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Universidade Lusíada de Angola – Mestrado em Economia

Recensão crítica
Recensor: João de Sousa Kassinda joaodesousa1027@gmail.com

A obra publicada pelos autores Marco A. F. H. Cavalcanti e Napoleão L. C. Silva, em


maio do ano de 2010 pelo Instituto de Pesquisa Económica Aplicada, tem como título
“Dívida pública, política fiscal e nível de actividade: uma abordagem VAR para o
Brasil no período 1995-2008”.

Os autores começam por apresentar os efeitos da política fiscal sobre a actividade


económica, com base em três visões alterantivas: (i) a visão keynesiana tradicional que
advoga que uma política fiscal expancionista estimula a actividade económica, ao passo
que uma política fiscal contracionista reduz o nível da actividade económica; (ii) a visão
que afirma que expansões fiscais podem gerar redução do produto, enquanto contrações
fiscais podem expandir a actividade económica, isto quando a política fiscal actua por
meio da riqueza ou pelo canal das expectativas; já a (iii) equivalência ricardiana defende
que, sob certas circunstâncias, expansões fiscais podem ser neutras no que se refere ao
nível da actividade económica.

O estudo procurou estimar o impacto da política fiscal no produto a partir de modelos


autorregressivos vetoriais (VAR), que permitem identificar os “impulsos fiscais” com
base em um conjunto mínimo de restrições teóricas. Os autores apegam-se aos estudos de
outros autores sobre a questão, como forma de dar maior sustentabilidade nas suas
abordagens. Com base nos autores estudados, as ideias convergem com a visão
keynesiana em que há uma relação positiva entre aumentos não esperados nos gastos
públicos com o produto e há uma relação negativa entre aumentos nos tributos líquidos
com o produto. Mas, baseando-se na visão de outros autores, que afirmam aumentos não
esperados dos gastos correntes do governo podem conduziir, com elevada possibilidade,
a uma redução do produto real, ao passo que um choque positivo na carga tributária
líquida pode levar, a médio prazo, a uma resposta positiva no PIB, conicidindo esta com
visão não keynesiana. Porém, estes estudos apresentam limitações por não considerarem
o papel da dívida pública na definição da política fiscal.

Com a finalidade de contribuir para o melhor entendimento dos efeitos da política fiscal
na economia brasileira no período 1995-2008 a partir de uma análise VAR que leve
explicitamente em consideração o papel da dívida pública na determinação da política
fiscal, os autores dividem o trabalho em quatro secções. Primeiramente apresentam a
metodologia econométrica e os dados utilizados; a seguir expõem e discutem os
resultados obtidos; depois apresentam uma análise de robustez dos resultados; e,
finalmente, tecem as considerações finais sobre o estudo.

Na metodologia, é apresentada a análise da estimação do modelo VAR especificado em


frequência trimestral com um vector que inclui as receitas públicas, os gastos públicos, o
produto interno bruto – PIB e taxa de juro real sobre a dívida pública. Ainda sob esta
perspectiva, o estudo apresenta um termo que inclui todos os factores que afectam a
dinâmica da dívida pública que não entram no conjunto dos gastos e das receitas públicas,
estes factores são considerados exógenos para a análise. Nos resultados, o estudos
apresenta dois modelos VAR, um que exclui a dívida pública e outro que inclui a dívida
pública como variável exógena e os resultados que chegam são de que com um aumento
dos gastos públicos sobre o PIB, no VAR que exclui a dívida pública os gastos têm efeitos
positivos sobre o produto, enquanto que para no VAR que inclui a dívida pública a
resposta do produto é quase nula para os períodos considerados no estudo. Logo, no VAR
que inclui a dívida, o choque de gastos é menos persistente do que no VAR sem dívida,
ou seja, após um choque de gastos, o VAR que inclui a dívida prevê um retorno mais
rápido dos gastos ao nível inicial. De forma análoga, com aumento nos impostos, em
resposta ao choque de gastos, inicialmente os impostos tendem a aumentar mais
fortemente no VAR com dívida relativamente ao VAR sem dívida.

No que diz respeito ao choque de tributação, os resultados mostram que o impacto sobre
o PIB de um aumento na receita tributária deve ser negativo no VAR sem dívida, mas
nulo no VAR com dívida. Os autores argumentam com a ideia de que um choque positivo
de receita – que nada mais é do que um aumento de receita não explicado pelos valores
passados ou correntes das variáveis consideradas – deve levar a uma redução da razão
dívida/PIB e, portanto, a um “relaxamento” da restrição fiscal. Isto possibilita um
aumento dos gastos públicos cujo impacto positivo sobre a demanda agregada pode
acabar compensando o impacto negativo do aumento de tributação sobre o nível de
actividade.

Feita a análise de robustez, os resultados mostram que a consideração explícita do papel


da dívida pública na evolução das variáveis fiscais deve levar à estimação, de um lado,
de menores efeitos positivos dos gastos públicos e, de outro lado, de menores efeitos
negativos das receitas tributárias sobre o nível de actividade.
Com estudo, os autores chegam a conclusão de que caso o papel da dívida pública na
determinação dos gastos e receitas públicas não seja considerado adequadamente, a
estimação dos efeitos da política fiscal sobre o nível de actividade pode estar viesada. Se
as autoridades económicas estiverem interessadas em manter o rácio dívida/PIB, uma
política fiscal expacionista ou contracionista que afecte o rácio deve gerar movimentos
futuros nos gastos ou receitas públicas de formas a compensar os efeitos da política fiscal
sobre a dívida, e isto vai atenuar os efeitos iniciais do choque. Se o modelo empírico
usado para estimar os efeitos da política fiscal omite a dívida como variável explicativa e
não leva em consideração o impacto de choques nos gastos e receitas públicas sobre a
evolução da dívida, os efeitos estimados estarão viesados. Os autores por considerarem
papel da dívida pública no seu estudo, foi fundamental na estimação dos efeitos de
choques fiscais sobre o nível de actividade.

Apesar do grande contributo dado pelos autores, como é obvio, o estudo apresenta
limitações pelo tamanho da amostra, pois os mesmo consideram que os modelos VAR
estimados não sejam sificientemente estáveis ao longo da amostra, por ser reduzida, outra
limitação é de que a política fiscal pode ser antecipada pelos agentes económicos, de
modo que os “choques” identificados pelo modelo VAR não estariam captando os
verdadeiros impulsos fiscais. Sendo assim, os autores sujerem que sejam feitos estudos
futuros de formas a investigar a robustez dos resultados com base no alargamento da
amostra e a quebra estrutural da possibilidade de antecipação da política fiscal pelos
agentes económicos.

O estudo apresenta grandes contribuições para quem pretender aprofundar conhecimentos


em matéria de política fiscal, pois os autores descrevem através de um modelo VAR a
forma detalhada dos reais impactos dos choques fiscais sobre a actividade económica,
levando em consideração a taxa de juro real sobre a dívida pública, o rácio dívida/PIB, a
antecipação dos agentes económicos que poder fundamentada nas suas espectativas. Os
mesmos contribuem para o conhecimento geral sobre as diferentes visões que explicam
os impactos da política fiscal (expancionista ou contracionista) sobre o produto interno
bruto.

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