Você está na página 1de 2

Ética e desejo

O livro intitulado ‘Cartas a um jovem terapeuta’, autoria de Contardo


Calligaris, psicanalista nascido na Itália e que atualmente reside no Brasil, nos
presenteia com um compilado de cartas e bilhetes endereçados a jovens terapeutas,
onde o autor baseado na sua experiência, aborda variados assuntos que dizem
respeito a prática da clínica e conduz sérias reflexões, entre as quais, os motivos
que conduz o sujeito a eleger a psicoterapia como realização pessoal.
No capítulo 1 (um) do seu livro, nomeado ‘vocação profissional’, Calligaris
(2004) alerta que para ser bem-sucedido como psicoterapeuta, muitos dos adjetivos
necessários para tal devem ser inatos, devendo o sujeito avaliar o real desejo em
trilhar este caminho, que na opinião do autor não é regado do amor e gratidão dos
pacientes.
Entre outros atributos, a carreira de psicoterapia exige uma certa dose de
tenacidade e o desejo de estudo constante para tentar compreender a complexidade
do inconsciente que se atravessa no cotidiano dos sujeitos.
Molineiro (p. 2007) aponta que,

Vocação tem uma dupla direção: é o chamado e a resposta a ele, e atua no


plano da alma, dos aspectos inconscientes da psique e no plano da
consciência, pois envolve escolha, responsabilidade e comprometimento.
[...] Ouvir o chamado passou a ser considerado algo quase romântico, fora
de propósito para o homem contemporâneo, e para muitos indivíduos as
escolhas são guiadas por valores mais afinados com a cultura, como
sucesso e promessa de realização mais imediata (MOLINEIRO, 2007, p.23).

Desnecessário acercar-se de citações para afirmar a relevância do


conhecimento dos princípios éticos que envolvem as carreiras, principalmente no
âmbito da saúde, os quais preservam tanto o profissional quanto o paciente nesta
perspectiva, salienta-se que o comportamento do psicólogo deve ser responsável e
honrado, afinal estamos nos comprometendo a buscar o equilíbrio nos sujeitos.
Percebe-se entre os novatos na academia, um senso comum com a visão de
que a Psicologia abrange “ajuda ao próximo e autoajuda” e, grande parcela parece
adentrar ao curso baseada em suas percepções pessoais, emocionalmente e
psicologicamente imaturas.
Nesta era de constantes transformações onde as demandas da sociedade
moderna conduzem ao imediatismo e consumismo, e os sujeitos deleitam-se em
mascarar-se com as fantasias das aparências, parecendo perdidos de si mesmos, a
boa vontade não é o suficiente para a atuação do psicoterapeuta. Aquele que se
propõe a conduzir a experiência terapêutica, há que primar pela ética profissional,
buscar saberes, recursos técnicos, desenvolver habilidades, competências e lucidez,
além de passar pela própria análise pretendendo um “amadurecimento íntimo” a
benefício de si e do outro.
Esta acadêmica, desde a adolescência, atreve-se a desejar escutar e
compreender as incógnitas da alma humana; descobrir o porquê do equilíbrio de uns
e o desmoronar de outros perante até mesmo os mais leves desafios da vida. Hoje,
dentro da madureza, já consigo vislumbrar não somente o que alavanca este desejo,
mas principalmente a complexidade do percurso a ser transcorrido para alcançar
este intento.

REFERÊNCIA
CALLIGARIS, Contardo. Cartas a um jovem terapeuta: reflexões para
psicoterapeutas, aspirantes e curiosos. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda., 2004.
MOLINEIRO, Maria Lygia de Carvalho Alli. Vocação: uma perspectiva junguiana.
2007. 226 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Psicologia, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2007.

Você também pode gostar