ameaça.
Mesmo assim, sou tola o suficiente para continuar rastreando-o por uma
floresta que não reconheço. Floresta Grimm. Um nome tão estranho para um
mundo inteiro. Não posso fingir que entendo a mecânica de outros mundos ou
dimensões múltiplas ou o que quer que seja, mas sei que preciso voltar para
casa. Os outros provavelmente estão muito preocupados tentando descobrir o
que aconteceu comigo e com os caçadores furtivos.
Enquanto rastreio o estranho, observo a vida selvagem que fica em
silêncio quando ele passa, mas desperta novamente quando chega até mim. Há
insetos aqui que eu nunca vi antes. Faz sentido que houvesse depois de
encontrar a lesma empolada. Eu vejo uma pequena criatura tipo borboleta
ganhar vida na minha frente. Logan cantarola enquanto ela voa e dança, mas
só consigo me concentrar no padrão de olhos em suas asas. Tantos olhos nas
sombras de um arco-íris. Esta borboleta certamente foi feita para se destacar.
Fico tentada a segurar o dedo até perceber que o corpo da borboleta é mais
parecido com uma aranha do que com um inseto.
Uma aranha com asas.
Os pelos dos meus braços se arrepiam novamente quando percebo o que
é e corro, seguindo o estranho pela floresta para não ser comida por qualquer
outra coisa que possa decidir que pareço um bom jantar. Duvido que o homem
volte e me salve uma segunda vez depois que eu atirei nele.
Finalmente, a floresta começa a diminuir um pouco e, quando me
endireito depois de verificar se há galhos quebrados no chão, fico cara a cara
com um dos castelos mais lindos que já vi. Meu queixo cai enquanto olho para
a estrutura de pedra até a qual o estranho caminha, abre a porta e a fecha atrás
de si. Tão grande quanto seu dono, o castelo fica no alto de uma colina, com
pedras tão escuras quanto qualquer lápide. As lamparinas ao longo das
paredes piscam e dançam com a luz, pois a fonte de luz tem vontade própria.
Aperto os olhos para ver melhor, mas não consigo dizer nada desta distância.
O terreno ao redor do castelo é indomável, como se alguém tivesse desistido
há muito tempo de cuidar do gramado e dos jardins. Manchas de grama
crescem ao longo do caminho e degraus de paralelepípedos, marcando cada
lugar onde a natureza está tentando recuperar o que é dela. Pela experiência,
não demora muito para que essas coisas aconteçam.
O ar está silencioso, nenhum som vindo do castelo. Algo tão grande, eu
presumo que haveria atividades movimentadas, trabalhadores correndo para
fazer suas tarefas, mas não há nada. Talvez o castelo não esteja mais em
serviço? Mas então por que o estranho entrou se ninguém mora lá?
Há pelo menos um milhão de degraus - um exagero, mas que eu
mantenho - para chegar ao topo da colina onde fica o castelo e já estou com
medo da subida. Tudo dá a mesma sensação de um poema de Edgar Allen Poe
e, de alguma forma, parece se adequar ao homem taciturno que invadiu o
interior como se tivesse coisas melhores para fazer.
Mas esse silêncio me diz que não há nada aqui, nada vivo que eu possa
ver. O próprio castelo exala seus últimos resíduos, como se fosse realmente a
lápide com a qual suas pedras se assemelham. À distância, posso ouvir o
menor sinal de ondas quebrando, mas nenhum pássaro marinho grita lá em
cima, como se eles evitassem a área. Não tenho certeza no que vou me meter
se decidir seguir em frente.
Percebendo que não há muita escolha, começo a temida subida da escada
eterna. Ainda estou cansada depois do encontro com o monstro, então minhas
pernas começam a doer quase imediatamente. Foi um longo dia, que espero
terminar na minha própria cama, mas não tenho certeza se as chances de isso
acontecer são grandes. Afinal, nem sei como voltar, muito menos quando
chegarei lá.
Logan sobe as escadas ao meu lado, seu tempo sendo gasto como um
animal de estimação, quando até ele começa a parecer cansado. Pobre coisa.
Esperançosamente, poderemos fazer uma pausa em breve. Ele merece um
descanso depois de tudo que passamos nas últimas horas.
Leva o que parecem horas, mas na verdade são apenas cerca de vinte
minutos para chegar ao topo da escada e ficar de frente para a grande porta de
madeira que serve de entrada. Esta é a porta pela qual o homem desapareceu.
Fico olhando para ela, suando tanto que preciso afastar o cabelo do rosto para
me sentir melhor. Estou em boa forma, mas aquelas escadas deixariam até os
atletas mais aptos em alerta.
Fazendo uma pausa para estudar a porta, noto a madeira lascada onde
deveria estar uma aldrava. É quase como se existisse uma ali, mas não exista
mais. As luzes, tão próximas, dançam igualmente, e quando olho mais de
perto, parece que há pequenas criaturas lá dentro. Apertando os olhos e
inclinando-se, a criatura na lamparina percebe que estou olhando e mostra os
dentes afiados para mim enquanto sibila. Recuo surpresa, quase engolindo a
língua. Não mexa com as lamparinas. Entendi.
Quando olho novamente para a porta, percebo que não olhei para baixo.
Ali, esculpidas na madeira com letras nítidas e brutais, estão palavras. Eu me
inclino mais perto, com a testa franzida, enquanto as vejo na escuridão
crescente.
— Grimm cairá. Os Lordes devem se levantar — li em voz alta, olhando
para Logan. — O que você acha que isso significa? — Logan não me responde,
como nunca faz, e eu balanço a cabeça. — Bem, acho que deveria pelo menos
tentar a porta, certo? Vale a pena experimentar.
Exceto que não há alça.
Empurro a madeira e, quando isso não funciona, tento puxá-la para mim.
Nenhuma das opções funciona. Qualquer que seja a fixação usada, não está
disponível para mim do lado de fora.
O som das ondas do mar batendo contra uma praia distante chega aos
meus ouvidos mais alto aqui, mas preciso entrar no castelo. O homem pode
não querer ajudar, mas talvez haja algo dentro de seu castelo que possa. Se
tudo mais falhar, posso encurralá-lo e exigir que ele me ajude depois de invadir
sua cozinha. Estou morrendo de fome.
— Nossa melhor aposta é entrar furtivamente — digo a Logan, como se
ele entendesse uma palavra do que digo. Claro, ele nunca confirma
verbalmente que pode ou não, mas se alguém não está falando com seus
animais como pessoas, então o que eles estão fazendo com suas vidas? — Na
pior das hipóteses, ele ficará com raiva porque o seguimos e nos matará. Na
melhor das hipóteses, ele nos dará o jantar.
Em resposta, meu estômago ronca, exigindo a comida.
Juntos, Logan e eu nos movemos pelo castelo, mantendo-nos próximos
às paredes, procurando uma maneira de entrar. As janelas são altas demais
para que eu possa alcançá-las com um simples salto. Terei que encontrar algo
em que me apoiar para chegar aos mais baixos e, mesmo assim, precisarei dar
um salto bom e sólido para chegar ao peitoril. Todas as outras pequenas portas
que encontramos estão trancadas por dentro e são impossíveis de serem
abertas. As fechaduras são filhas da puta pesadas. Pensei em escolher uma
delas, mas esse nunca foi meu forte. Eu acabaria sentada ali por horas tentando
fazer a mágica acontecer e nunca teria sucesso.
Suspirando, dou um passo para trás e olho para a janela acima da minha
cabeça. Percebendo o quão longe é, procuro ao nosso redor algo em que me
apoiar. Há um grande toco atrás de mim, provavelmente deixado para trás
depois de uma árvore derrubada. É enorme e precisarei de todas as minhas
forças para movê-lo, mas deve ser possível e nos dar o alcance que precisamos.
Talvez.
Porém, primeiro olho para Logan com as sobrancelhas levantadas.
— Acha que pode me dar um impulso?
Ele olha para mim como se eu fosse louca, tudo bem, vou admitir. Mesmo
que o carcaju de alguma forma realmente me desse um impulso, eu ainda não
seria capaz de alcançar a janela.
— Ok, ok, — eu suspiro. — Já que você não tem polegares oponíveis,
acho que cabe a mim nos levar até lá. — Eu estreito meus olhos. — Mas
primeiro, você acha que posso jogar você na janela, entraar e destrancar uma
porta para mim? — Ele ri. — Sim, eu sei que você não é Lassie, mas valeu a
pena tentar. — Esfrego as mãos. — Novo plano. Empurramos aquele tronco
contra a parede e eu subo nele. Então vou jogar você lá dentro e me içar depois.
Vou até o grande toco a apenas quinze metros de distância, mas sei que
mesmo a pequena distância será difícil. Usando toda a minha força para
empurrar, o toco mal rola em direção à parede de pedra, seu peso é tão pesado
que ele não quer se mover. Provavelmente por que foi deixado aqui, penso
comigo mesma.
Demora muito tempo para que o tronco seja empurrado para perto o
suficiente e outros dez minutos para que a coisa fique de pé. Quando subo no
topo, ainda estou abaixo do peitoril. Eu pulo, alcançando a borda, apenas para
descobrir que mal consigo agarrá-la. Não teremos muitas tentativas. Meus
membros estão começando a ceder de exaustão.
— Logan, venha aqui, — eu sussurro, gesticulando para ele subir no toco.
Quando ele faz isso, eu o levanto em meus braços e me espreguiço. — Agarre-
se à borda. Encoste-se para que eu possa pular atrás de você.
Logan se estica acima de mim, mas o idiota ganhou peso desde que o
peguei, então meus braços começaram a tremer quanto mais ele se estica até a
borda.
— Porra, pegue! — Eu rosno, empurrando com mais força. Quando sinto
seu peso diminuir, suspiro e observo enquanto ele sobe na beirada e olha para
mim. — Se eu não consigo me levantar agora, a culpa é sua por demorar tanto,
— resmungo enquanto me espreguiço e me preparo.
Só depois de esticar os ombros é que respiro fundo e olho para onde
Logan está sentado esperando por mim.
— Aqui vai nada.
Dobro os joelhos e então, com tudo o que me resta, salto. Meus dedos
agarram a borda da janela e seguram, até que estou pendurada na lateral do
castelo. Usando minhas botas contra a pedra, eu me puxo, levantando-me o
mais forte que posso, determinada a conseguir. Meus músculos gritam em
protesto, meu corpo implora por uma pausa, mas agora não é o momento.
Assim que resolvermos as coisas, poderei descansar.
A menos que eu morra primeiro. Então descansarei bastante.
Logan se move na grande saliência enquanto eu levanto até as axilas e
respiro lá por um segundo, tentando reunir toda a força que me resta, antes de
me puxar mais para cima. Logan fica no caminho no momento em que coloco
minha cintura na borda, e tento abrir espaço, mas ele começa a arranhar a
borda, prestes a cair para fora novamente. Eu o agarro, mas isso tem um custo.
Nós dois caímos lá dentro. Felizmente, o chão não fica longe da borda da
janela, então caímos apenas cerca de um metro, mas ainda sinto dor no meu
ombro quando caio. Fiquei ali deitada, ofegante e olhando para o chão de
pedra, tentando me recompor novamente, quando olho para cima.
Botas.
Há botas bem na minha cara.
Lentamente, olho para cima, para cima, para cima, para cima, e vejo o
estranho olhando para mim, os braços cruzados sobre o peito largo, a
expressão dura.
— Você deve desejar morrer — ele diz, sua voz é o rosnado mais
profundo que já ouvi.
Paro de respirar.
Capitulo 11

— Eu posso explicar, — eu começo, sorrindo apaziguadoramente para


ele.
Ele apenas levanta a sobrancelha para mim, esperando com expectativa,
então eu rapidamente pulo da minha posição e limpo a poeira. Meu uniforme
está começando a parecer desgastado, mas é a menor das minhas preocupações
agora. Preciso convencer o grande estranho a me ajudar antes que ele decida
que é melhor me matar.
— Você se recusou a ajudar, então decidi apenas segui-lo. — Quando ele
ainda não respondeu, acrescentei: — Olha, você não me deixou nenhuma
opção. Estou em um mundo desconhecido sabe-se lá onde e você é a única
pessoa que conheci além daquele monstro. Você poderia ter me ajudado, mas
não o fez, então aqui estamos.
Ele abaixa os braços, a fúria enchendo seus olhos de uma forma que
posso realmente ver. Não dou um passo para trás, mas meus instintos gritam
comigo quando aqueles ferozes olhos prateados focam em mim.
— Eu não me importo com quais são suas opções. Saia da minha casa —
ele ordena.
— Apenas me aponte na direção certa, — eu rosno. — O que há de tão
difícil nisso?
— Lidando com você — ele cospe, dando um passo à frente.
Ainda assim, nunca fui alguém que desiste de uma luta, não importando
as probabilidades contra mim. Então também dou um passo à frente, embora
não haja muito espaço para isso. Só quando me movo é que percebo que estou
encostada na parede e que ele está bem na minha frente. Realmente não há
para onde ir.
Enquanto ele paira sobre mim, percebo o quão atraente ele realmente é.
Mesmo com aquela raiva brilhando em seus olhos, a forma como seu cabelo
cai sobre sua testa me faz querer estender a mão e afastá-lo. Os piercings em
suas orelhas me incentivam a brincar com eles. A pequena tatuagem de âncora
em seu rosto me implora para localizá-la. Os que estão ao longo de seus ombros
pedem para serem traçados com minha língua.
É uma direção de pensamento totalmente errada porque esqueço que
deveria estar com raiva de volta, que deveria estar exigindo ajuda.
— Saía! — ele rosna.
— Faça-me, — eu cuspo de volta antes de saber o que estou fazendo. A
percepção de que ele poderia facilmente me matar, e ainda me fazer sair de seu
castelo, me atinge, mas eu já coloquei o desafio lá fora. Acho que vou cair se
ele decidir me jogar pela janela ou, pior, me estripar como um peixe.
Seus olhos prateados brilham perigosamente, e ele dá um passo à frente,
me forçando a recuar até que eu esteja contra a parede, aquele poder girando
ao seu redor como um raio, embora eu não consiga ver nada no ar. É como
eletricidade estática, uma aura que não posso tocar, mas que me toca. E fico
envergonhada com a inundação que acontece entre minhas coxas quando ele
bate os punhos contra a pedra de cada lado da minha cabeça, deixando para
trás pequenos amassados.
Tudo isso enquanto eu olho para ele com admiração enquanto ele me
prende.
O filtro entre meu cérebro e minha boca desaparece e estreito os olhos.
— Você está tentando ser sexy agora? — Eu acuso. Porque qual posição
é mais sexy do que essa?
Ele pisca para mim. — O que?
Aponto para seus braços.
— Essa. É um movimento sexy clássico. Em todos os filmes, o macho alfa
prende a mulher e depois se beija, furiosamente de raiva.
Ele pisca novamente, mas a raiva diminui em favor de sua confusão.
— Estou ameaçando você — ele esclarece.
Eu enrugo meu nariz. — Sexualmente?
Ele solta um grunhido agravado e se afasta da parede, abrindo a gaiola
de volta, e tenho vergonha de estar desapontada. Desde quando eu gosto de
me sentir pequena? Desde quando eu gosto de tal desafio e quero domar um
homem fera?
Deus, eu sou uma idiota.
— Qual é o seu problema? — Ele rosna, começando a andar na minha
frente, como se precisasse de alguma forma de aliviar sua irritação. — Você
não é bem-vinda aqui.
— Já entendi, sim — digo, revirando os olhos. — E apesar de
arrombamento, eu também não quero estar aqui, cara durão. Aponte-me a
direção certa que preciso seguir e seguirei meu caminho.
Não menciono o quão exausta estou ou o quanto estou morrendo de
fome. Se ele pelo menos me disser para onde ir, irei embora e pensarei em
abrigo e comida mais tarde. Já sobrevivi em Yellowstone antes. Eu posso fazer
isso.
Estamos nos enfrentando, nos encarando como inimigos em ambos os
lados de uma cidade do oeste, quando uma nova pessoa aparece na esquina.
O homem tropeça e para com os olhos arregalados por trás dos óculos de aros
grandes. Ele está vestindo calça e camisa, casual, mas quando fala é o mais
formal possível.
— Ah, temos companhia! — ele declara. — Bem-vinda, senhora, bem-
vinda. Permita-me trazer uma cadeira para você.
— Não, não queremos — rosna o estranho. — Ela está indo embora,
Morris.
— Oi, Morris — respondo, ignorando o estranho. — Eu sou Belladonna,
mas você pode me chamar de Bell.
— Nome adorável — diz Morris, sorrindo largamente e se aproximando.
— Não seja tão bruto, capitão. Venha. Vamos alimentar a pobre viajante. O
estômago dela está barulhento o suficiente para atrair os pagãos.
Suspiro e mostro a língua para o estranho, o capitão, enquanto Morris
pega meu braço para me levar embora.
— Finalmente alguém com boas maneiras por aqui.
— Você terá que perdoar o capitão — declara Morris. — Receio que ele
tenha esquecido como tratar os convidados.
O capitão em questão nos olha de cara feia, mas não discute, o que me
diz tudo o que preciso saber.
Morris conquistou seu cuidado e respeito muito mais do que eu. O que
significa que Morris é um amigo ainda mais valioso para mim do que o bruto.
Capitulo 12

O cômodo para onde Morris me leva é tão grande e intimidante quanto


o resto do castelo. Embora a casa pareça difícil de manter e um pouco
empoeirada, tudo está em condições imaculadas. O lustre que brilha acima de
nossas cabeças não apenas goteja joias, mas também ostenta mais criaturas com
lamparinas brilhantes acorrentadas à estrutura.
— O que são aqueles seres? — Eu pergunto, olhando para eles enquanto
eles rosnam para nós.
— Fadas de Grimm — Morris oferece. — Se estão aqui cumprindo pena,
cometeram atrocidades. A maioria delas é libertada depois de um certo tempo,
mas muitas encontram o caminho de volta para a punição. — Ele aponta para
uma delas em particular que está pendurada no lustre, quase entediada. —
Aquela sempre acaba aqui. Nunca sai por muito tempo.
— Mas eles são tão pequenos.
— Nunca subestime uma criatura por causa de seu tamanho — alerta
Morris. — As menores criaturas podem ser as mais mortais. Agora sente-se
aqui na ponta da mesa.
Ele me direciona para uma cadeira de encosto alto na ponta da mesa. O
capitão vem atrás de nós e vai para o lado oposto, como se não quisesse discutir
com Morris, mas também não quisesse ficar perto de mim. A cadeira em que
ele se senta está bem gasta, como se ele se sentasse ali todos os dias.
Morris prepara um prato para mim e depois faz o mesmo para Logan,
dando tapinhas no assento para o carcaju se sentar. O calor me enche por ele
incluir Logan dessa forma. O carcaju senta-se alegremente à mesa, olhando em
volta como se não pudesse acreditar que está sendo autorizado a festejar como
um humano. Ele até lambe os lábios.
— Morris, não há necessidade — o capitão se agita com uma carranca. —
Ela estava saindo.
— Bobagem — argumenta Morris enquanto se move pela sala. — Não
podemos mandá-la embora com o estômago vazio.
— Mas ela está feliz em atirar em mim e invadir minha casa e você quer
alimentá-la por isso — ele resmunga.
Morris pisca e finalmente vê o ferimento no ombro do capitão, parecendo
mais curado do que deveria.
— Ah, de fato. Ela teve uma boa chance, não foi?
Mas ele não para seus movimentos. Em vez disso, ele desaparece por
uma porta para deixar eu e o capitão olhando um para o outro. Ele me encara
e eu simplesmente sorrio porque isso parece irritá-lo ainda mais. Que idiota.
Morris irrompe pela porta carregando uma bandeja cheia de pratos.
Quando ele coloca um prato na minha frente cheio de carne e coisas roxas que
parecem batatas, quase choro. O cheiro me atinge e meu estômago ronca mais
alto, exigindo comida. Observo enquanto Morris coloca outro prato com carne
crua na frente de Logan antes de ir até o capitão e deixar cair seu próprio prato.
Morris não desaparece depois, entretanto. Ele coloca um quarto prato no meio
e se senta em seu lugar, a ponte entre nós.
— Peço desculpas pela comida estar um pouco sem brilho — diz Morris.
— Sou o único que cozinha e o Capitão não costuma preferir muito mais do
que as refeições simples.
Eu aceno suas palavras. — Tem um cheiro incrível. Obrigada.
Logan come seu prato ao mesmo tempo que eu. Sua mastigação me irrita,
mas além de um tremor nas pálpebras, sou capaz de ignorá-lo. O Capitão rasga
o próprio prato, come-o sem talheres, espetando a carne com os dedos e
levando-a aos lábios. Ele não está bagunçado com isso, mas ainda é uma visão
estranha, considerando o quão chique o castelo é.
— A propósito, meu nome é Bell — ofereço depois de me fartar. Ele
grunhe, mas não responde. — Seu nome?
Morris olha entre nós e quando o capitão não responde, ele pigarreia. Só
então ele responde.
— Capitão Barba Azul — ele resmunga.
— E daí? — pergunto, apontando o garfo para ele. — Eu deveria chamá-
lo de capitão?
Ele zomba. — Eu não me importo como você me chama.
Eu sorrio. — Tudo bem, Barbudo.
Ele para de comer e olha para mim.
— Eu mudei de ideia. Você deve me chamar de capitão.
— Você não tem primeiro nome?
Quando ele e Morris param, percebo que posso ter atingido um ponto
sensível, mas não sei como consertar.
— Nada que importe — ele finalmente responde. Há uma tristeza na
admissão, como se houvesse uma história ali, mas já pelo nosso
relacionamento, duvido que seja algo que ele estaria disposto a me contar.
Logan arrota e eu torço o nariz para ele.
— Boas maneiras, Logan. Eu te ensinei melhor. — Mas o carcaju
realmente não sabe disso. Nunca ensinei nada a ele, exceto como usar uma
coleira e me trazer o controle remoto da TV.
— Então, vamos falar sobre como você matou aquela coisa...
— Lesma empolada — ele corrige.
— ... lesma empolada com as próprias mãos?
Ele mostra os dentes para mim como um cachorro e Morris ri da
grosseria.
— Que razão temos para falar sobre isso?
— Eu não poderia tê-lo matado com minhas próprias mãos — aponto,
sem ser afetada por sua animosidade. — Inferno, duvido que pudesse tê-lo
matado com minha arma.
— Você fala demais — ele resmunga.
Morris olha entre nós, sua expressão é de contemplação.
— Então você veio de um mundo diferente? — ele pergunta.
Balançando a cabeça, empurro meu prato e suspiro. — Eu vim. Caí aqui
de alguma forma e estou tentando voltar. O Barba Azul aqui está se recusando
a ajudar, então não sei o que vou fazer.
— Recusando-se a ajudar? — Morris repete, horrorizado. Ele olha para
Barba Azul e balança a cabeça. — Eu farei um acordo com você, Bell. Temos
um quarto para você esta noite e...
O rosnado de Barba Azul o interrompe e Morris atira punhais nele.
— É apenas educado. — Para mim, ele diz: — Amanhã, levarei você para
Rough Haven, a cidade mais próxima, e poderemos encontrar alguém que
possa ajudar lá.
Barba Azul bate os punhos contra a mesa, fazendo tudo cair em cima e
eu pulo na cadeira com o som repentino e me levanto. Com um rosnado áspero,
ele se vira e sai furioso da sala como se eu tivesse insultado sua mãe.
— Não ligue para ele, querida — diz Morris com tristeza. — Ele
simplesmente não precisa ser social há muito tempo.
— Por que? — Eu pergunto, curiosa.
Mas Morris sorri gentilmente de um jeito que sei que ele não vai me
contar.
— Há alguns segredos que é melhor deixar enterrados, Bell. — Ele afasta
o prato e se levanta. — Deixe seus pratos aí e eu cuidarei deles mais tarde. Se
você me seguir, vou lhe mostrar seu quarto.
Capitulo 13

O castelo é infinito. Morris me conduz corredor após corredor, Logan aos


meus pés, enquanto atravessa o labirinto como se não fosse um labirinto. Estou
perdida depois das primeiras cinco curvas e começo a suspeitar que a viagem
pretende me confundir antes que Morris pare em uma única porta azul e sorria.
— Ah sim. Aqui estamos. Finalmente.
Ele a empurra e ela se abre com dobradiças silenciosas, apesar da poeira
geral de tudo. Claramente, alguém ainda está cuidando do local, mesmo que
não consiga acompanhá-lo. Uma vez dentro do quarto, no entanto, não há
muita poeira, como se este quarto individual tivesse sido mantido quase todo
limpo.
— Peço desculpas pela poeira — diz Morris com tristeza. — Sou o único
que sobrou e acompanhar a limpeza tem sido impossível. Você é a primeira
convidada que recebemos há algum tempo, mas felizmente, mantive este
quarto apenas para garantir. Receio que você encontre o resto dos quartos
sujos.
— É lindo — penso, olhando ao redor da sala.
A pedra continua pelo quarto, mas ao longo das paredes estão
penduradas tapeçarias e pinturas, todas belas paisagens e cenas. Há um castelo
pintado de brilhante e alegre, uma época que já não existe com clareza. Outra
pintura retrata um grande navio em um oceano violento.
Há uma grande cama de dossel no lado direito, em um estrado. Os
lençóis e a roupa de cama parecem confortáveis, o padrão espiralado em azul
escuro é convidativo. Logan imediatamente pula nele e gira, fazendo para si
um pequeno ninho onde ele se deita. Estou tentada a dizer a ele para tirar o
edredom chique, mas Morris sorri com a visão antes que eu possa falar, então
tenho que assumir que é ok.
— Você pode explorar — continua Morris. — Se alguma porta estiver
trancada, você não deve entrar, entendeu?
Eu olho para ele por cima do ombro. — Existem muitas portas trancadas?
— Não muitas — ele admite. — Mas é melhor ficar longe daquelas que
estão. — Ele olha para o pulso, embora não haja relógio ali, e suspira. — Tenho
muito que fazer antes da nossa viagem de amanhã. Partiremos bem cedo. Você
ficará bem até então?
— Claro — eu digo, gesticulando para ele sair. — Eu posso cuidar de
mim mesma, Morris. Não se preocupe comigo.
Ele concorda.
— Se você se perder, basta seguir as pedras com marcas circulares e
eventualmente elas a trarão de volta aqui. Boa noite. — Ele se curva e depois
sai do quarto, sempre o anfitrião cortês.
Ao contrário do outro anfitrião.
A exaustão me chama para a cama, mas em vez de me deitar, acaricio a
cabeça de Logan, confortando-o para dormir.
— Acho que vou andar um pouco pelos corredores, para dormir melhor
— admito. Minha curiosidade está tomando conta de mim e nunca vou
conseguir dormir com isso puxando meu cérebro.
Não sei explicar, mas algo me diz que preciso dar um passeio, me
movimentar pelos corredores. Alguma parte secreta de mim espera encontrar
o Capitão novamente, mas isso é bobagem. Ele não me quer aqui – ele deixou
isso bem claro – então por que não consigo tirar da cabeça a ideia de fazer
amizade com ele? É uma tolice, mas suponho que não foi a coisa mais tola que
já fiz. Afinal, já persegui caçadores furtivos armados e loucos muitas vezes.
Logan não se oferece para se levantar, então eu o deixo e fecho a porta
atrás de mim. Eu estudo as pedras, de fato vendo um círculo estampado nelas,
e viro à direita na direção oposta de onde viemos. Não sei que instinto sigo ou
por que o tenho de repente, mas vou virando esquinas sem tomar a decisão
conscientemente, uma após a outra, até chegar a um corredor que termina.
Há portas em ambos os lados, a maioria delas destrancadas e cheias de
móveis empoeirados, como Morris prometeu, mas a última porta no final do
corredor está trancada. A porta em si está gasta e envelhecida, mas também
parece bem cuidada. Alguém tem lubrificado a madeira e mantido as
esculturas livres de poeira. Puxo a maçaneta, mas nada acontece. Não dá. Uma
das portas trancadas da qual Morris falou claramente. Apesar de saber que ele
me disse que eu não poderia entrar em nenhuma porta trancada, a curiosidade
me corrói com muito mais força do que nunca. Passando o dedo sobre a
fechadura, percebo que esse tipo de fechadura requer uma chave mestra, e
esses mecanismos geralmente têm uma visão através da qual você pode ver.
Ajoelhando-me, tento espiar pelo buraco da fechadura, minha
curiosidade me dominando, mas não consigo ver nada, exceto a escuridão,
como se o buraco da fechadura estivesse completamente bloqueado.
A porta em si é super ornamentada e decorada, entalhes nas bordas que
não fazem muito sentido até que eu dê um passo para trás. A cena é como uma
batalha épica, um navio navegando pelo oceano lutando contra monstros
marinhos, personagens esculpidos na madeira. Os animais parecem estar
perseguindo o sol no topo e no centro, correndo em direção a ele. A maioria
dos personagens humanos são homens, marinheiros, mas um deles é uma
mulher, com os cabelos esvoaçantes ao vento, separados dos outros. Ela parece
irritada enquanto levanta os braços para o céu, como se estivesse controlando
o mar ao seu redor. Seus dedos alcançam o sol no topo.
— O que você esconde? — Murmuro, olhando para a porta por mais um
momento antes de balançar a cabeça e me virar. — Você está enlouquecendo,
Bell. Apenas siga em frente.
É o que faço, mas a imagem da porta me assombra enquanto sigo os
círculos de volta ao meu quarto. Demora o dobro do tempo para voltar do que
para encontrar a porta secreta, mas, eventualmente, eu a encontro. Percebendo
que há um banheiro ao lado, eu o uso para limpar e tirar as roupas suadas do
corpo. Ainda há mais roupas no banheiro para mim, de alguma forma do meu
tamanho, e há duas opções para escolher. Morris aparentemente pensa em
tudo.
Uma das pilhas de pano é um vestido amarelo que imediatamente deixei
de lado. Embora eu não me importe com vestidos, esta não parece ser a ocasião
para usar algo assim, não quando posso estar lutando contra mais monstros.
O segundo conjunto é uma calça e uma camisa esvoaçante. Essa será minha
opção para amanhã, mas para esta noite, simplesmente pego a camisa
esvoaçante e a visto, usando-a como camisola depois de me lavar.
Volto para o quarto onde Logan está roncando suavemente e percebo que
há uma varanda atrás das cortinas encostadas na parede. Vou até lá e abro as
portas, saindo para o ar fresco da noite. É o paraíso na minha pele. A exaustão
pesa sobre meus ossos, mas ainda inspiro o sal do mar que agora posso ver
batendo na praia abaixo do castelo e fico maravilhada com a sensação que sinto
ao jogar meu cabelo sobre meus ombros. Este cenário, os sons do oceano, posso
ver porque o Barba Azul escolheu este local. É lindo e calmante.
Olhando para a praia, observo um enorme navio encostado ali,
naufragado, mas ainda intacto, aninhado na areia. Enquanto olho para ele,
consigo distinguir uma forma enorme caminhando ao longo da praia,
movendo-se ao redor do grande navio, seguindo ao longo da praia.
A tentação de ir até lá e caminhar com ele é forte, mas em vez disso, volto
para dentro do quarto, fecho as portas e deixo o sono tomar conta de mim
enquanto me aninho em Logan.
Capitulo 14

O Curieux já foi um belo navio, elevando-se acima do mar como a estrela


que é. Grande em estatura e muito mais avançado tecnologicamente do que
qualquer navio de sua época, ou mesmo qualquer navio desta época, ele já foi
um excelente navio. Certa vez, naveguei pelos mares no convés dele,
perseguindo as estrelas que nem sempre eram do mesmo mundo, embarcando
em aventura após aventura com minha tripulação.
E agora ele está na praia como uma lápide. Esta areia marcará seu
túmulo.
Sinto falta do oceano, da liberdade selvagem de navegar em meio a uma
tempestade, das ondas quebrando nas balaustradas e ameaçando varrer
qualquer homem que ousasse não aguentar. Aqueles dias eram muito mais
simples do que são agora. Aqueles dias foram mais felizes.
Mas isso tudo foi antes da maldição e da ruína que isso me causou.
Agora, caminho pela praia, admirando o castelo na colina que serve
como marco e afirmação, estudando o navio que uma vez enfrentou um kraken
e venceu. Ele é um navio poderoso e um dia talvez eu o leve ao mar e nunca
mais retorne, mas já se passaram séculos desde que ele viu água pela última
vez. Talvez eu encontre meu próprio túmulo antes de encontrar coragem para
enfrentar novamente as ondas traiçoeiras.
Mas existem momentos tão traiçoeiros em terra como no mar.
Mesmo agora, estou desafiando o destino ao ter uma mulher em minha
casa. Belladona. Seus olhos brilham quando ela está com raiva, uma bela
mistura de agressão e força. Certa vez, alguém a ensinou como enfrentar
alguém que ameaçava derrubá-la e isso fica evidente.
Mesmo enquanto caminho pela praia, meus olhos vagam até a varanda
que sei que ela usa temporariamente. Não consigo vê-la ali, as portas fechadas,
mas a luz entra pela janela. Se ela fosse esperta, no momento em que tivesse a
chance, ela fugiria o mais longe possível de mim. Apesar da minha curiosidade
e da vontade de falar com ela, sei o erro que isso representa.
Ninguém está a salvo da morte que deixo atrás de mim.
Mas ainda não consigo tirá-la da cabeça, a maneira como ela ficou cara a
cara comigo, a maneira como ela não recuou. Eu sei que ela nunca desistirá,
mesmo que as probabilidades estejam contra ela. Simplesmente observar o
modo como ela procura o caminho de casa com tanta determinação me deixa
em chamas.
Quando foi a última vez que senti tal direção? Quando foi a última vez
que pude encarar uma decisão e escolher?
Sempre preferi as mulheres mansas e doces, as bonecas que precisam de
proteção, mas Belladonna não é nada disso. Ela é fogosa, obstinada e
independente. Eu não percebi o quão sexy essas características poderiam ser,
o quanto é atraente para alguém me olhar nos olhos e estar disposto a lutar.
Isso me faz querer enfrentá-la, lutar com inteligência e prazer, e é aí que reside
o perigo.
Ela precisa ir rápido. Eu não me importo com o que ela precisa.
Preciso que ela saia do meu castelo antes de fazer algo de que ambos nos
arrependemos.
Capitulo 15

— Isso é estúpido, — Cheshire resmunga atrás de mim. — Já viajamos


por todo o mundo e não conseguimos encontrar essa pessoa de quem alguém
fala. Ele não está aqui.
— Ele está aqui, — eu argumento. — Eu posso sentir isso em meus ossos.
— Nem temos certeza se ele pode nos ajudar — ressalta Cal, seu humor
muito melhor que o do gato. Dos dois, ela definitivamente está gostando da
aventura em que estamos.
Mas para mim, isso não é uma aventura. É uma necessidade.
— Há rumores de que o Bartender conhece todos os mundos, já viu todos
eles. — Lembro-lhes as palavras que ouvimos, a promessa. — Embora ele
possa não saber o que procuramos, ele deveria conhecer alguém que saiba.
Cheshire suspira, mas no momento em que Cal coloca a mão dela na dele,
ele se acalma, aquelas orelhas de gato levantadas, um pequeno sorriso
brilhando para a mulher ao seu lado. Isso me faz sentir muito mais falta da
minha Evangeline.
Todas as noites, olho para o céu, em busca da estrela brilhante que ela é.
Não importa o mundo, ela ainda brilha lá em cima para mim, como se me
seguisse, como se estivesse de olho em mim tanto quanto eu nela. Ela está
esperando por mim, e quanto mais tempo levo para encontrar esse
personagem Bartender, mais tempo levo para segurá-la novamente.
É preciso de tudo para manter meu juízo sobre mim enquanto o tempo
continua passando.
— A Floresta Encantada é menos ameaçadora que o País das Maravilhas
— diz Cal. — Nem uma única vez uma das árvores tentou me comer.
Eu rio, olhando para ela com diversão.
— É para acalmar você com uma falsa sensação de segurança. Não é com
as árvores que você precisa se preocupar aqui, mas com as pessoas.
Seu rosto endurece.
— Eu estava lá quando o Ex da Cinder apareceu. Lembro-me de como
são as pessoas deste reino. Não há necessidade de me lembrar.
— Lobos em pele de cordeiro — Cheshire concorda. — Cada pessoa aqui
é uma ameaça, assim como seria em Grimm. Este Bartender não será diferente.
A pequena cidade aparece enquanto eles continuam a discutir os perigos
ao nosso redor, enquanto fazem planos para os casos que possam surgir, mas
meus olhos só conseguem permanecer no pequeno pub, o último que ainda
não verificamos na área. O Bartender deveria estar aqui em algum lugar, e se
ele não estiver aqui, então não temos nada. Mais uma vez, estarei perdido e
não terei senso de direção. Como é frustrante saber para onde preciso ir, mas
não saber como chegar lá.
— Vamos, — eu digo, conduzindo Cal e Cheshire em direção ao pub. —
O último e então podemos nos reagrupar se precisarmos.
À medida que caminhamos pelas ruas da cidade, todos os olhares se
voltam para nós. Que visão fazemos, nós três. Cheshire com suas feições felinas
contrastando com sua pele dourada. Cal com seus olhos ferozes e a grande
espada descendo por suas costas. Os chifres crescendo orgulhosamente em
minha cabeça eu não tive coragem de cortar porque Eva gostou deles. Os
olhares lançados em nossa direção são hostis e sei que devemos agir com
cuidado aqui.
Ou então seremos empalhados e expostos como animais selvagens.
Ninguém nos para enquanto caminhamos pela cidade, embora todos se
virem para nos observar nossa trajetória. Mulheres e homens, criaturas,
mantêm o olhar fixo nos nossos movimentos, como se fôssemos a próxima
ameaça...
... ou a próxima refeição.
Mostro os dentes para o ogro mais próximo que se atreve a lamber os
lábios. A criatura não recua, é estúpida demais para entender que não sou um
jantar fácil.
Sou eu quem abre a porta do pub, quem chama a atenção de todos os
clientes no momento em que minha silhueta aparece à luz do sol. Aqui, ao
contrário de Grimm, parece que o sol está sempre brilhando. Mesmo à noite, o
sol não escurece completamente, como se não suportasse deixar o mundo na
escuridão. Um conceito estranho quando Grimm está quase sempre escuro, a
luz do sol raramente aparece para brincar.
A criatura tocando violino no canto para na nossa entrada e nos encara.
Os sons da conversa e das risadas barulhentas morrem. O homem atrás do
balcão nos observa com cautela enquanto limpa um copo.
Me abaixando um pouco para que meus chifres não fiquem presos no
topo da porta, vou em direção ao bar, apesar do silêncio que segue atrás de
mim. Cal e Cheshire ficam por perto caso as coisas piorem. Eles poderiam. No
momento em que decidirem que somos uma ameaça, seremos bombardeados
com ataques, mas não chegaremos a isso.
— Estou procurando alguém — digo quando chego ao bar. — Um
homem.
O barman olha em volta com as sobrancelhas levantadas.
— Há muitos homens por aí, se você quiser, embora alguns deles possam
não ser boas transas.
— Ei, vá se foder! — Alguém grita e há risadas.
— Estou procurando um homem específico — corrijo. — Aquele que
atende pelo nome de Bartender.
— Eu sou o único barman aqui, infelizmente. A maioria dos meus
clientes me chama apenas de Viktor.
Meus ombros caem. Chegamos tão longe apenas para ficarmos de mãos
vazias novamente. Tentamos todas as tavernas e pubs que encontramos e nada.
Tudo isso não dá em nada.
— Está tudo bem, Rumple. Continuaremos procurando — Call oferece.
Apesar de seu exterior duro, a mulher do País das Maravilhas tem um coração
que sangra por mim, que me entende. Mas ela não pode. Na verdade. Ela não
perdeu Cheshire. Ela só pode imaginar, e é muito pior do que ela pensa.
— Obrigado, de qualquer forma, — murmuro, e nos viramos para sair.
O barman continua limpando o copo, nos observando com atenção. O
resto dos clientes se levanta de repente e se move como uma unidade. Eles se
misturam, com expressões iguais de ameaça e hostilidade, enquanto
bloqueiam a única saída.
Cheshire rosna.
— Eu sugiro que vocês se movam antes que eu mova vocês.
— Você sabe — diz o barman, ainda limpando o mesmo copo. — Certa
vez ouvi uma história sobre o famoso Rumpelstiltskin que girou seu peso em
ouro para provar um ponto de vista.
Eu congelo e olho por cima do ombro. — Histórias, nada mais.
— Ainda assim você negocia acordos e magia?
— Não tenho tempo para acordos — rosno. — Eu tenho um lugar para
estar.
O barman sorri.
— Seja como for, farei um acordo com você, Rumple. — Seus olhos
enrugam. — O que você diz? Você quer escolher o cérebro do Bartender?
Viro-me totalmente para encará-lo, entendendo exatamente o que ele é,
quem ele é. Como eu poderia não ter visto isso antes, a aura de poder ao seu
redor enquanto ele esfrega o vidro. A culpa é do pânico, do desespero que
estou permitindo turvar minha visão. Preciso ser mais forte por Eva. Preciso
estar mais consciente.
Cheshire e Cal ficam atrás de mim, uma unidade que eu nunca esperei
que nos tornássemos.
— O que você quer? — Eu pergunto.
O barman sorri.
— Há uma velha cabana na floresta...
Capitulo 16

Embora Rough Haven fique a três horas de caminhada do castelo do


Barba Azul, então quando Morris disse que precisávamos sair bem cedo, ele
estava falando sério. É claro que ser brilhante e precoce neste mundo não
significa a mesma coisa que no meu mundo. Em casa, pela manhã de um dia
bom, o sol aparece no horizonte e sobe no céu ao longo do dia. Aqui em Grimm,
o sol é silenciado como se passasse por um filtro e recebesse apenas o suficiente
para iluminar o solo, mas não muito mais. Isso deixa tudo parecendo triste e
sombrio, o que suponho que faça sentido. Afinal, esta é a Floresta Grimm.
— Então, qual é a história do navio gigante naufragado na praia?—
Pergunto enquanto Morris, Logan e eu nos dirigimos para as árvores. Não
pergunto se precisamos de proteção extra com lesmas empoladas correndo por
aí. Morris parece saber o que está fazendo.
— Ah, sim — Morris reflete. — O Curieux é o navio em que o capitão
navegou. Ele permanece onde foi levado para terra há muito tempo e
provavelmente permanecerá para sempre.
— Por que ele destruiu tudo? — O navio é lindo. Com a luz da manhã,
pude olhar pela minha varanda e estudá-lo verdadeiramente. Nunca vi um
navio assim, uma mistura entre o que sei ser um navio pirata e um navio de
guerra gótico moderno. É quase triste vê-lo caído na areia, apesar de não
apresentar sinais evidentes de desgaste.
— Suspeito que ele fez isso por vários motivos — responde Morris,
virando-se para olhar para mim com um sorriso. — Infelizmente, não estou a
par dessas razões, Bell. Mesmo se estivesse, não seria minha história para
contar.
— Ele é sempre assim... — Tento encontrar uma palavra que não seja um
insulto, mas tudo é exatamente isso. Não há realmente uma maneira legal de
colocar isso.
— Bestial? — Morris fornece prestativamente com uma risada. — Ele
nunca foi. O capitão era tão charmoso quanto bonito. Somente nas décadas
posteriores é que ele se tornou menos. Agora chega de falar do Capitão — diz
ele. — Conte-me sobre o seu mundo. Como isso é chamado? Como é?
Eu faço uma careta. — Hum... vivemos em um planeta chamado Terra.
— Terra! Um nome tão estrangeiro. Prossiga!
— Não há mágica lá, pelo que eu saiba. Nossos animais não estão todos
tentando comer você, embora alguns deles o façam. — Olho para Logan. —
Tecnicamente, Logan aqui provavelmente comeria minha cara se eu morresse
de repente.
Morris olhou para o carcaju com olhos arregalados. — Maravilhoso.
— Na verdade, existem apenas humanos e vida selvagem. Não temos
monstros como lesmas empoladas. Nossos monstros são outras pessoas.
Ao ouvir minhas palavras, Morris encontra meus olhos, algo brilhando
neles.
— Eu entendo esse tipo de monstro muito bem, Bell. Muito bem. — Seja
qual for o conhecimento que ele tenha em mente, ele o desliga completamente
para me fazer mais perguntas.
Qual é o tamanho da Terra? Quantas pessoas vivem lá? Existem rainhas
más? Qual é a expectativa de vida média de um ser humano?
Minhas sobrancelhas franzem.
— A expectativa de vida não é a mesma aqui?
Morris ri. — Depende da criatura, de seu título e da magia que carrega
em suas veias. Grimm, só o capitão tem pelo menos oito séculos...
— Desculpa, o que?
— Oito séculos dificilmente é muito tempo. Grimm tem tempo real
passando. Ouvi dizer que alguns mundos são atemporais e ninguém
envelhece. O tempo simplesmente não passa aí.
Eu pisco. — Como a Terra do Nunca?
Morris franze a testa. — Desculpe. Terra do Nunca?
Eu afasto sua pergunta.
— Uma história de casa. De onde venho, temos contos de fadas e contos
populares que falam de coisas como aqui. Temos um livro inteiro sobre Contos
de Fadas de Grimm. — Eu franzo a testa. — Nunca li a história do Capitão
Barba Azul, mas definitivamente há uma história sobre ele. Outra razão pela
qual acho que posso ter entrado em coma no meu mundo, e tudo isso é
inventado.
Morris bufa.
— Eu pagaria ouro para ler uma história sobre o Capitão. As coisas que
ele diria! Aposto que está cheio de histórias e bravura de pescadores.
Embora eu nunca tenha lido a história, tenho certeza de que não é disso
que se trata. Nenhum dos contos de fadas dos Grimm é muito bom... Ainda
assim, passamos as três horas para chegar a Rough Haven conversando
constantemente sobre histórias dos mundos uns dos outros. Nós nos
revezamos. Às vezes, Morris me conta histórias sobre Grimm. Às vezes, conto
histórias a Morris sobre Yellowstone e sua casa.
— Então, você está me dizendo, a Terra é tão grande que existem estações
diferentes em lados opostos?
Rindo, me inclino para esfregar a cabeça de Logan enquanto
caminhamos. O carcaju se mantém por perto, como se temesse que outra lesma
empolada saltasse a qualquer momento.
— Você ficaria surpreso com o quanto temos no meu mundo. Talvez a
nossa magia esteja na própria Terra e em como ela contém tantas pessoas.
— Certamente parece mágica para mim — conclui Morris. — Ah,
estamos quase lá! Rough Haven deve ter alguém que possa ajudar, ou pelo
menos que possa apontar a direção certa.
Em nossa jornada de três horas, nenhum monstro apareceu para atacar.
No início, pensei que tínhamos sorte, mas quanto mais observo Morris, mais
penso que é ele. Ele parece humano o suficiente, mas há algo nele que
simplesmente parece... desligado. Talvez ele seja mais uma ameaça do que eu
penso. Isso ou apenas ser amigo do Barba Azul faz a diferença. Tenho que
imaginar que as coisas seriam diferentes se eu tivesse feito a viagem sozinha.
— Perto disso...
Morris está à minha frente e Logan apenas um pouco, sua excitação o
empurrando para frente. Eu sei que só temos que fazer a curva, mas quando
Morris contorna o caminho e faz uma pausa, sua voz desaparece, um
desconforto passa por mim e eu paro.
— O que é? — Eu pergunto.
Mas Morris está boquiaberto e ele não responde. Em vez disso, ele meio
que tropeça na curva, deixando-nos para trás. O cheiro de fumaça e enxofre
paira no ar até que me vejo torcendo o nariz contra ele. Logan faz o mesmo e
se aproxima de mim quando dou um passo à frente.
— Morris, — eu chamo. Nenhuma resposta. — Morris!
Tropeço na curva e paro, com os olhos arregalados.
Pelas descrições de Morris sobre Rough Haven, supõe-se que seja uma
cidade movimentada e cheia de gente. Existem lojas e comerciantes e tudo o
que você possa esperar encontrar dentro de seus limites. Uma das maiores
cidades perto do castelo do Barba Azul, eu esperava todos os tipos de criaturas
e estruturas altas e o cheiro de comida no vento vindo das inúmeras tavernas.
Supõe-se que Rough Haven seja uma joia brilhante.
Não é isso que aparece diante de mim.
Antigamente havia edifícios aqui, mas agora são cascas queimadas do
que já foram. Algumas das paredes desapareceram completamente, nada além
de pedaços carbonizados em pilhas, nada além de cinzas. Algumas têm
pedaços de pé, quase nada restando, mas o suficiente para me dizer que já foi
um prédio. A fumaça ainda sai de alguns dos restos mortais, como se o que
aconteceu aqui fosse recente. O chão está destruído, os paralelepípedos foram
destruídos em alguns pontos, as árvores foram derrubadas nas ruas e em cima
das casas.
Os corpos...
Deveria haver uma cidade inteira movimentada aqui, cheia de gente.
Agora, o sangue deles corre pelos paralelepípedos, respinga nas pedras, enche
o ar com o cheiro metálico das moedas.
— O que aconteceu? — Eu sussurro, meu estômago revirando com a
visão. Não há misericórdia entre mulheres, crianças, homens, animais. Todas
as criaturas estão mortas. Não tenho muita esperança de que alguém
permaneça vivo, não com a brutalidade deixada nos corpos. Eles não estão
apenas mortos. Eles estão despedaçados, dilacerados, como se um animal
selvagem os rasgasse todos. A maioria está irreconhecível. A única razão pela
qual sei que alguns são crianças é o tamanho.
Morris está parado na minha frente, no meio do que já foi uma praça da
cidade. Há uma fonte no centro que agora está vermelha de sangue, a fonte
ainda circula a água em uma exibição horrível que mancha a pedra. Sigo seu
olhar até a imagem queimada no único prédio que permanece intocado pelo
fogo. A imagem é ousada, clara, como se alguém a tivesse deixado como é a
mensagem.
— Devemos contar ao capitão — sussurra Morris, horrorizado. —
Devemos contar a ele imediatamente.
Sem outra palavra, ele se vira e agarra meu braço, me arrastando de volta
por onde viemos. Ninguém pode me ajudar aqui. Não há mais razão para estar
aqui e o que quer que tenha feito isso pode voltar, ainda pode estar aqui. Deixei
Morris me puxar por um momento até que eu saísse do choque e me
recuperasse.
Olho uma vez para trás, para a imagem queimada ali, para o aviso e a
declaração. Não entendo, mas a imagem é fácil de ver.
Uma maçã.
Uma única maçã pintada de vermelho vivo com o sangue dos habitantes
da cidade...
Capitulo 17

Conseguimos voltar ao castelo muito mais rápido do que levamos para


chegar a Rough Haven. Onde antes estávamos passeando tranquilamente,
satisfeitos com a companhia um do outro, agora é quase como se houvesse um
fantasma nos seguindo.
Exceto que o fantasma é o que foi feito com essas pessoas.
Não posso deixar de sentir como se alguém estivesse nos observando,
que alguém estivesse nos seguindo enquanto corremos de volta, mas tudo isso
poderia ser a aura sobrenatural que permeava o ar ao redor da cidade. De
alguma forma, quase parece que nos segue, os cheiros do massacre, a visão do
mesmo. Eu sei que não vou conseguir tirar da cabeça as imagens do que foi
feito às pessoas tão cedo e vi algumas merdas terríveis enquanto trabalhava
em Yellowstone. Já vi corpos que foram despedaçados por ursos. Eu vi os
restos mortais depois que um leão da montanha colocou o corpo nas árvores.
E ainda assim não era nada comparado ao que aconteceu com Rough Haven.
— Eu não entendo o que aconteceu, — eu falo enquanto acompanho
Morris. Para um homem mais velho, ele está em perfeita forma. Onde estou
ofegante pela rápida caminhada de volta, ele parece imperturbável. — O que
aconteceu com a cidade?
Morris olha para mim enquanto subimos as escadas em direção ao
castelo do Barba Azul.
— Primeiro, devemos informar o Capitão. A explicação virá com isso.
Há medo nos olhos de Morris e isso me preocupa mais do que qualquer
coisa. Este é o primeiro exemplo de ver a verdadeira emoção refletida ali.
Diante do Barba Azul coberto de sangue, ele não vacilou. Mas depois de ver a
cidade e saber claramente o que o símbolo significa, o terror ali é palpável. Isso
faz com que minha própria ansiedade aumente ainda mais. Em que
exatamente eu caí?
À medida que chegamos ao topo, as palavras gravadas na porta são
quase maiores e mais significativas agora. Uma ameaça. Um aviso.
Grimm cairá. Os Lordes devem se levantar...
Morris abre a porta, sem noção das boas maneiras ou decoro que ele tinha
antes.
— Capitão! — ele grita, procurando em todos os lugares. — Mathieu!
Eu me assusto com o nome, com a informalidade dele. Ninguém
mencionou o primeiro nome do Barba Azul e ouvi-lo agora parece estranho.
Não sei como me sinto sobre isso. Eu sei que não vou usar. É evidente que o
nome é algo em que o capitão não gosta de pensar.
Barba Azul aparece um momento depois, com os olhos duros enquanto
vira a esquina e olha primeiro para Morris e depois para mim e minha presença
contínua. Logan se apoia na minha perna, exausto depois de correr de volta
tão rápido. Parece que ele se permitiu ficar fora de forma ultimamente, mas,
novamente, estou um pouco ofegante também.
— O que é? Por que você está gritando? — ele pergunta, e então Barba
Azul deve ver o mesmo medo nos olhos de Morris que eu. — O que aconteceu?
Morris empurra o cabelo para trás, força-se a voltar a ter alguma
aparência de calma e olha Barba Azul nos olhos. — Rough Haven foi destruído.
Barba Azul pisca.
— O que?
— Os habitantes da cidade foram massacrados, feitos em pedaços.
Muitos dos edifícios foram incendiados ou destruídos. Não houve
sobreviventes que vimos.
Estremeço a cada palavra, lembrando-me dos corpos espalhados pelo
chão, pendurados nos prédios, esfaqueados em pontas afiadas. Muitos
estavam faltando membros, faltando cabeças, aquelas peças reunidas em
algumas obras de arte estranhas e macabras. Minha mente não consegue nem
entender parte disso, a imagem que tudo isso criou. Não quero ter uma
imagem disso em meu cérebro, mas tenho a sensação de que tudo vai voltar
assim que eu adormecer. As piores lembranças sempre optam por se
manifestar à noite.
— Rough Haven é um dos maiores municípios... — Barba Azul começa,
como se estivesse se preparando para dizer que alguém deve ter sobrevivido.
— Havia uma maçã pintada em tamanho grande em um dos edifícios
restantes. Foi pintado de vermelho com o sangue de seus corpos — Morris o
interrompe, sua própria expressão endurecendo. — Mathieu, é ela. Ela está
ficando mais ousada.
— Quem? — Eu pergunto, inclinando-me com uma carranca. Morris não
tinha me contado, me dizendo para esperar, e agora aqui estou, prestes a ouvir,
e eles estão falando por meio de insinuações e não de fatos.
Barba Azul olha para mim com uma expressão carrancuda, como se eu
não tivesse o direito de falar, mas Morris olha para mim.
— Branca de Neve e seus sete demônios.
As palavras penetram, mas não penetram exatamente, nem por alguns
segundos. — Desculpa, o que?
— Branca de Neve — ele repete, antes de olhar para Barba Azul. — Ela
está se aproximando e está chamando seu blefe. Ela pegou a cidade mais
próxima, Mathieu. Quanto tempo antes que ela chegue à sua porta?
— Deixe-a vir — grunhe Barba Azul. — Ela não vai entrar.
Morris se endireita. — E o resto das pessoas da cidade?
— Não é problema meu.
Vou abrir a boca, mas as palavras duras de Morris cortam tudo o que eu
estava prestes a dizer.
— Você é um Lorde, Mathieu. É seu dever...
— Caso você não tenha notado, Grimm foi virado de cabeça para baixo,
Morris. Posso garantir que os deveres já não importam mais.
— Você é o Lorde dos Pagãos!
— Eu sou o Lorde de mim mesmo — ele rosna, enfrentando Morris.
Eu fico olhando para a cena, confusa com a animosidade que existe entre
eles. Morris nunca falou mal do Barba Azul, nunca levantou a voz na minha
companhia, e agora aqui estão eles, cara a cara, olhando um para o outro. Não
me atrevo a intervir. Claramente, este é um argumento pessoal, mas também
não deixo. Se esta for a única maneira de obter as informações de que preciso,
que assim seja.
— Mathieu, ela é um monstro...
Barba Azul franze o nariz em um rosnado.
— Então ela cai sob o domínio do Rei Sapo, não é? Leve suas
preocupações para ele!
Ambos ficam em silêncio, encarando-se como se estivessem preparados
para a batalha. Mas no final, Morris se recosta e ajusta suas roupas. Ele já estava
desgrenhado antes, mas no momento em que se endireita, ele está tão
arrumado como sempre.
Barba Azul está ofegante de raiva, com o peito arfando, uma chave
pendurada no pescoço – a chave! – chamando minha atenção. Fico olhando
para ela por dois segundos a mais, entendendo o que ela pode abrir, mas Barba
Azul não está focado em mim. Ele está focado em Morris. A porta no andar de
cima parece pulsar de saudade, e de alguma forma eu sei com certeza que a
chave que está no pescoço do Barba Azul irá abri-la.
— Você sabe — Morris murmura, olhando para Barba Azul com olhos
frios. — Todos esses anos eu servi você e nunca pensei que você fosse um
covarde. Nem mesmo quando você me deu a chave — diz ele com tristeza. —
Mas hoje, nunca vi você mais idiota.
E então Morris se vira e desaparece lá dentro, mais fundo no castelo,
descartando a discussão. Suas palavras ecoam ao nosso redor, como se
estivessem sendo repetidas. Quando elas finalmente desaparecem, olho para
Barba Azul, para a fúria em seus olhos.
— O que foi feito com aquelas pessoas, Barba Azul, não foi agradável, —
eu sussurro, as imagens voltando para mim, me assombrando.
Ele olha para mim, como se finalmente lembrasse que estou aqui. — Eu
não ligo.
— Eles estavam pendurados nos prédios, mulheres, crianças...
— Cale-se! — Ele rosna, dando um passo em minha direção. — Você não
sabe nada!
— Eu sei que você está escondido neste castelo, — eu cuspo. — Eu sei
que por alguma razão você se aventurou e me salvou, mas você não pode se
preocupar em salvar seu povo.
— Eu deveria ter deixado você morrer — ele rosna, dando mais um
passo, colocando-nos na cara um do outro. — Eu deveria ter deixado você para
ser comida por todas as criaturas da floresta.
— Então por que você não fez isso? — Eu acuso, estreitando os olhos. —
Por que você simplesmente não me deixou lá se você odeia tanto minha
presença?
Ele fica quieto, nossos olhares se encontram e a tensão no ar de repente
dispara. Eu apertaria minhas coxas se isso não fosse tão óbvio, mas do jeito que
seu hálito quente está soprando contra meu rosto, ele verá qualquer
movimento. Seu cabelo está caindo sobre sua testa, me tentando a acariciá-lo.
A vontade de estender a mão, de circundar seu pescoço é forte, apesar da
expressão em seu rosto de que ele poderia me matar. Quando seus olhos caem
em meus lábios, sei que não sou a única que sente a tensão. Tudo dentro de
mim está me dizendo para me inclinar para frente.
— De que você tem tanto medo? — Eu pergunto, e isso quebra o feitiço
em que estamos. Eu quis dizer isso como uma pergunta para mim, pela
hesitação entre nós, mas quando isso sai, eu percebo que é mais do que isso. O
Barba Azul não só tem medo de mim, mas também de quem quer que seja essa
Branca de Neve.
A raiva retorna em seu rosto e ele bate o punho contra a parede ao lado
da minha cabeça. Pequenas lascas de pedra se soltam, deixando um pequeno
amassado. Eu não recuo, nem mesmo quando algumas lascas atingem o lado
do meu rosto. Se ele continuar batendo nas paredes, não sobrará muito delas.
Ele se vira para sair, virando as costas para mim, a raiva ainda brilhando
em seus olhos. Estou ali molhada e confusa, tentando descobrir o que
aconteceu.
— Você não pode ficar aqui! — ele rosna, jogando as palavras por cima
do ombro enquanto começa a se afastar.
— Para onde devo ir? — Cuspi de volta, minhas costas ficando tensas.
— Fora — ele rosna. — Longe, o mais longe que você puder de mim. —
Ele começa a andar com propósito. — Não aguento mais sua presença.
Insultada, dou um passo para trás, preparada para ir embora, mas algo
me faz olhar para ele e dizer: — Não entendo.
Ele faz uma pausa e olha por cima do ombro, aqueles olhos encontrando
os meus e segurando-os. Há tanta coisa refletida naquele olhar persistente, a
tensão sexual que senti desde o início disparou com aquele olhar, mas ele não
age de acordo.
— E você nunca fará isso — ele grunhe, antes de ir mais fundo no castelo.
Fico ali por mais alguns minutos antes de olhar para Logan e suspirar.
— No que nos metemos, garoto? Eu juro, os problemas continuam nos
encontrando.
Capitulo 18

Quando ninguém vem me expulsar ou me dizer qualquer coisa, presumo


que posso pelo menos ficar mais uma noite. Sigo os círculos de volta ao quarto
que Morris me deu e me tranco lá dentro por quase algumas horas. Eu
realmente não sei mais o que fazer.
Rough Haven deveria ser uma maneira de eu encontrar ajuda. Morris
tinha certeza de que alguém seria capaz de me indicar a direção certa, de que
poderia me levar a outra pessoa que pudesse ajudar. Mas a cena lá? Ninguém
iria ajudar.
E essa Branca de Neve? Ela certamente não é aquela dos nossos livros de
histórias. Não me lembro de muita coisa, mas tenho quase certeza de que ela
não andava por aí assassinando cidades inteiras. E sete demônios? Eles
deveriam ser anões. O que diabos é esse lugar?
Estou começando a me preocupar cada vez mais com a possibilidade de
estar em coma no meu mundo e esta é uma história elaborada que inventei em
sonhos com febre induzida por coma. Mas de alguma forma, não acho que sou
criativa o suficiente para sonhar com tudo isso, especialmente o Barba Azul.
De jeito nenhum eu poderia tê-lo criado do zero.
Depois de horas me perguntando o que fazer, decido que é hora de
encontrar algo para comer quando meu estômago ronca. Logan está dormindo
na cama e quando chamo por ele, ele simplesmente me olha com uma
expressão mal-humorada e fecha os olhos novamente. Aparentemente, ele não
está pronto para se mover, então decido que vou trazer um pouco de comida
para ele quando voltar.
Embora eu saia do quarto determinada a encontrar a cozinha, meus pés
me levam a um destino completamente diferente.
A porta.
A porta trancada me chama repetidamente, e quando me vejo do lado de
fora dela, olhando para as esculturas intrincadas que são ao mesmo tempo
românticas e tristes, não consigo entender por que estou aqui. Não entendo por
que há essa trava, por que a porta praticamente me implora para abri-la. Mas
está trancado e certamente não tenho a chave.
A chave que às vezes fica pendurada no pescoço do Barba Azul tem para
mim a mesma sensação que a porta, e algo me diz que ela a abrirá. Mas nunca
conseguirei tirá-la do pescoço dele, e ele nem sempre a usa. Não sei para onde
vai quando ele não está usando-a no pescoço ou mesmo onde ficam seus
aposentos para revistar. Não que eu devesse bisbilhotar seus aposentos ou sua
privacidade. Isso seria rude.
Mas se tiver oportunidade...
Morris me disse para deixar qualquer porta trancada, mas essa obsessão
por essa porta em particular está começando a me deixar louca. É como se o
mistério tivesse se apoderado e se recusasse a abandonar. Quero saber o que
há atrás da porta, mas a raiva que pode tomar conta da minha cabeça se eu
tentar pode ser demais.
Então, em vez disso, deixo a porta para trás e vou até a sala de jantar,
onde Morris já está sentado. Barba Azul não está em lugar nenhum e Morris
parece tão sozinho à mesa.
Bato na beirada da porta e ele olha para cima.
— Importa-se se eu me juntar a você?
— Claro que não — diz ele, e há um alívio em seu tom que me faz pensar.
— Eu fiz um prato para você.
Minhas sobrancelhas franzem.
— Talvez, se eu ficar aqui por mais tempo, eu possa ajudá-lo a cozinhar
uma noite. Ou até mesmo cozinhar para você. Deve ser tão cansativo sempre
preparar uma refeição sozinho.
O sorriso é brilhante que puxa seu rosto, mas não alcança seus olhos.
— Isso parece adorável, Bell. Venha. Sente-se.
Sento-me na mesma cadeira de antes e olho para a carne e as batatas que
estão no prato. É a mesma refeição de novo, e me pergunto de onde ela vem.
Como os suprimentos chegam ao castelo se o Barba Azul quase não sai? Se
Morris fizer isso?
Dou uma mordida na comida, meu estômago se acalma enquanto a
encho. Comemos em silêncio, contentes por estarmos na presença um do outro
e só volto a falar quando termino. Faço questão de guardar um pouco da carne
para Logan, sabendo que ele vai gostar.
Olhando para a grande cadeira vazia no lado oposto da mesa, suspiro.
— É como se ele estivesse enojado com a minha presença — murmuro.
Morris suspira e segue meu olhar brevemente antes de encontrar meus
olhos.
— É porque ele gosta de você, querida.
Eu faço uma careta com as palavras, irritada.
— Eu não tolero a besteira de 'ele é mau com você porque gosta de você'
que dizemos às meninas. — Empurro meu prato para longe. — Isso normaliza
abusos terríveis.
Morris pisca com minhas palavras, confuso.
— De forma alguma estou dizendo que você deveria aceitar o
tratamento, Bell. Isso é normal de onde você vem? — Quando vou abrir a boca,
ele rejeita minhas palavras. — Deixa para lá. Eu só quis dizer isso porque ele
tem medo de você.
Eu o havia questionado sobre isso apenas algumas horas antes, mas na
verdade não achei que alguém confirmaria minha suspeita. Ouvir isso em voz
alta faz com que pareça ainda mais ludacris e eu balanço minha cabeça.
— Medo? De mim? Eu não entendo.
Morris me estuda atentamente, como se estivesse procurando alguma
coisa.
— Infelizmente, não é minha história para contar, mas posso dizer isso,
Belladonna, porque gosto de você. — Ele se levanta e pega seu prato, deixando
o meu sozinho, como se soubesse que levarei comida para Logan. — No
momento em que você puder partir, no momento em que você puder se libertar
deste mundo, vá. — Suas palavras ficam pesadas no ar.
— Por que? — Eu pergunto, olhando fixamente para ele.
Seus olhos não têm remorso.
— Aqui neste castelo, neste mundo, não há nada além da morte. — Ele
leva o prato embora. — Tanta morte.
Eu fico olhando para ele, as palavras pesando em meu coração como uma
profecia.
Mas elas não fazem sentido. Nada neste mundo faz.
Capitulo 19

Olho para Clara de novo, e de novo, e de novo, ansioso de uma forma


que nunca estive antes.
— Pare de me olhar assim, — Clara rosna, suas mãos segurando
gentilmente o bebê, Zaven, contra ela, apesar do arnês que eu fiz para facilitar
a caminhada de volta ao País das Maravilhas. — Estou bem.
— Sim mas...
— Chapeleiro — ela repreende, olhando para mim com um sorriso gentil.
— Estamos bem. Nós dois.
Admito que tenho estado um pouco hesitante, protetor, pronto para
atacar no momento em que Clara expressa qualquer coisa que possa precisar.
E o querido, nosso querido, ele já segura meu coração assim como minha Clara
Bee.
Zaven. Uma criança com poderes que já estão crescendo rápido demais
para seu corpinho. Poderes que rivalizam com os de Aniya. A próxima geração
de crianças nos mundos fundidos será uma força a ser reconhecida. A
mudança no universo está nos arrastando para mudar com ela. Nunca estive
tão animado e com tanto medo em minha vida.
Tenho muito mais a perder agora.
Flam e Doe caminham atrás de nós, perdidos em suas próprias conversas
sedutoras. Eles estão nos escoltando até o País das Maravilhas, ajudando-nos
a nos instalar antes de voltarmos para Oz para ajudar os outros com quaisquer
pesadelos que possam vir de Grimm. Os dois pombinhos são um lembrete de
quantos de nosso povo encontraram a felicidade desde que Alice foi derrotada.
Passamos de uma luta para outra, sem nunca parar, sem nunca descansar. Em
algum momento, ela voltará e nos morderá na bunda. Eu simplesmente sei
disso.
— Se ele dormir, deixe-o dormir, mas se ele estiver acordado, Clara,
então me permita — murmuro, estendendo os braços para o bebê.
Minha loucura diminui e flui como um oceano, às vezes tão calma quanto
um lago cristalino, às vezes tão turbulenta quanto um mar tempestuoso.
Raramente há momentos intermediários, como se tantas preocupações
tornassem impossível controlar. Quanto mais perto estou de Zaven, pior fica
minha loucura. Quanto mais me aproximo de Clara, mais calma fica. Quando
eles estão juntos e eu estou perto dos dois, elas estão... congeladas. Um iceberg
flutuando suavemente no oceano, nem louco nem cheio de insanidade, mas
não posso viver lá para sempre.
Ainda não contei a Clara Bee. Esse Zaven aumenta minha loucura. Não
é um problema e, além disso, não é algo sobre o qual pretendo fazer alguma
coisa. Eu vou segurar meu filho. Vou protegê-lo e carregá-lo para o novo
universo com felicidade no rosto.
E daí se minha mente ficar um pouco confusa no processo?
— Ele está acordado, — Clara murmura, pressionando a ponta do dedo
no nariz de Zaven. Ela é recompensada com uma risada suave que faz meu
coração disparar.
Com cuidado, Clara tira o bebê do arnês e eu estendo os braços, pronto
para segurá-lo perto, para carregá-lo até o País das Maravilhas tanto quanto
ele me permitir. Ele ama sua mãe. É algo que temos em comum. Eu também
amo a mãe dele.
— Olá, pequeno Zaven, — murmuro enquanto o tomo em meus braços e
o seguro perto, assim como Clara me ensinou. Nunca tive experiência com um
bebê antes. — Que magia você deve manter dentro dessas dobras grossas? —
Eu pergunto. Ele ganhou um peso saudável graças a Clara e, honestamente,
fiquei obcecado com os rolinhos em suas pernas. Como uma lagarta que ainda
não teceu o casulo.
Assim como essas criaturas, um dia Zaven surgirá e o poder que ele
exerce irá abalar os mundos.
Zaven olha para mim, aqueles olhos roxos brilhantes contendo muito
conhecimento que nenhum bebê deveria ter. Há mais do que até adultos. As
estrelas giram em roxo, aqueles vaga-lumes que vi vêm de Aniya, Red e
Jupiter. Quando olho para ele, um único vaga-lume aparece e dança na frente
dele, fazendo o bebê arrulhar e alcançá-lo.
— Quão poderoso você é, — murmuro, segurando-o perto, mas não
muito apertado. — Um dia você vai mudar tudo.
Aqueles olhos roxos focam em mim, e minha mente cai no caos, cada
pensamento correndo para o seguinte, mas passei séculos com essa loucura
antes de Clara Bee aparecer. Eu conheço isso por dentro e por fora, sei do que
é capaz, sei do que sou capaz. Então eu sorrio.
— Quando você mudar o mundo, — eu sussurro, me aproximando como
se estivesse compartilhando um segredo. — Estarei bem aí ao seu lado, meu
filho. Nós dois iremos. Não importa a loucura que me tome.
Clara olha por cima do ombro e sorri ao me ver segurando Zaven, ao ver
a maneira como falo com ele em sussurros, despreocupada. Ela sempre vê o
que há de melhor em mim, mesmo quando minha mente enlouquece. A
Imperatriz é boa demais para os mundos.
— O País das Maravilhas deveria estar logo à frente — anuncia Flam,
como se não soubéssemos, como se não pertencêssemos ao mesmo mundo.
Olhando para ele por cima do ombro, encontro seus olhos, preparado
para lhe dar uma merda. Rosa brilhante. Rosa brilhante. Rosa brilhante. Pisco
e tento limpar os pensamentos, a obsessão. Porra.
Olhando para Zaven novamente e descartando a vontade de ser
sarcástico com Flam, descubro que o bebê já está olhando para mim. Enquanto
nos olhamos, ele estende a mão e toca meu rosto. O poder bate em mim, enche
minhas veias e eu engasgo com a sensação da minha loucura sendo enfiada
dentro de uma caixa, deixando meus olhos claros. Eu pisco e amoleço. A
loucura começa a sair da caixa antes mesmo de ela ser fechada.
— Não será tão fácil, meu filho, — eu sussurro. — Mas agradeço a
tentativa. Você ainda não tem idade suficiente para comandar tal poder.
Ele pisca para mim e uma visão surge dentro da minha cabeça, uma cor.
Amarelo.
— Claro — murmuro. — Minha Clara Bee, a criança, eu acho, está
cansada de mim.
Mas eu sei que não é o caso. Zaven entende o que está acontecendo e,
embora ainda não consiga falar, sua mente está velha e reconhece a loucura.
Afinal, parte do que eu carrego, ele carregará da mesma forma que envelhecer.
Clara o tira gentilmente de mim e o coloca de volta em seu cinto no
momento em que chegamos ao topo da colina onde deveria estar o País das
Maravilhas. Pulo a colina, mais feliz do que nunca, e tropeço até parar no topo,
com os olhos arregalados.
— O que? — Clara pergunta, vindo de trás de mim. — O que é? — Mas
ela também faz uma pausa quando chegamos ao topo, com os olhos tão
arregalados quanto os meus. — Chapeleiro?
Flam e Doe se juntam a nós, e o rosto de Flam endurece.
— Parece que outra pessoa decidiu entrar no País das Maravilhas.
O céu está vermelho como sangue, a atmosfera cheia de perigo. Minha
casa fica no campo, mas há uma espécie de barreira em volta dela, a última
defesa daqueles que deixamos no comando. Algo ou alguém está atacando e
só há uma maneira de descobrir quem.
— Parece que não voltaremos para Oz tão cedo — comenta Doe, com os
olhos penetrantes enquanto olha para seu companheiro.
O movimento do canto dos meus olhos me faz virar em direção a ele. Um
roedor, um rato, clama dos arbustos. Ele nos vê, sibila e sai correndo, não
preparado para atacar um grupo sozinho.
— Algo está errado — eu digo, o sentimento me dominando. — Errado.
Errado. Errado. Algo está errado.
Clara olha para mim, com preocupação estampada no rosto com a
loucura que passa. — Chapeleiro?
— Errado — repito. — Clara Bee, está errado. Algo está errado. Errado...
— Parece a Floresta Encantada — murmura Flam, apontando para as
árvores que agora se erguem na clareira tão diferente da do País das
Maravilhas. — É melhor estarmos em guarda.
O bebê murmura.
— Errado, errado, errado — repito, tocando meu chapéu e fazendo uma
careta. — Você sabe como a Floresta Encantada é como uma gota no mar?
Aperte os olhos e dê para mim.
Os olhos roxos de Zaven fixam-se em mim e minha mente vira um caos
total, a caixa quebrando novamente.
Capitulo 20

Concentro-me em guardar as poucas coisas que tenho comigo em uma


pequena mochila que Morris me deu para minhas viagens. É mais uma bolsa
carteiro com alças nas costas, mas coloco meu uniforme bem arrumado, exceto
pelo colete à prova de balas e meu cinto. Não sei o que vou encontrar em minha
jornada, mas acho que é melhor ter meus órgãos vitais protegidos e ter todas
as minhas ferramentas prontas caso eu precise lutar contra outra Lesma
Empolada.
Se eu puder lutar contra uma Lesma Empolada, claro.
Ainda estou usando as roupas que Morris me deu, muito mais
confortáveis do que meu uniforme e jeans, e elas estão limpas. Minhas botas
ainda permanecem em meus pés. Nada mais confortável do que minhas botas
gastas.
Logan está sentado na cama me observando arrumar o quarto antes de
me virar para ele.
— Acho que é hora de irmos, Logan, — digo com um suspiro. — Não
somos bem-vindos aqui e nada está sendo feito enquanto estivermos aqui. Se
quisermos voltar para casa, teremos que fazer isso acontecer nós mesmos.
Ele ri de mim, como se concordasse, e eu aceno.
— Está pronto?
Ele salta da cama e empurra minha perna, olhando para mim. Há um
ano, se alguém tivesse me dito que eu teria um carcaju de estimação e cairia
em outro mundo, eu teria rido deles. Agora, é estranho pensar que algo
diferente poderia ter acontecido. Isso faz parte da vida agora, e se eu quiser
que as coisas aconteçam, terei que aceitar isso.
Enquanto desço, passamos pela porta trancada novamente, meu corpo
saindo propositalmente para parar na frente dela, a escultura chamando meu
nome e pedindo para eu entrar. Mas não tenho nenhuma chave e isso não é da
minha conta. Tirando isso da minha mente, apesar da obsessão crescente,
continuo descendo e encontro Morris na porta principal. Apenas Morris está
lá esperando por mim. Barba Azul não está em lugar nenhum.
— Eu empacotei comida suficiente para cerca de cinco dias, caso você
demore um pouco para encontrar alguém. Não sei até onde vai a tirania de
Neve, mas é melhor estar preparada.
Pego o pequeno saco de comida que ele me entrega e sorrio para ele com
gratidão.
— Obrigada, Morris. Realmente. Agradeço tudo o que você fez por mim.
— Estou feliz por ter chamado você de amiga — diz ele, inclinando-se
para me dar um abraço. Quando ele me solta, ele se inclina para dar um
tapinha na cabeça de Logan. — Tenha cuidado lá fora e evite qualquer coisa
perigosa. Não seja uma heroína. A maioria das criaturas corre menos perigo
do que você.
Eu franzo a testa. — Não vou passar por alguém necessitado.
Os olhos de Morris endurecem.
— Sim, você irá. Você é humana, Bell. Este não é o seu mundo. Existem
inimigos por aí que você não pode compreender.
Cenas passam diante dos meus olhos, lembranças dos corpos.
— Como Branca de Neve.
Seus olhos brilham e embora ele não desvie o olhar, posso dizer que ele
quer.
— Precisamente. Se você encontrar a Branca de Neve, você corre. Não
olhe para trás. E quando você chegar ao seu mundo, poderá fingir que nada
disso aconteceu.
Inclinando a cabeça, estudo Morris mais de perto, vejo o olhar
assombrado em seus olhos, a exaustão, a idade. Há quanto tempo ele luta pelo
Barba Azul, cuida dele?
— Porque eu faria isso? — Eu pergunto.
— É melhor esquecer os pesadelos — ele responde, e em seu tom, cada
pesadelo que ele tem ecoa ali. Não peço, não tenho o direito de fazê-lo, mas
estendo a mão e toco seu ombro, apertando-o para apoiá-lo.
Olho por cima do ombro, subo as escadas, e Barba Azul ainda não está à
vista. Sem dúvida Morris disse a ele que eu estava indo embora, e ele ainda
não se importou em se despedir de mim.
— Acho que diga ao grande idiota que disse adeus — murmuro. — Não
é como se ele fosse se importar.
Morris sorri gentilmente.
— Ele vai se importar. — Ele abre a porta para mim. — Boa viagem,
Belladonna. Você sempre terá um amigo em Grimm.
Respirando fundo, saio pela porta, Logan em meus calcanhares, e juntos
começamos a longa jornada pela floresta à nossa frente.
Os sons da floresta são altos em meus ouvidos.
Capitulo 21

Observo-a sair pela janela dos meus aposentos, observo-a chegar ao pé


da escada e fazer uma pausa. Quando ela olha para o castelo mais uma vez,
dou um passo para trás para não ser visto nas sombras. Ela hesita por apenas
alguns segundos antes de olhar para frente novamente, virar os ombros e se
dirigir para as árvores com sua estranha criatura ao seu lado.
Sozinha.
Ela está entrando em Grimm sozinha com Branca de Neve em fúria e eu
a deixei fazer isso.
Estou esperando a batida na porta, então nem me viro para olhar para
ele enquanto ele entra em meus aposentos. Morris é sempre bem-vindo onde
quiser.
— Ela foi embora — ele anuncia, como se eu já não soubesse. Como se eu
não a tivesse visto desaparecer.
— Eu vi.
Ele hesita. — Você vai simplesmente deixá-la ir?
— O que você espera que eu faça, Morris? — Viro-me e olho para ele,
para a única pessoa em quem confio. — O que você acha que eu deveria estar
fazendo?
Morris se endireita e sei que suas palavras serão duras.
— Eu vi isso em seus olhos. O desenho. — Ele olha pela janela para a
floresta além de onde Bell desapareceu. — Cedo ou tarde, tudo se conecta, e
esconder-se disso não fará bem a ninguém.
Carrancudo, eu mostro meus dentes.
— Não terei mais nenhuma morte em minhas mãos.
O riso borbulha na garganta de Morris, mas não é cheio nem alegre. Está
cheio de pena. Ele aponta para a floresta, com os olhos duros.
— Quando ela morrer lá fora, a culpa será sua de qualquer maneira.
Eu me afasto, desesperado para fugir da realidade, da maldição que
parece nunca parar de me assombrar. — Não posso...
— Já se passaram cinquenta anos desde...
— Não diga o nome dela, — eu cuspo. — Não se atreva.
— Ignorar seus fantasmas não fará com que eles desapareçam — diz
Morris com tristeza. — Suas memórias são igualmente importantes. Afastá-las,
fingir que não existem, não faz nada além de causar mais dor.
Encosto-me no parapeito da janela, meus dedos agarrando a pedra.
— Por quê você está aqui? Para me lembrar do que sou? Para me irritar?
Balançando a cabeça, Morris me observa como se eu fosse uma criança
petulante e confusa.
— Você só está com raiva porque a raiva é mais fácil de sentir do que a
tristeza. A raiva é mais fácil do que a culpa.
A fúria toma conta de mim, mas tento contê-la por respeito a Morris.
Qualquer outro ser e eu teria rosnado na cara deles e os empurrado para fora
do meu quarto, mas ele não. Não meu amigo.
— Se a morte dela é culpa minha, então não há razão para seguir, —
resmungo, minha voz grossa com a fúria, com o desejo de machucar.
Olho para Morris, esperando raiva ali, mas em vez disso, só há tristeza.
— Eu estive ao seu lado todas essas décadas, Mathieu. Séculos, e nunca
questionei suas decisões, não até você fechar o quarto e desistir. — Suas
palavras me atingiram como um golpe físico. — Agora, você não apenas está
se recusando a proteger Grimm de Neve e sua destruição, mas também está
deixando a única mulher que poderia muito bem quebrar sua maldição ir
embora.
— Não há como quebrar a maldição.
— Mas existe...
— Não se intrometa em coisas que não são da sua conta, Morris, — eu
rugo, a fúria tomando conta de mim, e Morris fecha a boca. A dor cintila em
seus olhos, a mágoa que eu coloquei ali.
A culpa imediatamente me corrói. Morris é meu amigo. Ele não merece
ser tratado dessa maneira.
— Claro, capitão — murmura Morris, voltando a um discurso formal. —
Se não houver mais nada que você precise, irei até meus aposentos.
Dolorido, dou um passo em direção a ele. — Morris...
— Boa noite — ele retruca, cortando qualquer tipo de pedido de
desculpas que eu possa ter conseguido dizer pela metade. Ele se vira e sai dos
meus aposentos, deixando-me aqui com minha raiva, minha culpa e me
perguntando como pude continuar a ser tão idiota.
Como posso continuar a ser um fracasso.
Capitulo 22

A borda da floresta Grimm me chama, como se houvesse algo dentro de


mim me implorando para entrar, para brincar em meio ao perigo, para ajudar.
Estou nervosa ultimamente, não só por causa de tudo que está acontecendo
conosco, mas porque posso sentir o poder da Branca de Neve através das
árvores, infectando o mundo, uma magia de morte que de alguma forma
chama a magia da vida em mim.
— Eu também sinto isso — Red diz ao meu lado, seus brilhantes olhos
dourados voltados para as árvores além. — Está ficando mais forte.
Assim como a irmã que perdi uma vez, Red assumiu um manto de
familiaridade comigo, os vaga-lumes em nossas veias agora compartilham
uma afinidade que não sentia há muito tempo. Netuno costumava ser tão
selvagem e livre quanto Red. É estranho chamar por outra irmã, chamar por
tantas irmãs, quando a única com quem compartilhei sangue uma vez escolheu
me deixar para trás.
— Parece a morte — murmuro. — Isso parece familiar para você?
Porque onde meus vaga-lumes trabalham dentro dos poderes da vida, os
de Red trabalham dentro do reino da morte. Embora Red pareça ter dominado
seus poderes até certo ponto, os meus ainda estão frustrantemente fora de
alcance, ou melhor ainda, fora de controle.
— Não estou familiarizada no sentido normal, mas sinto a morte. É
oleosa, onde meu poder é suave.
Hmmm. Vou ter que anotar isso nas minhas anotações. É uma descrição
que Red não mencionou antes, e sinto que quanto mais aprendo sobre os
poderes dela, mais poderei aprender sobre os meus.
Por longos momentos, nós duas ficamos sentadas aqui, olhando para as
árvores escuras. Red uma vez chamou essas árvores de lar, mas agora sua casa
é em Oz, apenas porque é onde Rei mora. Assim como faço minha casa onde
quer que Branco esteja.
Meu lindo e maravilhoso coelho.
Mas a sensação de que estamos ociosas, de que precisamos fazer alguma
coisa, bate na minha mente até que não consigo mais ignorar.
— Acho que precisamos entrar lá — digo, apontando para Grimm. Já
tivemos discussões e agora que o Chapeleiro e a Clara estão voltando para o
País das Maravilhas, as coisas devem ser resolvidas. Em vez disso, algo me diz
para dizer essas palavras.
— Todos concordaram que seria melhor lutar aqui quando chegar a hora
— responde Red, confirmando meus pensamentos. Eu sei o que discutimos,
mas Red está observando as árvores da mesma forma que eu. Ela também sente
isso.
— Se esperarmos, — murmuro, olhando para a escuridão. — Será tarde
demais. Grimm estará perdido.
Os olhos de Red se voltam para os meus, me estudando. — Como você
sabe disso?
Eu dou de ombros. — Não sei. Algo em mim está dizendo isso, repetindo
isso indefinidamente até que não consigo mais ignorar. Precisamos agir.
Seus lábios se franzem em contemplação e vejo quando ela admite para
si mesma que posso estar certa.
— Você tem praticado?
Suspirando, desvio o olhar, envergonhada.
— Sim, mas está tão instável como sempre. Às vezes os vaga-lumes
funcionam. Às vezes, eles nem aparecem.
Silêncio. Não sinto que estou sendo julgada, no entanto. Red está
tentando pensar em todas as respostas, analisando o que ela poderia dizer. —
Então, aborde isso como se fosse sua ciência.
Eu pisco. — O que?
— Qual é o traço comum entre os momentos em que os vaga-lumes
ouvem você?
Pensando nisso, há apenas um único ponto em comum. — Eu penso em
Branco.
— E suas habilidades de Caminhante dos Sonhos não reapareceram?
— Ainda não, elas não fizeram isso. Recebo lampejos, mas eles são
caóticos. — Outro fato frustrante. Não estou apenas falhando em meus novos
poderes, mas também nos antigos.
— Qual foi a sensação quando você sonhou andando?
— Fácil — respondo instantaneamente. Sempre foi fácil.
— Então, por que antes era fácil para você, mas agora é difícil? Por que
os poderes são instáveis? — Quando não respondo porque não sei o que dizer,
Red se inclina. — É medo, Jupiter.
Meu rosto se aperta quando reconheço a verdade, mas ainda assim, não
posso admitir isso em voz alta, não na frente de tantas pessoas poderosas com
quem fizemos amizade.
— Eu não tenho medo, — eu falo.
Espero que Red fique irritada, mas quando uma brisa sopra de Grimm
para Oz, com cheiro de morte e decadência no vento, ela franze a testa e olha
para mim novamente.
— Estamos todos com medo, Jupiter — ela diz calmamente. — O que
importa é a coragem que você encontra diante desse medo.
O cheiro de decomposição e podridão fica mais forte...
Capitulo 23

Caminhar pela Floresta Grimm não é fácil. Não sei o que esperava, mas
embora tenha passado anos percorrendo Yellowstone regularmente, Grimm
não é nem de longe o mesmo. Para começar, os insetos por si só são muito
piores. Depois de dar um tapa em um dos estranhos besouros voando pelo ar
e tentar pousar em mim, faço uma careta ao sentir o cheiro que ele deixa para
trás.
Como leite que fica dias exposto ao sol do verão.
Franzindo o nariz, avanço, determinada a pelo menos tirar o melhor
proveito disso. Não sou uma donzela fraca em perigo. Não importa o que
encontremos, eu tenho uma arma e ainda estou irritada com o Barba Azul. Vou
matar uma daquelas Lesmas Empoladas só para provar um ponto. Talvez eu
leve um pedaço para esfregar na cara dele.
Maldito bastardo.
Procuro alguém para ajudar, mas as únicas coisas que encontro na
floresta durante a primeira metade do dia são mais insetos, árvores e a pequena
e rara criatura peluda que Logan tenta perseguir. A maioria deles é rápida
demais para meu carcaju cada vez mais gordo, mas ele ainda tenta,
aproveitando a caçada. Tenho pena da pobre criatura que ele finalmente
captura.
Só depois de horas de caminhada é que chegamos à primeira cidade. Não
sei qual é o nome, mas não parece importar.
A pequena cidade está tão destruída quanto Rough Haven. Apenas um
único edifício ainda existe no centro da pequena cidade, e parece servir apenas
para mostrar a mesma maçã pintada na lateral do edifício, a mesma imagem
pintada com o sangue dos corpos espalhados. Os que estão nesta cidade estão
mais avançados em sua decadência do que aqueles em Rough Haven, o que
me diz que esta destruição é mais antiga. O cheiro do vento apenas solidifica
esse conhecimento. Ainda assim, não vomito. Eu não vomito.
Como Guarda Florestal, às vezes, você só encontra um corpo em uma
busca e resgate. Já vi meu quinhão de cadáveres. Ainda assim, como na outra
cidade, esses corpos são uma exibição horrível. O que quer que Branca de Neve
e seus demônios sejam, eles estão longe de ser misericordiosos.
Olho para a maçã vermelha, o sangue já secou há muito tempo onde
havia se arrastado pela lateral da madeira, manchando-a, um aviso para todos
verem. Não sobrou ninguém vivo para enterrar os corpos.
— Vamos, Logan, — eu sussurro, direcionando-o para a direita. —
Vamos contornar isso.
Algo me impede de querer caminhar no meio de toda aquela carnificina.
Mas à medida que avançamos e alcançamos outras cidades pequenas, é mais
do mesmo. Alguns são retirados dos corpos, como se alguém tivesse cuidado
deles, deixando o que resta apenas uma cidade fantasma. Mas todos ostentam
a mesma imagem pintada num único edifício.
Uma maçã vermelha pingando sangue.
Na quinta cidade que encontramos, ela está tão destruída quanto as
outras, mas há uma diferença significativa.
Há pessoas aqui. Pessoas que estão vivas.
Elas estão claramente tentando fazer a limpeza após a destruição, alguém
usando uma carroça para carregar os corpos enquanto alguns vasculham o que
podem dos escombros. Em sua maioria são pessoas normais, algumas com
características de criaturas. Elas ficam ocupadas enquanto se movem. Nem
mesmo as crianças ficam ociosas, vasculhando os escombros das casas na
tentativa de encontrar algo útil.
Vou até a pessoa mais próxima, tentando ao máximo levantar uma viga
estreita. Sendo uma mulher mais velha, ela não parece estar em condições de
levantar uma jarra de leite, muito menos uma trave. O suor cobre sua testa
enquanto ela grunhe com sua luta.
— Permita-me, — eu digo, me abaixando e levantando a pequena viga
para que ela possa puxar o cobertor que estava debaixo dela. Quando abaixo a
trave novamente, ela olha para mim com gratidão e decido ver o que posso
descobrir. — O que aconteceu aqui? — Eu pergunto, olhando em volta.
A velha faz uma careta.
— Branca de Neve — ela murmura. — A garota é tão demoníaca quanto
os sete com quem ela viaja. — Ela sai antes que eu possa fazer mais perguntas,
em busca de mais coisas para guardar, os dedos agarrando o cobertor
chamuscado em seus braços fracos.
— Logan, — eu murmuro, olhando para o carcaju. — Estou começando
a achar que este mundo está com sérios problemas. — Ele olha para mim,
falando com os olhos. Isso ou vou ficar louca. — Não sei como ajudar.
Um homem aparece tão de repente que quase morro de medo quando
ele agarra meu pulso e me puxa em sua direção. Eu rosno e me movo para me
afastar, mas outro aparece, com o rosto contorcido de dor. Estou cercada por
pessoas antes que eu perceba, seus olhos em minhas roupas e depois em meu
rosto.
— Onde estão os Lordes? — O primeiro homem exige. Mais moradores
da cidade começam a se aproximar, e os resmungos se transformam em gritos.
— Onde eles estão?
— Quem? — Eu pergunto, embora eu saiba de alguém de quem eles
falam.
— Os Lordes! Você sabe onde eles estão?
— Desculpe...
— Você usa o brasão do Lorde dos Pagãos na manga! — outro grita e eu
olho para o símbolo sobre o qual não pensei em perguntar. Um pequeno brasão
com uma âncora e algum tipo de fera, quase parecendo um leão, mas não. Está
costurado na camisa para que todos possam ver e claramente, sou a única que
não sabe o que significa.
Fazendo uma careta, tento me afastar deles, não querendo ameaçá-los,
mas também não querendo ser espancada até a morte por coisas além do meu
controle. Logan rosna aos meus pés, atacando aqueles que chegam perto
demais.
— Desculpe. Não posso ajudá-los — tento, desesperada para fugir das
expressões de raiva.
— Os Lordes deveriam nos proteger! — Uma mulher lamenta, cobrindo
os olhos. Um grande arranhão corta seu rosto, fazendo-a parecer horrível onde
ainda não havia cicatrizado.
— Eles estão se escondendo exatamente como a rainha má disse que
fariam!
— Estamos condenados!
Mais e mais pessoas se aglomeram ao meu redor, me empurrando,
exigindo respostas que não posso dar. Sou empurrada de um lado para o outro,
mas ainda assim não saco minha arma. Eles estão assustados e preocupados e
não quero ser uma ameaça. Não quero ter que machucá-los por causa do medo
deles. Os Lordes deveriam ajudá-los. Tudo o que eles sabem é que não são.
— Desculpem! — Eu grito. — Eu não sei de nada. Eu não sou daqui.
Mas meus gritos não são ouvidos enquanto me cercam completamente,
uma multidão que está em frenesi. Se eu não sair do centro, serei pega em algo
do qual não terei escolha para sair.
— Onde está o Barba Azul? Onde está o Capitão Covarde?
Ergo as mãos na direção das pessoas, tentando acalmá-las, para mostrar
que não sei como ajudar.
— Eu não sei de nada — tento de novo, esperando que eles ouçam,
sabendo que não vão.
Alguém pega uma pá como se fosse me acertar e minha arma sai do
coldre mais rápido do que eu pensava, meu dedo no gatilho caso eu precise
fugir rapidamente antes que eles me amarrem e me apedrejem morrer. Não
quero machucá-los, mas se me atacarem primeiro, não terei escolha.
Antes que eles possam fazer isso, um novo homem aparece, com o rosto
coberto para esconder sua identidade. Cada pessoa que me rodeia faz uma
pausa na sua presença, como se a sua aparência por si só exigisse respeito.
— Deixem-na em paz — ele ordena, e tudo que consigo distinguir é uma
barba curta em volta de seu queixo. — Ela claramente não sabe de nada.
Os habitantes da cidade resmungam e começam a se separar conforme
ele se aproxima, como se sua palavra fosse lei. Somente quando ele está bem
na minha frente é que ele puxa o capuz e me mostra um rosto que seria
impressionante se não fosse pelas cicatrizes que cortam seu queixo e
bochechas. Ainda assim, mesmo com tais falhas, mesmo com um olho turvo,
como se não pudesse usá-lo para ver, ele é um homem lindo. A armadura de
couro que ele usa apenas se presta à imagem. Todo mundo gosta de um
homem que se comporta como se soubesse o que está fazendo.
Ele estende a mão quando se aproxima e eu imediatamente a aperto,
grata por sua interferência.
— Eu sou o Caçador — ele oferece, com a voz como se tivesse engolido
cascalho. — Você é?
— Bell — respondo depois de apertar sua mão e recuar. Só então coloco
minha pistola de volta no coldre, o perigo já passou.
Ele descansa as mãos nos quadris como se minha presença fosse
completamente surpreendente para ele.
— Bem, Bell, — ele diz, encontrando meu olhar. O olho nublado também
se concentra em mim, como se pudesse ver através dele. Seu rosto está sério
enquanto fala, e sei que ele é importante o suficiente para merecer respeito,
mesmo que não saiba por quê. — O que traz você ao Inferno que Branca de
Neve criou?
Capitulo 24

— Bem, não posso dizer que você não teve a pior sorte que já vi — admite
o Caçador depois que explico de que mundo vim e como cheguei aqui. — Já vi
alguns com muito pior sorte que a sua.
Bufando, eu balanço minha cabeça. — Que bênção não ser a pior.
Ele sorri.
— Eh, pelo menos você está viva. — Mas então seus olhos percorrem
novamente a cidade, em direção à pilha de corpos esperando para serem
levados para seus túmulos. — Muitos não podem dizer o mesmo.
Simpática, estendo a mão e toco seu ombro. — Esta era a sua cidade?
— Não — ele responde honestamente. — Eu estava de passagem e vi que
eles precisavam de ajuda. Aqui, se você não é um monstro, um pagão ou um
trapaceiro, você está praticamente sozinho. Os Lordes não se importam em
atender aos camponeses.
Franzindo a testa, passo meu dedo ao longo do símbolo em minha
manga, tentando arrancá-lo se isso continuar a me causar problemas quando
me deparar com pessoas.
— Os Lordes não ajudam em nada?
O olhar do Caçador desce para minha manga, onde estou tocando o
brasão, e levanta as sobrancelhas.
— Eles não têm um grande histórico de fazer muita coisa, exceto punir
aqueles sobre os quais detêm o domínio, nem sempre da maneira correta, e
satisfazer seus próprios prazeres egoístas. Os três, combinados, são tão inúteis
quanto uma carroça sem rodas, se você me perguntar.
Olho para Logan.
— Mas eles não deveriam ser algum tipo de poder? — Lembro-me das
palavras de Morris enquanto ele explicava os Lordes e o que eles faziam, mas
quanto mais penso sobre isso, Morris não os mencionou nenhuma vez
ajudando as pessoas que realmente vivem em Grimm.
Como se eles não importassem. Como se não passassem de insetos.
— Eles costumavam ter, — O Caçador dá de ombros. — Agora? Eles não
são mais poderosos do que o próximo monstro, eu diria, especialmente com a
magia flutuando tão descontroladamente durante a fusão. Um dia, uma seção
inteira dos Grimm acordou duas vezes mais poderosa e três vezes mais
irritada. Eles começaram a atacar as cidades mais próximas antes que alguém
tivesse qualquer aviso.
— É daí que vem a Branca de Neve? — Eu pergunto, curiosa.
Sua expressão fica sóbria, seus olhos ficam escuros.
— Não — ele responde. — Não. Neve é algo completamente diferente.
Seu tom me diz que ela não é alguém que eu queira encontrar antes de
sair de Grimm. Seus olhos me contam os horrores que ele já a viu cometer.
— De qualquer forma — ele continua como se não tivesse feito uma
pausa para reviver algum horror. — Rumpelstiltskin está preocupado em
encontrar sua estrela desde a última vez que ouvi. Não vejo o Lorde dos
Malandros desde que Liliana foi massacrada e eles escaparam de suas garras
depois de mim. Tentei avisar o capitão Barba Azul sobre os horrores, mas devo
presumir que ele não recebeu minha mensagem.
Eu inclino minha cabeça. — Aquele arranhado na porta?
Com as sobrancelhas levantadas, o Caçador olha mais de perto para mim.
— Você viu?
Fazendo uma careta, dou de ombros como se não fosse grande coisa.
— Eu invadi o castelo dele.
Duas piscadas lentas. — E você sobreviveu?
Dando de ombros novamente, eu respondo: — Ele não é tão assustador.
— Barba Azul é um dos Lordes, Bell. Se ele quisesse você morta, você
estaria — ele me lembra, como se eu não me lembrasse do que ele fez com a
Lesma Empolada.
— Você não disse que havia três Lordes? Se Rumpelstiltskin se foi e Barba
Azul está escondido, então quem é o terceiro?
O Caçador entregou algo a uma das pessoas da cidade que passava e só
quando ele se virou para mim é que percebi que era um pedaço de pão.
— O Rei Sapo. Ele é o Senhor dos Monstros, mas é ainda mais covarde
do que os outros dois. Ele não foi visto fora de seu castelo desde que o mundo
começou a enlouquecer e Neve subiu em poder. — Ele suspira. — Ele está com
medo, como todos nós.
— Então, você está dizendo que Grimm está condenado? — Eu pergunto,
franzindo a testa. Certamente, Barba Azul já teria ajudado se soubesse de tudo
isso, certo?
— Se os Lordes não fizerem nada, se ninguém vier ajudar Grimm, então
sim. Neve é muito poderosa e aqueles de nós que sobraram não são fortes o
suficiente para enfrentá-la. Mesmo com grandes números, não temos chance.
— Ele gesticula novamente para as pessoas. — Estou ajudando-os a empacotar
o que podem e depois iremos para outro mundo.
Eu me animei com suas palavras, desesperada por respostas. — Sou de
outro mundo, como tenho certeza que você adivinhou. Estou tentando voltar
para lá. Pode me ajudar?
— Receio não saber muita coisa. O único plano que temos é encontrar a
fusão mais próxima e escapar antes que Neve tome conhecimento de nossos
planos. Estamos levando conosco o máximo que pudermos. Você é sempre
bem-vinda para participar.
Desinflando, eu balanço minha cabeça.
— Obrigada, mas vou continuar. Eventualmente, terei que encontrar um
caminho de volta ao meu mundo, certo?
Ele inclina a cabeça.
— Olha, não estou tentando influenciar você, mas seria melhor você sair
de Grimm antes que ele caia no inferno em que Neve está tentando transformá-
lo. Sei que nosso método não é o que você pretendia, mas pode ser mais seguro
para você do que procurar o seu.
Mordendo o lábio, olho para a floresta novamente. — Não há ninguém
que possa me ajudar?
O Caçador hesita e posso ver que ele sabe algo que não quer dizer, mas
em vez de se conter, ele finalmente admite: — Eu sei que Rumple fugiu em
direção ao leste, que ele encontrou alguém lá para ajudá-lo a encontrar seu
estrela. Talvez essas mesmas pessoas possam ajudá-la a encontrar o caminho
de casa? Se Rumple foi corajoso o suficiente para correr até eles para salvar sua
mulher, então eles devem ser boas pessoas. — Ele balança a cabeça. — Mas não
tenho certeza disso, então tome cuidado. Essa é a única informação que posso
lhe dar.
— Leste? — Repito, olhando na direção.
Ele concorda.
— Siga o sol quando ele estiver deste lado do céu e as duas estrelas mais
brilhantes à noite. — Ele faz uma careta. — Construa algum tipo de abrigo à
noite. Sua fera parece feroz, mas duvido que consiga enfrentar as criaturas de
Grimm.
— Agradeço sua ajuda — digo honestamente. — Seriamente. Obrigada.
— Que você se mova tão rápido quanto o vento, Bell de Outro Mundo —
ele responde, virando-se para ir embora. — E que você viva para contar sua
história.
— O mesmo para você — eu respondo. — Você sempre terá uma amiga
na Terra.
Ele sorri por cima do ombro para mim.
— Terra — ele repete. — Eu gostaria de ter uma amiga na Terra.
E então ele vai ajudar uma mulher a colocar uma caixa em uma carroça
e eu olho para Logan.
— Bem, amigo. Leste é isso. — E nós dois seguimos nessa direção, apesar
dos perigos que nos espreitam.
Algo me diz que ainda não vimos o pior que Grimm tem a oferecer, e não
estou ansiosa para conhecê-los.
Capitulo 25

Por entre as árvores, observo Bell conversar com o Caçador,


familiarizando-se com ele, e algo em mim se enfurece com isso. Eles parecem
tão despreocupados em suas conversas, apesar do tom do ambiente. Ela nunca
pareceu relaxada na minha presença daquele jeito. Não importa que seja minha
culpa que ela não o faça. Minha mente quer ser ciumenta e possessiva.
Mas não tenho direito a Bell.
Posso ouvir a conversa, quase saí das árvores quando as pessoas da
cidade a cercaram e gritaram sobre mim porque ela estava usando meu
símbolo. Eu não tinha pensado sobre isso, não tinha entendido que tipo de
atenção usar meu brasão poderia trazer, mas claramente, eles estão com raiva
de mim.
Como eles têm o direito de estar.
Fiquei com raiva, mas no final não fiz nada, e quando o Caçador apareceu
para salvar Bell, relaxei ainda mais. Os camponeses de Grimm,
compreensivelmente, perderam a fé nos Lordes, não que houvesse muita coisa
lá para começar. Enquanto ouço o Caçador explicar como somos inúteis,
começo a perceber o quanto ele está certo. Sempre estivemos mais
preocupados em manter nossos títulos, em fazer show do que em ajudar
alguém. Embora intervenhamos para enfrentar os trapaceiros, os monstros, os
pagãos, não ajudamos aqueles que sofrem no rescaldo.
Nunca foi nosso dever.
Ou nunca cumprimos o dever que deveríamos cumprir?
Agora, eles têm o direito de sentir o que sentem. Cidades inteiras estão
morrendo e sendo destruídas. Branca de Neve está abrindo caminho através
de Grimm. Eu passei por algumas cidades rastreando Bell e é muito pior do
que eu esperava.
Posso admitir quando estou errado. Só não em voz alta.
Grimm está sofrendo, morrendo, sendo destruído, e aqui estou eu...
seguindo uma mulher que não quer ser seguida pela floresta em vez de ajudar
os camponeses que precisam.
Eu mereço os nomes que me chamam, mas realmente não me importo
com o que pensam de mim.
Não estou em dívida com ninguém. E agora, com a mudança do mundo,
o título de Lorde não significa nada. Rumple está vagando por outros mundos.
O Rei Sapo é tão covarde quanto sempre foi. E não posso me dar ao trabalho
de ajudar ninguém por medo de que minha maldição se espalhe.
Bell e o Caçador acenam um para o outro e ela se vira para o leste,
preparando-se para caminhar com sua criatura em uma nova direção. A luz a
atinge por uma fração de segundo, realçando sua beleza, e minha respiração
falha. Isso é perigoso. Eu não deveria estar seguindo ela.
Mas quando ela começa a andar novamente, eu a sigo a uma distância
segura, certificando-me de que ela não saiba que estou aqui. Posso pelo menos
mantê-la segura de longe e no caminho de volta ajudarei onde puder. Talvez.
Isso é apenas para deixar Morris feliz. Ele a quer segura, então ela estará
segura.
Sim, isto é apenas para apaziguar Morris.
Capitulo 26

— Ah, devemos marchar para dentro desta cabana, pegar um colar e sair?
— pergunto, olhando para a cabana estranhamente branca por entre as
árvores. Enquanto observamos, pequenas criaturas aladas entram e saem das
janelas, carregando algo que não consigo distinguir com meus olhos humanos.
Se Cheshire e Rumple conseguem ver o que estão fazendo, nenhum dos dois
fornecerá a informação.
— Isso foi o que o Bartender disse — confirma Rumple. — Supostamente,
essa criatura roubou um medalhão dele e ele o quer de volta. Se conseguirmos,
ele nos dará as informações que precisamos.
— Por que não pegar ele mesmo? — Cheshire pergunta, sempre
cauteloso. Ele está pensando a mesma coisa que eu. Se fosse uma tarefa fácil, o
Bartender já o teria recuperado.
Encolhendo os ombros, Rumple tira uma faca grande do quadril e encara
as criaturas menores.
— Ele também disse que os menores não têm olhos.
— E nós confiamos nele? — Eu pergunto seriamente, fazendo uma careta.
— Ele não estava muito interessado em admitir quem ele era para começar e
agora de repente ele tem todas essas informações para entrarmos e roubarmos
um colar?
— Confiar? — Rumple repete e balança a cabeça. — Não. Não confio nele,
mas acredito que ele quer que recuperemos este medalhão e, portanto, nos dará
as informações que ele sabe que com certeza farão com que isso aconteça.
Apertando os olhos para a cabana, observo enquanto mais pequenas
criaturas se afunilam para dentro.
— Por que a madeira é branca? — Estou pensando que é algum tipo de
árvore especial. Existem árvores brancas aqui na Floresta Encantada? Eu
realmente não sei.
Cheshire olha entre mim e a cabana. — Não é madeira, Cal.
Essas palavras fazem meu coração afundar e qualquer pensamento de
que isso será fácil no final desaparece. Se não for madeira, é algo pior, e só pode
ser um punhado de coisas.
— Vamos acabar com isso, — Rumple resmunga antes de se levantar. —
Os pequenos não têm olhos, então deveríamos poder entrar e sair sem que eles
vejam. Enquanto estivermos quietos, ficaremos bem.
O desconforto me preenche. O plano parece muito simples. Não permite
problemas que possam surgir. Isso não leva em conta o fato de que qualquer
predador que não use a visão geralmente tenha outros sentidos aguçados. E
Rumple continua dizendo “os pequenos”. Isso significa que há um grande
problema?
— Rumple... — eu tento, querendo expressar que meus instintos estão
nos dizendo para agirmos com mais cuidado.
— Estamos perto, Cal — diz ele, virando-se para mim.
Há uma selvageria em seus olhos que reconheço, um desespero que eu
entendo. Evangeline está fora de alcance e conseguir este medalhão nos trará
um passo mais perto, esperançosamente. Mas nada disso importa se formos
presos ou, pior, comidos. As pequenas coisas voadoras definitivamente
parecem que poderiam nos comer. Certamente há um número suficiente delas.
— Estamos tão perto — ele repete. — Só precisamos daquele medalhão e
estamos um passo mais perto.
— Tudo bem — resmungo, cruzando os braços sobre o peito. — Mas se
as coisas derem errado, saímos e nos reagrupamos.
Rumple acena com a cabeça, mas não acredito na afirmação,
especialmente porque ele não fala isso em voz alta. As palavras são
obrigatórias e ele as evita propositalmente. Juntos, nós três nos abaixamos e
escorregamos das árvores. No alto, as pequenas criaturas passaram
rapidamente, algumas entrando na cabana, outras saindo. As que saem estão
de mãos vazias. As que estão indo...
— Isso são dentes? — Eu sussurro tão baixo que apenas Cheshire pode
ouvir. Ele olha para mim e acena com a cabeça uma vez em resposta,
confirmando meu medo. Os menores levam os dentes para a cabana e saem de
mãos vazias.
Que porra é essa?
Eles não parecem notar nossos movimentos quando passamos por baixo
deles e só quando chegamos à porta da cabana é que entendo exatamente do
que ela é feita. À distância, presumi que fosse madeira branca. Afinal, você
constrói casas com madeira. Mas Cheshire disse que a cabana não é feita de
madeira, seus olhos à distância são muito mais aguçados que os meus. Tão
perto, não preciso de bons olhos para entender.
Ossos.
A cabana é feita de ossos. Fêmures, costelas, alguns que não reconheço
como humanos. São tantos que a estrutura é literalmente construída com eles,
erguendo-se do chão como as catacumbas de Paris sobre as quais uma vez
assisti a um documentário. Existem tantos crânios, pequenos e grandes,
humanos e não. Meu estômago se revira enquanto sigo Rumple até a porta e
ele gentilmente começa a abri-la nas dobradiças silenciosas. Onde sua mão toca
o osso de que a porta é feita, meus olhos seguem, e o desgosto me atinge pela
forma como está misturada como uma estranha obra de arte.
Desde que cheguei ao País das Maravilhas, vi muitas coisas, mas de
alguma forma, apesar do sangue que testemunhei, esta casa de ossos é o que
finalmente faz meu estômago revirar. Nem faz sentido.
Ficamos em silêncio enquanto Rumple abre um pouco mais a porta. Lá
dentro, as criaturas menores estão por toda parte, subindo nas prateleiras e
superfícies próximas ao topo do teto. No canto, há uma grande pilha de dentes
esperando sabe-se lá o quê, que só parece crescer à medida que as criaturas vão
caindo em pedaços. Isso é o que são as fadas dos dentes? Passei anos colocando
moedas debaixo do travesseiro de Atlas quando criança, suspeitando que
minha mãe estava arrancando os dentes em um estranho ataque de nostalgia,
mas... foi para lá que eles foram?
Uma das pequenas fadas dos dentes pousa na mesa à minha frente e eu
dou uma boa olhada nela enquanto ela se pavoneia ao longo do osso ali. Nossas
histórias de fadas dos dentes as retratam como criaturas minúsculas e
adoráveis, tão brilhantes quanto lindas. Estas não são nada parecidas com
aquelas. Seus corpos são pálidos e irregulares, com características dismórficas
transformadas em estranhas aparências de corpos. Elas têm mãos que
ostentam apenas três garras afiadas, mas seus pés são apenas pequenos
espinhos afiados. Grandes cabeças bulbosas sem olhos cobrem seu corpo, uma
grande boca aberta cheia principalmente de molares e um par de caninos. Asas
esfarrapadas que parecem quase inúteis para voar tremulam em suas costas
em agitação. Eu fico olhando para ela enquanto ela se estica, emitindo um
estranho som de grunhido, e sai correndo novamente, com os olhos
arregalados.
Cheshire pressiona o dedo na boca, lembrando-me de ficar quieta. Como
se eu não soubesse. Como se eu quisesse ser atacada por milhares de fadas dos
dentes. Eu gosto dos meus dentes. Prefiro mantê-los na minha cabeça,
obrigada.
Rumple aponta para a parede onde estão penduradas várias coisas. O
Bartender deu a ele um esboço da aparência do medalhão e ali, pendurado na
parede, está um colar que se parece exatamente com o desenho. É de cor
branca, feito de algum tipo de chifre, disse o Bartender, e olhando em volta,
entendo como acabou aqui.
Rumple se move em direção à parede, estendendo a mão lentamente.
Antes que seus dedos possam tocar o medalhão, vejo uma das criaturas
menores correr para seu chifre. Ele congela quando o animal se agarra ao chifre
e pousa nele, com aquelas pernas minúsculas e pontiagudas se equilibrando.
Eu fico olhando com os olhos arregalados enquanto a fada dos dentes se move,
claramente confusa sobre o que é essa nova peça de mobília, tocando o chifre
com curiosidade. Não deveria haver nada lá. Outro pousa no mesmo chifre e
eles tagarelam para frente e para trás, como se estivessem discutindo o assunto.
Cheshire toca minha mão, me impedindo de avançar enquanto nós dois
prendemos a respiração com a visão diante de nós.
Outro pousa na ponta do outro chifre, claramente angustiado com a
novidade que está em seu caminho.
Os olhos de Rumple oscilam entre o medalhão e nós, antes de ele se
concentrar nas três fadas dos dentes penduradas em seus chifres e descendo
para encontrar a fonte. Assim que chegarem à cabeça dele, entenderão que há
intrusos na cabana. Porra. Porra!
Dando um tapinha no ombro de Cheshire, aponto para o medalhão,
gesticulando que deveria haver um senso de urgência. Cheshire, vendo a
mesma coisa que eu, começa a se mover lentamente ao longo da mesa,
estendendo a mão para pegar o medalhão. Rumple permanece o mais imóvel
possível, sem ousar se mover e incitar as fadas. Ele observa enquanto Cheshire
estende a mão lentamente, suas garras a apenas alguns centímetros do
medalhão, antes de diminuir a distância completamente. Estou prendendo a
respiração enquanto ele o levanta suavemente do gancho, segura-o por um
segundo, e seus ombros relaxam quando nada acontece imediatamente. As
criaturas não entram em frenesi. Nenhum bloqueio mágico é acionado. Nada.
Cheshire aponta a cabeça em direção à porta e eu me viro para liderar o
caminho, pronta para sair desta casa assustadora.
As fadas na cabeça de Rumple começam a chiar de agitação, movendo-
se cada vez mais para baixo enquanto Cheshire passa por ele e chega à porta
com pés que não fazem barulho. Na porta, nós dois olhamos para Rumple
imóvel, sabendo que não há nada a fazer a não ser sacudi-las e fugir. O
medalhão está firmemente preso nos dedos de Cheshire, protegido.
Rumple encontra meus olhos e eu aceno lentamente, dizendo que
estamos prontos. Respirando fundo, todos ficamos tensos e nos preparamos
para correr enquanto Rumple se endireita e começa a balançar a cabeça
violentamente. As três fadas dos dentes voam, chiando de raiva e confusão,
agitando-se descontroladamente enquanto Rumple corre em nossa direção,
mas aqueles chifres são claramente algo com o qual ele não está tão
acostumado quanto deveria. A ponta de um deles fica presa no lustre de osso
pendurado no teto, tilintando nele, e as fadas ali sentadas são arremessadas.
Onde antes havia apenas três criaturas irritadas, desta vez há muito mais no
lustre.
A cabana fica imóvel.
Todas as fadas dos dentes congelam onde estão, com as cabeças
inclinadas para o lado enquanto ficamos em silêncio e imóveis. Rumple está
fazendo uma careta, mal ousando se mover quando há tantas pessoas ouvindo.
Uma porta na parte de trás da cabana é aberta tão de repente que nós três
pulamos com o som alto. Meus olhos vão para a porta e para a criatura parada
ali e eu juro que o sangue em minhas veias congela.
Certa vez enfrentei a Rainha Branca distorcida pela magia de Alice. Fui
para a guerra contra o Jabberwocky e o Bandersnatch. Lutei na Terra do Nunca
e Oz, enfrentei os Garotos Perdidos e macacos voadores. Mas isso? Não, não
estou preparada para isso.
Pele cinza e incrustada com pedaços de osso, seu rosto parecendo
espinhos, seja lá o que ela seja, ela é assustadora. Não há lábios. Há apenas
rosto e dentes comprimidos em um rosnado. Ela é humanóide, mas de forma
alguma é humana. Grandes chifres em forma de espinha se projetam de sua
testa, curvando-se para cima e para trás. Suas roupas são feitas de tecido e
decoradas com ossos. Do jeito que ela se move, o tecido parece couro e, a julgar
pelo resto da roupa, não acho que seja de vaca.
— Uma fada dos ossos — Rumple murmura, quase em silêncio, e na sala
repleta de sentidos aguçados, sei que cometemos um grave erro ao vir aqui. —
Corram.
Tudo começa a se mover ao mesmo tempo. Cheshire me empurra porta
afora e começamos a correr o mais rápido que podemos em direção às árvores.
Rumple está bem atrás de nós, correndo pela porta uma fração de segundo
depois de terminarmos, gritando para que corramos e não paremos. Atrás de
nós, as fadas dos dentes erguem-se no ar como um enxame de gafanhotos e
flechas em nossa direção. A fada dos ossos sai correndo pela porta e grita em
uma língua que não conheço. Isso irrita ainda mais as fadas dos dentes. Seus
gritos de excitação chegam aos meus ouvidos.
— Se eu perder pelo menos um dente nisso, vou aceitar um dos seus
como pagamento — rosno, me esforçando para correr mais rápido.
— Só precisamos nos afastar um pouco mais — Rumple ofega,
grunhindo a cada captura de seus chifres nas árvores. — As fadas dos ossos
não vão muito longe.
— E as dos dentes? — Eu grunhi, me encolhendo com cada galho que
quebra minha pele.
— Essas irão mais longe, mas é menos provável que sigam para algum
lugar que não estejam familiarizadas. Voltamos para a cidade. Elas não gostam
de grandes multidões.
O enxame se aproxima de nós, se aproximando, e olho por cima do
ombro com medo. São tantas que não duvido que não nos levarão embora se
nos alcançarem. Seremos a próxima entrega. Mais perto. Mais perto. Até que
um pousa na cabeça de Cheshire e morde sua orelha. Ele grunhe de dor,
estende a mão e agarra a criatura, esmagando-a com a mão, mas é apenas uma
entre muitas. As outras estão logo atrás, mordendo nossos calcanhares,
puxando meu cabelo e minha camisa, tentando ganhar apoio nos chifres de
Rumple.
— Basta disso! — Eu rosno. — Não podemos ultrapassá-las.
Puxando a espada das minhas costas, me viro, preparada para enfrentá-
las, e o poder que está baixo em minhas veias desde o dia em que vim para o
País das Maravilhas, o poder que lentamente começou a aumentar desde que
fizemos nosso caminho para Oz, irrompe de mim. Ele sobe na espada,
iluminando as marcas e fazendo o metal brilhar. Meu cabelo começa a flutuar
com a estática no ar enquanto faíscas começam a disparar da ponta da minha
espada antes de se transformarem em chamas. Eu não penso nisso. Não me
concentro em nada, exceto em proteger Cheshire e Rumple. Não há momento
de excitação ou pânico. Eu só faço.
As chamas irrompem da espada e quando eu a balanço em um grande
arco, as flechas de fogo saem dela, queimando as fadas dos dentes no ar,
pegando fogo nelas. Seus gritos ecoam ao meu redor quando elas começam a
cair. Aquelas que não estão em chamas param e recuam, hesitantes em chegar
perto do calor. Eu balanço a espada novamente e elas dão meia-volta e correm,
o enxame voltando para o lugar de onde veio. Aquelas que estão no chão
grunhem e chiam, contorcendo-se com o fogo mágico que as está matando
lentamente. Pisco e o fogo desaparece. Sem dizer uma palavra, embainho
minha espada e enfrento os outros dois.
Os olhos de Cheshire estão arregalados. — Quando foi que isso...
— Eu não quero falar sobre isso, — murmuro, girando os ombros.
Cuidadosamente, toco sua orelha onde a fada desagradável tirou um pedaço
dela. Há sangue e falta um pequeno pedaço, mas não é nada fatal. Ele apenas
combinará com as outras pequenas peças que faltam.
Rumple me estuda, seus olhos no punho da espada aparecendo nas
minhas costas.
— Quando tantas pessoas poderosas permanecem umas em torno das
outras, os poderes tornam-se instáveis e crescem.
Aceno para ele, mas realmente não quero falar sobre as chamas que sinto
sob a pele, o inferno que está queimando dentro de mim há meses e que não
mencionei. Os outros estão lutando mais. Isso dificilmente precisava de estudo.
— Temos o medalhão? — Eu pergunto e Cheshire o segura, o pequeno
colar girando na luz, os símbolos gravados nele refletindo o sol perpétuo. —
Bom. Vamos.

O bar está lotado como sempre. Não me surpreende quando entramos


na taverna e todos param.
O Bartender ainda está limpando um copo, como se isso fosse tudo o que
ele fazia. Ele sorri quando aparecemos, seus olhos brilhando.
— Vocês sobreviveram.
— Você não disse que era uma fada dos ossos, — Rumple rosna, seu rosto
se contorcendo selvagemente.
— Você não teria ido se eu tivesse feito isso — o bartender dá de ombros.
— Ela é uma criatura desagradável, não é? Ela e suas fadas dos dentes têm
causado estragos nesta floresta há séculos, pelo que ouvi. Não podemos mais
ter cemitérios antes que os ossos sejam desenterrados pelas fadas dos dentes
dela.
— Nós temos um acordo.
Não digo a Rumple que é bobagem lembrar ao Bartender do acordo que
fizemos. Ele sabe o que foi atingido, pode ver que voltamos praticamente
inteiros.
O bartender pousa o copo e se apoia no balcão.
— Você tem?
Enfiando a mão no bolso onde o guardava em segurança, retiro o
pequeno medalhão e o seguro contra a luz. Os olhos do Bartender fixam-se
nele e agarram-se.
— Ah, vocês fizeram isso — ele murmura. — Há anos venho tentando
consegui-lo. — Ele dá a volta no balcão e só então percebo que está faltando
uma perna, o outro membro foi substituído por um pedaço de madeira. — Não
sou tão leve como costumava ser.
— A informação? — Eu digo, segurando o medalhão firmemente na
minha mão.
Seus olhos encontram os meus antes que ele olhe para os outros na
taverna e pigarreie. Como um só, todos eles se levantam e se afunilam,
deixando apenas nós quatro. Nenhum deles questiona o comando. Quando
está vazio, ele fala.
— Vocês vão querer encontrar o templo na terra ao Norte. A fusão se
estabilizou e vocês não ficarão presos lá. Assim que chegar à borda onde as
árvores mudam das nossas para outras mais grossas e verdes, virem para
nordeste e caminhem até esbarrar nele. O templo contém as respostas que
vocês procuram.
Olho para Rumple.
— É isso? — Eu pergunto, confusa. — Basta encontrar o templo.
— Vocês queriam saber quem poderia ajudá-los. Eu lhes disse onde vocês
podem encontrar essa ajuda. — Ele estende a mão. — Agora, o medalhão, por
favor.
Quando Rumple acena que está feliz com a informação, estendo a mão e
coloco o medalhão em sua mão que está esperando. Ele suspira quando toca
sua pele e gentilmente abre o medalhão. Dentro há a foto de uma mulher e dois
filhos. Ele sorri gentilmente, embora eu possa ver a tristeza em seus olhos.
— As fadas dos dentes tiraram o medalhão da minha mesa de cabeceira
porque é feito de osso — ele murmura. — Uma herança de família. — Ele
segura a foto para eu ver. — Minha esposa e filhos.
Meu coração dói no peito com a realização. Não estávamos lá para roubar
algo de valor real. Não era nada mágico nem valia peso em ouro. Foi algo que
significa mais para o Bartender do que qualquer outra coisa.
— Onde eles estão? — Eu pergunto gentilmente.
O barman dá de ombros.
— Perdidos nos mares há muitos éons, infelizmente. — Ele fecha o
medalhão. — Mas isso — ele toca o colar. — Esta é a única foto que tenho deles
e agora, graças a vocês, posso ver seus rostos sorridentes novamente. Vocês
têm meus agradecimentos.
E então ele manca de volta até o balcão e se senta, virando as costas para
nós.
— Boa sorte na sua caçada — diz ele sem olhar para nós. — Vocês vão
precisar disso.
O deixamos com a sua bebida e sem perder mais um segundo, viramos
para Norte, seguindo a próxima informação.
Um passo mais perto de encontrar Evangeline.
Capitulo 27

O Parque Nacional de Yellowstone está sempre cheio de sons. Quer os


insetos cantem a sua canção, quer os pássaros nas copas das árvores, quer o
raro grito de um leão da montanha, nunca há silêncio. Há um mundo inteiro
que se move ao seu redor, quer você esteja entrando nele ou não.
Que estranho que quando estou num mundo completamente diferente
agora, num mundo realmente novo, não siga as mesmas regras.
O ar está carregado com alguma coisa e, a princípio, eu poderia ter
chamado isso de eletricidade estática, mas quanto mais ando, mais decido que
está carregado de magia. Algumas árvores parecem mais fortes perto delas, e
essas árvores são sempre mais estranhas que suas contrapartes. Uma delas tem
uma substância escorregadia de óleo escorrendo, da qual eu evito. Outros
pequenos cogumelos com as cores do arco-íris saltam da casca, subindo e se
espalhando, tão brilhantes mesmo na escuridão que devo presumir que estão
brilhando. É como se o próprio mundo se confundisse com o que quer que seja
essa fusão e a magia no ar fosse um produto disso.
Eu me pergunto quando isso vai começar a acontecer no meu mundo.
Claro, se as pessoas estão sendo comidas aleatoriamente por portais
estranhos, suponho que já esteja lá. Quando voltar para casa, preciso
seriamente divulgar as notícias. Deve haver um caos generalizado que ainda
não atingiu a área remota em que vivemos.
Enquanto Yellowstone é sempre uma sinfonia de sons, Grimm é
principalmente silencioso. De vez em quando, o som de alguma vida selvagem
estranha chega aos meus ouvidos, mas tudo fica em silêncio, como se
predadores estivessem por toda parte, mas eu sei que não é por minha causa.
É o suficiente para me enervar e me fazer caminhar cautelosamente por entre
as árvores. Observo meus passos com cuidado, examino tudo ao meu redor em
intervalos regulares e mantenho a mão no topo da arma, só para garantir. O
que eu não daria pelo meu rifle agora.
Estou tão concentrada em me mover com cuidado por entre as árvores
que ele quase surge do nada na minha frente antes que eu o veja. Piscando
rapidamente para a estrutura repentina à minha frente, protejo meus olhos e
olho para cima, para cima, para ela.
Uma torre.
— O que você acha que é isso? — Pergunto a Logan com uma carranca.
Percebendo que pode ser bom para um abrigo temporário, digo: — talvez
devêssemos dar uma olhada.
Caminhamos ao redor da torre na base, em busca de uma porta, mas
quando nos encontramos no mesmo local, percebo que não há porta nenhuma.
Quando ando para trás e olho para cima, a única coisa que consigo encontrar
é uma janela.
— Que estranho, — murmuro, franzindo a testa.
Independentemente disso, não me servirá de nada se eu não conseguir
chegar lá. Seria um desperdício de energia preciosa tentar escalar a pedra
irregular e, para começar, não sei o que há dentro da torre. Pode haver algo
perigoso lá em cima. Não poderia haver nada. Mesmo assim, parece melhor
continuar e construir meu próprio abrigo.
— Vamos, Logan, — eu sussurro, me virando para sair. O Caçador disse
que minha viagem levaria alguns dias e, embora eu não me importe de
acampar sob as estrelas, um abrigo seria o ideal. Preciso de algo na minha
cabeça, principalmente porque o Caçador avisou que eu precisava. Mas esta
torre? É inútil para mim.
No momento em que estou me virando para ir embora, sou congelada
por uma voz acima de mim.
— Você gostaria de subir?
Viro-me, procurando a clareira ao meu redor antes de seguir meus olhos
pela torre. Só vejo escuridão dentro da janela, e quando aperto os olhos para
tentar focar melhor, algo reflete ali, dois pontos.
Como olhos...
Dou um passo para trás, desconfortável.
— Uh, não, obrigada — digo com cuidado. — Peço desculpas. Eu não
sabia que alguém estava aqui.
Uma risadinha.
— Suba. Vou jogar uma corda para você. É seguro aqui — diz a voz
novamente, definitivamente feminina.
— Não, obrigada — repito com firmeza, dando outro passo para trás. —
Tenha uma boa noite.
— Como quiser — ela responde com outra risadinha. Os olhos reflexivos
na escuridão piscam e meus instintos gritam para eu sair daqui, para fugir.
Estou prestes a me virar e sair correndo dali, sem me importar se vou dar
as costas para um predador, quando uma mão pousa no meu ombro e quase
me faz fazer xixi. Eu grito e tento me afastar, apenas para perceber exatamente
quem está me segurando.
— Não é seguro aqui — rosna Barba Azul, puxando-me para longe da
torre e para dentro da floresta novamente.
— Estraga prazeres! — a voz chama novamente da torre, rindo enquanto
Barba Azul rapidamente me leva para longe da torre e coloca distância entre
nós até que eu possa respirar novamente. Somente quando estamos longe o
suficiente para que a sensação diminua é que me afasto do capitão com um
grunhido.
— Solte-me!
— Você está tentando se matar? — ele rosna, aproximando-se.
— Foda-se, — eu rosno, recuando. — Estou fazendo o que tenho que
fazer. Não, graças a você. Por que você está aqui?
— Salvando sua bunda!
Meu rosto se contorce.
— Eu estava indo muito bem antes de você aparecer, você...
— Você é muito frustrante... — ele começa, mas eu já estou farta.
— Você não tem o direito de reclamar de mim, seu idiota mal-humorado!
Carrancudo, ele agarra meu pulso novamente e começa a me arrastar
ainda mais para dentro da floresta. Logan curva os lábios ao me segurar, mas
quando Barba Azul levanta os dedos, Logan segue alegremente sem reclamar.
Começo a bater nele, com necessidade de fugir, com raiva por ele estar
aqui depois de tudo. Eu o chuto, desferindo golpes sólidos, mas o tanque de
um homem nem parece notar.
— Me. Deixe. Ir! — Eu grito, batendo nele o mais forte que posso.
Ela nos faz parar e eu estou ofegante embaraçosamente enquanto nos
enfrentamos, a raiva tomando conta de mim. Meu cabelo está bagunçado em
volta do meu rosto, o ar úmido o deixando um pouco crespo. Estou olhando
para ele, com os dentes à mostra como um animal raivoso, e ele está olhando
para mim com o fogo de mil fúrias em seus próprios olhos. Se eu achasse que
poderia vencer, estaria me lançando sobre ele agora mesmo, preparada para
derrubá-lo e escapar, mas o tamanho dele é uma grande vantagem. Aquela
âncora em sua bochecha se contorce com sua ira e meus olhos são atraídos para
ela.
Anseio por jogar algo nele. Uma cadeira. Uma faca. Eu mesma.
O pensamento me faz piscar, mas não recuo.
— Você pode voltar a se esconder na porra do seu castelo em uma colina,
seu idiota mal-humorado, porra...
Barba Azul se move mais rápido do que posso reagir. Num momento, ele
está enfrentando minha raiva, no próximo, ele está na minha frente, sem
distância entre nós. Eu me esforço para recuar, mas antes que eu consiga, suas
mãos estão em mim e me puxam para mais perto. Seus lábios estão selados
sobre os meus um momento depois e meu cérebro perde toda a capacidade de
funcionar.
É isso. Eu fui transformada em uma maldita donzela porque um homem
sexy está me beijando.
Eu odeio isso.
Seus lábios se movem sobre os meus, me reivindicando, mais suave do
que eu imaginava. Sua barba roça minha pele, deixando para trás gotas de
consciência que me fazem lentamente entrelaçar meus próprios braços ao
redor dele. Estou prestes a jogar toda a cautela ao vento enquanto sua língua
procura entrada, enquanto seus dedos se enrolam em meu cabelo, quando me
lembro de quem exatamente estou beijando.
E o quanto ele me irrita.
Com um grunhido, empurro-o violentamente, mas ele não se move.
Então tiro minha pistola do coldre e pressiono-a contra sua barriga. Ele congela
ao sentir o cano tocando sua pele nua e lentamente recua, me liberando.
— Eu não dei meu consentimento — digo, rosnando cada palavra como
uma ameaça. Quando seus olhos caem para a arma em minhas mãos,
calculando se ele é mais rápido do que isso, mostro os dentes novamente. —
Que porra foi isso?
Um músculo em seu rosto se contrai e ele se concentra em mim
novamente.
— Não se preocupe com isso. Um erro, nada mais.
É como um golpe físico, apesar de ter sido quem o afastou. Ainda assim,
ninguém consegue me beijar daquele jeito depois de me tratarem do jeito que
ele fez. Eu mereço melhor. Eu mereço decência e cuidado e nada dessas
besteiras. Foda-se ele e aquele olhar presunçoso em seu rosto.
— Foda-se, — eu cuspo, guardando minha arma. — Volte para o seu
castelo agora e me deixe em paz.
Ele olha ao nosso redor e balança a cabeça.
— Devíamos voltar agora, antes que comece a escurecer.
— Eu não vou voltar — declaro. — Estou tentando encontrar o caminho
de casa, claramente.
— É perigoso — ele argumenta.
— Mas você também é! — Eu cuspo e ele para.
Esses olhos encontram os meus, seguram, certificando-se de que estou
prestando atenção.
— Sim, eu sou. — O ar de perigo se intensifica, mas a natureza selvagem
ao nosso redor ainda faz barulho. Não há muito perigo então.
— Você vai voltar comigo, — ele diz novamente, comanda, como se eu
fosse uma mulher indefesa que não discute.
Endireitando-me, levanto o queixo e toco a arma na minha cintura.
— Faça-me, — eu ouso.
A floresta ao nosso redor fica em silêncio.
Capitulo 28

E é assim que me encontro pendurada no ombro de um idiota enquanto


sou carregada pela Floresta Grimm como um saco de batatas.
Isso não é divertido.
Eu tinha desistido de bater nele e socar suas costas com os punhos porque
não adiantou nada. Barba Azul é muito grande e claramente meus golpes não
o afetam em nada. Isso ou ele simplesmente não sente dor. Qualquer uma das
opções é uma possibilidade distinta. Sério, o Barba Azul poderia ser algum tipo
de alienígena neste momento, e eu acreditaria. Eu perdi a cabeça.
Além de esfaqueá-lo ou atirar nele, não há nada que eu possa fazer no
momento que não me canse e torne ainda mais impossível planejar minha fuga.
Tudo o que sei com certeza é que não voltarei ao castelo do Barba Azul. Assim
não. O bastardo se recusou a me ajudar antes e agora de repente ele pensa que
serei uma boa garotinha e me tornarei sua prisioneira? Não, obrigada. Já vi esse
filme antes e não sou o animal de estimação de ninguém.
Agora, o sangue está subindo para minha cabeça, e estou ainda mais
chateada, e estou olhando para costas e bunda deliciosas demais, e sim.
Definitivamente estou enlouquecendo porque agora estou pensando que a
melhor maneira de fazê-lo me largar é se abaixar e dar um belo aperto naquela
bunda firme para afirmar meu domínio.
— Idiota de merda, — resmungo novamente, meu cabelo balançando ao
meu redor enquanto ele anda.
— Você já disse isso, — ele murmura, o tom de sua voz vibrando através
dele e alcançando onde meu estômago está pressionando dolorosamente
contra seu ombro enorme.
A bunda está começando a parecer uma opção melhor.
— Eu te odeio, — eu cuspo.
— Você também disse isso.
Minha mão está mais baixa, balançando mais perto, a tentação ali.
— Lamento ter colocado minha língua na sua garganta.
O que eu não fiz. Parei o beijo antes de chegar tão longe, mas isso não
importa.
Uma risada profunda e estrondosa vibra através dele.
— Retire isso.
Meu rosto se contrai e eu retiro minha mão. O idiota não merece um
agarrão. Ele pode simplesmente manter seu traseiro apertado para si mesmo.
— Nunca. Juro por Deus que quando eu descer, vou estripar você.
Ele ri, na verdade ri alto, como se esta fosse a coisa mais engraçada que
ele já testemunhou. É verdade que eu não tive chance quando o desafiei antes.
Antes que eu pudesse pegar minha arma para ameaçar, eu estava em seu
ombro e estava sendo levada de volta para seu castelo. Por maior que seja o
bastardo, ele é rápido, e isso só me deixa mais irritada.
Eu olho para Logan, onde ele segue alegremente, o traidor. Ele nem
reclamou quando Barba Azul me jogou por cima do ombro e começou a andar.
Eu tentei dizer a ele para atacar, mas ele apenas olhou para mim como se fosse
um pedido bobo.
Malditos machos.
— Por que você está me aceitando de volta? — Eu resmungo. — Não faz
sentido. Você não conseguiu me tirar do castelo rápido o suficiente da última
vez que estive lá, e preciso encontrar o caminho de casa.
— Eu te disse que não é seguro.
— Você não se importava com isso antes, seu idiota amargo e inútil — eu
rosno.
Ele para tão de repente que acho que acertei um ponto nevrálgico, até
que o mundo muda de repente e eu fico de pé novamente. O sangue corre tão
rápido que perco o equilíbrio e caio para trás, caindo dolorosamente no cóccix.
Eu olho para o capitão com os olhos semicerrados, sabendo que se eu tivesse a
oportunidade, eu o esfaquearia. Infelizmente, acho que isso só serviria para
deixá-lo irritado e não pretendo me despedaçar.
— Você é o homem mais frustrantemente arrogante e indeciso que já
conheci — declaro, afastando o cabelo do rosto. Não me levanto, ainda não,
porque todos os meus membros estão formigando com o fluxo de sangue e
tenho certeza de que, se me levantar agora, cairei novamente. Não estou
preparada para esse tipo de constrangimento.
Barba Azul suspira ao ver meu rosto.
— Olhe. Branca de Neve não é alguém com quem se mexer e você está
aqui andando por aí como um alvo fácil.
Como se ele se importasse. Como se não se tratasse de alguma
masculinidade machista e frágil porque eu saí por conta própria.
— Eu vou ficar bem, — eu rosno, me levantando. Meus dedos dos pés
ainda latejam, mas me recuso a olhar para ele do chão. Até mesmo ficar de pé
e olhar para ele é quase demais.
— Você não sabe nada, — ele rosna. — Você não sabe nada sobre os
perigos daqui.
— Talvez se você me contasse! — Eu defendo. — Talvez se você não fosse
tão inflexível em se livrar de mim! Talvez se você tivesse me ajudado a chegar
em casa em vez de ser assim... tão...
— Diga — ele ousa, com as narinas dilatadas de raiva.
— Bestial! — Cruzo os braços, pronta para cavar minha cova. — Não é à
toa que chamam você de covarde. Você se esconde em seu castelo, só saindo
quando lhe convém, mas não para ajudar alguém que possa precisar. Nunca
para ajudar as pessoas que você deveria proteger.
— Cale a boca — ele ordena, dando um passo em minha direção.
— Só para agradar a si mesmo! Apenas para me torturar e me forçar a
voltar para o seu castelo como uma prisioneira quando você me disse para sair!
— Pare. — Uma única palavra, rosnada com a raiva que eu sei que
significa que preciso parar, mas não posso agora que estou em alta. Estou com
raiva, com muita raiva, e não posso deixar de falar o que penso dele. O que
penso de suas ações.
— Você deveria ser um Lorde, mas você não é bom nisso! Não é bom
como capitão porque seu navio nem está na água! Não é bom como um Lorde!
Não é bom como homem! Então, para que você serve? — Seu rosto se contorce
de fúria com minhas palavras, e eu me vejo encostada em uma árvore,
pressionada contra ela enquanto ele fica na minha frente e ofega como um
cervo furioso. — Fodido covarde, me forçando a voltar para minha proteção
em vez de me ajudar a voltar para casa! Você quer uma prisioneira, não uma
mulher. Por que você está tão obcecado por mim? Apenas me deixe ir! Deixe-
me ir, caramba!
Ele bate com o punho na árvore em que estou encostada, não perto o
suficiente do meu rosto para pensar que ele pretendia me bater, mas perto o
suficiente para que as pequenas lascas de madeira que voam me acertem no
rosto e eu pulo com a explosão. Quando ele afasta o punho, há um buraco na
árvore e os nós dos dedos estão sangrando.
Respirando fundo, ele parece se acalmar por um segundo antes de
encontrar meus olhos.
— Não há como levar você de volta ao seu mundo, e até que saibamos
mais e exatamente como fazer isso, é melhor não ficar vagando por um mundo
que está sendo consumido por uma cadela e seus demônios. — As palavras são
mortalmente calmas, não deixando espaço para discussão no tom cruel.
Eu fico olhando para ele, para a maneira como ele tenta afastar a raiva,
mas sem lidar com ela. Vejo o cabo-de-guerra acontecendo em sua mente, esse
desejo de se enfurecer contra mim, mas a voz da razão, estou surpresa que ele
tenha obviamente lhe dito que seria uma tentativa tola.
Ainda assim, ando na corda bamba, sabendo que ele poderia facilmente
me matar se se cansar de mim.
— O que diabos há de errado com você? — Eu pergunto porque esse
nível de raiva, essa amargura, não é normal. Ou há algum tipo de trauma
realmente reprimido ali, ou esse homem é um psicopata. De qualquer forma,
não sou o lar dos problemas de ninguém e não serei arrastada para o meio
deles.
Ele pisca para mim, como se eu tivesse feito alguma pergunta maluca e
imprópria, e se endireita.
— Voltamos — ele repete.
— Por que razão? — Eu exijo, séria. — Não há nada lá para mim, e sou
menos uma ameaça aqui sozinha para o que quer que Neve seja. Preciso ir para
casa, e o Caçador me disse que há pessoas no leste que talvez possam me
ajudar.
Ele me estuda por longos momentos, calculando as palavras, antes de,
com um longo suspiro, passar a mão pelo rosto.
— Grimm me ajude, — ele rosna. — Eu vou ajudá-la até o limite de
Grimm e é isso.
Coloquei as mãos na cintura, irritada. — Agora você quer me ajudar?
— Não questione minha decisão — ele rosna. — Ou vou mudar de ideia.
— Eu quase prefiro que você vá para casa, — resmungo baixinho. Ele
olha para mim como se pudesse me ouvir, então eu sorrio docemente para ele
e agito meus cílios zombeteiramente. — Claro, terrível lorde.
Ele pisca novamente em confusão antes de olhar em volta.
— Descansamos aqui e partimos pela manhã. Damos um amplo espaço
à torre.
Nem pergunto o que ou quem estava na torre. Acho que não quero saber,
não quando a memória daqueles olhos brilhantes ressurgir.
— Não seria melhor continuar andando durante a noite? Chegaremos lá
mais rápido. — E vou me livrar do idiota mais rápido.
Ele olha para mim, sério. — Você não quer se movimentar à noite,
quando os monstros, trapaceiros e pagãos estão livres para se movimentar.
Ótimo. Simplesmente ótimo. Isso é exatamente o que eu queria que
acontecesse.
Presa em outra floresta, em outro mundo, com o homem mais amargo do
universo.
Fantástico.
Capitulo 29

— Vamos para a Floresta Grimm agora? — Eu pergunto, observando os


outros se movimentando. — Alguém não deveria ficar para proteger Oz?
— Se enfrentarmos a ameaça de frente, eles nunca chegarão a Oz —
Briella aponta enquanto coloca mais peças de sua armadura em Red. A magia
dela está crescendo, o material se movendo por conta própria, e quando ela
demonstrou o novo material, quase caí de surpresa. Ao ser atingido por uma
arma, o material endurece, evitando ferimentos fatais, mas quando não é
atingido, fica leve como seda. Não sei como ela faz essas coisas, como as faz,
mas fico constantemente impressionada com as armaduras e roupas que ela
cria.
— Então, todo mundo vai então? — Suspiro e olho para Espantalho, onde
ele está vestindo sua própria armadura, que realmente se parece com sua
roupa normal do dia a dia.
— Não fique tão triste, — Espantalho murmura, inclinando-se para dar
um beijo em meus lábios. O pequeno toque deixa uma centelha de magia, não
de Espantalho, mas minha. — Vamos lidar com a ameaça e retornar.
Tiger Lily está parada na beira da floresta, com os olhos voltados para a
escuridão em que vamos entrar. Aniya está ao lado dela, segurando sua mão,
e sei que a garota inteligente irá conosco. Afinal, ela é a mais poderosa de todos
nós.
— Algo me diz que não estamos preparados para o que vamos enfrentar
— murmuro onde apenas Briella Mae pode ouvir. Ela encontra meus olhos,
pensa nas palavras e se vira para Red e Jupiter, onde elas estão esperando por
todos os outros. Nenhuma das mulheres carrega arma. Elas são armas
suficientes.
— Você tem certeza de que é isso que precisamos fazer? — Briella
pergunta a Jupiter.
Branco está ao lado da ruiva flamejante, suas orelhas tremendo de um
jeito que me enerva. Mas é o olhar estranho em seus olhos, o olhar assombrado
que só evoluiu depois que os poderes de Jupiter despertaram e ele estava na
mira dela, que me faz mantê-lo bem afastado. O coelho normalmente franco
tem estado relativamente quieto ultimamente, e não sei se mais alguém
percebeu isso ou se sou apenas eu criando problemas onde não há nenhum.
— Meu instinto me diz que sim — diz Jupiter. — Mas não sei até que
ponto isso é confiável.
Tink se move pelo grupo, estudando-o, e é ela quem diz: — Meus
instintos estão me dizendo que nosso grupo está incompleto e, portanto,
estamos em desvantagem.
— Os outros estão em suas próprias missões — digo, franzindo a testa,
mas quando ela diz essas palavras, o pensamento é concreto em minha mente.
Eu concordo com a pixie sem asas.
— Não é Clara e Chapeleiro — diz Tink, mas ela não dá mais detalhes, e
sinto como se ela se referisse a outra pessoa, alguém em quem não estamos
pensando.
— Independentemente disso, o mínimo que podemos fazer é ajudar
alguns dos habitantes de Grimm, certo? — Wendy diz, olhando para Gancho.
— Eles precisam de ajuda. Podemos tirá-los de lá antes que Neve mate todos
eles.
O poder sob minha pele se contorce e se move, acena, exige ser usado. O
poder devorador de almas que recebi de minha mãe compete com a maldição
que carrego. Apesar do sacrifício do Espantalho que me trouxe de volta, ainda
estou despedaçada e cheia de ouro em minha outra forma. Uma gárgula de
vidro viva com poderes de súcubo. Inútil a menos que eu esteja beijando
alguém de verdade.
Mas os novos poderes de Espantalho? Oh, isso é útil.
— Algo é justo... Eu não sei, — murmuro, juntando meus dedos.
— Não se preocupe — diz Briella Mae. — Enfrentamos o Toto e
vencemos. Vencemos os Macacos Voadores e Ananke. Nós podemos lidar com
isso também.
Mas algo me diz que Branca de Neve não é um inimigo que já
encontramos antes. Algo me diz que não estamos preparados para o monstro
que ela é.
Mesmo assim, sorrio gentilmente e continuo me vestindo com a
armadura que Briella Mae fez. Eu disse minhas palavras. Agora é hora de ver
se vou comê-las.
Capitulo 30

O castelo de Liliana é assim...tedioso, penso enquanto olho em volta para a


pedra lisa e as delicadas tapeçarias. Por outro lado, minha madrasta sempre foi
uma idiota chata. Ela sempre se preocupou consigo mesma mais do que
qualquer coisa, com os vestidos que meu pai poderia conseguir para ela, com
as joias que ele lhe presenteava. Quando ele morreu, Liliana assumiu e, quando
criança, eu não via nada além da morte do meu pai e do jeito que ela me olhava.
Como uma fera que ela nunca quis possuir.
Agora, ela está morta e eu sento no trono que ela reivindicou. Sua coroa
fica na minha cabeça como um lembrete horrível para qualquer um que pense
em me confrontar pelos meus crimes. Venha até mim e sofra uma morte muito
dolorosa. Não preciso mais levantar a mão para fazer nada. Meus demônios
são perfeitos para o trabalho.
Estou sentada na cadeira grande que minha madrasta reivindicou, com
a perna jogada sobre o braço dela. Estou usando algumas roupas dela também,
embora tenha tido que modificá-las um pouco para se adequar ao meu gosto.
Agora, uso calças de couro, botas grossas e um casaco que fica larga em volta
da minha cintura em uma cor azul profundo. Liliana nunca usou azul. Não
consigo imaginar por que ela o comprou, mas trabalhei com o material até as
bordas ficarem rasgadas e desfiadas, dando a tudo uma aparência suja.
Um lembrete de como ela me vestiu quando era uma garotinha.
Trapos.
Os sete demônios que convenci a se juntarem à minha causa se movem
ao meu redor, cuidando de seus negócios enquanto eu jogo uma maçã no ar
repetidas vezes, capturando-a com minhas garras cada vez que ela cai. Os
demônios são criaturas repugnantes, mas são obedientes. Não posso pedir
muito mais, não quando eles destroem cidades em meu nome e me trazem de
volta os troféus.
Mesmo agora, esses troféus estão alinhados ao longo das paredes, os
olhos abertos em horror, as bocas abertas em um grito eterno. Uma bela
demonstração de lealdade.
Na minha frente, pendurado na parede de pedra, está o espelho
ornamentado que eu trouxe das masmorras. Apesar de tantos outros
prisioneiros terem escapado, estou satisfeita por este não ter conseguido fugir.
Odious.
Tenho lembranças daquele espelho pendurado no quarto da minha
madrasta quando eu era criança. Lembro-me de ter entrado furtivamente em
seus aposentos um dia, apenas para ser repreendida por isso e punida quando
meu pai descobriu. Mas eles só me pegaram depois que falei com o mago preso
lá dentro.
— Você pode me ajudar a me libertar? — ele sussurrou, sinistro, sensual apesar
de eu ser apenas uma criança. Um predador.
— Como eu faria isso?
Um sorriso lento. — Apenas venha para frente e pressione sua mão contra o
vidro, pequena fera.
Eu estava andando em direção a ela quando Liliana me encontrou e me
empurrou para longe. A partir daquele momento o espelho não estava mais
em seus aposentos. Eu sei porque tentei caçá-lo novamente. Agora, ele está
pendurado na minha parede e me observa com uma irritação velada.
O reflexo de Odious paira no vidro, com os braços cruzados sobre o peito
reconhecidamente grande enquanto me observa. Mal nos falamos desde que o
mencionei, mas ainda não precisava dele. Agora que a estrela de Rumple
voltou ao céu, levando-o em uma perseguição que ele nunca realizará, e os
outros Lordes estão escondidos em seus castelos como os covardes que são,
não preciso de muita ajuda.
Meu poder só está crescendo, e seu óleo escorregadio faz minhas
entranhas se arrepiarem com um brilho que posso sentir. Não posso dizer que
gosto dos efeitos da magia negra, mas adoro o poder.
E eu tenho o poder aqui, não Odious, o Grande.
Um dos demônios se aproxima, com os olhos no meu peito mais do que
qualquer coisa. Eu me acostumei com seus estranhos incômodos, e Asmodeus
era todo luxúria. Observá-lo realizar alguns de seus prazeres nas cidades quase
me enojou, mas ele dá conta do recado. Ainda assim, quando ele olha para o
meu decote, quase me irrita.
— Por que não apenas atacar os Lordes? — ele pergunta, não totalmente
inesperado. Ele está agitado há semanas. Há uma clara desaprovação em seu
rosto, como se ele estivesse comandando o show e não eu.
Em vez de responder, aceno minha mão para Odious, ordenando que ele
responda por mim.
— Porque eles são covardes e não sairão a menos que sejam atacados
diretamente — papagaia Odious, sua voz monótona e entediada com o que ele
foi relegado.
— Exatamente, — eu digo revirando os olhos. — Eles serão meus últimos
alvos. — Jogo a maçã para o alto novamente e a pego. Encontrando os olhos de
Asmodeus, dou uma mordida na maçã. O barulho ecoa pela câmara e seus
olhos caem para o vermelho brilhante dos meus lábios. — Alguma outra
pergunta, Asmo?
Seus lábios se curvam ao ouvir o apelido, mas ele balança a cabeça e se
afasta. Apesar do poder dos meus queridos demônios, eles não lutam comigo.
Eles não podem. Porque meu poder vem do mesmo lugar que o deles, arrasta-
o desde seus ossos.
Jogando a maçã fora, levanto-me e ajeito meu casaco, preparada para
entrar na floresta e procurar por mais camponeses desavisados. É sempre a
mesma coisa com eles. Não me mate! Por favor, eu tenho filhos! Poupe as crianças!
Ugh, é tão chato. Estou ansiosa por um novo inimigo.
Talvez eu ataque os Lordes mais cedo ou mais tarde, afinal.
Caminhando até o espelho, Odious faz uma careta para mim enquanto
estendo a mão e passo meu dedo pelo vidro. Não deixa nenhuma mancha, a
magia da coisa impede que ela apareça. Uma prisão tão bonita para alguém tão
poderoso. Quando criança, eu não poderia ter tocado no espelho sem
consequências. Como a mulher que sou agora, tenho pouco medo disso.
— Espelho, espelho na parede — ronrono, arrancando uma carranca do
mago. Ele me encara enquanto me preparo para fazer a pergunta, sabendo que
será forçado a responder. — Quem vai matar todos nós?
Ele fecha a boca, como se pudesse lutar contra o impulso de responder.
Ele consegue lutar por alguns segundos, com os músculos tensos, antes que
um único nome saia como um grunhido. A saliva escorre de seus lábios com o
esforço.
— Branca de Neve.
E eu rio, e rio...
Capitulo 31

No dia seguinte, paramos apenas algumas horas depois, Barba Azul


levantando o nariz e farejando a noite que se aproxima como um cão de caça.
Não sei como ele segue o relógio neste lugar porque certamente não segue as
vinte e quatro horas do meu mundo. O sol não brilha o dia todo, apenas de vez
em quando. Não faz sentido para mim que os monstros não estejam todos
presentes a qualquer hora do dia. Afinal, se eles querem escuridão, há bastante
escuridão para todos.
A princípio, sento-me em um tronco, dando tapinhas nele para que
Logan venha ao meu lado. Ele faz isso com alegria, o carcaju claramente não é
tão afetado por este lugar quanto eu. Suponho que os carcajus sempre foram
criaturinhas ferozes. Estar em um mundo com muitos deles não o deixa muito
nervoso.
Estou olhando para as árvores, contemplando minha situação atual,
quando noto Barba Azul se arrastando. Planejo dormir sob as estrelas, mas
quando Barba Azul começa a arrancar galhos de árvores, franzo a testa diante
de suas ações.
— O que você está fazendo? — Eu pergunto, observando-o. Os músculos
ao longo de seus ombros incham quando ele arranca membros que deveriam
precisar de uma serra para serem derrubados. Em vez disso, ele usa as próprias
mãos como a fera enorme que é.
— Construindo um abrigo — ele grunhe, como se lhe doesse ter que me
responder.
Mas depois de alguns minutos observando-o, franzo as sobrancelhas e
me levanto.
— Isso não é grande o suficiente para nós dois. Deveríamos torná-lo mais
amplo. Aqui. Deixa-me ajudar.
Avanço, como se fosse agarrar o galho mais próximo, mas ele me impede
balançando outro galho, me forçando a tropeçar para trás enquanto ele
continua a construí-lo.
— Não é para mim — diz ele, olhando para onde estou. — É para você.
Cruzando os braços, fico de pé. — Mas e voce?
Seus músculos se contraem novamente, e tenho que me forçar a focar em
seu rosto, em vez de nos músculos ondulantes que me imploram para provar.
— Eu não preciso de proteção contra a natureza selvagem.
— Mas os monstros...
— Os monstros me temem — diz ele, interrompendo minha discussão.
As palavras são calmas, nem um pouco dramáticas. Ele as diz como se fossem
apenas realidade e nada mais.
Piscando para ele, diante da confiança em sua monstruosidade, dou um
passo para trás.
— Bem, tudo bem então. — Admito que não tenho muitos argumentos
para isso. Embora eu concorde que Barba Azul é claramente poderoso do
ponto de vista de força, nunca senti realmente medo dele, não desde o início.
Inferno, eu literalmente atirei no homem, e ele não me machucou, mas ele
ainda ostenta uma cicatriz curada no ombro, uma estrela rosa que serve como
um lembrete da minha arma. Ele nunca tentou me punir por isso.
Imaginando que se ele está construindo um abrigo, o mínimo que posso
fazer é acender uma fogueira, ando pela área e recolho madeira e folhas secas,
empilhando-as na frente do abrigo que Barba Azul constrói. Depois de montar
uma pilha decente e circundar o fogo com pequenas pedras, pego as
ferramentas necessárias para acender a chama e começar a trabalhar. Em
algum momento, Barba Azul se vira para me observar, impressionado quando
a fumaça começa a escorrer das folhas e depois se transforma em chama
quando eu sopro nela.
— Você sabe fazer uma fogueira? — ele diz, mais como uma observação
do que como uma pergunta, mas eu respondo mesmo assim.
— Sou uma guarda florestal — respondo com um encolher de ombros.
— Eu sei como sobreviver no meio do nada se precisar. — Quando ele me olha
confuso, como se não entendesse o que eu disse, acrescento: — É o meu
trabalho. Você é um Lorde. Sou uma guarda florestal.
Ele termina o pequeno abrigo e se senta do lado oposto do fogo.
— E quais são as funções de um guarda florestal?
— Meu trabalho é proteger o Parque Nacional de Yellowstone, embora
eu possa ser transferida para outro parque em algum momento. Yellowstone é
uma floresta grande e protegida no meu mundo. Eu impeço que os caçadores
furtivos matem os animais protegidos, ajudo esses animais quando estão
feridos ou perdidos, mantenho as pessoas respeitosas com a natureza, ajudo a
resgatar qualquer pessoa desaparecida, coisas assim. — Admito que o orgulho
que tenho pelo meu trabalho transparece na minha voz e ele percebe isso.
Tenho orgulho do meu trabalho, de onde o consegui, do que faço todos os dias.
Tenho saudade.
Barba Azul cantarola. — Impressionante. Admito que pensei que você
era um inútil, mesmo com aquela arma na cintura.
Carrancuda, jogo mais gravetos no fogo, aumentando um pouco mais. —
Ninguém nunca te ensinou a não julgar um livro pela capa?
— Não — ele diz severamente, com as sobrancelhas baixas sobre os
olhos, como se estivesse com raiva de estar aqui. — Julgar o perigo de alguém
à primeira vista é uma necessidade aqui.
— Acho que isso explica por que você é tão idiota, — eu resmungo
baixinho, sabendo que ele provavelmente ouve, mas não me importo. Estou
cansada daquela atitude mal-humorada sem motivo algum, principalmente
depois que ele me beijou. Ele não deveria ser mais charmoso se estivesse
tentando entrar nas minhas calças? Mas não, esse não é o estilo dele.
Depois de alguns momentos de silêncio, enfio a mão na minha pequena
mochila e retiro um pouco da carne seca que Morris havia embalado para mim.
Passando um pequeno pedaço para Logan, estendo a mão sobre o fogo e
ofereço um pedaço maior para Barba Azul. Seus olhos vão para meus dedos
antes de ele balançar a cabeça.
— Guarde sua comida para você e sua fera.
— Você não está com fome? — Eu pressiono. — Eu tenho muito.
Ele balança a cabeça novamente, então eu solto meu braço e mordo a
carne, olhando-o de perto.
— Sabe, você pegaria muito mais moscas com mel do que com vinagre.
Ele olha para mim, confusão refletida em seus olhos.
— Não estou tentando pegar moscas.
— É uma expressão — suspiro. — Um ditado. Significa que você ganha
mais com charme e gentileza do que com raiva ou mau humor.
Seus ombros rolam.
— O que faz você pensar que tenho algum desejo de ser charmoso?
Fazendo uma careta, dou outra mordida. — Touché, eu acho.
Quando voltamos ao silêncio, suspiro e, balançando a cabeça, decido
jogar toda a cautela ao vento. Estamos aqui. Ele está me forçando a aceitar sua
ajuda. Tenho o direito de saber com quem estou viajando.
— Então, suponho que você viu todas as cidades destruídas quando
estava me seguindo como um perseguidor? — Um grunhido é minha resposta.
— Encontrei algumas pessoas em uma delas. Eles disseram que você nunca
esteve realmente presente, mesmo antes de os mundos se tornarem instáveis.
— Olhos penetrantes encontram os meus, desafiando-me a continuar, mas se
eu fosse intimidada por homens grandes, não teria sido capaz de ser guarda
florestal. — Por que você não os ajuda?
Ele não responde, não a princípio, como se eu o surpreendesse por ter
coragem suficiente para perguntar. Eu não considero isso bravura. É apenas
curiosidade. Se eu pudesse fazer alguma coisa, eu faria, mas não está ao meu
alcance, que eu saiba. Mas Barba Azul? Ele poderia estar ajudando.
— Eu não me importo com os camponeses — ele finalmente resmunga.
Mas estou balançando a cabeça no momento em que as palavras saem.
— Essa é uma resposta de besteira e você sabe disso. Você está usando a
amargura e a percepção que eles têm de você como desculpa. Há outra coisa.
Ele para, e aqueles olhos lentamente passam do fogo até meu rosto. Há
algo ali, uma emoção que não consigo identificar, e desaparece antes que eu
consiga descobrir, mas ele dá de ombros.
— Não seria bom eu interferir.
— Por que? — Eu empurro. — Você é um Lorde por uma razão. Por que
não agir como tal?
Um músculo em sua bochecha se contrai e acho que ele não vai
responder. Em vez disso, ele me surpreende.
— A morte me segue onde quer que eu vá, Belladonna. — Meu nome
completo em seus lábios faz algo para o qual não estou preparada, e faço o meu
melhor para não reagir externamente. Mas caramba, se isso não é sexy. — Você
quer que eu leve isso para eles?
— Eles já estão morrendo — aponto. — Mas o que isso significa? Morris
mencionou algo semelhante.
O ar ao nosso redor está parado, como se esperasse por suas palavras
com tanta impaciência quanto eu. A prata em seus olhos brilha e a maneira
como ele olha para mim faz meus mamilos endurecerem. De repente estou
grata por ainda estar usando o colete à prova de balas para esconder isso.
— Isso significa que na primeira chance que você tiver de se afastar de
mim, você deveria — ele grunhe.
Estudando-o, percebo que não consigo ler o suficiente sobre ele para
entender de que enigmas ele fala. Tanto ele quanto Morris parecem
convencidos de que as pessoas morrem ao seu redor regularmente, como se ele
fosse uma praga ou algum tipo de maldição, mas estou bem. Não entendo e
algo me diz que ele não será muito mais direto com informações.
Em vez de empurrar com mais força, enfio a mão na mochila e retiro uma
das frutas parecidas com laranja antes de jogá-la no fogo. Barba Azul percebe
por instinto, olhando para a fruta antes de olhar para mim.
— Então, — eu digo, mordendo minha própria comida, sabendo que
estou prestes a efetivamente encerrar a conversa, mas ainda precisando
perguntar. — Por que exatamente você me beijou então?
Se ele traz a morte aonde quer que vá e me quer longe dele, me beijar
parece contraproducente.
Seus olhos se fecham, como se lhe doesse dizer isso.
— Porque, apesar da minha maldição, apesar de saber o que sou, sou
fraco — admite. Esses olhos abertos encontram os meus com uma força para a
qual não estou preparada. Quase caio do tronco em que estou sentada. — O
fogo em sua alma chama a tempestade na minha.
Então, sem dizer mais nada, ele se levanta e desaparece entre as árvores,
resmungando sobre a verificação de perigos na área. Eu o vejo ir, minha mão
acariciando o pelo de Logan enquanto ele se senta ao meu lado.
Olhando tristemente para o carcaju, balanço a cabeça.
— Você sabe, Logan, — eu digo com um suspiro. — Se as circunstâncias
fossem diferentes, eu quase poderia gostar do idiota.
Então, como somos só ele e eu, sentamos perto do fogo, absorvendo o
calor e esperando o retorno do Barba Azul. Só quando ele volta à clareira é que
entro no abrigo improvisado que ele construiu para mim e me permito
descansar.
Capitulo 32

Ele está em silêncio desde que limpamos o acampamento e começamos a


caminhar durante o dia. O máximo que consegui do homem foi um grunhido
de concordância quando perguntei se estávamos indo na direção certa. No
resto do tempo, ele permaneceu em silêncio, como se não suportasse falar
comigo. No início, apenas reviro os olhos, irritada com o idiota mal-humorado.
Em algum momento, você pensaria que ele iria ser afetuoso comigo ou
suavizar o suficiente para pelo menos ser decente. Mas não. Em vez disso, ele
é o mesmo idiota amargo. Estou ficando cansada disso.
— Você é um péssimo conversador — resmungo enquanto passo por
cima de um tronco, acompanhando-o apesar de seus passos mais longos. O
tempo está passando dolorosamente devagar por causa do silêncio dele, e o
silêncio da floresta enquanto passamos não está ajudando. Não consigo nem
me concentrar na vida selvagem porque eles têm muito medo dele para fazer
barulho.
Nenhuma resposta.
— Provando meu ponto, — resmungo. Olho para o carcaju
acompanhando meu ritmo. — Logan é melhor conversando do que você e ele
nem consegue falar.
Logan chia ao meu lado, como se concordasse.
Barba Azul olha para nós com um olhar furioso, como se isso fosse me
assustar, embora os olhos se estreitassem perigosamente.
— Você nunca se cansa dos seus próprios pensamentos? — pergunto,
passando por cima da vegetação rasteira, tomando cuidado para não tropeçar
em nada. — Você deve estar cansado do mau humor. Alguém tão pessimista
não consegue funcionar. Você precisa de algum otimismo em sua vida.
Nada ainda.
— Devo começar a insultar você? — Eu pergunto, genuinamente curiosa.
— Isso causaria uma reação melhor em você? — Silêncio. — Ou o oposto. Quer
que eu faça poesia sobre seus músculos salientes? — Silêncio. — Ok, você
pediu!
Limpo a garganta, sabendo que estou prestes a fazer papel de boba, mas
não consigo evitar. Se isso o fizer falar comigo, valerá a pena. Na pior das
hipóteses, acabo me divertindo mais do que qualquer outra coisa.
— Seus músculos são como as colinas de Austin, o sol nascendo no
horizonte e destacando os detalhes... a obra-prima que você é — começo,
certificando-me de que minha voz soe tão pomposa quanto pretendo. — A
tinta na sua pele é uma homenagem à arte pendurada no Louvre, exigindo que
você seja exibido ao lado da Mona Lisa como a arte mais histórica. — Ele olha
para mim com uma carranca, mas não diz nada, então continuo. — Aqueles
olhos, ah, como eles perfuram até as mais fortes... uh, pedra como manteiga,
brilhando como as estrelas no céu.
— Pare com isso, — ele rosna.
Sorrindo, eu continuo.
— Esses ombros são as mais largas das montanhas, encorajando qualquer
donzela ousada a subir ao topo e gritar em vitória. — Ele engasga com o que
suspeito ser uma risada, mas disfarça bem. — As mãos que enfeitam seus
braços, ah, essas mãos! Os poetas escrevem sobre elas há eras, desejando tê-las
na garganta.
Ok. Talvez seja só eu.
— Já chega — ele rosna, mas agora há uma clara diversão em suas
palavras.
— As coxas que suportam o seu peso são tão graciosas quanto um
elefante trovejante, capaz de quebrar até as nozes mais duras. — Ele para e
olha para mim. Com um sorriso, eu digo: — Essa bunda...
— Eu disse que já chega, — ele rosna, se aproximando, mas há um brilho
em seus olhos que não posso perder. Isso não existia antes.
— Você vai me fazer parar? — Eu pergunto, um desafio. Meus próprios
olhos brilham com o claro desconforto que ele sentiu com minha poesia, como
se ninguém jamais tivesse ousado dizer ao capitão que ele é atraente. Passando
a língua pelos dentes, atrevo-me a continuar. — Essa bunda é tão apertada que
aposto que poderia saltar um quarto dela a um quilômetro...
Com um grunhido, ele envolve a mão na minha nuca e me puxa em sua
direção, seus lábios se movendo sobre os meus com um gemido que quase me
desfaz. Isso não é necessariamente o que eu tinha planejado, mas caramba, se
eu não passar meus braços em volta do pescoço dele e retribuir o beijo dessa
vez. Antes, eu estava com muita raiva, muito chocada para querer. Desta vez,
Deus, eu estaria mentindo se dissesse que não quero fazer mais do que beijá-
lo.
Sua barba arranha minha pele enquanto fico na ponta dos pés e pressiono
mais contra ele, meus próprios dedos raspando em seu cabelo. Com um
grunhido, ele me puxa para mais perto, sua excitação empurrando meu
estômago, e eu quase engulo minha própria língua ao senti-la.
Oh. Eu provavelmente deveria escrever poesia ruim sobre isso também.
Minha língua se estende para traçar a costura de seus lábios, apenas para
que sua língua encontre a minha, nós dois exigindo domínio de uma forma que
nenhum dos dois conseguirá. Estou tão envolvida em seus braços, tão
desesperada por mais, que não percebo que algo está errado até Logan rosnar.
Piscando, me afasto do beijo e olho para o carcaju, apenas para encontrá-
lo olhando para as árvores. Estou ofegante por causa do beijo, tão excitada que
levo um momento para limpar a névoa dos meus olhos. Quando faço isso, vejo
a expressão no rosto do Barba Azul. Tem alguma coisa aí, fome, sim, mas
também medo. Ele tem medo de mim?
Logan rosna novamente e eu recuo, seguindo seu olhar até onde um
homem aparece, um homem quase tão grande quanto Barba Azul. Piscando
confusa, enrolo a mão no antebraço do Barba Azul em alerta, mas ele não
parece preocupado, ainda não. Na verdade, o medo desaparece dos seus olhos.
À medida que mais homens começam a aparecer, todos maiores do que a
maioria dos humanos com quem entrei em contato, meus olhos se arregalam.
— Blue, — eu digo, sem nem perceber que encurtei seu nome como se
fôssemos muito mais familiares do que realmente somos.
— Não se preocupe — ele cantarola. — Eles não vão tocar em você.
E então ele se vira para os homens que nos cercam. Há pelo menos uma
dúzia deles, talvez mais. Estalo os dedos e Logan volta para o meu lado, com
uma expressão hostil para com os recém-chegados. Mas nem todos são
homens. Alguns deles parecem mais animais do que humanos, suas
características combinam mais com feras do que qualquer outra coisa. Alguns
de seus dentes sobressaem do lábio inferior, como os orcs que vi uma vez em
um show. Quem são eles?
— Olha o que temos aqui — o primeiro homem incita com um sotaque
quase forte demais para ser compreendido. — O capitão na floresta, ignorando
seus problemas em favor de uma boceta bonita. — Seus olhos se dirigem para
mim. — Embora eu não possa culpar você. Ela é alguma coisa.
Fico tensa, percebendo exatamente que tipo de homens são esses, mas
Barba Azul não reage. Em vez disso, ele fica ali parado e encara o homem
grande, com um olhar quase entediado.
— Capitão Covarde — alguns dos outros zombam. — Covarde inútil.
Logan empurra minha perna, mas serei amaldiçoada se cairmos sem
lutar. Claramente, eles não estão aqui para conversar.
— O que nós fazemos? — pergunto, puxando minha pistola do quadril.
Restam apenas oito balas nele. Existem muito mais de oito alvos, mas pelo
menos posso atingir alguns deles.
Barba Azul inclina a cabeça em direção ao líder. — Vejo que os pagãos
decidiram se tornar rebeldes.
— Não há mais hierarquia — rosna o homem. — Você e os outros Lordes
nos deixaram indefesos contra Branca de Neve. Você não fez nada para ajudar,
então claramente, eu seria um Lorde melhor do que você. — Ele sorri. — Acho
que aquele castelo que você tem no alto da colina servirá perfeitamente para
minha nova casa.
Barba Azul não tem reação. Ele não fica com raiva, apesar de essa ser a
única emoção que o vejo experimentar regularmente. Em vez disso, ele toca
meu quadril com as costas da mão, uma garantia gentil.
— Não se mova — ele sussurra, uma ordem para mim. Nem fico brava
com o comando porque tudo acontece ao mesmo tempo.
O líder assobia e todos começam a se mover. É quase como uma dança
coreografada que alguém esqueceu de contar ao Barba Azul, mas ele nem
precisa se mover.
Levanto minha pistola, mas não tenho chance de usá-la. Olho surpresa
enquanto o ar fica eletrizado com o que só posso presumir ser magia. Barba
Azul está no meio dela, com os braços erguidos, e tão repentinamente quanto
os pagãos começaram a se mover, eles começaram a cair.
A água aparece do nada, sendo retirada do ar ao nosso redor, puxada do
chão, girando em uma onda estranha antes de atingir os pagãos. Ele afoga
alguns deles, batendo dentro de suas bocas antes que eles consigam fechar os
lábios, deixando-os cair no chão enquanto lutam para respirar. Aqueles que
não se afogam enfrentam criaturas feitas de água que se transformam e rosnam
antes de saltar para frente e despedaçá-los.
Enquanto isso, Barba Azul está ali, com os braços se movendo, mas nada
mais.
Quando ele finalmente abaixa os braços, a água continua a se mover com
sua vontade, rasgando os números enquanto ele puxa um grande sabre do
quadril e começa a derrubar os pagãos que não são rápidos o suficiente para
fugir. Eu nem tinha percebido que ele estava carregando o sabre o tempo todo.
O líder olha horrorizado enquanto seus irmãos caem. Minha própria
boca fica frouxa quando todos começaram a cair em desespero para matá-lo, e
quando resta apenas um punhado, eles começam a virar as costas e fugir. O
líder dá um grito de retirada e eles fogem para as árvores, percebendo
claramente que não têm chance contra o Barba Azul.
Eu nem preciso disparar minha pistola.
Estamos parados na clareira vazia, corpos ao nosso redor, mas por outro
lado, somos apenas Barba Azul, eu e Logan agora. Barba Azul está ofegante
com a magia que usou e, no momento em que a ameaça desaparece, as criaturas
aquáticas explodem em gotículas que flutuam no ar como se estivéssemos no
espaço e não houvesse gravidade. As gotas flutuam em volta do meu rosto e
eu me levanto, maravilhada, enquanto cutuco uma das gotas e ela se divide em
um monte de gotas menores.
Puta merda.
Encontro seus olhos e todas as gotas caem de volta na terra, não deixando
nada entre nós. O espanto me enche de saber que esse homem com quem tenho
passado um tempo tem esse tipo de poder em seu corpo, e estou discutindo
com ele como se ele não pudesse me matar a qualquer momento.
— Bem, isso foi impressionante — diz uma nova voz e nós dois giramos
ao mesmo tempo.
O pânico toma conta de mim e espero algo terrível, mas em vez disso,
encontro um grupo de pessoas que não reconheço. De alguma forma, eles se
moveram tão silenciosamente que nenhum de nós os ouviu se aproximar no
meio da luta. Nenhum de nós percebeu a chegada deles depois que os pagãos
fugiram.
Uma mulher dá um passo à frente, a fonte da voz, seu cabelo de um
vermelho suave que atrai os olhos, mas não é isso que me faz chegar mais perto
de Barba Azul. Não, é o poder que a rodeia, tão forte que mal consigo respirar.
Quando eu fiquei tão sensível a essas coisas?
Arrepios se espalham pela minha pele, um aviso, e dou um passo para
trás, preparada para correr.
Seja o que for, ela é mais ameaçadora do que eu.
Capitulo 33

Olho para o grande templo diante de mim, para a pedra que há muito
começou a se deteriorar. Ninguém vem a este lugar há muito tempo, isso eu
posso dizer. O templo provavelmente já foi uma grande estrutura, toda
dourada e adornada com joias. Agora, as joias que restam estão sujas de terra
e trepadeiras que crescem sobre a pedra rachada. O ouro há muito foi
desgastado pelos elementos.
Cheshire e Cal estão atrás de mim, boquiabertos diante do templo que
surgiu da floresta tão repentinamente que quase tropeçamos nele.
— Ele disse que é aqui que posso encontrar o cara? — Cheshire pergunta,
olhando para o templo. — Parece que ninguém esteve aqui, muito menos que
alguém mora aqui.
— Você pode se surpreender com as condições em que alguns estão
dispostos a viver — comento, olhando para o templo com cautela. Apesar das
minhas palavras, acho que também não há ninguém lá dentro. O que
significaria que este é outro beco sem saída e ainda estou longe de encontrar
Eva. — Mas você está certo. Não parece habitado.
Cal dá um passo à frente e estuda as marcas na pedra.
— Jupiter adoraria isso — ela reflete. — Devemos entrar para dar uma
olhada?
— Não parece estruturalmente sólido. — Cheshire toca suas garras em
uma das pedras e ela se desfaz. — Andamos com cuidado — diz ele
estremecendo, sabendo que não podemos parar agora.
Porque apesar do que eu fiz, eles ainda estão aqui me ajudando.
Eu não mereço esse tratamento. Não depois de todos os problemas que
causei a Oz, mas estou grato de qualquer maneira.
Em nossa jornada, nos aproximamos e agora sei mais sobre aqueles que
vêm do País das Maravilhas e da Terra do Nunca do que antes. Eles são todos
boas pessoas, todos bons em seus corações. Eles apenas continuam a ajudar as
pessoas, aquelas que podem, mesmo que nem sempre tenham sucesso. Os da
Terra do Nunca explicaram o que aconteceu, e não os invejo pela perda de sua
casa.
Eva vai gostar deles, eu penso. Ela vai querer continuar amiga deles. Mas
depois de me ajudarem, não consigo vê-los olhando para mim com nada além
de desdém nos olhos, o desdém que mereço. Cometi muitos erros na minha
vida e, para ser honesto, a única razão para ser bom está me esperando no céu.
Se eu não a encontrar...
— Vamos, — eu digo, pisando cuidadosamente na pedra e subindo as
escadas em ruínas. — Cuidado onde pisam.
Existem apenas algumas escadas antes da entrada do templo. À direita,
passando pelos grandes pilares de pedra, há estátuas em forma de grandes
veados, com seus chifres faltando pedaços da decomposição. Um pátio se abre,
convidando-nos a entrar no que provavelmente já foi um grande templo. A
natureza retomou aqui o seu domínio, crescendo através dos ladrilhos de
mármore como se estes nada mais fossem do que a terra que preferem. Árvores
brotaram lá dentro, fazendo com que tudo parecesse tão selvagem quanto a
magia no ar.
— Você sente isso? — Cheshire pergunta suavemente, olhando em volta
com cautela.
Eu concordo.
— Parece que não estamos sozinhos. — Eu franzo a testa. — Mas também
parece... velho.
Mas como alguém pode sobreviver aqui assim? Não entendo como o
Bartender pôde nos mandar aqui, perseguindo um homem inexistente. Nem
sei quem procuramos, só sei que quem encontrarmos pode nos ajudar.
— Você acha que o Bartender poderia ter mentido? — Cal pergunta, com
a espada na mão, como se estivesse pronta para lutar contra qualquer inimigo
que surgir. O que ela é. Já vi as mulheres do País das Maravilhas lutarem. Até
Clara, quando estava grávida, tinha sido uma guerreira feroz. Não me
surpreende que Cal seja igualmente feroz.
— Não provei nenhuma mentira. Ele disse que quem encontrarmos aqui
pode nos ajudar em nossa caçada. — Suspirando, observo o resto do templo ao
ar livre e me viro. — No entanto, não vejo nada aqui que possa nos ajudar. —
Dou um passo, como se fosse sair, quando ouço.
Uma rachadura.
Eu congelo, meu coração martelando no peito, e lentamente olho para os
ladrilhos em que estou. Pequenas rachaduras se espalharam por eles,
lentamente, saindo dos meus pés.
— Não se mova — rosna Cheshire, empurrando Cal para trás para que
ela não fique perto de mim.
— Não brinca, — eu rosno. — Mas não posso ficar aqui parado enquanto
ele quebra.
Cal rapidamente enfia a mão na mochila e tira um pedaço de corda. Ela
joga uma ponta para mim e eu pulo para pegá-la. As rachaduras no movimento
se espalharam mais rapidamente. Ela entrega a outra ponta para Cheshire e
observa com cautela enquanto eu me movo.
— Aconteça o que acontecer, segure a corda — ela ordena, como se eu
fosse seguir seu comando.
O mais bobo é que aprendi a respeitar Cheshire e Calypso. Eles não são
fracos, nem um pouco, e Cal é tão inteligente quanto o gato que ela chama de
companheiro. Então faço o que ela diz e enrolo a corda em volta dos punhos
até ter certeza de que a seguro bem.
Dois segundos depois de fazer isso, os ladrilhos sob meus pés se
estilhaçam completamente e eu despenco com um grunhido de antecipação.
Espero bater em algo abaixo de mim, mas em vez disso, a corda que seguro em
meu punho me faz parar antes que eu possa cair muito. A luz de cima brilha
ao meu redor, a poeira subindo enquanto as plantas pendem do buraco, me
tocando, distraindo o que está ao meu redor.
— Rumple!
— Estou bem — grito para Cal, olhando ao meu redor, grunhindo por
causa da dor em meu ombro enquanto fico pendurado. — Está escuro aqui,
mas se você me abaixar um pouco, posso alcançar o chão.
Desço um momento depois e quando meus pés tocam o chão, solto a
corda.
— Cheshire está amarrando as pontas da corda e desceremos em um
segundo.
Mas eu não espero. Eu me viro, tentando espiar na escuridão, caso haja
alguma ameaça ao nosso redor. Dou um passo em direção à borda do círculo
de luz no momento em que Cheshire cai no chão atrás de mim. Cal desliza pela
corda um momento depois e olha em volta.
— Bem? — ela pergunta, dando um passo em direção à escuridão. No
momento em que seu pé cruza a linha e toca a areia, lamparinas ganham vida
ao longo das paredes, fazendo com que nós três nos estremeçamos e nos
encolhamos, caso haja uma ameaça. Em vez disso, lamparina após lamparina
se acende, revelando mais do templo em ruínas e da outrora bela arte que
enfeita as paredes.
Todas as representações de grandes feras parecidas com cavalos e cães
estranhos cavalgando pelo céu.
Meus olhos se arregalam e quando a última lamparina se acende, quase
tropeço sob o choque do que é revelado.
Cheshire e Cal olham surpresos para o esqueleto sentado no trono, mas
fica claro que nenhum deles entende o que estão vendo. Em vez disso, sou eu
quem dá um passo à frente, com os olhos postos nos grandes chifres no topo
do crânio, nos chifres tão próximos dos meus.
— Quem é aquele? — Cal pergunta, olhando entre os chifres ali e os que
estão na minha cabeça, fazendo a conexão.
— Todos os trapaceiros de Grimm ganham seu poder de uma divindade
específica, ou pelo menos é o que dizem as lendas — digo, aproximando-me
do esqueleto. — Do jeito que o mundo está indo, eu diria que não existem
deuses reais, apenas magos intrometidos, mas Herne é bem conhecido entre os
trapaceiros.
— Herne? — Cheshire e Cal me seguem de perto, com cautela.
— O Deus da floresta — eu digo. — O deus da Caçada Selvagem. — Mas
então olho para o esqueleto. — Claramente não é um deus se ele pode morrer.
— Como ele pode nos ajudar se está morto? — Cal pergunta. — A história
é legal e tudo, mas isso não faz bem à nossa missão.
— Pelo contrário — digo com um sorriso. — É exatamente a ajuda que
precisamos. — Subo no estrado, observando os grandes chifres tão parecidos
com os meus. — A lenda da caça selvagem é antiga, mas é boa. — No colo de
Herne está um chifre esculpido em alguma grande criatura que Herne uma vez
lutou e venceu. A magia praticamente brilha quando eu o levanto em minhas
mãos e o seguro. Inclino minha cabeça em respeito aos restos mortais de Herne.
Mesmo que ele não seja um deus, ele merece respeito pelas criaturas que criou.
— Vamos. Vamos voltar e eu vou te mostrar.
Juntos, nós três escalamos a corda de volta ao templo. Chegando à beira
da escada e segurando o chifre suavemente na boca, respiro fundo. Cheshire e
Cal estão ao meu lado, esperando por alguma grande revelação.
Grimm, espero que isso funcione.
Com a morte de Herne, há uma chance de que o chifre não possua mais
os poderes que precisamos, mas alguma esperança em mim se desenrola e
implora por atenção. Se isto funcionar, estaremos um passo mais perto de
encontrar Eva.
Minha Evangeline.
Eu toco o chifre e um chamado alto soa no final dele, fazendo Cal pular
no nível de som que a coisa é capaz de fazer. Eu toco uma vez, uma única
chamada longa, antes de abaixar o chifre para o meu lado. Fico com a cabeça
inclinada para trás, esperando.
— É isso? — Cheshire pergunta com uma carranca. — Eu poderia ter
comprado uma trompa para você, se isso fosse tudo que você queria.
Eu lhe dou um sorriso.
— Espere, gato.
Cal entrelaça os dedos com os de Cheshire, esperando com expectativa,
e uma pontada passa por mim. Eu quero isso, essa facilidade entre amantes,
entre parceiros. Eu mal experimentei o amor verdadeiro antes que ele fosse
arrancado de mim.
O latido dos cães vem primeiro e Cheshire fica tenso. Seguido pelos
baios, o som dos cascos começa como um som fraco que aumenta à medida
que se aproxima. Muitos cascos. Tantos, começo a me preocupar que isso seja
maior do que posso controlar.
Mas nunca fui bom em admitir essas coisas.
Os grandes cães aparecem primeiro, irrompendo por entre as árvores e
parando quando aparecemos. Sua pele é branca e pálida, seus olhos são tão
vermelhos quanto as profundezas do inferno de onde vieram. Quando veem
meus chifres, eles se curvam em respeito.
Os Ungulas aparecem em seguida, grandes feras parecidas com cavalos
com asas demoníacas. Seu pelo varia em cores, do preto ao branco e todas as
cores intermediárias. Veias vermelhas percorrem seu pelo, brilhando com os
mesmos poderes que brilham nos olhos do cão. Cada um deles inclina suas
cabeças de fogo para nós e minha respiração falha diante da profundidade do
que encontramos.
Com um sorriso, olho para Cheshire e Cal, meus olhos brilhantes.
— Quem está pronto para se juntar à Caçada Selvagem?
Capitulo 34

Olho para os recém-chegados e minha magia brilha novamente, apesar


do poder coletivo do grupo à minha frente. Apesar de ser poderoso, posso
reconhecer que provavelmente não terei chance contra eles se atacarem, mas
essa constatação não me impede de estar preparado para lutar para escapar.
Na verdade, posso dar a Bell uma vantagem, tirá-la daqui antes de cair.
— Quem diabos são vocês? — Eu pergunto, minha voz uma ameaça
baixa. Eu considero o grupo de dezesseis, escolhendo aqueles que parecem
mais poderosos. Ainda assim, mesmo os poderes “menores” rivalizam com os
meus.
A ruiva poderosa na frente sorri e meu poder diminui um pouco. Esse
sorriso não é mau, apenas... amigável.
— Ah, claro. Eu sou Jupiter. — Ela aponta para o grupo. — Posso fazer
apresentações, mas é mais fácil apenas dizer que somos do País das
Maravilhas, Terra do Nunca e Oz. Rumple veio até nós em busca de ajuda e,
bem... é para isso que estamos aqui.
Pisco diante da resposta indiferente, diante de todo esse conceito de
estranhos vindo ao meu mundo para ajudar, em vez de ajudar os seus próprios.
Olho para Bell, para o modo como ela está estudando o grupo e sorrindo
brilhantemente, e algo se agita em meu peito. A vergonha de não ter ajudado
Grimm me preenche. Mas ela não entende a história completa. Ela não entende
do que estou fugindo.
Eu abandono meu poder completamente, entendendo que não corremos
nenhum perigo. Pessoas boas fazem coisas boas e mesmo que sejam poderosas,
nenhum desses poderes parece maligno.
— Onde está o Senhor Trapaceiro? — Pergunto porque não vejo Rumple
há algum tempo, e eles falaram dele como se o conhecessem. Não houve
nenhum contato dele desde que os mundos começaram a se fundir. Os últimos
rumores diziam sobre o aprisionarem pela rainha má, ter escapado e depois
algo sobre perseguir uma estrela.
Jupiter hesita e olha para um homem ao seu lado, um homem com
orelhas de coelho.
— Oh, bem, ele está procurando por Evangeline. — Quando inclino a
cabeça, ela acrescenta: — sua estrela. Ele se apaixonou por ela e está
procurando por ela agora.
Minhas sobrancelhas sobem de surpresa. O Senhor Trapaceiro
apaixonado? Isso não pode estar certo. Rumpelstiltskin só ama a si mesmo.
No meu silêncio atordoado, Bell aproveita a oportunidade para dar um
passo à frente.
— Oi, eu sou Bell, — ela diz alegremente. — Na verdade, estávamos indo
apenas para encontrar vocês. O Caçador me enviou em sua direção por causa
de Rumple.
— Você estava? — Jupiter pergunta, estudando Bell mais de perto, como
se ela não conseguisse entendê-la. Ela precisa se juntar ao clube. Eu ainda não
descobri qual é a mulher mal-humorada, não que eu esteja tentando. Seria
muito ruim para mim continuar me perguntando sobre as características dela.
Quando o coelho se aproxima de Jupiter, os olhos de Bell vão para suas
orelhas e ela sorri ainda mais.
— Então, o País das Maravilhas é real?
— A maior parte é — Jupiter ri. — Presumo que você é da Terra?
Ainda reconheço que talvez essas pessoas possam ajudar Bell, afinal. O
que significa que ela vai me deixar. Ignoro a pontada de arrependimento em
meu peito. É melhor que ela vá embora.
— Você sabe? — Bell pergunta e há hesitação em sua voz, como se ela
não soubesse se acredita que alguém poderia ajudá-la. Mas a excitação em seus
olhos para chegar em casa faz alguma coisa comigo, me faz doer, mas eu
empurro isso para o buraco profundo onde pertence, junto com meu
arrependimento, minha culpa. Ela está mais segura longe de mim, mesmo que
isso me doa.
Eu sou fraco. Tão fraco.
— Eu sou de lá — Jupiter oferece com um encolher de ombros. — Assim
como Wendy, Atlas e Briella Mae. — Aqueles que ela nomeia acenam com sua
menção. — Ah, Cal e Clara também, mas eles não estão conosco.
Bell dá um passo à frente.
— Vocês podem me ajudar a voltar? Tenho tentado encontrar uma
maneira...
Os olhos de Jupiter se fecham e Bell para, percebendo assim como eu. Eu
sei a resposta dela antes mesmo dela abrir a boca.
— Sinto muito, Bel. Ainda não há uma fusão estável com a Terra. Minha
teoria é que a Terra não tem magia como os outros mundos, então não é
compatível. Provavelmente levará muito mais tempo para estabilizar do que
os outros. Até lá, é só esperar que um novo brilho se abra.
Outra mulher, chamada Briella Mae, dá um passo à frente.
— Mas não fique triste — ela declara. — É possível. Minha melhor amiga
não deu certo comigo e conseguimos mandá-la de volta quando uma fusão, ou
brilho, como Jupiter o chamava, se abriu. Mas não abriu no mesmo local desde
então. É apenas uma questão de rastreá-los e isso está sendo difícil. A maioria
deles fecha antes mesmo de sabermos que abriram.
Bell acena com a cabeça em compreensão, deixando de lado sua
decepção, e imediatamente muda de trajetória. Fogosa. Linda. Uma guerreira.
— Bem, se vocês estão aqui, Grimm realmente precisa de sua ajuda.
— Já ouvimos falar — diz a outra ruiva do grupo, com o cabelo muito
mais brilhante que o de Jupiter. Ela é tão poderosa quanto Jupiter. Há muita
concentração de poder neste grupo e, geralmente, isso é perigoso. Torna as
coisas instáveis, e com os mundos já instáveis, parece ameaçador continuar tão
perto. Eles não parecem preocupados, entretanto, e isso não é da minha conta.
Os Lordes estão amplamente divididos por uma razão.
Mesmo agora, posso sentir o gosto dos poderes flutuantes do grupo,
como se estivessem esperando que ele ganhasse vida. Meus olhos recaem sobre
os homens que estão atrás, os de Oz. Eles estão satisfeitos agora em deixar as
mulheres falarem, mas posso dizer que, mesmo com uma única ameaça a elas,
eles ganharão vida. Todos me olham como se eu fosse um predador.
Semelhante reconhece semelhante.
— Tenho certeza que Barba Azul não se importará de deixar todos vocês
ficarem temporariamente no castelo dele enquanto resolvemos as coisas, —
Bell oferece, me tirando de minhas reflexões.
Eu empurro meu olhar para ela e faço uma careta.
— Bell, — eu respondo, e seus olhos encontram os meus.
— Morris vai adorar a companhia. E eles estão aqui para ajudar Grimm,
— ela me lembra como se eu não soubesse.
Um dos homens dá um passo à frente.
— Lata — diz ele, apontando para si mesmo como uma forma de
apresentação. Ele olha para mim. — Você está no comando?
— Não, — rosno ao mesmo tempo que Bell diz, — ele está.
Eu lanço um olhar para ela.
As sobrancelhas de Lata se erguem. — Qual é?
— Barba Azul está um pouco hesitante em ajudar, mesmo sendo um
Lorde — Bell oferece, olhando para mim. Vejo o julgamento em seus olhos,
mas ela não sabe, não entende por que não posso estar perto das pessoas. Mas
ela olha para mim como se não estivesse costurando o caos, como se não
estivesse dançando com o perigo.
O olhar de Lata segue de volta para mim.
— Não há problema em temer tais eventos.
— Não tenho medo — rosno, mas a mentira tem gosto de veneno em
meus lábios, então me viro e começo a andar na direção oposta, de volta à
minha casta. Se eles seguirem, eles seguirão. Eu não ligo.
Malditos idiotas.
Maldita Branca de Neve.
Porra.
Capitulo 35

Logan está aos meus pés, saltando pelo grupo, mas é constantemente
atraído pela jovem com eles no centro. Ela já ostenta uma série de criaturas ao
seu redor, os pequenos animais sentados em seu ombro e se movendo.
Certifico-me de que Logan não está incomodando ninguém antes de focar no
resto do grupo. Pelo menos ele fez uma amiga.
Estou andando com eles em vez de Barba Azul, meus olhos em sua
grande forma movendo-se rapidamente à nossa frente. Parece mais seguro
andar com estranhos do que com um dos dois homens que já conheço.
— Ele é um pouco mal-humorado, hein? — Jupiter pergunta.
— Você não tem ideia, — resmungo revirando os olhos. — Estou
surpresa que ele ainda não tenha me matado.
— Não sei — interrompe Briella Mae. — Vocês dois pareciam bem
aconchegantes antes.
Meu rosto arde com o comentário, sem saber o quanto eles viram. Eles
tinham nos visto nos beijar?
— Bem, não posso dizer que não estou atraída pelo idiota mal-humorado
— sussurro para que Barba Azul não possa ouvir. Ainda assim, noto a
contração do Barba Azul e me pergunto se ele ainda consegue me ouvir.
— Eu realmente deveria apresentar você a todos, — Jupiter diz com um
sorriso, sabendo que preciso mudar de assunto porque tenho certeza que meu
rosto está ficando mais vermelho a cada segundo. Ela começa a apontar para
todos enquanto caminhamos. — Briella Mae e Lata, Cinder e Espantalho, Red
e Rei, Atlas e Tink, Tiger Lily, Peter, Março e Aniya, Wendy e Capitão...
— Espere, então todas as histórias são reais? — Eu pergunto com os olhos
arregalados. Eu sei que eles disseram isso antes, mas só agora estou
entendendo. Wendy e Gancho? Tiger Lily e Peter? Março? A Lebre de Março?
— Não do jeito que você os conhece — Jupiter responde com uma careta.
— Tivemos que descobrir isso da maneira mais difícil, mas mais ou menos. A
Terra do Nunca, como mundo, porém, não existe mais.
Há um tipo de silêncio que toma conta do grupo à menção de Terra do
Nunca e não consigo imaginar um mundo inteiro deslocado. Que
incrivelmente triste.
— Cal, Cheshire e Rumple estão procurando Evangeline — acrescenta
Briella. — O Crocodilo e a Bruxa Malvada ficaram em Oz. Ah, e Chapeleiro e
Clara levaram Flam e Doe de volta ao País das Maravilhas. Flam e Doe
deveriam se juntar a nós em algum momento.
— O que só me resta — exclama Jupiter, — e Branco...
Eu me encolho. — Ufa, são muitos nomes para lembrar.
— Garota, não culpamos você se você esquecer — Briella oferece. —
Estamos começando a formar um grupo bastante grande e as apresentações
estão ficando cansativas. Estou pensando em imprimir um guia e
simplesmente distribuí-lo às pessoas.
Rindo da ideia de conseguir um panfleto com nomes e fotos, concentro-
me na forma em movimento do Barba Azul.
— Você ouviu todos os nomes? — Eu grito para ele. Ele ignora
completamente minha pergunta. — Tudo bem, seja um rabugento.
Por longos momentos, estou realmente me divertindo, então quase
esqueço por que exatamente eles estão aqui e por que estamos caminhando
pela floresta Grimm em um ritmo acelerado. Lembro-me da tarefa quando
atravessamos as árvores e nos deparamos com uma das cidades destruídas.
Todos imediatamente ficam em silêncio diante da atmosfera, seus olhos
percorrendo e observando os corpos, a destruição e o símbolo pintado para
que todos possam ver em um dos edifícios restantes.
O silêncio é avassalador.
Jupiter dá um passo à frente, Red vai com ela e, surpreendentemente, a
jovem Aniya também dá um passo à frente. A área está repleta de cheiro de
podridão, mas elas não parecem se concentrar nisso.
— Parece petróleo — comenta Jupiter, franzindo a testa diante de tudo o
que sente.
— A magia está repleta de maldade — concorda Red.
Observo enquanto seus olhos se encontram e algo passa entre elas.
— Você já viu com algo assim antes?
— Não — Jupiter responde com sinceridade, olhando para mim por cima
do ombro. — Nunca.
As criaturas de Aniya estão todas ao seu redor e enquanto eu observo,
mais parecem surgir das árvores, vindo para o seu lado para estudá-la. Alguns
deles voltam para a floresta, mas alguns decidem ficar. Enquanto observo,
Logan se aproxima dela, ficando de pé para puxar a perna da calça. Aniya se
abaixa e inclina a cabeça em direção ao carcaju, como se o estivesse ouvindo.
Os olhos de Aniya seguem até onde estou.
— Ele diz que ama você — ela diz suavemente.
Quase engasgo com a emoção que essas palavras simples provocam e me
ajoelho. Logan imediatamente vem para um abraço.
— Ele também diz que você precisa sair deste mundo o mais rápido
possível — continua Aniya.
Olhando para o carcaju, eu o estudo.
— Por causa da Branca de Neve? — Eu pergunto.
Mas Aniya balança a cabeça e aponta para as costas de Barba Azul
enquanto ele continua pela cidade. Ele nem sequer olha para os corpos.
— Por causa dele.
Com os olhos arregalados, olho para Barba Azul e me pergunto por que
parece que todo mundo continua me alertando para me afastar do Lorde dos
Pagãos. Ele não parece tão ruim, mas talvez eu devesse andar com um pouco
mais de cautela.
Talvez eu devesse começar a ouvir.
Capitulo 36

No caminho de volta, percorremos rapidamente a floresta e chegamos ao


castelo um dia e meio depois. É exatamente como me lembro quando
atravessamos a linha das árvores. Não há diferença.
A viagem transcorreu sem intercorrências, exceto pelas cidades com as
quais cruzamos. Nenhum deles ficou de pé e começo a me perguntar para onde
foram aqueles que sobreviveram. Eu sei que o Caçador os tem ajudado, mas
certamente o mundo inteiro não pode estar vazio de pessoas.
Nada se atreveu a nos atacar na floresta, tanta concentração de poder
mantendo os monstros afastados por enquanto. Não sei quanto tempo isso vai
durar se o que Barba Azul explicou sobre as criaturas mais sombrias de Grimm
for verdade. Seus poderes estão crescendo exponencialmente, aumentando a
um ritmo alarmante, e eles estão se tornando cada vez mais corajosos a cada
dia que passa. Em algum momento, eles nem sequer temerão os Lordes. Em
algum momento, eles não temerão absolutamente nada.
Barba Azul permaneceu completamente indiferente durante toda a
viagem. Ele mantém distância de mim, como se não suportasse estar na minha
presença. Cada vez que tento falar com ele, ele fica em silêncio e se afasta de
mim. Eu sei que ele provavelmente está bravo comigo por convidar o grupo
para sua casa, mas ele poderia ter dito não. Ele está constantemente sendo
calorozo e frio. Num minuto ele está me beijando, no outro ele está fingindo
que eu não existo. É enlouquecedor e estou começando a ficar irritada.
Com eu presa aqui em Grimm por enquanto e os outros aqui, é hora do
Barba Azul parar de ignorar tudo e ajudar. Na verdade, não posso tomar essa
decisão por ele, mas o que posso fazer é decidir me ajudar. Então é isso que
estou fazendo. Além disso, Morris expressou o quanto sente falta de ter
companhia no castelo. Posso ver essa excitação no primeiro momento em que
entramos no castelo.
Aparentemente, comecei estupidamente a cuidar do Barba Azul, contra
o meu melhor julgamento, e estou irritada porque isso está escapando, apesar
de sua atitude geral. Ele é um bruto, mas não vou admitir em voz alta que
também gostaria que ele me maltratasse e rosnasse enquanto me empurrava
para baixo...
Morris sai do salão de baile, com os olhos arregalados para o grande
grupo de pessoas enquanto as tempestades do Barba Azul passam e sobe sem
dizer uma palavra. Uma porta bate no andar de cima, o eco alto e claro.
Os olhos do Espatalho seguem seu caminho.
— Bem-vindo, não é?
— Vocês terão que perdoar o capitão — diz Morris com uma careta,
repetindo a mesma frase que ele me disse. Pobre Morris. — Ele não se socializa
há muito tempo.
Os olhos de Morris procuram pelo grupo até me encontrar. Há uma
tristeza refletida ali que ele rapidamente cobre e eu inclino minha cabeça em
direção a ele em confusão.
— Bem-vinda de volta, Bell.
— Eu não tive muita escolha, — eu ofereço. — Eles não sabiam como
voltar para o meu mundo.
Ele concorda.
— Bem, suponho que vou tentar limpar mais quartos. Só vou precisar de
algumas horas...
— Eu posso ajudá-lo — ofereço, percebendo quanto trabalho isso vai dar.
— Oh, você não precisa — ele responde, ignorando minhas palavras.
— Não — Wendy interrompe. — Podemos fazer a limpeza nós mesmos.
Você não precisa cuidar de nós, senhor. Basta nos indicar os locais que você
gostaria que montássemos e nós cuidaremos de qualquer arrumação.
Torcendo as mãos, Morris se mexe onde está.
— Suponho que se você não me permitir limpar, o mínimo que posso
fazer é ir em frente e ver o que temos para preparar para o jantar. Sintam-se
em casa e me avisem se precisarem de algo. Posso apontar vocês em qualquer
direção.
Mas quando todos começam a se acomodar e a se movimentar pelo
castelo, minha cabeça se vira em direção às escadas e algo me implora para
segui-la. A porta trancada acena, como antes, me implorando para abri-la,
encontrá-la, descobrir o que há dentro. Quase dou um passo em direção à
escada e teria feito isso se não fosse pelos dedos de Jupiter envolvendo meu
antebraço.
— Ei, você está bem? — ela pergunta, e eu sorrio agradecida para ela por
quebrar o feitiço.
— Sim — eu respondo, uma mentira. — Eu estou bem.
Capitulo 37

Mas eu não estou nada bem. Nem mesmo perto.


Estou dividida entre querer continuar procurando um caminho para casa
e querer ficar e lutar contra tudo o que este mundo precisa. Tenho uma luta em
casa que preciso lutar, mas sem dúvida a luta aqui precisa ainda mais de mim.
Ainda assim, o desejo de voltar para casa, de voltar à vida normal, é forte. Os
humanos não são bons em mudar padrões, e eu mudei tudo o que sei de cabeça
para baixo. Minha mente é uma bola de caos que não se acalma e entre as
inúmeras pessoas no castelo, o fato de Barba Azul me evitar continuamente e
a porta trancada me chamando em direção a ela, encontro-me precisando de
um pouco de ar fresco.
É assim que me encontro na praia abaixo do castelo, caminhando
descalça pela areia, o vento salgado soprando sobre mim e bagunçando meu
cabelo. Ninguém reclamou quando eu saí. Eu não acho que eles notaram. Até
mesmo Logan estava ocupado abraçando Aniya, então não achei que seria
grande coisa se eu apenas escapasse por alguns minutos. Deve ser seguro o
suficiente, já que estou bem à vista. E não vou muito longe. Estava bem ali.
Enquanto caminho pela areia, saboreando a sensação dela entre os dedos
dos pés, percebo que não é a cor normal aqui. Em vez de praias de areia branca,
a areia desta costa é vermelha como sangue, mas brilha mesmo sob a mais leve
luz. Acho que no meu mundo existe uma praia assim, de cor vermelha, mas
não me lembro exatamente por que é dessa cor. Duvido que seja pelo mesmo
motivo que aqui. Tudo em Grimm é mágico, mesmo que seja assustador.
O navio que vi encalhado na costa chama minha atenção enquanto
caminho, e me vejo olhando para o grande navio. Tem uma forma estranha, e
onde eu esperava que se parecesse mais com um navio pirata, na verdade está
mais perto de algo de vinte mil léguas submarinas. Os detalhes do navio são
lindos, grandes esculturas em filigrana de metal, como obras de arte, servindo
como peças decorativas ao longo do casco. E não parece estar em qualquer tipo
de decadência, embora pareça que já está aqui há muito tempo. As palavras
“Curieux” estão estampadas na lateral, no que parecem ser letras pintadas à
mão em dourado e azul, o nome que Morris mencionou.
De um lado do navio, o vento empurrou a areia contra o casco,
sustentando-o e ao mesmo tempo proporcionando a subida perfeita para
entrar no próprio navio. Deixando minhas botas na base da grande duna de
areia, subo a encosta íngreme, lutando para me apoiar antes de chegar à borda.
Eu me levanto e limpo as calças enquanto observo o belo trabalho artesanal de
tudo isso.
Nada está deteriorando. Nem mesmo as cordas que estavam bem
enroladas em pilhas. Embora a areia pareça ter entrado em todas as
rachaduras, essa é a extensão do seu desgaste. É como se nada pudesse
desgastar tal navio, como se nada pudesse tocá-lo. Com admiração, viro-me
em círculos, absorvendo tudo. Um navio deste tamanho precisaria de uma
tripulação bastante grande e, por alguma razão, posso imaginar o Barba Azul
liderando-o. É justo que a imagem dele como capitão, aquela âncora tatuada
no rosto, toda a sua aparência, se preste ao capitão deste navio.
Afinal, está encalhado em frente ao castelo dele.
Morris mencionou que este é o navio dele, mas eu presumi que ele estava
definhando aqui. Por que ele não navega mais nele? Por que encalhar uma obra
de arte dessas e não deixá-la navegar em mar aberto? Por que escondê-lo na
areia?
Passando os dedos pelas esculturas e detalhes, me vejo diante de uma
porta abaixo do convés elevado. A grande roda de metal para entrar mal se
move no início, mas quando coloco todo o meu peso nela, ela range e consigo
abrir a porta. Uma sensação de exploração me preenche, me implorando para
ver tudo o que há para oferecer.
Apesar da areia cobrir o deck do lado de fora, não parece haver nada lá
dentro. A luz entra pelas janelas e posso ver os detalhes de tudo ao meu redor.
Alcançando meu cinto, pego a lanterna que sempre carrego e acendo. Estou
quase surpresa que ainda funcione aqui, embora não consiga encontrar outras
baterias, tenho certeza.
Percebo que é o alojamento do Capitão apenas um momento depois, e
sinto-me ainda mais compelida a estudar tudo lá dentro. Se este for o navio do
Barba Azul, então este seria o seu alojamento.
Direcionando a lanterna ao redor, noto os grandes mapas desenhados à
mão espalhados pela mesa, todos os tipos de instrumentos para navegação.
Eles são antigos, muito mais antigos do que qualquer coisa com a qual já usei
para navegar, mas reconheço a grande bússola. É de bronze, linda, e a vontade
de tocar é forte, mas eu controlo. Não quero atrapalhar nada.
Há uma cama grande encostada em um dos lados dos aposentos, a mesa
grande com os mapas, uma pequena bacia encostada na parede oposta, e uma
parede tem mapas e fotos todos pregados nela. Eu ilumino-os com minha luz,
estudando os mapas de mundos rotulados com nomes diferentes. Nenhum dos
mares parece pertencer ao meu mundo, mas há muitos de outros. Grimm,
Floresta Encantada, Mar Profundo, o que é tudo isso? Quantos mundos
existem?
O facho da minha lanterna passa sobre um pequeno esboço que, a
princípio, não percebo que seja alguma coisa, não até que minhas sobrancelhas
franzem e eu puxo o facho para trás, focando no pequeno desenho.
Uma mulher. Carinhosamente desenhada, sorrindo gentilmente para a
pessoa que está fazendo o desenho.
Ela é linda, suave, como as representações de mulheres da era vitoriana.
Seu cabelo está habilmente cacheado, sua maquiagem perfeitamente feita e
aqueles olhos, há um amor claro brilhando neles. Fico olhando para a beleza
dela, para o modo como ela está exposta na parede com mapas importantes, e
estou tão concentrada na imagem ali que não o ouço atrás de mim até que ele
fala.
— O que você esta fazendo aqui?
Viro-me, quase tendo um ataque cardíaco com a interrupção repentina e
observo Barba Azul enquanto ele está parado na porta, ocupando a maior
parte. A luz fraca destaca sua forma, deixando seu rosto quase todo na
escuridão até que eu aponto minha lanterna para ele. Ele não parece feliz, mas
quando é que isso acontece?
— Desculpe, eu só precisava de ar, — murmuro, me sentindo um tanto
boba por explorar algo que não era meu para explorar. No entanto, a porta não
estava trancada e Morris me disse que eu poderia ir a qualquer lugar que
estivesse aberto...
— Então você entrou no meu navio? — ele rosna. — Saía.
Olho novamente para a desenho, para o sorriso agradável em seu rosto.
— Quem é ela?
— Dê o fora! — As palavras são cuspidas com veneno, há tanta raiva
nelas, que paro e olho para ele, realmente estudo a raiva em seu rosto.
— Com o que exatamente você tem problemas comigo? — Eu pergunto
seriamente. — Num minuto você está me beijando, no outro você está me
tratando como lixo. Você é quente e frio. — Ele não responde, apenas continua
a me encarar como se eu tivesse feito algo horrível, como se eu fosse um
incômodo com o qual ele não quer lidar. Suspirando, levanto o queixo,
decidindo que por enquanto estou cansada de tentar chegar até ele. — Eu não
me importo com suas decisões quentes e frias, Blue, então vou deixá-lo em seu
navio e deixá-lo em paz.
Dou um passo à frente, preparada para passar por ele, mas ele não se
move e está bloqueando a porta. Franzindo a testa, olho para ele.
— Você vai ter que se mover. — Ele não sabe. — Mova-se, Blue, — eu
rosno, cansada dos jogos.
Ele olha para mim como se quisesse dizer coisas, mas estou cansada
disso. Estou cansada de lutar contra minha atração por ele, cansada de beijá-lo
e pensar que as coisas podem ser diferentes só para ele piorar. Estou cansada.
Lentamente, Barba Azul se inclina para o lado e eu passo, tentando tocá-
lo o menos possível. Atravesso o convés, indo para o lado onde a duna
encontra o convés.
— Bell... — ele chama, e eu olho por cima do ombro para ele. — Estou
tentando salvar você.
Palavras que parecem tensas, que não oferecem desculpa, nenhuma
razão.
— Eu nunca precisei que você me salvasse — digo balançando a cabeça.
— Eu preciso do seu respeito.
E então passo por cima da balaustrada do navio e volto para o castelo.
Capitulo 38

Porra! Porra! Quando eu me tornei isso? Essa... fera? Não consigo nem
falar com ela sem ferir seus sentimentos, ou pior, sem atacá-la como se fosse
uma criatura faminta. Nunca estive tão distorcido, tão em conflito, mas a
verdade ainda permanece.
Não posso fazer Bell sofrer o mesmo destino que as outras. Não posso.
Ela é muito inteligente para que algo apague sua chama.
Mesmo agora, ela está adiando sua missão de voltar para casa
simplesmente para ajudar meu mundo. Um mundo que nem estou ajudando,
apesar de ter um título que diz que deveria. Há algo errado comigo e nisso
estou machucando ela.
Rosno para mim mesmo, aperto a mão na testa, procurando
desesperadamente por uma resposta que ajude, que faça sentido, mas se eu
quiser que Bell viva, não há outra opção. Porque se ela começar a cuidar de
mim, se chegar muito perto, o ceifador nunca estará muito longe.
E isso será por minha conta.
Estou sentado na balaustrada, olhando para o oceano que desejo navegar
novamente. Eu não sigo Bell para dentro do castelo, não depois dessas
palavras.
Eu preciso do seu respeito.
Eu nem sequer a tratei com a decência comum. Como ela poderia
continuar tentando? Como ela ainda pode olhar para mim daquele jeito, como
se eu não fosse tão ruim, como se eu não fosse o idiota que sou?
As ondas do oceano batem contra a costa, salpicando o vermelho e
tornando-o quase preto onde toca. Essas ondas são tão turbulentas quanto
minha própria mente, e apesar de saber que seria melhor parar de pensar em
Bell, minha mente vagueia de volta aos momentos em que a beijei, à maneira
como ela tenta romper minha amargura.
Se eu fosse uma pessoa diferente, já teria colocado meu coração aos pés
dela.
Quando alguém aparece na praia abaixo de mim, faço uma careta,
olhando para o oceano com um olhar firme.
— Eu não vim aqui em busca de companhia — anuncio, ignorando-o.
Mas essas pessoas de outros mundos não se intimidam com a minha
atitude. Eles não se deixam intimidar pelo meu poder. Grimm, a maioria deles
é mais forte que eu. Não faz sentido para eles me temerem.
Rei encolhe os ombros onde está, olhando para onde estou sentado.
— Os outros queriam que eu perguntasse se você quer jantar. Morris fez
um banquete.
Meu peito dói com a excitação que Morris deve ter sentido ao cozinhar
para tantos novamente. Ele adora cozinhar e socializar, e aqui estou eu,
forçando-o a desistir de ambos na maioria dos dias. Na verdade, sou grato ao
grupo por dar-lhe uma faísca novamente. Pelo menos ele tem isso.
— Estou bem — digo, sem coragem de sentar na mesma sala que ela, de
vê-la rir do que os outros dizem, de saber que nunca terei isso.
Rei hesita onde está.
— Ele não precisa ouvir isso, — ele sussurra, mas eu ainda ouço.
— O que? — Pergunto franzindo a testa, confuso com a frase que
claramente não era para mim, apesar de ser o único aqui.
— Desculpe, — Rei faz uma careta. — Há três mentes aqui dentro — ele
aponta para sua cabeça. — E elas estão discutindo se devem dizer que você
está sendo um idiota ou não.
Carrancudo, olho para longe dele e volto para o mar.
— Poupe-me do conselho. Eu não preciso disso. — Não coloco muito foco
na coisa das três mentes. Não é da minha conta e honestamente não me
importo se Rei é uma pessoa ou três. Isso não me afeta.
Rei suspira e sobe a duna de areia antes de se sentar ao meu lado. Ele
deixa espaço suficiente entre nós para não me sobrecarregar, mas ainda me
movo desconfortavelmente. Desde quando meu comportamento geralmente
desagradável aproxima as pessoas?
— Ela não vai ficar esperando para sempre — ele diz quando se senta.
— Quem? — Eu pergunto, embora eu saiba onde ele quer chegar com
isso.
— Bell.
— Bom, — eu rosno. — Talvez ela sobreviva a isso então.
Rei franze a testa e me estuda, embora eu não esteja olhando para ele.
— O que isso significa?
— Não importa.— As palavras são afiadas, afetadas, e sei que estão
revelando mais nelas do que eu gostaria.
Rei fica em silêncio por um momento antes de decidir falar novamente.
— Quando dei meu coração a Red, ele quebrou um feitiço que prendia
um poderoso Lobo no centro de Oz. Eu sabia que isso iria acontecer e então me
fechei, tentei ficar com raiva, tentei ser tudo menos uma boa pessoa. — Ele
suspira. — Eu tentei de tudo para não amá-la, mas pela minha experiência, não
importa o que você faça. Aqueles que estão destinados um ao outro acabam
juntos, não importa o quanto vocês lutem contra isso.
Fico em silêncio, suas palavras penetrando profundamente e perfurando
meu coração.
— Bell faria bem em não me amar, — eu admito, olhando para o homem
ao meu lado.
— Não é algo que possa ser interrompido, Barba Azul. O destino é uma
vadia mal-humorada.
Inclinando a cabeça, deixo esse pensamento me dominar e admito em
voz alta as palavras nas quais não quero pensar.
— Então ela vai morrer, — eu falo e Rei pisca com minhas palavras. —
Estou tentando impedir que isso aconteça, mas nem eu consigo impedir essa
maldição. — Fecho os olhos diante das imagens que preenchem minha mente.
— Não importa o quanto eu gostaria de poder.
Capitulo 39

Não consigo dormir.


A noite caiu e tudo que consigo pensar é na conversa com o Barba Azul
no navio e na porta trancada que está me deixando louca. Nunca fui uma
pessoa excessivamente curiosa. Nunca fui alguém que ouviu “porta trancada
significa não entrar” e de repente não quis nada mais do que entrar. Sim, é da
natureza humana até certo ponto, mas há algo diferente nisso. É como se a
porta estivesse me assombrando. É como se algum tipo de poder estivesse me
atraindo e implorando para que eu descobrisse o que está por trás disso.
Logan está roncando na cama, contente por estar dormindo em algo
macio novamente, mas não importa o quanto eu tente, não importa quantas
ovelhas eu conte, não consigo dormir. Eu até tentei contar carcajus.
Puxando minhas calças e tomando cuidado para não acordar Logan, saio
do meu quarto descalça, tomando cuidado para não fazer muito barulho, e me
encontro quase imediatamente do lado de fora da porta trancada. Nem me
lembro da maior parte da viagem que me trouxe até aqui. Num momento,
estou decidindo descer para lanchar alguma coisa e no próximo, estou olhando
para as esculturas intrincadas novamente.
Tento a maçaneta, mas ela está tão trancada como sempre. Nada mudou.
Não tenho chave, mas a chave que está no pescoço do Barba Azul, aquela que
ele às vezes usa ali, deve ser a que abre esta porta. Não sei como sei disso, mas
sei. Há uma vibração profunda que parece vir da porta, me implorando para
ver o que há no cômodo além. Algum grande segredo que preciso saber. E essa
chave fala comigo da mesma maneira. Se ao menos eu soubesse onde ele
guarda quando não está usando.
Balançando a cabeça, decido que é bobagem ficar do lado de fora de uma
porta que não consigo abrir. Afastar-me exige um esforço que eu não sabia que
seria necessário, mas, eventualmente, me viro e começo a andar.
Originalmente, eu queria um lanche, mas percebo que nem estou com fome.
Morris tinha feito tanta comida antes que eu me empanturrei dela.
Talvez eu possa encontrar um livro na biblioteca e ler até adormecer. Essa
parece ser uma opção muito melhor do que forçar mais comida no estômago.
Assim que encontro o caminho para a biblioteca, porém, esse plano é
completamente frustrado.
Abro a porta, preparada para procurar um livro, e o vejo parado nas
estantes. O pânico me enche. Não faz muito tempo que o navio partiu e não
quero que ele pense que estou simplesmente assumindo o controle de sua casa
e indo para onde eu quiser. Eu só estava esperando por um livro.
Dando um passo para trás, tento fechar a porta silenciosamente,
esperando que ele de alguma forma não tenha me ouvido.
— Não conseguiu dormir? — Ele pergunta, ainda de costas para mim.
Congelando, paro com a porta entreaberta.
— Não — murmuro. Hesito onde estou, dividida entre querer encontrar
um livro e precisar sair da situação. — Vou deixar você com sua leitura.
Eu me movo para recuar novamente, mas suas próximas palavras
interrompem minha retirada.
— Você já falou com os fantasmas do seu passado? — ele pergunta.
Eu olho para ele, para a ampla extensão de seus ombros, desejando que
ele olhasse para mim, mas também preocupada que ele o fizesse.
— Não tenho muitos fantasmas, mas às vezes falo com meu pai quando
acho que ele pode me ouvir.
Ele olha por cima do ombro para mim, onde estou hesitante na porta, e
isso me congela no lugar.
— O que ele diria se visse onde você está agora?
Claramente, ele está interessado em uma conversa pela primeira vez.
Percebendo isso, entro na biblioteca e deixo a porta se fechar atrás de mim.
Olho para as estantes, sem saber por onde começar para encontrar um livro.
Que tipo de histórias o Capitão Barba Azul tem aqui? Provavelmente estratégia
militar e livros sobre como dar nós. Pelo menos vai me fazer adormecer rápido.
— Bem, — eu digo, observando-o de perto. — Ele provavelmente me
diria para permanecer forte e lutar para sair dessa situação, mas ele teria
olhado em volta, maravilhado. Meu pai era um sonhador, mesmo que nunca
tenha conseguido realizar nenhum desses sonhos. — Cruzo os braços e olho
para ele. — Do que exatamente se trata?
Ele se vira totalmente para mim então. Ele está vestindo uma camisa pela
primeira vez, mas quando ele se vira, vejo que sua camisa mal está presa,
revelando a maior parte de seu peito de qualquer maneira. Claramente, ele não
gosta muito de ser encoberto. Entre as bordas de sua camisa, um brilho
dourado brilha e chama minha atenção por um breve segundo antes de forçar
meu olhar para longe. Ainda assim, a chave me chama.
Seus olhos encontram e seguram os meus, aquela prata neles brilhando
na escuridão. Fico tensa com o olhar ali, com a dor e a fome. Um predador, mas
que não quer ser.
— Eu já te disse que sou fraco quando se trata de você — ele sussurra.
— Sim, e então você se virou e agiu como um idiota novamente. Dizer
essas palavras não desculpa o comportamento.
A expressão em seus olhos fica assombrada.
— Desculpe.
Pisco, não esperando nenhum tipo de pedido de desculpas dele. Não
combina com o personagem que ele já me mostrou.
— Pelo que?
Ele começa a atravessar a biblioteca, dando passos lentos e medidos em
minha direção e eu fico tensa.
— Por ser um idiota — ele murmura. Ele continua andando, diminuindo
a distância. — Por sempre rosnar para você como se eu fosse uma fera. — Ele
para bem na minha frente. — Por isso — ele sussurra.
E então ele gentilmente segura meu queixo e pressiona seus lábios nos
meus.
A terceira vez é o charme.
Capitulo 40

Não entendo exatamente por tudo o que ele está se desculpando, mas
dane-se se o beijo não é ótimo. Algo dentro da minha mente dispara como um
aviso. Um pedido de desculpas não significa que ele deva ser perdoado por
cada besteira que fez, mas, por enquanto, minha mente também está me
dizendo qual é o mal em me divertir um pouco? Qual é o mal em se divertir
com o homem literalmente mais sexy que já vi?
Então eu o puxo para mais perto e retribuo o beijo, porque amanhã ele
pode decidir que preciso ir embora novamente, e pelo menos posso dizer que
gostei do tempo que passei com ele. Algo me diz que Barba Azul será um
amante generoso, mesmo que outra parte de mim esteja gritando para que eu
lhe dê um gostinho de seu próprio remédio.
Eu deveria me afastar, deixá-lo querendo. Ele não merece isso depois de
como me tratou, mas eu quero desesperadamente prová-lo, prová-lo de
verdade, antes de deixar este mundo para sempre.
Seus dedos grandes passam pelos cabelos da base do meu pescoço e
apertam, posicionando meu rosto exatamente como ele quer. Meus lábios se
abrem em um gemido enquanto ele me arrasta para dentro da biblioteca. Há
uma necessidade furiosa entre nós, como se o destino estivesse nos unindo
apesar de tudo. Ao beijá-lo desta vez, sinto que estamos destinados a ser assim,
que estamos destinados a ficar juntos, mas o destino só pode fazer muita coisa
se uma ou ambas as pessoas estiverem hesitantes. E embora eu goste do Barba
Azul, apesar de sua atitude, ele claramente tem seu próprio trauma que precisa
resolver antes que um relacionamento esteja em seu futuro.
Mas isso não significa nada para o sexo. É apenas sexo. É isso. Que mal
há nisso?
Ele interrompe o beijo e desce até meu pescoço, seus lábios traçando um
caminho ali, seus dentes mordiscando, sua barba arranhando minha pele da
maneira mais prazerosa.
— Sinto muito — ele murmura contra minha pele, com tristeza nas
palavras, mas se eu não sabia por tudo o que ele estava se desculpando antes,
definitivamente não sei por que ele está se desculpando agora.
— Pelo que? — Eu murmuro, agarrando seus ombros enquanto ele traça
meu pescoço e minha clavícula, me deixando louca de necessidade.
Mas ele não responde à minha pergunta.
Passando minha mão de seu ombro sobre seus enormes peitorais,
traçando o metal em seu mamilo onde pretendo colocar minha boca, continuo
descendo, descendo, descendo até chegar à frente de sua calça e acariciar seu
comprimento duro saliente ali. Ele é enorme – o homem é definitivamente
proporcional – mas no momento em que eu o acaricio, ele vira gelatina em
minhas mãos.
O gemido gutural que sai de seus lábios contra a pele do meu pescoço
deixa minhas pernas fracas.
— Sente-se, — ordeno, empurrando-o em direção ao sofá atrás dele.
Ele se inclina para trás, seus olhos brilhando, e posso ver a indecisão em
seus olhos, então empurro um pouco mais forte. No final, ele dá um passo para
trás e me permite guiá-lo até a posição sentada. Eu me inclino e afrouxo os
laços de suas calças enquanto ele me observa com olhos aquecidos. Seus lábios
estão carnudos por causa do nosso beijo, e a leve inclinação de seus olhos me
faz querer beijar os cantos e explorar mais seu rosto, mas em vez disso, enfio a
mão dentro de suas calças e libero sua ereção.
Não estou surpresa com o tamanho, pois já o senti, mas estou surpresa
com o metal brilhando na ponta de seu pênis, quatro pontas como uma
bússola. As tatuagens em seu corpo continuam descendo, circulando a base de
sua excitação. Meus olhos seguem até os dele enquanto circulo seu
comprimento com a mão. Ele não se aproxima de mim, ainda não, claramente
não quer empurrar, mas eu já tenho intenções.
Ajoelhando-me diante do Capitão, me inclino para frente e lambo um
caminho que sobe da base de seu pênis até a ponta, girando minha língua ao
redor do ponto sul de seu piercing. Ele fica tenso, seu comprimento saltando
em minha mão, e o som que sai de sua garganta é animalesco enquanto
continuo examinando a ponta antes de sugar a cabeça dele completamente em
minha boca. Coxas grossas e musculosas ficam tensas quando sua mão retorna
ao meu cabelo, mantendo-o fora do caminho enquanto me movo para colocar
mais dele em minha boca.
— Bel... — Ele geme enquanto eu lentamente desço e subo, deixando-o
louco com cada passagem daqueles piercings, cada redemoinho da minha
língua. Ele fica tenso, seu pau lateja na minha boca e estou quase desapontada
com os sinais iminentes de finalização. Mesmo assim, quero saboreá-lo,
controlar esse homem que não ousa abrir mão do controle.
Bombeando-o mais rápido, eu o levo o mais fundo que posso na minha
garganta e contraio os músculos da garganta. Seus quadris bombeiam comigo,
suas mãos apertam meu cabelo, e não fico surpresa quando sinto pequenos
jorros de esperma na minha garganta, o gosto dele me deixando louca por
mais, mas eu me afasto com um golpe final do meu língua ao longo dos
piercings e olho para ele.
Com cuidado, eu me levanto.
— Onde você pensa que está indo? — ele rosna enquanto se abaixa e
acaricia seu pênis ainda ereto. Meus olhos se arregalam. — Eu não terminei.
Levantando-se e se aproximando de mim, ele puxa minha camisa pela
cabeça e a joga de lado, deixando-me nua por cima. Seus olhos imediatamente
vão para meus mamilos empinados, e ele se inclina para sugar um em sua boca,
dobrando-me sobre seu braço para lhe dar melhor acesso. Eu suspiro com a
sensação dele me torturando, com a maneira como ele se abaixa com a outra
mão e solta os laços da minha calça. Ele os puxa para baixo um momento
depois e eu começo a chutar o material para tirá-lo antes que ele me levante
em seus braços.
— Perfeita pra caralho — ele rosna enquanto me coloca em cima da mesa
ao lado. — Um inferno esperando para queimar.
Ele se ajoelha antes que eu perceba o que está fazendo e me puxa para
mais perto da beirada da mesa. Enterrando seu rosto entre minhas coxas, eu
grito quando sua língua lambe seu caminho desde minha abertura até meu
clitóris e gira. Enfio meus dedos em seu cabelo e o seguro mais perto, forçando-
o mais fundo, e ele obedece, comendo-me como se eu fosse a única refeição que
ele teve em séculos. Eu me contorço em cima da mesa, o desespero forçando
pequenos gemidos de meus lábios que eu definitivamente negarei ter feito
mais tarde. Com o giro especialista da língua e a maneira como os dedos
apertam minhas coxas, derreto em uma poça em sua mesa, meu orgasmo
subindo e descendo como o fluxo e refluxo das ondas contra a costa. Não é um
orgasmo brutal, mas um orgasmo suave que me faz ofegar e arranhar seu
couro cabeludo.
— Mais, — exijo enquanto ele se levanta.
Ele não responde até que se inclina sobre mim, seu pau alinhado com a
minha entrada.
— Belladonna, — ele murmuro, um braço apoiado na mesa enquanto o
outro alcança meu seio. — Sinto muito — ele repete, e novamente, não entendo.
— Pelo que? — Eu rosno, passando meu braço em volta de seu pescoço.
Mas ele começa a relaxar dentro de mim e esqueço o que estou
perguntando. Jogando minha cabeça para trás enquanto ele me estica em torno
de sua circunferência, minha boca se abre em um suspiro enquanto ele balança
contra a mesa. Esses piercings acariciam minhas paredes internas, me
deixando louca desde o momento em que entram.
— Blue, — eu grito enquanto ele ganha velocidade e começa a bater
contra a mesa, balançando-a com as coxas enquanto ele bate dentro de mim,
enquanto ele me reivindica dessa maneira.
Eu tinha razão. Isso vale a pena. Mesmo que ele decida ficar com frio
novamente, ficarei feliz em levar essa experiência comigo.
Cravando minhas unhas em seus ombros, eu me seguro com força
enquanto ele acaricia dentro de mim, me levando cada vez mais alto a cada
movimento, os piercings se arrastando contra a pele sensível. Ele chega entre
nós e circunda meu clitóris com seus dedos grandes, e eu empurro contra ele,
minhas pernas começando a tremer.
— Você ficaria linda com cordas, — ele ofega acima de mim. Ele passa os
dedos pela minha pele como se estivesse seguindo o caminho que faria com as
cordas. — Amarradas em torno de suas coxas, circulando-as, subindo em volta
de sua cintura, apertando até que você seja forçada a manter suas coxas abertas
para mim. — Eu suspiro com suas palavras enquanto ele continua subindo. —
Ao redor do seu esterno, apertando seus seios até que eles sejam apresentados
para eu provar. — Sua mão acaricia-os e aperta meu mamilo, beliscando-o até
que estou empurrando contra ele novamente. — Para cima, para cima, em volta
deste lindo pescoço, não muito apertado, mas apenas o suficiente — ele circula
meu pescoço com as mãos, — para apertar quando eu puxá-los. — Ele aperta
e corta meu ar assim que diz as palavras, e eu explodo em seu pau, me
contorcendo e gritando. Ele me cavalga através das ondas, me fodendo
lentamente através delas enquanto eu desço e imediatamente começo a subir
novamente. — Então eu penduraria você no teto como uma obra de arte e te
foderia uma e outra vez — ele ronrona. — Vou explorar você, acariciando seu
calor úmido, tocando o fundo de sua garganta. — Ele se abaixa e toca minha
bunda suavemente, pressionando levemente, mas sem penetrar. — Entrando
em sua bunda enquanto você grita em êxtase e cobre meu chão com seu prazer.
— Jesus Cristo, — eu ofego, agarrando-o.
— Seus deuses não têm domínio aqui, Belladonna, — ele rosna e então
ganha velocidade novamente, me fodendo em cima da mesa, forçando meu
prazer a dançar com suas palavras enquanto ele me reivindica. Ele sai de
dentro de mim e me vira brutalmente em cima da mesa até que o topo das
minhas coxas pressione a madeira pesada, e ele me preenche novamente. —
Onde está o fogo em que você dança com tanto orgulho? — ele rosna,
levantando minha perna direita e apoiando meu joelho na mesa, me abrindo
completamente. — Não há poesia para mim agora?
— Foda-se, — eu rosno, mostrando os dentes enquanto ele bombeia
dentro de mim, seu osso pélvico batendo na minha bunda e batendo. Meus
dedos procuram algo em cima da mesa, mas não encontro nada além da borda.
— Rasgue-me em pedaços — ele ordena. Abaixando-se, ele agarra um
punhado do meu cabelo e me puxa para trás, fazendo minhas costas se
curvarem dolorosamente. — Diga-me o que você realmente pensa de mim.
— Você é um idiota, — eu gemo. — Um idiota brutal.
Sua outra mão circunda minha bunda e toca a abertura ali, me fazendo
pular contra a mesa e fazer uma careta.
— Você pode fazer melhor do que isso — ele incita.
— Isso é tudo que você tem? — Eu rosno, empurrando-o contra ele.
Ele solta meu cabelo para circundar minha garganta e usa-a para curvar
minhas costas. Minha visão fica preta nas bordas, mas não avança mais. Ele se
inclina sobre mim, seus lábios na minha orelha.
— Você vai ser a minha morte, — ele rosna.
— Bom, — eu cuspo. — Então estamos empatados.
Seu ritmo falha, como se minhas palavras tivessem atingido algum alvo,
mas eu o empurro de volta, e ele acelera o ritmo novamente. Ele dobra os
joelhos, mudando o ângulo, e começa a me foder com força suficiente para
sacudir as gavetas. Lá, cercada por livros em um castelo literal, deixei o Capitão
me reivindicar, me marcar para sempre, a ponto de saber que nunca mais serei
a mesma.
Algo dentro de mim muda e meus dedos agarram a mesa enquanto eu
me quebro em um milhão de pedaços, como se perceber o quanto gosto dele
me obrigasse a terminar com ele. Meu orgasmo o aperta com força e ele grunhe,
desliza para dentro e para fora mais algumas vezes, antes que seu pau comece
a pular para dentro, enchendo-me com sua semente. Não tenho chance de
entrar em colapso. Ele está me levantando em seus braços um momento depois
e me carregando para o sofá enquanto ainda estou tremendo com a minha
liberação. Ele cai no sofá e me deixa deitar sobre seu peito, meus dedos
acariciando os pelos ali. Passo o piercing em seu mamilo e olho para ele com
olhos semicerrados.
— Você não é tão ruim — resmungo.
Seus olhos já estão fechados.
— Sinto muito — ele sussurra, seus braços apertando em volta de mim.
— Eu sinto muito.
— Pelo que? — Pergunto novamente, meus olhos se fechando.
Mas não há resposta. Nunca houve.
Capitulo 41

Pisquei e abri os olhos, tentando remover as pesadas camadas de sono


que eu estava enfrentando. Ainda estou deitada em cima do Barba Azul, sua
respiração profunda e rítmica me fazendo subir e descer a cada respiração, seu
calor sendo absorvido pelo meu corpo. Não sei o que me acorda, mas alguma
consciência profunda em meus ossos me obriga a piscar os últimos resquícios
de sono dos meus olhos e olhar para Barba Azul. Estou estudando-o, me
perguntando onde isso significa que as coisas vão levar, quando percebo a
chave.
Durante o nosso acasalamento, eu nem tinha feito a ligação de que ele
ainda estava usando, que eu já tinha notado isso antes, mas aqui e agora, ela
brilha na luz fraca, uma tentação da qual eu não deveria aproveitar. Seria
errado tirar a chave do pescoço e entrar furtivamente pela casa para abrir a
porta trancada. Ele tem direito à sua privacidade.
E ainda assim, me encontro lentamente me desdobrando em seus braços.
Ele grunhe suavemente durante o sono enquanto eu cuidadosamente movo
seus braços para o lado e me levanto. Rápida e o mais silenciosamente possível,
visto a calça e a camisa e depois vou até o Barba Azul, onde ele dorme.
Hesitando, olho para as linhas suaves de seu rosto durante o sono e reconheço
que ele parece mais acessível dessa forma.
Avançando, toco cuidadosamente meus dedos na corrente em volta de
seu pescoço. Ele se mexe durante o sono e eu o solto, esperando que ele não se
mova novamente antes de gentilmente soltar a corrente e puxar a chave do
pescoço dele. Uma vez em minhas mãos, prendo a corrente novamente e olho
para ela.
Tem um design simples, de cor dourada que se desgasta após anos de
uso. É estranho pensar que uma coisa tão pequena tem me assombrado desde
que cheguei aqui, e uma parte de mim quer provar que isso não me domina de
alguma forma. Eu poderia guardá-la e fingir que nunca tentei pegá-la. Eu
poderia vencer minha curiosidade assombrosa.
Em vez disso, estou segurando a chave com força e indo até a porta da
biblioteca, descartando todos os pensamentos de esquecer que a chave existiu.
Lanço uma última longa olhada para Barba Azul, onde ele dorme
pacificamente antes de sair e caminhar pelo castelo silencioso.
Não leva muito tempo para chegar à porta. Não preciso mais pensar onde
está. Encontro-me diante dela antes de ter consciência de que estou fazendo a
curva certa. Eu fico olhando para as esculturas intrincadas. De dentro da sala,
há um zumbido profundo, não algo que posso ouvir, mas algo que posso
sentir. Cada instinto que possuo me diz para destrancar a porta e descobrir o
que há do outro lado. Meu ser exige isso. Eu precisava saber o que há por trás
desta porta desde o início, e agora aqui estou, trazida aqui por quaisquer
fantasmas que tenham me puxado.
Então eu faço exatamente o que eles pedem...
Deslizo a chave no buraco da fechadura. Ela se encaixa perfeitamente,
pendurada por dentro sem fazer barulho. Respiro fundo e viro a chave. Os
mecanismos dentro da porta deslizam com um pequeno barulho e então a
porta se abre, como se alguém lubrificasse a fechadura para garantir que ela
sempre funcionasse em ordem.
Está escuro lá dentro e paro na porta, me perguntando se há algo que
preciso fazer para ver, mas quando abro mais a porta, lamparinas ganham vida
lá dentro como por mágica. Não há pequenas fadas nestas, então devo assumir
que é algum tipo de feitiço. Já nem me surpreende mais quando as coisas
acontecem dessa forma, quando noto que desta vez não há criaturas estranhas
nas lamparinas. Este mundo não é como o meu. Está cheio de magia no ar,
capitães frustrantes e vilões que deixam claro que são os vilões. Pensar nisso
em qualquer sentido normal será sempre um erro.
Espero que esteja empoeirado por dentro, mas tudo está imaculado à
medida que as chamas da lamparina sobem, iluminando cada vez mais e
revelando exatamente o que estava escondido. Eu dou um passo para dentro,
meus olhos arregalados enquanto observo a parede.
Deixo a porta entreaberta porque não posso me dar ao trabalho de fechá-
la, mas, honestamente, estou chocada demais para lembrar de uma coisa tão
mundana. Não sei o que esperava quando abri a porta. Talvez o quarto de
alguém que Barba Azul havia perdido. Talvez nada. Talvez apenas um
depósito para todos os gravetos que ele guarda na bunda. Mas isso é algo
totalmente diferente.
Mausoléus são algo com que não tenho muita experiência, mas
reconheço que é exatamente isso. Olho para a parede repleta de placas de
bronze, cada uma com um nome inscrito e uma pequena pintura. Ando ao
longo da parede, observando as imagens, e reconheço na primeira a mulher do
desenho no navio.
Mulheres. Todas as mulheres e um único filho, um bebê.
Deve haver uma dúzia ou mais deles, com seus nomes listados para eu
ler.
Victoria, Lolita, Julia, os nomes são infinitos. A última termina há quase
cinquenta anos.
Estendo a mão, passando os dedos pela foto da mulher do navio, confusa.
Este não é um mausoléu familiar. Não no sentido normal. Isto é outra coisa,
um santuário para...
— Você pegou a chave.
Virando-me e quase tropeçando nos próprios pés ao ouvir a voz atrás de
mim, pressiono a mão no peito para firmar meu coração enquanto observo
Barba Azul, onde ele está parado na porta. Ele teve tempo para vestir as calças,
mas nada mais. Espero que ele fique com raiva. Em vez disso, ele parece quase
triste.
— O que é isso? — pergunto, apontando para a parede de sepulturas.
Meus instintos me dizem para correr, mas não entendo por quê. Barba Azul
não me machucou. Mas os meus olhos desviam-se para os túmulos das
mulheres, para os muitos túmulos das mulheres, e a minha inquietação
aumenta.
— Eu te disse que a morte me segue — ele murmura, e aqueles olhos se
chocam com os meus. Há vergonha ali, culpa.
— Eu não entendo...
Ele dá um passo para dentro, seu olhar inabalável.
— Não é apenas um sentimento, Belladonna. Não sou eu que estou
dizendo que tenho azar. É uma maldição.
— O que isso significa? — Eu rosno, levantando minha mão para impedi-
lo de se aproximar. Meus instintos estão gritando alto para eu correr e ainda
assim continuo aqui.
Há agonia em seus olhos quando ele olha para o túmulo da primeira
mulher, a do navio.
— Há muito tempo, enquanto eu navegava por muitos mares, uma bruxa
encontrou seu caminho a bordo do meu navio. — Ele balança a cabeça. — Eu
fui um tolo, pensando que não haveria problemas a bordo do meu navio, mas
a bruxa começou a avançar em minha direção, apesar de meu coração já ter
sido reivindicado por outra pessoa. — Ele passa por mim e toca o túmulo com
a mão, o nome Lydia brilhando na placa. — Lydia era uma mulher doce. Ela
não tinha um osso de luta em seu corpo, e a bruxa sabia disso. Quando a bruxa
percebeu que não tinha chance comigo, que eu amava Lydia, ela agiu.
Minha respiração congela.
— O que ela fez?
— Ela matou Lydia, minha flor, e lançou sua maldição sobre mim antes
de se jogar no mar.
Dou um passo para trás, em direção à porta aberta.
— E qual foi a maldição?
Ele olha para mim com uma expressão de dor, seu rosto contorcido em
agonia.
— Qualquer um que se atreva a me amar, e eu também os amo, está
amaldiçoado a se juntar a Lydia na morte. — Ele passa os dedos por túmulo
após túmulo, parando no bebê. — Sejam eles amantes ou filhos.
Tropeçando outro passo para trás, eu olho para ele com horror.
— O que? — Eu suspiro, pressionando minha mão contra meu coração
acelerado.
— Você perguntou por que eu me desculpei antes. — Ele encontra meus
olhos, seguro. — É porque se você se apaixonar por mim — ele toca um espaço
vazio na parede, — você será enterrada aqui mesmo, outra memória para me
assombrar.
Minhas pernas quase fraquejam enquanto conto os túmulos, ao observar
o grande número deles.
— Você continuou tentando, — eu falo, horrorizada.
— Até que parei — ele rosna. — Eu tranquei este quarto para sempre,
preparado para nunca mais abri-lo, não importa o quão alto meus fantasmas
me assombrem. — Ele segura o cabelo na mão. — E então você apareceu, —
ele rosna. — E não consigo parar o que está acontecendo. — Há desesperança
em sua voz, uma aceitação que faz todos os sinais de alerta dispararem em meu
corpo. Ele cai de joelhos, segurando a cabeça entre as mãos enquanto revela
tudo o que está escondendo.
Eu olho para ele com verdadeiro horror enquanto entendo a realidade do
que ele está dizendo. Estou viva, então um de nós não ama o outro, e pelo jeito
que seus olhos estão se enchendo, suspeito que sou eu. Ainda não caí daquele
penhasco. Quanto tempo isso vai durar se eu ficar aqui?
Meu coração bate como um tambor no peito, saio cambaleando da sala e
começo a correr.
Capitulo 42

Ainda estou ajoelhado na sala quando Morris me encontra. Bell saiu


apenas um minuto antes, me deixando aqui com meus fantasmas, com o
passado gritando comigo. Se ela for esperta, ela correrá o mais longe possível
de mim, nunca mais retornando. Não consigo imaginar alguém com tanto
fogo, com tanta luminosidade, ficando para sempre relegado a esta sala, a mais
uma sepultura na parede.
Os olhos de Morris estão arregalados, horrorizados, ao reconhecer a fúria
e a culpa em meus olhos.
— O que você fez? — ele acusa, e ele está certo em fazê-lo. A culpa é
sempre minha. Eu sei melhor, mas ainda assim permiti que isso acontecesse.
— Ela pegou a chave — eu falo com voz rouca, com um soluço na
garganta. — Ela abriu a porta. Eu tive que explicar.
Morris torce as mãos e olha pela porta, sem dúvida atrás de Bell,
imaginando o que pode fazer.
— Mas ela está viva.
— Só porque ela ainda não me ama, — eu resmungo, puxando meu
cabelo com mais força. — Mas Morris, eu já a amo. — Outro soluço. — Grimm,
eu a amo.
Morris dá um passo para trás enquanto olha para mim, envergonhado.
Eu sinto isso nos meus ossos.
— Mathieu...
Com a agonia fluindo livremente, eu me desdobro e bato meus punhos
contra o chão, uma, duas vezes, amassando a pedra, deixando para trás minha
marca, enquanto um som desesperado de dor estrangula minha garganta. Eu
tentei. Eu tentei, mas não consegui me conter.
— Tire-a daqui, Morris, — eu imploro. — Leve-a ao Rei Sapo. Lembre-o
do favor que ele me deve. — Eu me levanto, ofegante, a fúria assumindo o
controle. — Basta tirá-la daqui! Salve-a! — Eu rosno.
E então começo a me enfurecer, batendo os punhos nas paredes,
destruindo vasos cheios de flores mortas e secas. Eu me enfureço contra o meu
destino, contra a bruxa que me amaldiçoou, contra a realidade do fogo que vou
apagar se Bell ficar aqui.
Morris sai da sala com os olhos arregalados, antes de correr rapidamente
atrás de Bell.
Meu coração se despedaça no peito e sei que não sobreviverei a isso. Se
Belladonna morrer, então estou farto deste mundo. Não será a mesma coisa
sem a luz brilhante dela.
Não será o mesmo depois que ela partir de todos os mundos.
Capitulo 43

Corro para dentro do meu quarto, acordando Logan violentamente de


seu sono. Ele se levanta, preparado para uma luta, mas quando vê apenas eu
correndo freneticamente para pegar minhas coisas, ele me olha confuso.
— Temos que ir, Logan — digo rouca, enfiando desesperadamente tudo
que preciso dentro da mochila.
Não há outra opção. Estou em perigo por proximidade. Apesar do Barba
Azul esconder isso de mim, apesar de saber a dor que está sofrendo, não posso
culpá-lo completamente. É da natureza humana querer conexão, e ele está
tentando me afastar.
Eu deveria ter ouvido.
Logan, sentindo minha urgência, salta da cama e guarda a porta no
momento em que Briella Mae entra correndo. Percebo de repente que não estou
quieta, que estou batendo e jogando coisas ao redor, que provavelmente
acordei todo o castelo.
Briella Mae está parada na porta, esfregando os olhos para tirar o sono.
Ela está vestindo uma camisa longa e uma calça, mas a camisa está virada para
trás, como se ela tivesse jogado rapidamente tudo o que encontrou. Ao
perceber isso, entendo que nem é a camisa dela. É de Lata.
— O que você está fazendo? — Ela pergunta, olhando para mim. Ela
pisca e abre os olhos totalmente com a minha urgência, meu pânico claramente
a acordando completamente. — Bell, o que está acontecendo?
— Tenho que ir embora — respondo, apertando bem minha mochila. —
Eu preciso sair daqui agora.
Os olhos de Briella endurecem.
— Aquele idiota fez alguma coisa para machucar você? — Ela arrasta
uma faca de algum lugar. Eu nem sei onde ela estava, mas em um momento,
ela está parada ali, quase sem nada, eu penso, e no próximo, ela está armada.
— Se ele fez...
— Não — eu digo rapidamente. — Quero dizer, ainda não. — Jogo a
mochila no ombro. — Eu só preciso ir.
Briella fica tensa enquanto olha para mim, vê o olhar frenético em meus
olhos.
— O que você quer dizer com ainda não, Bell? Este homem está
ameaçando você? — Ela aponta a faca para mim. — Eu vou estripar ele...
— Por favor, não, — eu imploro. — Olha, eu só preciso ir embora. Eu não
posso ficar aqui. Eu tenho que sair agora.
Briella inclina a cabeça e me estuda.
— Na minha experiência, não é bom fugir do destino, Bell. Vejo o jeito
que vocês dois se olham...
— Você não entende! — Eu grito desesperadamente. — Se eu ficar aqui,
vou morrer!
Os olhos de Briella se arregalam e ela tropeça para trás.
— O que! Por que?
— Ele está amaldiçoado, — eu digo, engasgando com um soluço. Passo
a mão pelo cabelo e percebo que minhas mãos estão tremendo. — Se eu o amo,
eu morro.
Sufocando com minhas palavras, Briella agarra o batente da porta para
se equilibrar. — O que?
— E Briella, — eu falo. — Briella, já estou na metade do caminho. — Um
soluço escapa e eu puxo meu cabelo. — Já estou na metade do caminho.
Percebendo exatamente o que estou dizendo, Briella verifica o quarto.
— Ok, você tem tudo? Vou acordar Lata e vamos tirar você daqui. Nós
resolveremos tudo mais tarde, mas agora, tiraremos você do castelo e longe do
perigo.
Ela corre para acordar Lata e eu pego o pedaço de papel e a caneta na
minha mesa. Quero escrever algo para Barba Azul, mas as palavras me faltam
enquanto olho para o papel em branco. No final, escrevo apenas três palavras
e dobro o papel sobre si mesmo. Aí deixo em cima da mesa, ali para ele ver.
Eu perdôo você.
Morris aparece na porta, sua expressão tão frenética quanto a minha.
Aponto para a carta.
— Certifique-se de que ele entenda isso.
E então todo mundo está entrando no corredor, todo o grupo, acordado
pelas batidas e gritos frenéticos de Briella. Eles estão me expulsando do meu
quarto antes que eu possa fazer muito mais do que pegar as últimas coisas.
Logan segue meus calcanhares, esse pânico contagiante enquanto todos
contam o que exatamente está acontecendo entre eles ao meu redor em
palavras baixas e frenéticas. Isso cria uma cacofonia sonora que me deixa louca
enquanto olho para trás, desesperada por dar uma última olhada em Barba
Azul, meu último olhar.
Porque se eu demorar, vou morrer.
Mas ele nunca aparece. Ele não me persegue enquanto estou correndo
pelo castelo. Ele não aparece e grita seu amor por mim. Sua culpa o impedirá
de fazer isso, e agora entendo por que há tantos túmulos.
Como pode alguém não perdoá-lo pela dor que claramente sente? Como
eles podem não amá-lo apesar dos fantasmas em seus olhos?
— Ele te machucou? — Cinder rosna, magia rosa dançando ao seu redor.
Seus olhos são ferozes, como se ela tivesse lidado com seu quinhão de
abusadores. Esse pensamento me deixa triste por ela, mesmo que ela
claramente tenha encontrado sua felicidade com Espantalho.
— Ainda não — Briella responde por mim.
Cinder faz uma pausa e se vira em direção às escadas, claramente
pretendendo ir atrás de Barba Azul pelo que quer que ele possa ter me
ameaçado.
— Não o machuque, — eu imploro, estendendo a mão para ela enquanto
sou arrastada. — Por favor. Eu vou explicar mais tarde.
O poder rosa desaparece e Cinder acena com a cabeça, seguindo o resto
de nós enquanto Morris me conduz até a porta da frente. Logan fica ao meu
lado, tentando desesperadamente me proteger do que quer que esteja me
deixando em pânico. Ele não entende que isso não é algo de que ele possa me
proteger. Isso não é algo de que alguém possa me proteger. Ninguém pode me
proteger do meu próprio coração.
— Estamos indo para o Rei Sapo — diz Morris enquanto abre a porta da
frente. — Ele pode lhe dar acomodações seguras temporariamente.
Mas assim que saímos, todos congelamos.
Meus olhos se arregalam quando observo as sete figuras diante de nós,
cada uma mais horrível que a anterior. Sete figuras, sete demônios, sete vilões.
O da frente sorri e olha para Morris ao meu lado.
— Olá, Jack Morris, lendário Caçador de Demônios — ele ronrona. —
Muito tempo sem te ver.
Capitulo 44

Encaro Morris, confusa com o nome e as coisas diante de nós,


conhecendo-o pessoalmente. Morris é mais velho, claramente aposentado
dessas caçadas, mas levanta o queixo sem medo do demônio.
— Não o suficiente, Asmodeus — ele responde. — Prefiro que você volte
de onde veio.
Asmodeus sorri.
— Mas por que ficar lá quando a Mansão de Morris é tão convidativa?
Que lindo lar será para mim e meus irmãos.
— Desculpe, não há vaga, — Briella anuncia atrás de nós. — Vá em frente.
Quase rio de sua arrogância, apesar da situação.
Asmodeus olha para Briella e sorri, claramente tentando usar seu
charme. — E diga-me, por favor, quando você caiu do céu, anjinho?
Briella faz uma careta e puxa a faca novamente.
— Eu rastejei do Inferno.
— Engraçado, — Asmodeus diz com um sorriso. — Eu também.
A espada que Morris puxa vem do nada. Ele nem está vestido de maneira
a guardar uma lâmina. O que há com todas essas pessoas escondendo armas?
E onde posso obter esse recurso?
— Saia agora — ordena Morris. — E você pode viver outro dia.
O sorriso de Asmodeus se alarga. — Você acha que pode me dizer o que
fazer só porque é um Morris?
Eu pisco em confusão novamente. Um Morris? E um caçador de
demônios? Quem é o homem que está ao meu lado?
— Não — responde Morris. — Mas seu mestre não está aqui com você,
então vá enquanto pode. Você não sabe no que está se metendo.
— Eu sei exatamente o que estou fazendo, — Asmodeus rosna, e então
avança.
Morris me empurra para trás dele e tropeço nas escadas na tentativa de
me segurar. Felizmente, as escadas são largas o suficiente para não correr o
risco de cair. Mesmo que fossem mais estreitas, Espantalho me segura pelos
braços brevemente para me firmar antes de entrar na luta. Todo mundo parece
ter armas à disposição e tudo que tenho é uma arma com oito balas.
— Porra — rosno, deixando cair minha mochila. — Fique perto, Logan.
Estou em séria desvantagem aqui. Todos os outros claramente têm
poderes. Todos eles lutam, puxam armas e saltam para frente, deixando-me no
meio, uma donzela em perigo para proteger e não gosto disso. Na verdade, eu
odeio isso. Não sou uma donzela em perigo.
Observo Lata tirar um machado da bunda - ou pelo menos perto dela, no
ar - e atacar o demônio mais próximo. Briella tem seu próprio machado,
cortando violentamente. O Espantalho está jogando poder neles, de cor verde;
Cinder combina seu verde com seu próprio poder rosa, ambos lutando como
uma unidade. Mas os demônios? Eles não se machucam facilmente. Na
verdade, eles parecem ser especialistas em evitar ferimentos, mesmo que sejam
os menores.
E é aí que percebo que estou contando apenas seis deles.
— Cadê? — Eu rosno, torcendo. — Onde está o outro?
Estou indefesa, parada no centro como um idiota, com a arma na mão.
— Para que servem minhas balas contra demônios? — Pergunto a Logan,
mas ele não responde. Claro que ele não responde. Como ele faria isso?
— Fique perto — ordena Morris enquanto balança uma espada quase
maior do que ele.
— Diga olá para Jill por mim quando eu mandar você para o inferno —
Asmodeus rosna para Morris. — Ela estava tão terna da última vez que a vi.
O som que sai de Morris é animalesco, mas não consigo me concentrar
nisso.
Dou um passo para trás, sem saber o que posso fazer, antes que o sétimo
e desaparecido demônio apareça atrás de mim. Sua boca está aberta em um
rosnado quando ele me agarra. Logan agarra sua perna, mas ele não parece
notar o carcaju rasgando sua carne. Isso ou ele não se importa.
— Olá, pequena humana — ele ronrona com a boca cheirando a ácido,
antes de cravar os dentes na carne do meu ombro.
Eu grito em agonia, chutando o demônio.
Barba Azul irrompe pela porta da frente com um rugido que faz o chão
tremer, com minha carta amassada na mão.
Capitulo 45

— Onde estão meus demônios? — Eu rosno, procurando pelo pequeno


castelo em que Liliana residiu e encontrando-o vazio, exceto pelas bugigangas
que ela colecionou. — Onde diabos está Asmodeus?
Ao passar pelo espelho pendurado na parede, vejo a presunção nos
lábios de Odious e paro para olhar para ele.
— O que você sabe, mago?
Ele sorri e me estuda atentamente, aquele rosto encantador distorcido
pela maldade que ele normalmente esconde.
— Isso é maneira de perguntar?
Eu rosno para ele e me aproximo, quase pressionando meu rosto contra
o vidro.
— Espelho, espelho, na parede, o que você acha que sabe?
Ele bate no lábio como se estivesse pensando.
— Hmmm, não rima, mas vou te dar uma chance. — Ele pisca para mim
como se tudo fosse um jogo. — Seus demônios foram atacar o Barba Azul.
Aparentemente, eles não gostaram do seu plano.
Franzindo a testa para a informação, balanço a cabeça.
— Tolos arrogantes. Eles vão morrer depois de todo o esforço para trazê-
los até aqui.
Odious encolhe os ombros diante do espelho como se não se importasse
de uma forma ou de outra. Suponho que não.
— Na minha experiência, não vale a pena vincular demônios a este plano.
Se você tivesse perguntado, eu teria dito para você não perder tempo.
Levo a mão ao rosto diante do reflexo, lembrando-me novamente da
estrela que ousou me queimar com seu poder.
— E ainda assim, estou aqui e você está preso dentro do espelho, — eu
me regozijo, antes de revirar os olhos. — Acho que o máximo que posso fazer
é chamar os idiotas de volta.
Virando-me para sair, estou preparada para fazer o que for preciso para
que os demônios não se matem antes que eu termine com eles, mas Odious me
impede.
— Ah, e Neve — ele diz.
Viro-me e olho por cima do ombro para ele, para o reflexo no espelho.
Ele estuda as unhas como se estivesse entediado.
— Sua irmã está acordada.
Eu congelo.
— O que você acabou de dizer?
Capitulo 46

Ouvi a luta primeiro e demorei muito para sair do castelo, muito tempo
para passar pela porta, antes de ver Bell nos braços de um demônio, com os
dentes cravados em seu ombro e ela gritando. Esse som de dor distorce a fúria
dentro de mim, me obriga a agir antes de saber o que estou fazendo.
Os outros estão fazendo o possível para manter os demônios afastados,
mas estão tão focados nos demônios poderosos que nem percebem Bell até que
ela grite. E ela é a única sem poderes.
Morris se vira e vê Bell ao mesmo tempo que eu e ele se move para atacar,
mas tudo que vejo é raiva. Não preciso do Morris para salvá-la. Eu só preciso
que ele fique para trás enquanto eu despedaço o demônio por ousar tocar
minha Belladona.
Descendo as escadas, estou preparado para o assassinato. Estou
preparado para enviar a criatura de volta ao inferno, onde ela pertence. Ele me
vê me aproximando, vê a raiva em meu rosto e sorri para mim. Com um olhar
presunçoso, ele joga Bell na beirada da escada, no penhasco.
Morris engasga e tenta pegá-la, mas não é rápido o suficiente. Eu não
perco tempo. Eu não hesito. Deixo o demônio para Morris e salto da beira do
penhasco atrás de Bell. Eu vou em direção a ela, meu olhar nela enquanto ela
grita embaixo de mim, caindo em uma velocidade muito rápida para que eu
possa pegá-la.
Mas eu não sou humano.
Eu forço meus poderes a sair, mais rápido do que normalmente sobem,
empurro para que a água suba de todas as superfícies, suba do mar, se
manifeste no ar, derrame da areia ainda úmida com a umidade da manhã. Ela
se acumula sob Bell conforme ela cai, formando uma piscina cada vez maior.
Estendo minha mão, apenas agarro seus dedos e a puxo para cima de mim,
então estou embaixo dela, antes de mergulharmos na grande piscina de água
flutuando no ar abaixo de nós. A água se move conosco, mantendo-nos dentro
de sua almofada, protegendo-nos, antes de eu nos chutar violentamente para
o topo e me agarrar ao penhasco, deixando a água cair.
Nós dois estamos encharcados, respirando com dificuldade, e o ombro
de Bell está sangrando, mas não posso deixar de segurá-la em meus braços,
grato por ter conseguido pegá-la a tempo, grato por não ter chegado tarde
demais. Tudo aconteceu em questão de segundos antes de eu me agarrar à
lateral do penhasco, mas pareceu que demorou muito mais enquanto eu a
observava cair.
O demônio que se atreveu a mordê-la respinga nas rochas ao nosso lado
apenas dois segundos depois, morto, sua alma voltou para onde se originou.
Eu olho para cima e encontro Morris parado na beira do penhasco, sangue
preto escorrendo de sua espada enquanto ele olha aliviado ao ver Bell em meus
braços.
— Porra, você está bem? — Eu pergunto, olhando para Bell. Mordidas de
demônio são dolorosas, mas não são venenosas. Só vai precisar curar o que
será um peso no ombro de alguém sem poderes.
— Porra, isso doeu, — ela grunhe, tocando o local com cuidado. — Achei
que fosse morrer nas pedras — ela murmura, olhando para meu rosto. Há
preocupação quando ela me examina, pois ela se preocupa apesar de tudo o
que aconteceu há pouco. — Obrigado por me pegar, Blue. — Ele arregala os
olhos. — O castelo está bem? — ela olha para cima. — Morris? — Mas estou
focado nela, indiferente a qualquer outra coisa. — Blue? — ela pergunta,
franzindo as sobrancelhas.
Agarro seu rosto enquanto a seguro na encosta do penhasco, nos
mantendo firmes.
— Você acha que eu me importo com alguma coisa além de você? — Eu
pergunto seriamente, meus olhos duros.
Ela pisca e olha para mim, sua expressão suavizando.
— Você me salvou, Blue. Estou bem. — Um sorriso suave surge em seus
lábios. — Não pense que sou eu dizendo que preciso ser salva constantemente.
Só dessa vez.
E então ela sacode em meus braços e seus olhos se arregalam. Eu vejo
isso, no momento em que ela admite para si mesma, no momento em que ela
entende exatamente o que está acontecendo enquanto conta piadas.
— Barba Azul — ela murmura, seu corpo começando a tremer.
Uma palavra e eu sei. Eu sei exatamente o que está acontecendo.
— Não! — Eu rosno selvagemente. — Não não não!
E com um grunhido brutal, jogo-a por cima do ombro e começo a subir
mais rápido do que nunca.
Capitulo 47

Percebo isso quase imediatamente, quando ele está ali me olhando com
tanta ternura e com tanto alívio, antes de iniciarmos nossa ascensão até o
penhasco. Algo dentro de mim muda e entendo que o pior aconteceu. Algo de
alguma forma incrível e condenatório.
Eu amo ele.
Eu o amo apesar de todos os problemas, apesar de sua luta, apesar de ele
guardar seu segredo quando poderia ter falado sobre isso desde o início.
Porque por baixo de toda essa amargura existe apenas um homem com medo
da morte. Não os seus, mas daqueles de quem ele cuida.
E agora, apesar de entendê-lo e de seu raciocínio, apesar dessa mudança
repentina do cuidado para o amor, vou morrer de qualquer maneira.
— Sinto muito, — eu murmuro, e é como se a compreensão lentamente
começasse a roubar minha força. Minhas pernas ficam pesadas primeiro, meus
joelhos se recusando a fazer o seu trabalho. As pontas dos meus dedos ficam
dormentes enquanto estou pendurada no ombro do Barba Azul, olhando para
o chão rochoso onde o demônio ainda chia e começa a desaparecer. O ponto
de vista deveria me deixar enjoada, mas isso não acontece. Em vez disso, estou
focada apenas no calor do Barba Azul contra mim.
— Não se atreva a se desculpar — ele ofega enquanto sobe. — Eu fiz isso.
Tento dar um tapinha confortável em suas costas, mas percebo que meus
braços estão começando a funcionar mal. Você sabe, quando o Barba Azul
disse que eu iria morrer, eu quase esperei que fosse mais como se num
momento eu estivesse bem, no próximo eu simplesmente cairia morta. Dessa
forma, esse lento desvanecimento em direção à morte é quase de alguma forma
pior porque eu vejo isso chegando.
— Blue... — Eu tento, querendo dizer tantas coisas.
— Apenas espere. Apenas espere por mim. Por favor.
Mas posso sentir a fraqueza se espalhando, como uma praga lenta que
está consumindo minha energia.
— Foi assim que aconteceu? — Eu pergunto. — Toda vez? — Porque se
fosse, quantas vezes ele tentou desesperadamente salvá-las? Quanto tempo
levou para ele perder seu filho?
Mas ele não responde, subindo violentamente.
— Morris! — Barba Azul começa a gritar quando nos aproximamos do
topo do penhasco. — Morris! Chame a curandeira!
Consigo distinguir os movimentos frenéticos de Morris, perguntando
por Jupiter, e então ouço a voz em pânico de Jupiter dizendo: — mas meu
poder é instável.
Barba Azul chega ao topo com grande impulso, seu coração batendo forte
no peito, enquanto ele me levanta suavemente e me deita diante da porta do
castelo. Suponho que não há tempo para entrar. Se eu morrer, vou morrer aqui,
nas escadas do castelo.
Logan se aproxima e se pressiona contra mim, pequenos miados tristes
vindos dele. Tento mover minha mão para tocá-lo, mas meus dedos só têm
espasmos. Em vez disso, ele parece perceber o que estou tentando fazer e
empurra minha mão para ajudar.
Jupiter aparece sobre mim, seu cabelo ruivo desgrenhado em volta do
rosto. Eu encontro seus olhos.
— Acho que estou morrendo, Jupe. — Murmuro, minha voz agora mais
fraca.
Os olhos de Jupiter não estão bem. Vejo o pânico ali, a tristeza. — Não
posso fazer isso de novo — ela sussurra, mas coloca as mãos sobre meu peito
e as mantém ali. — Apenas respire — ela me instrui, como se não estivesse
ficando mais difícil, como se eu não pudesse sentir meu corpo perdendo a
batalha.
Engraçado que, no final das contas, não é um demônio que vai me matar.
Não é Branca de Neve ou um ferimento de bala. Não é velhice ou acidente de
carro. Não é nem um alce.
É a coisa mais mortal de todas.
Amor.
Capitulo 48

Os Lordes de Grimm parecem matar suas mulheres com uma frequência


muito maior do que a maioria dos outros, penso comigo mesmo enquanto
outro leva sua mulher do penhasco, e todos nós vemos o quão perto ela está
da porta da morte. É verdade que Jupiter foi esfaqueada no País das
Maravilhas e passamos por momentos perigosos juntos. Suponho que um
relacionamento com qualquer um de nós seja perigoso, mas as mulheres que
escolhem nos amar de qualquer maneira são guerreiras.
Jupiter é uma das pessoas mais fortes que conheço, mas não sei se o
coração dela aguenta outro fracasso. Com Evangeline, há esperança de que ela
possa retornar, que Jupiter não tenha falhado exatamente. Com Bell, ela é
dolorosamente humana. Não haverá como voltar atrás.
Jupiter já estava começando a gostar dela.
— O que exatamente está acontecendo? — Eu pergunto, dando um passo
à frente. — Certamente a mordida do demônio não a está matando?
Posso ver a mordida no ombro de Bell, a carne manchada que deve curar
no seu devido tempo.
— Não, os demônios não são venenosos — Morris oferece, mas suas
mãos estão se contorcendo como se ele soubesse o que está acontecendo. Pelo
menos os outros demônios desapareceram depois que Morris matou
brutalmente um deles, jogando-o do penhasco depois que ele destruiu suas
entranhas com aquela espada impressionante. Os demônios restantes deram
uma olhada no homem mais velho com sangue escorrendo pela espada e
partiram. Estou começando a achar que eles tinham mais medo de Morris do
que de nós.
Ninguém mais responde à minha pergunta e observo as diversas
expressões ao meu redor. Briella não parece surpresa, como se ela também
soubesse o que está acontecendo, mas por outro lado, a maioria parece confusa.
— Bem? — Red pergunta com um grunhido, claramente irritada por
ninguém estar falando nada. Mas Rei se mexe e olha para Barba Azul como se
ele também soubesse algo mais do que o resto de nós. Estreito meus olhos nele.
— É uma maldição — diz Briella Mae, atraindo nossos olhares para ela.
Cinder se anima.
— Que tipo de maldição? — Suponho que, dentre todos nós, Cinder teria
detalhes muito mais íntimos sobre como é ser amaldiçoado.
Red se aproxima, ficando ao lado de Jupiter enquanto um único vaga-
lume aparece e paira perto das mãos de Jupiter, bem sobre o peito de Bell. A
pele de Bell está começando a ficar pálida. O que quer que a esteja matando
continua em frente.
— Barba Azul está amaldiçoado — diz Bell quando ninguém fala, sua
voz é rouca. — Quem o ama, morre.
Olho para Barba Azul com pena e horror, entendendo agora sua atitude
anterior. Pensar que o amor poderia matar alguém... seria um pesadelo.
— Eu também devo amá-los em troca — diz Barba Azul, olhando para
Bell. Há agonia nessas palavras e elas me dizem tudo que preciso saber. Bell
estava fugindo porque Barba Azul tentou mandá-la embora, mas já era tarde
demais.
O destino é engraçado assim.
Observo Jupiter começar a suar, tentando ao máximo salvar outra
mulher moribunda. Meu coração dói por ela se ela não puder salvá-la. Os
fantasmas em minha mente quase gritam alto o suficiente para abafar os sons
de angústia ao meu redor. Quase.
Os olhos de Jupiter se fecham enquanto ela se concentra completamente
em Bell.
— Eu posso sentir a maldição — ela sussurra. E então ela franze a testa,
franzindo as sobrancelhas. — Não sou poderosa o suficiente sozinha para
apagá-lo.
Meus ouvidos se animam e olho para nós aqui, nenhum com poderes de
cura, mas meus olhos caem sobre Red, onde ela está observando. Algo em meu
coração muda e me diz o que precisa acontecer. Não sei se é um sentimento ou
uma mensagem de alguém superior, mas foco em Rei e o sentimento aumenta.
Os fantasmas desaparecem no silêncio.
— Lobo, — eu digo. Uma palavra e seus olhos encontram os meus. Algo
passa entre nós.
Capitulo 49

Estou vendo ela morrer diante de mim, como todas as outras antes dela,
como se minha vida fosse uma longa tragédia. Eu tentei ser bom. Passei
décadas evitando qualquer pessoa que pudesse amar e ainda assim, no final, o
destino zomba de mim.
Eu fugi disso e Bell apareceu de qualquer maneira. Não há como escapar
dessa maldição, mesmo que a bruxa já tenha dito que existia.
A resposta nunca foi encontrada, nem por mim nem por Morris, depois
que a bruxa deixou suas palavras para trás. Depois que ela se jogou no mar, eu
procurei por ela, primeiro por vingança e depois por orientação, mas ela nunca
reapareceu. Tudo o que tenho são as palavras dela.
“Quando a vida e a morte se unem, quando você dá um pedaço que não
pode receber de volta, só então sua maldição será quebrada. Uma punição
adequada a um capitão cruel e amargo.”
Nunca deciframos o código, entendendo o que ele significava. Certa vez
pensei que isso significava ter um filho, mas a criança... uma criança inocente
que me amava também morreu. E agora aqui estou, fazendo tudo de novo,
matando outra mulher que amo.
— Bell, mantenha os olhos abertos, — eu imploro, segurando a mão dela
na minha. Sua criatura pressiona contra seu lado, fazendo pequenos sons de
tristeza por seu destino. — Não se atreva a fechar os olhos.
Seu olhar se concentra em mim.
— Mesmo quando estou morrendo, você é um idiota agressivo — ela diz,
e tenho vontade de rir, mas a situação não me permite.
Estou prestes a vê-la morrer, a mulher impetuosa que se atreveu a atirar
em mim, que se atreveu a invadir minha casa, que se atreveu a correr para
salvar minha alma. Ela apareceu como uma tempestade no mar, tão repentina,
tão poderosa, devastadoramente bela. E como nas tempestades mais violentas,
ela vai me levar com ela. Esse amor é novo, mas posso sentir a força inicial dele,
a possibilidade do que ele pode se tornar. Isto é quem o destino planejou para
mim, de verdade, e agora vou vê-la morrer.
Um único vaga-lume paira sobre seu peito, brilhando intensamente
apesar da escuridão. Jupiter está fazendo o melhor que pode, com a mente
totalmente focada na tarefa em questão. Enquanto ela franze o rosto em
concentração, outro vaga-lume aparece e paira.
— Eu não posso perder você, — eu murmuro, conversando com Bell,
tentando mantê-la acordada. — O destino não pode ser tão cruel.
Seus olhos encontram os meus, tanta clareza, tanta aceitação.
— Até o destino escolhe favoritos, Blue. — Sua voz está fraca, cada vez
mais fraca. — Cuide de Logan por mim.
— Não, — eu rosno. — Você vai cuidar dele sozinha. Não morra em mim!
Suas sobrancelhas franzem.
— Não se preocupe, Blue. — Suas pálpebras começam a cair. — Bestas
adormecidas não contam histórias.
A confusão me enche. O que isso significa? O que isso deveria significar?
— Belladonna, — eu rosno, mas seus olhos estão olhando para o céu,
atordoados, desfocados.
E então Red aparece, outra ruiva, e se ajoelha ao meu lado e na frente de
Jupiter.
— Dê-me sua mão — Red me ordena, com o rosto duro, e nesse reflexo,
vejo o lobo que ela é. Subestimei nossos recém-chegados.
Sem um pingo de hesitação, sem questionar, deslizo minha mão na de
Red.
O impacto é imediato.
Capitulo 50

Pense em Branco. Pense em Branco. Pense em Branco.


Digo essa frase a mim mesmo repetidas vezes, tentando ao máximo
afastar os vaga-lumes e cumprir minhas ordens. Penso em coisas que me fazem
feliz. Ciência, camisetas, Branco, minha família encontrada, essa família cada
vez maior. Mas as palavras de Red voltam à minha mente, interrompendo
meus pensamentos.
Estamos todos com medo. O que importa é a coragem que você encontra diante
disso.
E no fundo, eu sei que tenho medo desse novo poder em mim, dessa coisa
que parece grande demais para o meu corpo, mas eu sei, se eu não encontrar
minha coragem diante disso, nunca irei para controlá-lo.
Mas é tão difícil.
Outra mulher está morrendo sob minha supervisão e estou começando a
me preocupar, pois estou fadada a repetir o mesmo padrão indefinidamente
até enlouquecer com a realidade disso. Se este for o meu destino, não o quero.
Não quero me sentir tão desamparada, tão inútil. Se não posso usar meus
poderes, que utilidade tenho para alguém?
Os dedos de Branco estão subitamente em meu braço, tocando-me,
conectando-me.
— Eu te amo, Jupiter — ele sussurra, uma declaração apenas para meus
ouvidos. — Eu adoro o jeito que você fica animada com as camisas mais
estranhas e como você pode ficar sentada na floresta por horas coletando
amostras. — Minhas sobrancelhas franzem com suas palavras e algo acalma
meu coração. — Eu amo que você seja tão feroz, que você olhou para mim em
seu mundo e pulou naquela toca de coelho comigo, pronta para uma aventura.
Adoro que você esteja lutando tanto para cuidar de todos os outros, mas
preciso que você se lembre, nós também temos você.
Outro fio dentro de mim começa a se desfiar e água se enrola em meus
cílios, onde estou sentada com os olhos fechados.
— Você pode deixar ir — ele continua. — Não tenha medo do que você
se tornará, porque não importa o que seja, não importa o poder em suas veias,
ainda estarei aqui, amando você. Todos nós ainda estaremos aqui amando você.
As lágrimas começam a escorrer pelo meu rosto e sinto os vaga-lumes
começarem a fluir do meu corpo. O que antes eram dois transforma-se em
dezenas e depois em centenas. Sob minhas mãos, ouço Bell respirar fundo, mas
ainda posso sentir a maldição ali. Ainda posso senti-la emaranhada em seu
coração, uma imitação do que posso sentir no de Barba Azul, agora que estou
me concentrando nisso.
Abro os olhos e os encontro por toda parte, reunidos para oferecer sua
força e apoio. Estou aliviada. Eu sou amada. Não importa o que eu me torne,
isso não vai mudar.
E nesse medo encontro minha coragem.
Red está sentada na minha frente, com a mão na de Barba Azul e a outra
estendida em minha direção.
— Desta vez, irmã — diz ela, com um pequeno sorriso no rosto. — Será
necessário algo maior.
Com um suspiro de alívio enquanto nossos vaga-lumes enchem o ar ao
nosso redor, pego a mão do lobo que canta uma canção de parentesco com
minha alma.
Capitulo 51

Num momento, estou desaparecendo, percebendo que não serei capaz


de dizer ao Barba Azul com palavras o quanto me importo com ele, como isso
se transformou em um novo amor para o qual não estava preparada, mas que
seria bem-vindo. É engraçado como você pode cuidar de alguém, e é só cuidar,
e aí você olha para essa pessoa. Eles fazem ou dizem algo, ou talvez apenas
sorriam e, de repente, isso passa do cuidado para o amor. Não é algo que você
possa controlar. O destino sempre teve um relacionamento caótico com almas
gêmeas. Não sei se é isso que somos, mas parece que sim.
Passamos todo esse tempo lutando contra isso, ficando com raiva, eu com
ele por estar com raiva e ele porque sabia o que poderia acontecer, e perdemos
o tempo que poderíamos ter passado juntos. Agora, a menos que um milagre
aconteça, é isso. Não há segunda chance.
Meus olhos ficam desfocados por muito tempo e não tenho consciência
de nada ao meu redor, como se a onda de morte que cresce lentamente tivesse
tomado conta, mas então as coisas começaram a voltar ao foco e eu pisco para
clarear os olhos. A princípio, não consigo entender o que está acontecendo
acima de mim, mas depois percebo exatamente o que são.
Fico olhando em estado de choque enquanto os vaga-lumes dançam
entre mim e Barba Azul, pequenas faíscas de poder flutuando acima de mim
como uma bela exibição de estrelas. Respirando fundo, percebo que há três
corpos acima de mim. Jupiter, Red e Barba Azul.
Barba Azul está xingando, com o rosto pálido e os olhos fechados, mas
Vermelho e Jupiter estão radiantes como sempre, com os olhos fechados
enquanto se concentram no que quer que estejam fazendo.
A próxima respiração que respiro é mais profunda. Eu fico olhando em
choque enquanto os vaga-lumes dançam entre mim e Barba Azul, e em sua
dança, uma corda vermelha aparece começando no coração do Barba Azul e
canalizando para o meu, nos conectando de uma forma estranha.
Respiro fundo, e outra vez, e profundamente, até que meu peito se mova
como deveria e aos poucos ganho mais força. É lento no começo e depois bate
em mim, aumentando minha consciência do meu corpo a ponto de poder
mexer os dedos dos pés e flexioná-los novamente. Meu coração bate
dolorosamente no peito, com muita força, e então se acalma, deixando-me com
sentimentos... não morta, mas melhor do que me sentia antes.
E então os vaga-lumes começam a desaparecer lentamente em Jupiter e
Red, voltando para o lugar de onde vieram, até que não sejamos nada além de
nós nas escadas em frente ao castelo. Eu olho para Barba Azul maravilhada
enquanto o fio vermelho permanece brilhando por mais alguns segundos e
então desaparece também.
— O que acabou de acontecer? — Eu murmuro, maravilhada.
Jupiter abre os olhos e sorri para Red, animada, antes de pegar minha
mão.
— Nós salvamos você — diz ela, com alívio em cada palavra. — Você
não vai morrer agora por causa da maldição.
Barba Azul abre os olhos e esfrega o peito, olhando para elas e depois
para mim. Ele parece mais fraco, como se tivesse lutado contra o que quer que
tenham feito, mas isso não parece importar. Sua mandíbula aperta com força
quando nossos olhos se encontram, e então, com um soluço que eu nunca
esperei ouvir do homem grande, ele me arrasta em seus braços e me abraça
com tanta força que não consigo respirar.
Eu nem protesto.
Eu o aperto de volta com a mesma força.
Capitulo 52

— Não entendo — diz Lata, com as sobrancelhas franzidas.


Briella Mae está parada de lado, com lágrimas de felicidade nos olhos, e
quando Barba Azul me deixa respirar, ela se aproxima e joga os braços em volta
de nós dois. Barba Azul nem reclama. Isso por si só é quase mais chocante do
que eu estar viva.
— Tenho que concordar — digo, mudando meu peso. — Também estou
confusa.
Rei ajuda Red a se levantar antes que Branco faça o mesmo com Jupiter,
os dois homens olhando maravilhados para suas companheiras. Somente
quando eles estão de pé é que Barba Azul me ajuda a me levantar.
— Vamos entrar primeiro — encoraja Morris, com lágrimas nos olhos.
Ao passarmos por ele, toco seu ombro, deixando-o saber que estou bem, e ele
balança a cabeça, mas as lágrimas ainda estão lá. Mais do que apenas tristeza.
Mais do que apenas alívio. Séculos de trauma e nos ver morrer, só que desta
vez estou viva e bem.
Uma vez lá dentro, todos se sentam ao redor da sala. Alguns ficam de pé,
mas quase todos se sentam no chão como crianças para contar uma história.
Não entendo por que esse pensamento me deixa feliz, mas faz. Isso confere
inocência a esta reunião que anseio.
Red começa a falar primeiro e todos olhamos para ela.
— A maldição colocada sobre você — ela diz, encontrando os olhos de
Barba Azul. — Foi uma maldição de morte. Qualquer um que deveria amar e
ser amado por você morrerá. Foi o que você disse. — Ele concorda. — Mas para
combater a morte, você deve ter vida.
Eu franzo a testa. — Certo, mas...
— Você estava morrendo e então fizemos o que nossos instintos nos
disseram para fazer. — Red dá de ombros. — A vida do Barba Azul agora está
ligada à sua.
Piscando com essa revelação, olho para ele. — O que?
Ele não parece preocupado com isso, como se já entendesse.
— Você estava morrendo e, portanto, sua vida mortal estava morrendo
— continua Jupiter. — Mas Barba Azul, ele não tem uma vida mortal. Como
muitos de nós, ele não envelhece e não morre.
Eu franzo a testa. — Espere o que...
— Falaremos disso em outro momento — diz Briella com uma piscadela.
— Vamos nos concentrar em como você voltou da beira da morte.
Jupiter sorri.
— Nós simplesmente pegamos a força vital que o Barba Azul possui e
anexamos à sua. A vida dele lhe dá vida, mas se um de vocês morrer no futuro,
ambos morrerão. Agora, claro, a não ser que você seja decapitada, você não
deveria morrer, e mesmo assim, a chance é pequena. Vidas imortais são
interessantes nesse sentido.
Eu olho para todos eles como se tivessem crescido uma segunda cabeça.
— Então... você está dizendo que sou imortal agora?
— Sim — responde Jupiter.
— E se um de nós morrer, o outro também?
— Sim novamente.
Eu olho para o Barba Azul.
— E você concordou com isso? — Não consigo imaginar que um ser
imortal ficaria feliz em vincular sua vida à minha. Não faz sentido. Nós nos
amamos, claro, mas é novo, mal cresce, e ainda assim...
— Minha própria morte nunca me assustou — diz Barba Azul, olhando
nos meus olhos. — Mas a sua? Esse era o meu maior e mais profundo medo.
Compartilhar minha imortalidade não é nada, desde que você tenha a chance
de viver.
Morris pisca onde está sentado e vejo sua expressão se iluminar.
— Claro! — ele exclama. — Quando a vida e a morte se encontram, quando
você dá um pedaço que não pode receber de volta, só então sua maldição será quebrada.
Foi o que a bruxa disse! Vocês quebraram a maldição! — Ele olha maravilhado
para Red e Jupiter. — O destino trouxe os seres exatos necessários para quebrar
a maldição.
Franzindo a testa, pressiono minha mão contra meu peito.
— Então, eu não vou morrer? — Eu esclareço.
— Não, você não vai, — Jupiter responde com orgulho, seus dedos
entrelaçados firmemente com os de Branco.
Logan está sentado no meu colo, com o rosto encostado na minha barriga
enquanto eu o acaricio para tranquilizá-lo.
— Ainda posso ir para casa? — Eu pergunto, olhando para todos.
Muitos deles ficam completamente imóveis. Alguns deles olham para
Barba Azul. Mas Barba Azul está apenas me observando de perto.
— Se você deseja retornar ao seu mundo, Belladonna, farei tudo ao meu
alcance para levá-la até lá.
Sinto o menor dos sorrisos aparecendo em meus lábios. — Se eu ficar,
isso significa que a biblioteca é minha?
Um brilho aparece nos olhos do Barba Azul. — Se você quiser, então é
sua.
— E quanto a Morris? — Eu pergunto, olhando para ele.
— Morris não me pertence, mas se ele deseja permanecer aqui e ser seu
amigo, ele é bem-vindo.
Eu olho de volta para Barba Azul.
— Se eu ficar aqui, você vai ajudar Grimm? Porque eu irei.
Ele faz uma pausa e aqueles olhos colidem com os meus.
— Como posso dizer não quando você me olha desse jeito?
— Fácil, — eu resmungo. — Você me disse não muitas vezes antes.
— Eu fui um tolo — ele suspira.
— Sim, um idiota, com certeza.
Ele ri e é um som tão fácil que me parece idiota. — Eu vou compensar
você.
— Qual parte? — Eu pergunto, inclinando meu queixo.
— Tudo isso — ele promete. — Contanto que você continue me olhando
desse jeito.
Inclino a cabeça, franzindo a testa.
— Como o que?
Esses olhos suavizam.
— Como você se me amasse.
Envolvo meus braços em volta dele, tomando cuidado para não derrubar
Logan do meu colo.
— Está tudo bem, seu velho rabugento, — murmuro. — Eu, de fato, amo
você.
Ele me segura com mais força.
— E eu, de fato, também amo você, Belladonna.
Briella Mae enxuga o rosto.
— Toda essa merda emocional está realmente me afetando. Jesus, esses
hormônios.
Olho para ela com um sorriso.
— Você não está grávida, está? — Eu provoco e todo mundo congela.
Ela faz uma careta para todos no momento em que eles começam a olhar
para sua barriga.
— Parem de olhar para mim desse jeito — ela rosna.
Lata está olhando para ela atentamente.
— Existe uma possibilidade...
— Você está me chamando de gorda? — ela rosna. — Eu não estou
grávida. Cristo, Clara tem um filho e todos vocês fiquem felizes.
Lata a agarra e a puxa para perto e eu sorrio enquanto os observo,
enquanto vejo o amor puro brilhando em seus olhos.
— Você ficaria lindamente rechonchuda com meu filho — ele ronrona.
— Você acabou de me chamar de gordinha, seu pedaço de papel
alumínio? Eu quero que você saiba...
Rindo, me concentro novamente em Barba Azul e o aperto com força.
— Achei que teria que fugir de você pelo resto da minha vida — sussurro.
— Agora posso persegui-lo tanto quanto eu quiser.
Ele ri.
— Devo fazer poesia para você? — ele pergunta.
Me animando, eu me aproximo.
— Sim, por favor — digo, gesticulando para que ele tome a palavra.
Sorrindo, ele diz: — Seu cabelo é como a melhor alga marinha que gruda
nas laterais do meu navio. — Meu nariz enruga. — Seus olhos são tão lindos
quanto os mares escuros e tempestuosos.
— Melhor, — eu encorajo.
— e os monstros sob as ondas — finaliza.
— Você estragou tudo, — eu rio.
Ele segura a mão em direção ao meu peito. — Seu peito é tão generoso
quanto no primeiro dia depois de uma viagem à cidade — ele continua,
arrancando mais risadas de mim. Ele sorri com a alegria em meu rosto, e então
ficamos em silêncio, apenas contentes em nos abraçarmos.
O amor é novo, começando a desabrochar como uma flor logo após a
primeira chuva, mas está lá, esperando, e mal posso esperar para pegar o
maremoto com meu capitão.
Com uma risadinha ao balançar sua sobrancelha, pressiono meus lábios
nos dele e jogo toda a cautela para os mares distantes.
Capitulo 53

— Vamos lá. Continuem. Fiquem próximos e juntos, — eu os encorajo


enquanto eles passam de Grimm para qualquer mundo que esteja atualmente
se chocando contra ele. Não sei o que é, não verifiquei, mas tudo o que importa
é tirá-los de Grimm e colocá-los em segurança.
Ainda assim, quando o último deles tropeça na linha, olho para trás, em
direção à floresta que chamei de lar há muito tempo, e sinto como se houvesse
mais que eu deveria fazer para ajudar. Já fiz muito, ajudei inúmeras cidades,
mas algo me diz que meu trabalho não terminou.
Ninguém nunca avisou o Rei Sapo exatamente sobre o que estava por
vir, não é?
O mínimo que posso fazer é ir naquela direção e tirar todos que querem
escapar antes que Neve comece a limpar Grimm. Isso não a impedirá, mas
diminuirá o número de mortes que os Lordes não estão fazendo nada para
impedir. Talvez o Rei Sapo só precise de um empurrãozinho.
Puxando o capuz sobre o rosto, me despeço do último morador da cidade
e me viro para encarar a floresta.
Com um suspiro pesado, volto para a terra de Rose e Neve.
Capitulo 54

Observo da costa enquanto o Curieux é lançado ao oceano pela


engenhoca mecânica que Barba Azul construiu. Não planejamos navegar tão
cedo, mas o fato de Barba Azul querer estar no oceano, querer que ele esteja
pronto para que ele possa me levar e me mostrar outra parte de sua vida
significa muito para mim. Barba Azul não navegou desde que sua maldição foi
colocada sobre ele, então esta é uma parte dele que estou ansiosa para ver.
— Vocês já sentiram falta de casa? — Pergunto àqueles que estão ao meu
redor assistindo a cena comigo.
— Às vezes — admite Jupiter. — Mas são principalmente coisas de
conveniência. A Internet.
— Pizza — acrescenta Atlas. — Tentei fazer pizza aqui, mas não é a
mesma coisa quando você não consegue encontrar os ingredientes certos.
Briela sorri. — Tenho saudades da minha melhor amiga.
— Mas acho que falo por todos nós quando digo que o que ganhamos é
muito maior do que o que perdemos — acrescenta Jupiter, e os outros
concordam com a cabeça.
— Não estou preocupada — digo com um sorriso. — Vou sentir falta do
meu trabalho, mas acho que terei a mesma liberdade aqui. Na verdade, não há
muito mais de casa que eu sinta falta, não desde que Logan está aqui comigo.
— Ainda estou surpresa que ele esteja tão ligado a você — reflete Jupiter.
— Carcajus não são necessariamente conhecidos por seus abraços.
— Logan é o melhor carinho — respondo com um encolher de ombros.
— E eu não sei como isso aconteceu. Ele simplesmente me adotou e se recusou
a sair.
Barba Azul e alguns outros começam a subir os degraus e eu me
concentro naquele em particular do qual não me canso. Quando ele me vê, o
sorriso que ilumina seu rosto faz meu estômago embrulhar.
— Você vai ficar aí parada ou vai se tornar útil? — Ele pergunta com um
sorriso, deixando-me saber que está brincando.
— Você tem toda a sua vida para ser um idiota, — eu provoco quando
ele me alcança. — Tire hoje de folga.
Ele me pega e me gira, o riso saindo dos meus lábios.
— Você é tão linda quanto o inferno mais ardente — declara ele.
— E você é tão perfeito quanto o mar azul profundo — respondo.
E estou feliz e viva. Mesmo que agora tenhamos de enfrentar o que
ameaça tudo isso, pelo menos não o enfrentarei sozinha.
— Deveríamos estar preocupados? — pergunto ao Barba Azul,
segurando seu rosto entre as mãos, traçando aquela pequena âncora ali.
— Belladonna, meu inferno — ele murmura. — Já sobrevivi a muitas
tempestades para me preocupar com uma única gota de chuva. Mas mesmo
que essa queda cresça, ficaremos bem.
Eu preocupo meu lábio inferior. — Você tem certeza?
— Não — ele admite. — Mas você sabe do que tenho certeza?
— O que?
— Meu amor e o seu, e isso é o suficiente para mim.
Mas apesar das suas palavras e apesar da minha felicidade, sei que a
tempestade está crescendo à distância. Em breve estará sobre nós, mas
enfrentaremos tudo juntos, esta família improvisada.
Porque mais cedo ou mais tarde, tudo se conecta.
Mais cedo ou mais tarde, tudo se funde em um só...
Capitulo 55

Alguém está batendo nos portões do castelo, outro camponês


implorando para entrar. Eles batem pelo que parecem horas, tentando
arrombar a porta. Eventualmente, eles começam a gritar. Eles gritam e gritam
e gritam e eu cubro meus ouvidos na tentativa de impedir.
O som de pregos no quadro-negro chega aos meus ouvidos.
Eu me encolhi ainda mais na escuridão, tentando bloqueá-la, tentando
fingir que não estou aqui.
Não foi para isso que me inscrevi.
Este não é o meu sonho.
Este não é o meu sonho.
Este não é o meu sonho...

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