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SUMÁRIO

1. BREVE HISTÓRICO DO DIREITO PENAL MILITAR..........................................................3

1.1. Esboço geral..............................................................................................................................3

1.2. O Direito Penal Militar Brasileiro..............................................................................................5

2. BEM JURÍDICO-PENAL...........................................................................................................6

2.1. Generalidades..............................................................................................................................6

2.2. Bem jurídico-penal militar.........................................................................................................7

2.3. Regularidades das Instituições Militares................................................................................7

3. CARÁTER ESPECIAL DO DIREITO PENAL MILITAR........................................................8

4. CONCEITO DE DIREITO PENAL MILITAR..........................................................................9

5. PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL MILITAR......................................................................10

5.1. Princípio da Legalidade.............................................................................................................10

5.2. Princípio da Insignificância.....................................................................................................11

5.2.1.Aplicação do Princípio da Insignificância em Crimes Militares.........................................12

5.3. Princípio da culpabilidade......................................................................................................13

6. CRIME MILITAR......................................................................................................................14

6.1. CONFIGURAÇÃO DO CRIME MILITAR................................................................................17

6.2. DIFERENÇAS MARCANTES ENTRE O CRIME MILITAR E O CRIME COMUM.........18

7. ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA MILITAR..............................................................................24

7.1. DOS CONSELHOS DE JUSTIÇA E DOS CONSELHOS DE SENTENÇA.......................28

7.2. DA COMPETÊNCIA PARA PROCESSO E JULGAMENTO DOS CRIMES MILITARES


DEFINIDOS SOMENTE NO CÓDIGO PENAL MILITAR COMETIDOS POR CIVIL CONTRA
AS INSTITUIÇÕES MILITARES ESTADUAIS..............................................................................35

7.3. A COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DOS CRIMES MILITARES COMETIDOS


POR CIVIL CONTRA AS INSTITUIÇÕES MILITARES ESTADUAIS........................................36

8. ASPECTOS DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL EM SEGUNDA INSTÂNCIA..............41

8.1. JUSTIÇA MILITAR E O ESTADO DE SÃO PAULO.............................................................41


8.2. COMPETÊNCIA E CONFLITO..............................................................................................42

8.3. PARTICULARIDADES RECURSAIS....................................................................................43

8.4. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO TJM..............................................................................44

8.5. O HABEAS CORPUS NA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL...............................................45

8.6. REVISÃO CRIMINAL E JUSTIFICAÇÃO.............................................................................46

9. AÇÃO PENAL MILITAR..........................................................................................................46

10. MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR.........................................................................................48

11. ESPÉCIES DE AÇÃO PENAL MILITAR..............................................................................49

11.1. AÇÃO PENAL PRIVADA SUBSIDIÁRIA DA PÚBLICA.....................................................49

12. DA EXECUÇÃO DA PENA NA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL......................................51

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................................54
3

1. BREVE HISTÓRICO DO DIREITO PENAL MILITAR

1.1. Esboço geral

Em linhas gerais o Direito Militar, tem como fundamento a sua origem nas
atividades bélicas, ainda que sem precisar com exatidão seu início, foram em
tempos remotos com aparecimento dos primeiros exércitos. Assim surgi a
necessidade da criação de um órgão julgador especializado na apreciação dos
crimes praticados em tempo de guerra, no sítio das atividades bélicas.
Ao considerar o homem, por exemplo, um ser ontologicamente belicoso, o
que permitiria afirmar que desde a formação do primeiro aglomerado humano já
seria possível distinguir o delito cometido contra os pares do cometido contra o
inimigo, em atividade de repulsa à agressão do grupo hostil.
O professor João Roth, ao estudar quanto ao estabelecimento da Justiça
Militar, assevera que “antiguidade e vem precedido, na história dos povos, da
existência do Exército constituído para defesa de seu território”.1
Entender que há períodos da evolução humana que marcam o Direito
Penal Militar, a iniciar pela antiguidade cujos fatos o surgimento das Cidades-
Estados e, como elas a criação dos Exércitos de caráter permanente.2
O Império Romano consagrou-se, conforme os dizeres de Laurand 3, por
uma coragem disciplinada, o que leva à reflexão a propósito de quatro elementos:
Cidades-Estados, Exército permanentes, expansionismo e disciplina.
Desta misturada de elementos, uma sanha expansionista-imperialista leva
a necessidade de perene prontidão dos Exércitos, transformando-os em instituições
permanentes, formados e estruturados debaixo rígida disciplina. Deste modo, todo
cidadão era um soldado. Surgi, portanto, a necessidade da idealização de delitos
próprios da atividade bélica, o que, impulsionou a relevância do Direito Penal Militar.
Nesta ótica, é inquestionável a relevância que o Direito Romano
representou, segundo Loureiro Neto que sustenta haver evidências históricas de que
outras civilizações da Antiguidade (Índia, Pérsia, Atenas, Macedônia e Cartago)

1
ROTH, Ronaldo João. Justiça militar. Cit., 2003, p. 5.
2
NEVES, Cícero Robson Coimbra. STREIFINGER, Marcello. Manual de direito penal militar. 3 ed. – São Paulo:
Saraiva, 2013.
3
Apud GIORDANI, Mario Curtis. Direito penal romano. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997, p. 113.
4

“conheciam a existência de certos crimes militares” 4, porém somente em Roma o


Direito Penal Militar adquiriu autonomia, por essa razão, a evolução histórica em
quatro fases:
1ª) época dos reis, em que os soberanos concentravam em suas mãos
todos os poderes, incluído o de julgador;
2ª) fase em que a Justiça Militar era exercida pelos cônsules, com
poderes de imperiam majus, havendo abaixo deles o tribuno militar, que possuía o
chamado imperium militae, simbolizando a dupla reunião da justiça e do comando;
3ª) época de Augusto, em que a Justiça Militar era exercida pelos
prefeitos do pretório, com jurisdição muito ampla;
4ª) época de Constantino, em que foi instituído o Consilium, com a função
de assistir o juiz militar, sendo sua opinião apenas consultiva.
Os romanos entendia que certos crimes cometidos em batalha
significavam o estigma da infância e poderiam ser punidos com bastonadas até a
morte.
Compreensão semelhante era tida pelos gregos, sobretudo os atenienses
e os espartanos, considerando um soldado da pátria, sendo o ato de guerrear
atividade nobre, digna da interferência dos deuses, ressalta-se que os gregos tinham
uma concepção diferenciadas e especificas dos delitos militares, haja vista que cada
cidadão representava um soldado da pátria.
A cultura da guerra deve-se somar com influência marcante na
Antiguidade, de crenças religiosas. Pode-se tomar, por exemplo, ainda na Grécia, a
situação de Atenas, segundo relatos, diante de atos indignos nos campos de batalha
poderiam ser apenados com a morte.
Um marco importante foi a Revolução Francesa, que sacramentou os
princípios da jurisdição militar moderna, ao regulamentar as relações entre o poder
militar e o poder civil. A máxima atribuída a Napoleão, ao ressaltar a importância
fundamental da manutenção da disciplina, sendo considerado um forte instrumento
de controle de tropas militares. Dizia ele que a “disciplina é a primeira qualidade do
soldado; o valor é apenas a segunda.5

4
LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito penal militar. São Paulo: Atlas, 1999, p. 19.
5
CHAVES JÚNIOR. Edgard de Brito, apud ROTH, Ronaldo João. Justiça Militar, cit., p. 7.
5

1.2. O Direito Penal Militar Brasileiro

A história do Direito Militar no Brasil, não se afasta do acima apresentado,


mais precisamente o direito castrense brasileiro, tem sua origem fundada em
Portugal, ou, ao menos, na legislação penal portuguesa.
Influência chegou em Terra Brasilis sob forma das Ordenações do Reino,
principalmente as Filipinas, decretadas em 1603.
Nas Ordenações Filipinas, dispunha de dispositivos penais do Reino,
porém havia dúvida, no tocante ao Direito Penal Militar se estaria contido no bojo
das Ordenações Filipinas.
O Direito Penal do Reino não consagrava nítida separação entre Direito
Penal comum e militar, sendo que havia no “Código de Felipo” previsões que
poderiam ser consideradas próximas a um Direito Criminal afeto a beligerância.
Em 1763, juntam-se às Ordenações Filipinas os Artigos de Guerra de
Conde Lippe, que vigoraram no Brasil até o final do XIX, com surgimento do Código
Penal da Armada.
Com o próprio aporte da Família Real nas terras tupiniquins, em 1808, a
partir de quando o país, então, deixou a sua condição de colônia para ganhar o
status de Reino Unido a Portugal, passando a Administração Pública lusitana a se
instalar no Novo Mundo.
Não diferente procedeu-se em relação à instituição militar, que também
acompanhou a vinda da família Real, representada pela organização de um corpo
militar uniformizado com o intento de defesa e proteção da família real, e mais a
frente, das instituições criadas na ex-colônia.
Considerando as suas particularidades, de igual modo como ocorria em
Portugal, os militares eram regidos por regulamentos próprios, aplicados por aqueles
que integravam a carreira das Armas, que se encontrava, como ainda se encontra,
assentada em dois princípios fundamentais: a hierarquia e a disciplina
Foi o Código Penal da Armada, o qual teve sua versão instituída pelo
Decreto nº 18, de 7-3-1891, aplicado inicialmente a Armada e, sequencialmente ao
Exército Nacional, Lei nº 612, de 29-9-1899 e a Força Aérea, Decreto-lei nº 2,961,
de 20-1-1941. O diploma citado vigeu até 1944, quando o Decreto-lei nº 6.227, de 24
6

de janeiro, trouxe o Código Penal Militar, aplicado as Forças Armadas. Este vigorou
até 31 de dezembro de1969, com entrada em vigor do atual diploma castrense.6
Após sofrer um derrame, em agosto de 1969, o General Arthur da Costa e
Silva, Presidente da República, deveria ser sucedido pelo Vice-Presidente, nos
termos da Constituição. Uma junta Militar composta por integrantes das três Forças
Armadas, convencidos de que Costa e Silva não se recuperaria e assim decretando
os cargos do Presidente e do Vice-Presidente vagos, e assim foi assumido pela
Junta até entregá-la ao General.
Durante o governo dessa Junta que, em 21 de outubro de 1969, foi
instituído pelo Decreto-Lei nº 1.001, o Código Penal Militar, que teve sua entrada em
vigor em 1º de janeiro de 1970, permanecendo vigente até os dias atuais.

2. BEM JURÍDICO-PENAL

2.1. Generalidades

O bem jurídico penal é objeto de estudo da doutrina, a fim de entender as


concepções e a elementar conceituação. Nas palavras do professor Francisco de
Assis Toledo, faz uma conceituação de maneira ampla de bem, como “tudo o que se
nos apresenta como digno, útil, necessário, valioso”.7 Ainda prossegue indicando
que, dentre a imensa gama de bens, os quais afetam a cada indivíduo, “bem jurídico
é aquele que esteja a exigir uma proteção especial, no âmbito das normas de Direito
Penal, por se revelarem insuficientes, em relação garantias oferecidas pelo novo
ordenamento jurídico, em outras áreas extrapenais”.8
E outra análise, o bem jurídico somente deve ser selecionado pelo Direito
Penal, de forma fragmentária e subsidiária, haja vista esse ramo do Direito trata de
uma intervenção muito grave, devendo ser o último recurso, ultima ratio.
Discute-se a possibilidade de o intérprete da lei penal, em momento
diverso do escolhido pelo legislador para definir o bem jurídico, se poderia analisar a
não lesividade da conduta a determinado bem expressamente previsto no tipo penal.

6
NEVES, Cícero Robson Coimbra. STREIFINGER, Marcello. Op. Cit., p. 42.
7
TOLEDO, Francisco de Assis. Op. Cit., p. 15.
8
Idem, ibidem, p. 17.
7

Por obvio a atividade do intérprete, tem o condão de afastar da intervenção penal,


de condutas que não ofendem o bem jurídico.
Cabe ressaltar, em relação ao comportamento do intérprete, a atual
doutrina tem acenado também em sentido minimalista. Portanto, admite que o
intérprete, especialmente o juiz, dê entendimento a conduta não lesiva o bastante
para merecer a intervenção penal.

2.2. Bem jurídico-penal militar

São diversos os bens jurídicos de relevância para o Direito Penal Militar,


contudo pode-se destacar, a hierarquia e a disciplina, previstos expressamente na
Carta Magna de 1988. Além da disciplina e da hierarquia outros bens da vida foram
eleitos, tais como a vida, a integridade física, o patrimônio etc.
A proteção ao bem jurídico, pela norma leva, também de forma direta ou
indireta, a tutela para a regularidade das instituições militares, o que permite
asseverar que haverá a proteção no escopo da legislação castrense.
Diante da identificação do bem tutelado, por não ser uma atividade fácil,
podendo haver equivoco, pois muitas das vezes há semelhança do bem tutelado na
norma comum e na norma castrense. Cabe consignar uma maior amplitude do bem
protegido pelo Direito Penal Militar.
Como o bem jurídico tutelado pela legislação castrense, há crimes que
não admite a valoração no sentido de reconhecer a insignificância da conduta, isso
deve-se em razão da lesividade, por exemplo, como ocorre nos crimes contra a
incolumidade pública, em que afetaria, especialmente, a saúde pública, sendo assim
por si só, afastaria o reconhecimento da insignificância.
Portanto, o Direito Penal Militar, elegem bens jurídicos para tutela-los, de
forma a assegurar a manutenção e a regularidade das instituições.

2.3. Regularidades das Instituições Militares

Conforme ensina Regis Prado que “a noção de bem – do latim bonum – é


multímoda. Apresenta-se, prima facie, como um problema vocabular e filosófico.
8

Pode ser estudada como um tempo (expressão), um conceito ou uma entidade” 9.


Podemos concluir que o bem jurídico-penal não é algo sempre concreto, tangível,
materialmente identificável.
Uma situação social favorável e a coesão de um corpo social possui
relevância digna de comportar em sua órbita elementos, relevantes que merece
tutela especial.
É preciso ter em vista que as instituições militares, as Forças Armadas, as
Policias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares, têm missões de suma
importância para preservação da liberdade pública, uma vez que cabem a essas a
defesa da Pátria, a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, o
policiamento ostensivo preventivo, a preservação da ordem pública.
Em suma, a regularidade não pode apenas ser vinculada ao agente, mas
deve, ainda, atender a critério objetivo-normativo, consenso geral, em uma avaliação
de que as forças militares são invioláveis e merece confiabilidade no desempenho
das suas missões.
Por fim, a proteção da regularidade das forças militares, consiste no
âmbito de proteção dos crimes militares, mesmo que de forma não tão clara, mas
intrínseca, sendo uma condição necessária para a instituição militar possa cumprir
com suas missões atribuídas pela constituição.

3. CARÁTER ESPECIAL DO DIREITO PENAL MILITAR

Há uma especialidade para com o Direito Penal Militar, competindo a um


órgão especial sua aplicação, qual seja, as Justiças Militares.
Preleciona Célio Lobão, aproveitando dos postulados, dentre outros, de
Romeu de Campos Barros, ao entender que “classificar o Direito Penal especial em
função do órgão judiciário encarregado de aplicar o direito objetivo, demonstra
evidente confusão entre o Direito Penal especial e Direito Processual especial”.
Destaca ainda, que o Direito Penal Militar é especial em razão do bem jurídico
tutelado, isto é, as instituições militares, especialmente no aspecto particular da

9
PRADO, Luiz Regis. Op. cit., p. 17.
9

disciplina, da hierarquia, do serviço e do dever militar, somado a condição de militar


dos sujeitos do delito.10
Existe crimes impropriamente militares, que é notório a proteção a
regularidade da instituição, como por exemplo o delito de violência contra sentinela,
art. 158 do CPM, ainda que seja perpetrado por qualquer pessoa, o tipo penal visa à
integridade da instituição, em forma de preservação da autoridade e da integridade
física da sentinela.
Em síntese, a visão do Direito Penal Militar é especial, encontra razão no
objeto de proteção jurídica, ou seja, a regularidade das instituições militares, reserva
a esse Direito Penal especial, os crimes capitulados no Código Penal Militar.

4. CONCEITO DE DIREITO PENAL MILITAR

A constituição federal, tem destinado disposições próprias para tratar das


instituições militares, uma vez que essas são dotadas de tutela especial, quer seja
em razão da manutenção de sua regularidade, quer seja, pela proteção de outros
bens jurídicos, como a vida, a honra, a hierarquia, a disciplina etc.
É fundamental ao tratar das instituições militares, que estas por sua vez
estejam alicerçada por linha-mestra, a obediência, deste modo é imprescindível o
acatamento das determinações superior, para o cumprimento das missões pelos
organismos militares, não dispensando outros princípios como a hierarquia e a
disciplina.
Nas palavras do professor Coimbra Neves 11, define o conceito de Direito
Penal Militar, in verbis.
Consiste no conjunto de normas jurídicas que têm por objeto a
determinação de infrações penais, com suas consequentes medidas
coercitivas em face da violação, e, ainda, pela garantia dos bens
juridicamente tutelados, mormente a regularidade de ação das forças
militares, proteger a ordem jurídica militar, fomentando o salutar desenvolver
das missões precípuas atribuídas às Forças Armadas e às Forças
Auxiliares.

5. PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL MILITAR

10
LOBÃO, Célio. Direito penal militar. Direito penal especial. Direito penal comum. Direito processual especial.
In: Direito militar, cit., p. 38-45.
11
COIMBRA NEVES, Cicero Robson. Op. cit., p. 70.
10

As normas jurídicas são instrumentos destinados ao assegurar os direitos,


dentro de uma estrutura sistematizada composta por regras e princípios. A distinção
entre regras e princípios, tendo aquela adotada na visão de Virgílio Afonso da Silva,
está no fato de que as regras garantem direitos ou impõem deveres definitivos,
enquanto os princípios garantem direitos ou impõem deveres prima facie, isto é, do
conteúdo da regra, extrai-se uma proposição que deve ser satisfeita plenamente,
sob pena de invalidar a regra, enquanto do conteúdo dos princípios extrai-se uma
proposição que não se pode realizar sempre, sendo essa realização geralmente,
parcial, o que não significa, por outro lado, a invalidação do princípio.12

5.1. Princípio da Legalidade

Estabelece o artigo 1º, do CPM, que, "Não há crime sem lei anterior que o
defina, nem pena sem prévia cominação legal".
Tomando por base o preceito legal, verifica-se que o princípio da
legalidade se encontra previsto de forma expressa na Constituição Federal de 1988,
em seu artigo 5º, inciso XXXIX, princípio este como sendo uma garantia assegurada
aos jurisdicionados para evitar que o Estado-administração exerça o seu jus
puniendi, ou seja, o direito de punir, de forma arbitrária, ou mesmo de forma
excessiva, impondo sanções, ou estabelecendo ilícitos que não estejam previstos
em lei.
A expressão princípio da legalidade se diferencia dos preceitos reserva
legal e anterioridade. O princípio da legalidade deve ser entendido como sendo a
previsão do tipo penal em lei, ou seja, apenas e tão somente em lei proveniente do
Poder Legislativo.
Já a reserva legal deve ser entendida como sendo a competência do
Poder Legislativo para elaborar de forma exclusiva as disposições legais destinadas
à seara penal, não se admitindo a autuação do Poder Executivo na elaboração de
tipos penais mediante a edição de medidas provisórias. Essa vedação alcança o
Código Penal e o Código Penal Militar. A liberdade de uma pessoa somente pode

12
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009,
p. 45.
11

ser cerceada por meio de uma lei que seja proveniente do Poder Legislativo, no
caso brasileiro do Congresso Nacional.
A legislação penal brasileira busca uma unicidade, e em razão disto tanto
o Código Penal Brasileiro como o Código Penal Militar somente podem ser
modificados, alterados, por meio de uma lei ordinária proveniente do Congresso
Nacional.
A anterioridade deve ser entendida como sendo a existência da lei penal,
comum ou militar, antes da prática do ilícito pelo infrator. Segundo a doutrina
clássica nulo é o crime e nula é a pena sem lei anterior que o defina.
E outras palavras, os preceitos legalidade, reserva legal, e anteriormente,
no sistema jurídico brasileiro se completam para formarem aquilo que se denomina
de princípio da legalidade, que nos Estados de Direito possui uma grande
relevância.

5.2. Princípio da Insignificância13

A gênese do conceito e atribuições das Forças Armadas encontra


previsão na Constituição Federal, em seu artigo 142, in verbis:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e
pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e
regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a
autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da
Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer
destes, da lei e da ordem.

As forças auxiliares, por sua vez, encontram previsão no artigo 42 da


Constituição Federal conforme se nota a seguir:
Art. 42. Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros
Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são
militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

A esse propósito, o culto Jorge César (2012a, p. 24) assevera que os


militares federais, estaduais e do Distrito Federal se organizam sob uma legislação
especial própria, sob a exigência do respeito à hierarquia e a disciplina, conforme
explicita:

13
Disponível em http://jus.com.br/artigos/30226/a-aplicacao-do-principio-da-insignificancia-em-crimes-
militares acesso em 07SET15
12

Se a sociedade e a Pátria lhes outorgaram a condição de mantenedores


da ordem e defensores das Instituições, curial que ao lado de tais garantias que
muitas vezes escapam ao servidor público civil lhes seja exigido com maior rigor o
cumprimento de seus deveres.
A corroborar os dispositivos explícitos na Constituição Federal, encontra-
se no artigo 14 do Estatuto dos Militares, Lei 6.880/90, os seguintes termos verbis:
“A hierarquia e a disciplina são a base institucional das Forças Armadas. A
autoridade e a responsabilidade crescem com o grau hierárquico”.

5.2.1. Aplicação do Princípio da Insignificância em Crimes Militares

Ao fazer um levantamento sobre diversos julgados do Supremo Tribunal


Federal deferindo a aplicação do princípio da insignificância, o ínclito Jorge César
(2012a, p. 142) entende que tais decisões não estariam, assim, relevando as
peculiaridades das relações militares, que possui "modus vivendi próprio" razão pela
qual "a rigidez do regime disciplinar e a severidade das sanções não podem ser
confundidas como supressão de seus direitos".
Conforme exemplo conferido por Flávio Gomes (2013, p. 150), lapidar
nesse sentido o entendimento expendido no venerando acórdão conforma voto do
Ministro Lewandowski (HC 100.625) fazendo remissão ao HC 91.759-3-MG, STF,
rel. Min. Menezes Direito: "o entendimento desta Corte mantém-se no sentido da
não aplicação do princípio da insignificância aos crimes relacionados a
entorpecentes (no âmbito militar)".
Com relação ao crime de furto no âmbito militar, necessário se faz
mencionar o ilustre Jorge César (2012a, p. 121) ad litteram:
Aquele, ao se apossar do que não lhe pertence fere, ao menos, três
deveres igualmente importantes: seu dever de ofício, comum a todos os funcionários
públicos (...); seu dever de lealdade com a pátria e com a sociedade que prometeu
defender em juramento solene(...) e; seu dever com a Força a que pertence
lastreada na disciplina e na hierarquia.
No julgamento do HC nº 119.458/AM, o STF afastou a aplicabilidade do
princípio da insignificância. Vejamos:
13

EMENTA HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR E PROCESSUAL PENAL


MILITAR. TRÁFICO, POSSE OU USO DE ENTORPECENTE EM LUGAR
SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR. ART. 290 DO CÓDIGO PENAL
MILITAR. AUSÊNCIA DO AUTO DE APREENSÃO E DO LAUDO
PRELIMINAR. MERA IRREGULARIDADE. MATERIALIDADE DELITIVA
COMPROVADA POR OUTROS MEIOS. INAPLICABILIDADE DA LEI
11.343/2006. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO
DA PROPORCIONALIDADE. 1. A ausência de auto de apreensão e do
laudo inicial de constatação configura mera irregularidade, inábil a invalidar
a condenação penal, desde que lastreada esta em outras provas idôneas.
Precedentes. 2. O Plenário deste Supremo Tribunal Federal, nos autos do
HC 103.684/DF, Rel. Min. Ayres Britto, DJe 13.4.2011, ao afastar a
aplicação do princípio da insignificância nos crimes de posse, por militar, de
substância entorpecente em lugar sujeito à administração castrense (art.
290 do CPM), distinguiu a qualidade da relação jurídica entre o usuário e a
instituição militar da qual faz parte. 3. Inobstante mais benéfica a Lei
11.343/2006 em relação ao usuário de substância entorpecente, esta
Suprema Corte, em observância aos princípios da hierarquia e disciplina
militares, reputa aplicável o art. 290 do CPM forte no
critério da especialidade da norma. 4. A jurisprudência deste Supremo
Tribunal Federal, quanto à recepção da norma castrense pelo texto
constitucional, é no sentido de que “o art. 290, caput, do Código Penal
Militar não contraria o princípio da proporcionalidade e, em razão do
critério da especialidade, não se aplica a Lei n. 11.343/2006” (HC
119.458/AM, Rel. Min. Cármen Lúcia, 2ª Turma, DJe 03.4.2014). 5. Ordem
denegada.14

5.3. Princípio da culpabilidade

Culpabilidade é um princípio de aplicado em geral ao direito público, sua


natureza é constitucional, assim aplica-se não só ao Direito Penal, mas também ao
Direito Administrativo sancionador.
Segundo cita Damásio de Jesus, “Nullum crimen sine” culpa. A pena só
pode ser imposta a quem, agindo com dolo ou culpa, e merecendo juízo de
reprovação, cometeu um fato típico e antijurídico”. 15 Tal imputação recairá ao
indivíduo que, podendo comportar-se de forma diferente, e tendo consciência da
ilicitude do fato, não se abstém de pratica-los, sujeitando-se a aplicação das normas,
como modo de punição, salvo havendo causas de exclusão da punibilidade, também
chamadas de dirimentes, que afetem ao sujeito agir de modo contrário sem que fira
a lei.
A culpabilidade é medida da reprimenda penal, a qual orienta a dosimetria
da pena, inferindo uma medida retributiva justa ao delito. Desta forma, o artigo 69 do
14
Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28princ
%EDpio+da+insignific%E2ncia+nos+crimes+militares%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/kmfolwx
15
JESUS, Damásio E. de. Direito penal – parte geral. V. 2. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 11.
14

CPM, prevê que “Para fixação da pena privativa, o juiz aprecia a gravidade do crime
praticado e a personalidade do réu, devendo ter em conta a intensidade do dolo ou
grau da culpa, a maior ou menor extensão do dano ou perigo de dano, os meios
empregados, o modo de execução, os motivos determinantes, as circunstâncias de
tempo e lugar, os antecedentes do réu e sua atitude de insensibilidade, indiferença
ou arrependimento após o crime”.16

6. CRIME MILITAR

Ainda que se trate de um dos ramos mais antigos do Direito, remontando


seu surgimento, no Brasil, à época do Príncipe Regente, que por Alvará de 1º de
abril de 1808 criou o Conselho Supremo Militar de Justiça, não se delimitou, ainda, o
conceito sobre crime militar. A legislação, seja na Carta Constitucional (art. 5º, LXI,
124 e 125, § 4º) ou nos diplomas castrenses (CPPM e CPM) não o define, não
sendo pacífico na doutrina e na jurisprudência os critérios para sua classificação.
Bem por isso, o saudoso mestre Mirabete já afirmava que “árdua por
vezes é a tarefa de distinguir se o fato é crime comum ou militar, principalmente nos
casos de ilícitos praticados por policiais militares”.
Para o Ministro Orozimbo Nonato, “o conceito de delito militar foi sempre
considerado, nos domínios da doutrina, como dos mais tormentosos. ‘Doctores
certant’ e deles, alguns, desenganados de qualquer critério científico, apegam-se
sobretudo ao simples critério legal. Não, porém, sem relutâncias e dúvidas. O critério
legal quando moderado e sem quebra de princípios essenciais, é o que vem
norteando a jurisprudência”.
Nessa mesma linha de raciocínio, aduzia ainda que “essas dificuldades
são tão importantes que muitos juristas, desenganados do critério doutrinário,
seguem o critério objetivo da lei. Crime militar é o definido na lei como militar”. Igual
entendimento é seguido por Jorge Alberto Romeiro.
Essa assertiva encontra correlação lógica quando contraposta aos
preceitos contidos no inciso LXI do artigo 5º (“ninguém será preso senão em
flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária
competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar,
16
COIMBRA NEVES, Cicero Robson. Op. cit., p. 87.
15

definidos em lei”), artigo 124 (“Á Justiça Militar compete processar e julgar os crimes
militares definidos em lei”) e § 4º do artigo 125 (“Compete à Justiça Militar estadual
processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei...”).
Segundo Esmeraldino Bandeira, “em nossa legislação cinco são os
critérios para a qualificação do crime militar: ratione materiae, ratione personae,
ratione loci, ratione temporis e ratione legis”.
Comentando as disposições do artigo 9º do CPM, aduz Álvaro Mayrink da
Costa que “o legislador [...] adotou o critério ‘ratione legis’, isto é, crime militar é o
que a lei obviamente considera como tal. Não define, enumera. Não quer dizer que
não haja cogitado dos critérios doutrinários ‘ratione materiae’, ‘loci’, ‘personae’ ou
‘ratione numeris’. Apenas não são expressos, pois o estudo do art. 9º revela que, na
realidade, estão todos ali presentes”.
Comungamos da mesma opinião, ou seja, de que os crimes militares são
aqueles definidos em lei, adotando-se, portanto, o critério ratione legis, conforme se
depreende da leitura do inciso LXI do artigo 5º, artigo 124 e § 4º do artigo 125, todos
da Carta Magna.
Da análise dos dispositivos constitucionais acima citados depreende-se,
ipso facto, a existência de crimes propriamente militares e, em contraposição, de
crimes impropriamente militares. Destarte, crimes propriamente militares são
aqueles cuja ação penal somente pode ser intentada contra militares, tendo em vista
a sua situação funcional, ou seja, exige uma qualidade pessoal do agente,
abarcando os crimes que não possuam igual definição na lei penal comum, tais
como a Deserção, a Embriaguez em Serviço e a Violência contra Superior. Esse
também o entendimento de Jorge Alberto Romeiro.
O critério acima utilizado se deve, principalmente, em virtude da
existência de delitos militares que não possuem igual definição na lei penal comum e
que são cometidos por civis, mormente os capitulados no Capítulo I do Título III (Dos
Crimes contra o Serviço Militar e o Dever Militar), daí não se poder afirmar que
crimes propriamente militares são todos aqueles que não possuam igual definição
na legislação comum, como alguns conceituam, uma vez que os delitos acima
mencionados não encontram definição no Código Penal e são cometidos por civis,
tratando-se, por óbvio, de crimes impropriamente militares.
16

Célio Lobão leciona que “o grupo específico dos crimes propriamente


militares é constituído por infrações que prejudicam os alicerces básicos e
específicos da ordem e disciplina militar, que esquecem e apagam, com o seu
implemento um conjunto de obrigações e deveres específicos do militar, que só
como tal pode infringir”.
Pontua Ramagem Badaró que “os crimes propriamente militares dizem
respeito à vida militar, vista globalmente na qualidade funcional do sujeito do delito,
na materialidade especial da infração e na natureza peculiar do objeto da ofensa
penal, como disciplina, a administração, o serviço ou a economia militar”.
Os crimes impropriamente militares, ou acidentalmente militares, por sua
vez, podem ser cometidos pelos militares e, em situações excepcionais, também por
civis, abrangendo os crimes definidos de modo diverso ou com igual definição na
legislação penal comum.
Nos dizeres de Jorge Alberto Romeiro (1994, p. 68):
"crimes impropriamente militares são os que, comuns em sua natureza,
podem ser praticados por qualquer cidadão, civil ou militar, mas que,
quando praticados por militar em certas condições, a lei considera militares,
como os crimes de homicídio e lesão corporal, os crimes contra a honra, os
crimes contra o patrimônio, os crimes de tráfico ou posse de entorpecentes,
o peculato, a corrupção, os crimes de falsidade, entre outros. São também
impropriamente militares os crimes praticados por civis, que a lei define
como militares, como o de violência contra sentinela" (CPM, art. 158).

Porém, não basta que ocorra a subsunção do fato à norma típica, uma
vez que os crimes militares apresentam tipicidade indireta, ou seja, há necessidade
de se complementar as normas da parte especial com algumas das situações
elencadas nos artigos 9º (em tempo de paz) ou 10 (em tempo de guerra) do CPM.
Nesse contexto, diante do caso concreto, deve-se primeiro verificar se o fato
encontra subsunção em algum dos delitos previstos no Livro I (Crimes militares em
tempo de paz) ou no Livro II (Crimes militares em tempo de guerra) para, em
sequência, apontar se as circunstâncias que envolvem o delito amoldam-se aos
critérios previstos nos incisos I, II e III do artigo 9º e 10.

6.1. CONFIGURAÇÃO DO CRIME MILITAR

Na análise do caso concreto, não basta ao operador do Direito, diante da


citada tipificidade indireta do crime militar, apenas e tão somente se deter diante da
17

subsunção do fato delituoso a algum tipo penal descrito na Parte Especial e em


alguma das hipóteses do artigo 9º ou 10 do CPM. Isto se deve ao fato,
precipuamente, de que o crime militar não se limita aos atos praticados por militares
da ativa, mas também se inserem nas condutas praticadas por militares inativos
(reserva e reformado) e civis.
Assevera Moraes que “não se pode confundir a figura do crime militar
com os crimes praticados pelos militares. O militar, estando de serviço ou de folga,
pode praticar crimes definidos no CPM, bem como crimes previstos em outras
normas penais. Por outro lado, o CPM prevê diversas figuras típicas que podem ser
praticadas por civis”.
Como se sabe, prescreve a Carta Magna que “à Justiça Militar compete
processar e julgar os crimes militares definidos em lei” (artigo 124). Vê-se, portanto,
que a Justiça Militar Federal tem sua competência delimitada ratione materiae, ou
seja, incumbe-lhe, sem exceções, julgar os delitos castrenses definidos em lei,
sejam estes praticados por militares da ativa, da reserva, reformados ou por civis,
apontando-se, em relação aos inativos e aos civis, que, nos exatos termos do inciso
III do artigo 9º, sua conduta deve ter por finalidade ofender as Instituições Militares.
A Justiça Militar Estadual, por sua vez, não possui competência tão
abrangente quanto a sua congênere. De acordo com o § 4º do artigo 125 da CF/88,
compete-lhe processar e julgar os militares dos Estados nos crimes militares
definidos em lei. Nota-se, assim, que sua competência é ratione materiae e ratione
personae, ou seja, sua área de atuação é mais restrita que a Justiça Militar Federal,
uma vez que se lhe atribui competência para julgar, apenas, os crimes militares
praticados pelos militares estaduais, os quais, por força do artigo 42, abrangem os
membros das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares.
A interpretação das regras constitucionais e infraconstitucionais é de
suma importância para a formação da convicção jurídica quanto à configuração ou
não do crime militar. Bem por isso, o ilustre doutrinador Cícero Robson Coimbra
Neves apresenta uma ferramenta imprescindível para tal mister:
“a identificação do delito militar se materializa por uma tríplice operação,
sendo importante responder a três indagações e, somente com resposta
afirmativa a todas elas, teremos um crime militar nas mãos. Primeiramente,
para que o fato seja crime militar é preciso que esteja tipificado na Parte
Especial do Código Penal Castrense. Vencida essa pergunta, passa-se à
análise da Parte Geral, verificando se o art. 9º, por seus incisos, subsume o
fato, o adjetivando como crime militar. Finalmente, busca-se verificar se o
18

sujeito ativo pode cometer o delito militar na esfera em que se aplica o CPM,
questão que excluirá o crime praticado por adolescente, malgrado a
previsão do art. 50 e 51 do referido Codex, e, somente no âmbito estadual,
o delito praticado por civis”.

6.2. DIFERENÇAS MARCANTES ENTRE O CRIME MILITAR E O CRIME


COMUM

Ao tempo em que estabelecemos as diferenças marcantes entre o crime


militar e o crime comum, convém lembrar que o estudo do primeiro não é algo que
se faça de forma isolada senão em conjunto com toda a legislação material que se
refere à organização e funcionamento das forças armadas - o direito militar, como
preferiram chamá-la Eugênio Raul Zaffaroni e Ricardo Juan Cavallero, em
contrapartida àqueles autores que viam o direito militar como expressão usada para
designar apenas o direito penal militar e o direito disciplinar militar.
Dentre esta ampla legislação que compõe o direito militar, para usarmos a
expressão de Zaffaroni e Cavallero, destaca-se de fundamental importância o
Estatuto dos Militares ao conceituar que “a violação das obrigações ou dos deveres
militares constituirá crime, contravenção ou transgressão disciplinar, conforme
dispuser a legislação ou regulamentação específica, abrindo caminho para que o
Regulamento Disciplinar do Exército que a seguiu, dispusesse que transgressão
disciplinar é qualquer violação dos preceitos da ética, dos deveres e das obrigações
militares, na sua forma elementar e simples. Distingue-se do crime, militar ou
comum, que consiste na ofensa a esses mesmos preceitos, deveres e obrigações,
mas na sua forma complexa e acentuadamente anormal, definida e prevista na
legislação penal”.
Inserem-se ainda dentro deste direito militar, a seguinte legislação
extrapenal: Lei do Serviço Militar e seu Regulamento; os Regulamentos Disciplinares
da Marinha, do Exército e da Aeronáutica; as Leis de Promoções de Oficiais e
Praças; a Lei que dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o
emprego das Forças Armadas, etc., e seus correspondentes em relação à Forças
Auxiliares.
Ou seja, sem entender a estrutura e a organização das Forças Armadas,
das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares, seu modus vivendi
19

próprio, os usos e costumes militares e os valores que lhes são caros difícil é a
compreensão do que seja o crime militar o qual, em última análise é a manifestação
do Estado na tutela dos bens jurídicos das instituições militares.
Dito isto passaremos, portanto, a enumerar algumas diferenças que nos
parecem marcantes, do crime militar em relação ao crime comum.

PUNIBILIDADE DA TENTATIVA.
Enquanto o Código Penal comum brasileiro adotou a teoria objetiva em
seu art.14, II, punindo a tentativa com uma pena reduzida de 1 a 2 terços, o Código
Penal Militar, no parágrafo único do seu art.30, previu a punibilidade da tentativa
pela teoria subjetiva (mesma pena do crime consumado), sendo que a excepcional
gravidade ali referida, fica a critério do arbítrio do Juiz. Encontramos decisões
mantendo a punibilidade subjetiva, em acórdãos do Superior Tribunal Militar, como
por exemplo, na Apelação nº 2003.01.049308-5-SP.

TRATAMENTO MAIS SEVERO AO ERRO DE DIREITO.


O erro é tratado de forma diversa nos dois Códigos, valendo anotar que
não há correspondência exatamente o erro de direito e o erro sobre a ilicitude do
fato. Assim, o Código Penal comum trata em seu art.21 do erro sobre a ilicitude do
fato, o qual se inevitável, ou invencível, exclui o dolo e, portanto, o autor fica isento
de pena. Definiu-se, conforme o item nº 17 da Exposição de Motivos do CP, a
evitabilidade do erro em função da potencial consciência da ilicitude. Já o Código
Penal Militar tratou do erro de direito de forma duplamente severa em seu art.35, se
o agente supõe lícito o fato, por ignorância ou errada compreensão da lei, se
escusáveis (ou invencíveis) sua pena poderá ser atenuada ou substituída por outra
menos grave e, se for crime contra o dever militar, o erro de direito não lhe
aproveita. Em rápida pesquisa junto aos Tribunais Militares do Rio Grande do Sul e
Minas Gerais não encontramos decisões em que houvesse sido questionado este
tratamento mais severo dado ao erro de direito. Já no STM, encontramos decisões
mantendo este tratamento mais rigoroso, como por exemplo na Apelação nº
1986.01.044632-1-RS.
20

PREVISÃO DO ESTADO DE NECESSIDADE JUSTIFICANTE


ESPECÍFICO DO COMANDANTE.
Previsto no parágrafo único do art. 42, o qual permite que o Comandante
de navio, aeronave, ou praça de guerra, na iminência de perigo ou grave calamidade
possa compelir os subalternos, por meios violentos, a executar serviços e manobras
urgentes, para salvar a unidade ou vidas, ou evitar o desânimo, o terror, a
desordem, a rendição, a revolta ou o saque. Não se pode esquecer que ao
Comandante é imposto o dever de manter sua tropa controlada, destinando o CPM
inclusive algumas figuras típicas de modo a punir aquele que se omite em manter a
força sob seu comando em estado de eficiência (art.198) e mesmo aquele que se
omite de tomar providências para salvar seus comandados (art.200).

TRATAMENTO DUPLO AO ESTADO DE NECESSIDADE.


Enquanto o Código Penal comum previu apenas o estado de necessidade
justificante como excludente da ilicitude no seu art. 24, o CPM previu igualmente
tanto o estado de necessidade justificante (art.42, I e 43), quanto o estado de
necessidade exculpante como excludente da culpabilidade (art.39), desde que o
direito alheio a ser protegido, seja, nesse caso, de pessoa a quem o agente está
ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição. Note-se que no estado de
necessidade como excludente da culpabilidade, o bem sacrificado pode ser inclusive
maior ao bem protegido.

PREVISÃO DA PENA DE MORTE EM TEMPO DE GUERRA.


A legislação militar brasileira sempre previu a pena de morte. Existe uma
previsão constitucional do inciso XLVII do art.5º, o qual ressalvou-a para o caso de
guerra declarada. A guisa de informações vale destacar que na vigência do regime
constitucional anterior, houve uma condenação à morte por crime contra a
Segurança Nacional, aplicada pela Auditoria da 6ª Circunscrição Judiciária Militar, da
Justiça Militar da União, em 18.03.1971, a um civil, menor de 21 anos, acusado de
ter matado um Sargento da Aeronáutica. Tendo sido apelado para o Superior
Tribunal Militar, a pena do réu foi reduzida para prisão perpétua em face da
menoridade e da primariedade do agente.
21

PREVISÃO DE PENAS INFAMANTES.


Dentre as penas acessórias previstas no art. 98 do CPM, destacamos a
declaração de indignidade para com o oficialato e a declaração de incompatibilidade
para com o oficialato, já que ambas, por mandamento constitucional, implicam na
perda do posto e da patente dos oficiais, declarada pelo Tribunal competente em
tempo de paz.
Por ora, suficiente que se diga que fica sujeito à declaração de
indignidade, qualquer que seja a pena, o militar condenado nos crimes de traição,
espionagem ou cobardia e, também nos de desrespeito a símbolo nacional,
pederastia ou outro ato de libidinagem; furto simples; roubo simples; extorsão
simples; extorsão mediante seqüestro; chantagem; estelionato; abuso de pessoa;
peculato; peculato mediante aproveitamento de outrem; falsificação de documento e;
falsidade ideológica.
Da mesma forma, será declarado incompatível com o oficialato, o militar
condenado pela prática dos crimes previstos nos artigos 141 (entendimento para
gerar conflito ou divergência com o Brasil) e 142 (tentativa contra a soberania do
Brasil).
Anota José Júlio Pedrosa que o oficial declarado indigno ou incompatível
com o oficialato, por decisão do Superior Tribunal Militar, perde, obrigatoriamente, o
posto e patente, nos termos do art. 142, § 3º, inciso VI, da Constituição Federal.
Perdendo o posto e patente será demitido ex officio sem direito a qualquer
remuneração ou indenização e receberá a certidão de situação militar prevista na
legislação que trata o serviço militar. Deixa de ser militar e oficial.
É o que estabelece o art. 119 do Estatuto dos Militares.
E, de acordo com o art. 20 da Lei das Pensões Militares (Lei nº 3.765/60)
o oficial que perde posto e patente deixará aos seus herdeiros a pensão militar
correspondente.
E, como já dissemos alhures, “o legado da pensão aos herdeiros
demonstra o caráter infamante que sempre lhe foi dado quando o Código Penal
Militar de 1944, em seu art. 51, considerava o indigno e o incompatível como se
morto fosse, morte civil (mors ficta)”.
MAIOR SEVERIDADE AO TRATAMENTO DADO À SUSPENSÃO
CONDICIONAL DA PENA - SURSIS.
22

Enquanto no Direito Penal comum exige-se que o condenado não seja


reincidente em crime doloso, art. 77, I (podendo ser reincidente em crime culposo),
no Direito Penal castrense exige-se que o sentenciado não seja reincidente em
crime punido com pena privativa de liberdade, art.84, I, (que tanto pode ser doloso
como culposo), o que implica em um plus de severidade.
Da mesma forma, a concessão do benefício está vetada ao condenado
por crime cometido em tempo de guerra e, em tempo de paz, aos condenados pelos
crimes de aliciação e incitamento, de violência contra o superior de dia, oficial de dia,
de serviço ou de quarto, sentinela, vigia ou plantão; de desrespeito ao superior, de
insubordinação ou de deserção, além dos crimes de desrespeito a superior,
desrespeito a símbolo nacional, despojamento desprezível, pederastia ou outro ato
de libidinagem, de receita ilegal e seus assimilados.

TRATAMENTO MAIS SEVERO AO CRIME CONTINUADO.


Tratando da hipótese do crime continuado em seu art.80 o Código Penal
Militar adotou, da mesma forma que a legislação penal comum, a teoria da ficção
jurídica, pela qual presume-se a existência de um só crime. Fá-lo, entretanto, de
forma mais severa, pois equipara o crime continuado ao concurso de crimes,
exasperando, sobremaneira, a aplicação da pena.

INAPLICABILIDADE DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL AOS


CRIMES MILITARES.
A Lei nº 9099, de 26.09.1995, instituiu os Juizados Especiais Criminais,
regulamentando assim o art. 98, I, da Carta Magna, fonte geradora dos referidos
Juizados Especiais da Justiça do Distrito Federal e dos Estados.
O Juizado Especial Criminal tem competência para a conciliação,
julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo.
Todavia, a Lei dos Juizados Especiais Criminais não se aplica à Justiça
Militar.
De pronto, o Superior Tribunal Militar rechaçou-a, inclusive sumulando a
questão em seu Verbete nº 9: A Lei nº 9099/95 não se aplica na Justiça Militar da
União.
23

A Suprema Corte Brasileira, em meio à intensa discussão, pacificou que


somente eram aplicáveis à Justiça Militar, os institutos da exigência de
representação nas lesões culposas e nas lesões leves dolosas e, o instituto da
suspensão condicional do processo.
Por fim, a Lei nº 9.839, de 27.12.1999, acrescentando artigo à Lei nº
9099/95 (de nº 90-A), retirou finalmente (e em boa hora), a Lei dos Juizados
Especiais, do universo do processo penal castrense, Federal, dos Estados ou do
Distrito Federal.
De nossa parte, sempre consideramos os Juizados Especiais Criminais
incompatíveis com a Justiça Militar, seja da União, seja Estadual.
Posteriormente, em face da ausência de previsibilidade de Juizados
Especiais para a Justiça Federal – objeto de várias críticas abalizadas e anseios, foi
editada a Lei nº 10.259, de 12. 07.2001 – para viger 6 meses após, criando os
Juizados Especiais Criminais no âmbito da Justiça Federal, aos quais se aplica, no
que não conflitar com esta Lei, o disposto da Lei 9099/95.
Ao tratar da competência do Juizado Especial Federal Criminal,
estabeleceu a Lei em seu art. 2º, sê-la, a de processar e julgar os fatos de
competência da Justiça Federal, relativo às infrações de menor potencial ofensivo,
para no parágrafo único do mesmo artigo, considerar infrações de menor potencial
ofensivo, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos ou
multa.
Ante a existência de dois dispositivos legais considerando, em quantum
diverso, o que seja infração de menor potencial ofensivo, a melhor exegese é a de
que a Lei nº 10.259/2001 (novatio legis in mellius) revogou o art. 61 da Lei nº
9099/95, tornando infração de menor potencial ofensivo todos os crimes e
contravenções cuja pena máxima não exceda a 2(dois) anos ou multa, no âmbito
dos Juizados Especiais Criminais, sejam da Justiça Estadual ou Federal, sem
incidência entretanto na Justiça Militar já que em sede de direito penal militar não
existe infração de menor potencial ofensivo.

INAPLICABILIDADE DAS PENAS ALTERNATIVAS AOS CRIMES


MILITARES.
24

A Lei nº 9.714/98, alterando toda a seção II, do Capítulo I, do Título V, do


Código Penal comum, ampliou o rol das penas restritivas de direitos e as hipóteses
de suas substituições às penas privativas de liberdade não superiores a 4 anos, se o
crime não foi cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, ou, qualquer que
seja a pena aplicada se o crime for culposo, atendido os demais requisitos do art.44,
e atendendo-se ainda ao que dispõem os arts.46 a 48 do CP comum.
Discute-se se tal Lei pode ser aplicada na Justiça Militar.
Para o Superior Tribunal Militar tal Lei não tem aplicação na Justiça Militar
da União. O Próprio Superior Tribunal Militar já entendeu que as penas restritivas de
direito estão limitadas à alteração do art.44 do Código Penal comum, não se
aplicando aos crimes militares, objeto de lei especial diversa no ponto.
De nossa parte “entendemos que deve haver uma cautela na eventual
aplicabilidade da Lei 9.714/98 aos condenados pela Justiça Militar – e, mesmo
assim, somente ao condenado civil, sob pena de descaracterização da Justiça
Especializada”.
Lembre-se que a Lei 9.714/98 alterou expressamente dispositivos do
Código Penal comum, somente podendo ser aplicada ao sentenciado da Justiça
Militar por força do art.12, do mesmo CP comum, que se dirige às Leis Especiais,
dentre elas, o Código Penal Militar”.
São estas, portanto, as diferenças que elegemos para serem aqui
demonstradas, por considerá-las mais marcantes em relação com o direito penal
comum brasileiro, desde já de todo respeitado outras escolhas feitas com maior
apuro.

7. ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA MILITAR

A Justiça Militar no Brasil encontra-se prevista e disciplinada na


Constituição Federal no art. 92, inciso VI, segundo o qual : "São órgãos do Poder
Judiciário, VI - Os Tribunais e juízes militares". Os juízes militares e os Tribunais
Militares são órgãos do Poder Judiciário, e portanto não se encontram inserido no
contexto de Tribunais de Exceção. Afirmar que a Justiça Castrense é uma Justiça de
Exceção é desconhecer o sistema jurídico brasileiro.
25

O artigo 5.o, XXXVII, da Constituição Federal, veda expressamente o


julgamento do cidadão por Tribunal de Exceção, garantindo assim o princípio do juiz
natural. Por força do art. 60, parágrafo 4.o da C.F, os direitos e garantias
fundamentais do cidadão não podem ser objeto de Emenda Constitucional. Com
base neste dispositivo, fica mais do que evidenciado que a Justiça Castrense não é
um Tribunal de Exceção, mas uma Corte com previsão constitucional.
Organização e estrutura.

No sistema jurídico brasileiro, a Justiça Militar divide-se em Justiça Militar


Federal e Justiça Militar Estadual, sendo que a primeira julga em regra os militares
integrantes das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), quando estes
violarem os dispositivos do Código Penal Militar, enquanto que a segunda julga os
integrantes das Forças Auxiliares, (Polícias Militares e Corpos de Bombeiros
Militares).
A 1.a instância da Justiça Militar Federal é constituída pelos Conselhos de
Justiça, formados por um auditor militar, provido por concurso de provas e títulos, e
mais 4 (quatro) oficiais, cujos postos e patentes dependerão do posto ou graduação
do acusado. Os Conselhos de Justiça dividem-se em Conselhos Especiais
destinados ao julgamento dos oficiais, e os Conselhos Permanentes destinados ao
julgamento das praças (soldado, cabo, sargento, subtenente, e aspirante-a-oficial).
Devido a formação mista existente nos Conselhos de Justiça, ou seja,
formados por um juiz civil mais os juízes militares, estes são chamados de
escabinado.
Os militares que integram os Conselhos atuam na Justiça Militar por um
período de três meses, ao término do qual novos oficiais serão chamados para
comporem a Corte Castrense. É importante se observar que esses Conselhos são
presididos por um juiz militar que tenha a maior patente em relação aos demais
integrantes do órgão julgador, e a sede da Justiça Especializada em 1.o grau possui
a denominação de Auditoria Militar.
A organização da Justiça Militar Estadual em 1.a instância é semelhante a
da Justiça Militar Federal guardadas algumas particularidades no tocante aos postos
e graduações das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, uma vez que
26

nas Forças Auxiliares não existe a presença dos oficiais generais (General,
Almirante e Brigadeiro).
No Estado de São Paulo, a Justiça Castrense possui 4 (quatro) Auditorias
todas com sede na Capital, não existindo nenhuma no interior, o que consideramos
uma falha e ao mesmo tempo um ônus para o acusado. Os policiais militares e
bombeiros militares que residem no interior são obrigados a se deslocarem de suas
sedes, chamadas de OPM (Organizações Policiais Militares), para serem
processados na Capital, sendo obrigados na maioria das vezes a contratarem
advogados que possuem os seus escritórios na cidade de São Paulo.
A nível de 2ª. instância, em relação a Justiça Militar Federal temos o
Superior Tribunal Militar (S.T.M) que julga os recursos provenientes das Auditorias
Federais, e a matéria originária disciplinada em seu Regimento Interno. No caso da
Justiça Militar Estadual, a 2.a instância é constituída em alguns Estados (São Paulo,
Minas Gerais, e Rio Grande do Sul) pelos Tribunais de Justiça Militar (T.J.M). Nos
Estados, em que não existe o T.J.M essa competência é exercida por uma Câmara
Especializada do Tribunal de Justiça.
Deve-se observar, que o Superior Tribunal Militar (STM) também julgará
os recursos provenientes da Justiça Militar Estadual, como ocorre nos casos dos
Conselhos de Justiça, que são destinados ao julgamento da permanência ou não
dos oficiais em seus respectivos quadros, que se inicia perante um Conselho
formado por três oficiais que terão patente superior a do acusado e que emitirão um
parecer pela permanência ou não do acusado. Esse parecer será remitido a
autoridade convocante que poderá acolher ou não a decisão dos membros do
Conselho. A solução da autoridade convocante será submetida ao Comandante
Geral da Corporação, que determinará o arquivamento, a aplicação de medidas
disciplinares ou a remessa dos autos para a Justiça Militar, na forma da Constituição
do Estado de São Paulo e da Constituição Federal.
Os Tribunais de Justiça Militar ou Câmaras Especializadas dos Tribunais
de Justiça nos demais Estados julgarão o acusado submetido a Conselho de
Justificação decidindo pela perda ou não do seu posto e patente. A matéria sob
análise é originária na forma da Constituição Federal, e da decisão proferida pelo
Tribunal caberá recurso para o STM que poderá manter ou reformar a decisão
proferida pelo Tribunal "a quo". A inobservância deste procedimento fere o princípio
27

do devido processo legal, disciplinado no art. 5.o, inciso LIV, da Constituição


Federal.
O Tribunal de Justiça Militar de São Paulo é composto de cinco juízes,
sendo dois juizes civis, e três juízes militares, na patente de Coronel PM, que além
de julgarem os recursos provenientes das Auditorias Militares ainda decidem em
atendimento a Constituição Federal e a Constituição Estadual a perda da patente e a
declaração de indignidade para o oficialato dos integrantes da Polícia Militar, e antes
do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal em recurso extraordinário
proveniente do Estado de São Paulo e que afastou precedentes existentes na
própria Corte Constitucional, a perda da graduação das praças, na forma
disciplinada no art. 125, parágrafo 4.o da Constituição Federal.
O professor Paulo Tadeu Rodrigues Rosa no artigo "Perda da Graduação
das Praças" defende que as praças que integram as Forças Auxiliares somente
poderão perder suas graduações por meio de decisão proferida pelo órgão
competente, que na forma da Constituição Federal é o Tribunal de Justiça Militar
(TJM), e as Câmaras Especializadas dos Tribunais de Justiça. Não se pode permitir
que integrantes de uma mesma Corporação fiquem sujeitos a um tratamento
desigual, em atendimento ao disciplinado no art. 5.o, "caput" da Constituição
Federal.
Alguns doutrinadores entendem que os Conselhos de Justiça não
deveriam ser compostos apenas pelos oficiais, mas também pelas praças que sejam
bacharéis em direito. Esse entendimento tem como fundamento o princípio segundo
o qual o militar deve ser julgado pelos seus pares. Respeitada a hierarquia militar,
todos os milicianos são integrantes de uma mesma Corporação, não existindo
motivos para que as praças não tenha representatividade junto ao Escabinado.
Deve-se ressaltar, que as praças somente poderiam integrar os Conselhos de
Justiça Permanentes, uma vez que para compor os Conselhos de Justiça Especiais
é necessário que o juiz militar tenha patente superior a do acusado, ou sendo igual,
que seja mais antigo na forma dos critérios castrenses.
A tese ora exposta traz uma certa polêmica, podendo ser entendida como
sendo a busca da quebra da disciplina, que deve existir nas Corporações Militares.
Mas, não podemos nos esquecer que o direito surge dos fatos, e que todos são
28

iguais perante a Lei, e que o aprimoramento das instituições deve ser o objetivo
daqueles que vivem sob o império do Estado de Direito.
Portanto, a Justiça Militar é um órgão jurisdicional com previsão no Texto
Constitucional e nas Constituições do Estados integrantes da Federação, possuindo
os juízes auditores as mesmas garantias asseguradas aos juízes integrantes da
Justiça Comum e da Justiça Federal, vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade
de vencimentos, para que possam com fundamento na Lei e em sua livre convicção
proferirem os seus julgamentos, na busca da Justiça que deve ser o objetivo do
Direito.

7.1. DOS CONSELHOS DE JUSTIÇA E DOS CONSELHOS DE SENTENÇA

Segundo Cláudio Martins em sua obra – A Justiça Militar entre a ficção e


a realidade, o desconhecimento da Justiça Militar “é fruto do desinteresse da
sociedade, decorrência de uma equivocada associação imediata dessa Justiça
Especializada com o autoritarismo e corporativismo”.
Em 1922 foi criada a Auditoria da Força Pública (01 Auditor + Conselhos
de Justiça). A Justiça Militar Estadual está prevista na Constituição Federal, art. 125
§ § 3º e 4º. Da mesma forma, a Lei maior, naqueles mesmos dispositivos, previu a
existência dos Conselhos de Justiça como órgão de jurisdição de 1º grau.
Art. 125 § 3º da Constituição Federal: “A lei estadual poderá criar,
mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em
primeiro grau, pelos Conselhos de Justiça e, em segundo, pelo próprio Tribunal de
Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo da polícia
militar seja superior a vinte mil integrantes”.
A Constituição Estadual prevê o TJM e as Auditorias Militares nos seus
artigos 54, 63, 80, 81 e 82.
A LOMAN faz menção à Justiça Militar nos artigos 1º, 18 e 22.
Em todas as unidades de Federação há Auditorias Militares Estaduais,
mas em apenas três existe a instância recursal especializada, ou seja, o TJME (SP,
MG e RS, como já mencionado).
29

Desde o Decreto Lei 925 de 02/12/38 que instituiu o Código de Justiça


Militar está delineada a composição dos Conselhos de Justiça Militar que perdura
até nossos dias. São eles:
1) O Especial, composto por um juiz togado e mais quatro militares de
patente superior ou, em caso de igualdade de posto, mais antigo que o acusado,
sendo o Conselho presidido por oficial superior (Major; Tenente Coronel ou Coronel).
2) Permanente, integrado por um juiz de carreira e quatro oficiais.
Os Conselhos Permanentes de Justiça têm competência para processar e
julgar praças das PPMM e Corpos de Bombeiros Militares, nos crimes militares.
Compete aos Conselhos Especiais processar e julgar oficiais da PM e
Corpo de Bombeiro Militar.
Quanto à formação do Conselho Permanente de Justiça (CPJ),
trimestralmente, a PM remete ao Tribunal de Justiça Militar (TJM) uma lista dos
oficiais disponíveis na tropa para que possam, caso sorteados, integrar o CPJ.
Fazem parte desta lista os oficiais do serviço ativo que sirvam na Capital do Estado
(inclusive região metropolitana). Dela deverá constar o posto, a antiguidade e a
Organização Policial Militar (OPM) onde o militar presta serviço.
Por força da Lei nº 5048 de 22/12/58, que dispõe sobre a organização da
Justiça Militar Estadual (JME), não serão incluídos na relação:
- o Comandante Geral - os Oficiais da Casa Militar do Governador
- os Assistentes Militares - os Oficiais do Estado Maior (Assessoria do
Comandante/PM)
- os Oficiais do gabinete do Comandante Geral
- os alunos, professores e instrutores dos estabelecimentos de ensino da
PM, dos cursos profissionais e os que servirem na Diretoria de Ensino/PM.
A relação deve ser remetida ao TJMESP até o 1º dia útil do último mês do
trimestre. Se isto não ocorrer, será aproveitada a relação do trimestre anterior,
segundo determinação legal.
O ato é realizado em sessão pública, nas Auditorias, na presença do
órgão do Ministério Público e do escrivão.
Da sessão em que se procede ao sorteio é realizada uma ata, lavrada
pelo escrevente de sala de audiências de cada Auditoria, que é remetida ao Exmo
Sr Corregedor da Justiça Militar que comunica o Comando da Corporação sobre o
30

resultado (do sorteio) e requisita a apresentação dos militares em cada uma das 4
Auditorias existentes em São Paulo.
A não apresentação do militar sorteado pode ocorrer nas seguintes
hipóteses:
1) Demissão
2) Moléstia comprovada
3) Reforma
4) Condenação Criminal
5) Falecimento
6) Férias ou serviço em comissão fora do Estado e
7) em caso de imperiosa necessidade do serviço ou da disciplina
devidamente justificada, mediante solicitação do Cmt Geral à Justiça Militar.
De cada sorteio constam oficiais titulares e suplentes para eventuais
substituições em caráter definitivo e substituições em caráter temporário, tais como
nos casos de gala, luto ou licença-saúde.

Um oficial não será sorteado para atuar na mesma Auditoria em dois


trimestres consecutivos
No caso de réus oficiais de patentes diversas, será a patente do réu
hierarquicamente superior aos demais que será observada na formação dos
Conselhos Especiais de Justiça.
Destarte, havendo réus praças e oficiais, num mesmo processo todos
serão processados e julgados pelo Conselho Especial de Justiça.
Ao tomar posse como juiz membro de um Conselho de Justiça, o militar
deverá prestar o compromisso do art. 400 do CPPM , qual seja o de prometer
“apreciar com imparcial atenção os fatos que lhes forem submetidos e julgá-los de
acordo com a lei e a prova dos autos”.
Caso algum juiz membro, após ter prestado o compromisso do artigo 400
do CPPM, faltar injustificadamente às sessões de instrução ou julgamento, embora
não se tenha notícia de que isto tenha ocorrido em alguma das 4 Auditorias Militares
do Estado de São Paulo, ficará o militar sujeito à pena pecuniária (dia de serviço) e,
em caso de reincidência, punição administrativa de repreensão escrita pública em
Boletim Interno (DO da Corporação), aplicada pelo seu Comandante e substituição
no Conselho, procedendo-se um novo sorteio.
31

Os oficiais do CPJ ficam dispensados de suas funções militares durante


todo o tempo de serviço judiciário e os do CEJ, nos dias de sessão.
Os processos submetidos à apreciação dos Conselhos Permanentes
passarão, automaticamente, para a competência do Conselho seguinte, seja qual for
o estado em que se encontrarem.
No Conselho Especial de Justiça, vige o princípio da identidade física do
juiz pois os oficiais sorteados deverão, em tese, acompanhar o processo até final
julgamento.
Estamos tratando dos Conselhos de Justiça e dele faz parte o Juiz Auditor
que é o juiz togado, que ingressou na carreira através de concurso público de provas
de títulos com a participação da OAB, de um representante do Tribunal de Justiça do
Estado e um do TJM na comissão.
O Juiz Auditor inicia a carreira como Substituto, auxiliando o colega titular
da Auditoria e exercendo as mesmas funções nos processos.
Somente quando é aberta uma vaga de Juiz Titular, será o Substituto
promovido a Juiz de Entrância Especial (titular da capital).
Nos Estados onde há o 2º grau de jurisdição especializado – TJM – o
concurso para Juiz Auditor é para carreira específica dentro da Justiça Militar. Nos
demais Estados da Federação a situação não é igual sendo que, em alguns deles, o
Juiz Auditor é designado pelo próprio Tribunal de Justiça dentre seus juízes e, em
outros, é realizado concurso próprio para o preenchimento da vaga na Auditoria
Militar Estadual.
Não é incomum vermos um paralelo traçado entre o colegiado de 1º grau
da JM e os jurados do Tribunal do Júri, principalmente entre aqueles que não atuam
na corte castrense.
Juízes militares são oficiais de carreira da Polícia Militar sorteados para
integrar Conselhos de Justiça como juízes temporários.
Votam pela condenação ou absolvição do réu, devendo, em princípio,
justificar e fundamentar seu voto em audiência pública, de viva voz, perante o réu,
na sessão de julgamento, mormente quando não acolhe a tese das partes ou o voto
de seus antecessores.
32

O Juiz Militar pode e deve auxiliar o togado na instrução do processo,


efetivamente participando das audiências, muito embora deva formular perguntas a
quem estiver sendo ouvido através do Auditor, tal como ocorre com as partes.
Durante os trabalhos na instrução e julgamento de processos, em
audiência pública, aos membros militares dos Conselhos é dispensada a mesma
forma de tratamento que aos magistrados de carreira.
De outro lado, os jurados do Tribunal do Júri são pessoas leigas que
integram o Conselho de Sentença, sob a presidência de um Juiz de Direito,
respondendo apenas aos quesitos que lhes forem formulados.
Sorteados entre pessoas do povo, dos jurados não se exige formação
profissional específica, ao contrário do que ocorre com os membros dos Conselhos
de Justiça Militar.
Necessariamente, falando de Conselhos de Justiça Militar, todos os seus
membros devem integrar os quadros da Corporação a que pertença o réu (FFAA)
(PPMM) e serem superiores hierárquicos (ou mais antigos) que o acusado.
Aos jurados, portanto, basta a íntima convicção. Aos membros dos
Conselhos de Justiça Militar, é exigida a explicitação do motivo de sua decisão que
deve estar ancorada na lei e na prova dos autos.
Compete aos jurados apenas o julgamento de crimes dolosos contra a
vida, enquanto que os Juízes militares julgam os crimes militares, ou sejam,
tipificados no Código Penal Militar, inclusive aqueles dolosos contra a vida que
ocorram entre militares. Sua competência é bem mais ampla. A decisão do
Conselho de Justiça se submete ao duplo grau de jurisdição, podendo haver reforma
nas questões de direito, e na interpretação das questões de fato, pelo TJM.
Cumpre-nos ainda salientar que nenhuma vantagem pecuniária aufere o
juiz militar por vir integrar os Conselhos de Justiça. Permanece com seus
vencimentos na Polícia Militar, sem qualquer gratificação ou acréscimo.
Ainda quanto aos juízes militares, após a realização do sorteio, da
apresentação e do compromisso, são eles investidos da função jurisdicional, mas
não do cargo. São juízes de fato e não gozam de prerrogativas dos magistrados de
carreira.
Ressalte-se ainda que os militares só podem ser considerados juízes
militares quando reunidos os Conselhos em sessão que, efetiva e legalmente, é o
33

órgão jurisdicional de 1º grau. Muito se diz que a Justiça dos Conselhos é mais
rigorosa. SMJ, Justiça mais ou menos rigorosa não é justiça. Distribuir justiça é dar a
resposta adequada na justa medida que o caso concreto requer, analisando-se as
circunstâncias judiciais do art. 69 do CPM (59 do CP), circunstâncias agravantes e
atenuantes, causas especiais de aumento ou diminuição da pena, excludentes de
antijuridicidade ou culpabilidade.
Ocorre que, na formação do militar, são cultivados diuturnamente valores
que infelizmente deixaram de ser observados na vida em comunidade, dentro do
contexto de maus exemplos em que vivemos.
Os conceitos de dignidade, honradez, disciplina, tratamento cordial
previsto em regulamentos, respeito à hierarquia, respeito aos mais antigos e mais
idosos, dentro dos quartéis, são diferenciados. A exteriorização disto pode ser
visualizado numa simples continência, o cumprimento do militar, impessoal, pouco
importando o relacionamento entre os homens pois, independentemente disto, ela é
devida pelo subordinado ao superior.
Dentro deste conjunto de valores, é de se esperar que, na comunidade
em que vivem, os olhos dos militares sejam mais críticos e menos tolerantes com
situações que, para civis, possam parecer menos graves.
Pelo que já pudemos testemunhar em décadas de convívio com militares,
nos quartéis é cultivado o respeito à lei e só na exceção há condescendência com
aqueles que apresentam desvio de comportamento.
A Justiça Militar – em primeiro grau representada pelos conselhos de
justiça – é, sim, corporativista. Não como se apregoa aos quatro cantos, mas o que
o ocorre é diametralmente oposto.
Os Conselhos não protegem o mau policial e, sim, protegem a
Corporação do mau policial. Os Conselhos de Justiça fazem parte de uma Justiça
Especializada e, dentro deste quadro, eles tratam de homens especiais, submetidos
a regras especiais, e que recebem treinamento especial e armas.
Os Conselhos de Justiça Militar não realizam uma justiça mais severa. Ela
é especial mas, para o civil desacostumado com o que ocorre na caserna, pode
parecer mais rigorosa.
Os integrantes da PMESP que alcançaram o oficialato através do Curso
de Formação de Oficiais têm nível de instrução superior. Aqueles que não fizeram o
34

Curso de Formação de oficiais, com duração de 4 anos, em grande parte das vezes,
também tem formação escolar em nível superior. O Curso de Formação de Oficiais
da Academia da Polícia Militar do Barro Branco, por onde passam a maioria dos
oficias da Corporação, possui extensa grade curricular também voltada para a área
jurídica, perfazendo um total de 1440 horas/aula no campo do Direito e, dentre elas,
480 só na área penal.
Não obstante, qualquer dúvida que surja para o Juiz Militar no julgamento
do feito, de viva-voz poderá ser elucidada com o questionamento endereçado ao
Juiz-Auditor, perante as partes. Somente após os esclarecimentos necessários, será
o Juiz Militar instado a dar seu voto, justificando-o, principalmente se proferi-lo
diferentemente da tese das partes ou dos juízes que o precederam na votação.
O Juiz Auditor sempre é o primeiro a votar, sendo seguido pelos membros
dos Conselhos. Os juízes militares votam na ordem inversa da hierarquia militar, a
fim de que o militar de menor posto ou patente não se deixe influenciar pelo voto do
seu superior hierárquico ou oficial mais antigo. Caso a motivação de seu voto seja
singular, pode o juiz militar declará-lo, formalmente e por escrito, constando isto da
sentença, em separado.
A intenção do legislador, portanto, ao estabelecer uma organização
especial para a Justiça Militar, visou aliar o conhecimento jurídico com o sentimento
e conhecimento prático. Disso resulta um amálgama importante para a realização da
Justiça Militar.
Exceção feita ao interrogatório, acareação, inquirição de testemunhas e
julgamento na sede da Auditoria, os demais atos são procedidos pelo Juiz Auditor,
singularmente, com o acompanhamento das partes.
Os Conselhos de Justiça – Permanente e Especial – são formados por 5
membros, repetimos, e na decisão de um processo todos votam em condições de
igualdade para decidir a sorte dos réus.
A decisão do Conselho consubstancia-se numa sentença subjetivamente
complexa, já que resultante de mais de uma manifestação subjetiva, conforme
ensinamento de Calamandrei.
Destarte, pessoas com diferentes formações e história de vida
compreendem um fato, interpretam-no, bem como à lei, aplicando-os ao caso
concreto.
35

À evidência que o cabedal de conhecimentos de cada um influenciará na


apreciação do fato tratado no processo.
A pergunta que geralmente se faz é: “qual é o resultado que a
compreensão da norma, realizada por mais de uma pessoa, pode trazer a
concretização judicial?”
O Dr. João Barbalho, nos seus Comentários à Constituição Brasileira,
assim se referiu à Justiça Militar: “A infração do dever militar por ninguém pode ser
melhor apreciada do que por militares; eles, mais que os estranhos ao serviço das
armas, sabem compreender a gravidade da situação e as circunstâncias que podem
modificá-la”.
Destarte, a sentença proferida é uma adequação de compressões em que
está presente a prática e o conhecimento jurídico.
Deixa-se ainda consignado que há Justiça Militar nos Estados Unidos, na
Inglaterra, Espanha, Portugal, Alemanha, França, Itália e Áustria, segundo Paulo
Tadeu Rodrigues Rosa, Mestre em Direito Administrativo pela UNESP e especialista
em Direito Administrativo pela UNIP.

7.2. DA COMPETÊNCIA PARA PROCESSO E JULGAMENTO DOS CRIMES


MILITARES DEFINIDOS SOMENTE NO CÓDIGO PENAL MILITAR
COMETIDOS POR CIVIL CONTRA AS INSTITUIÇÕES MILITARES
ESTADUAIS

A restrição da discussão em torno da competência para processar e julgar


o civil que venha a ser agente de delito militar contra as instituições militares
estaduais apenas àqueles tipificados exclusivamente no CPM (art. 9º, inciso I c/c III
do mesmo artigo) tem fundamento no fato de que nos demais casos, há uma
aparente pacificação na doutrina e jurisprudência majoritária que em havendo um
crime militar com igual descrição na lei penal comum, caberá à Justiça Comum
Estadual processar e julgar o agente, é o que depreende-se da leitura de
posicionamentos como de Lenza (2007, p. 542) ao dizer que “[...] se um civil pratica
crime de furto em um quartel da Polícia Militar do Estado, ele será processado e
julgado pela justiça comum e com fundamento no CP e CPP”, muito embora o
argumento de todos os doutrinadores encontrados é de que a transferência para a
36

Justiça Comum é a ausência de competência para julgar os civis por parte da


Justiça Militar Estadual, como se exemplifica pelos trechos abaixo:
c) a Justiça Militar Estadual não tem competência para julgar crimes
praticados por civil, ainda que este atente contra as instituições militares ou contra
militares no exercício de suas funções. [...] Assim ficou nítida a competência
exclusiva da Justiça Militar Estadual para o julgamento de militares, mas jamais de
civis. Estes devem ser julgados pela Justiça Estadual Comum, a teor da Súmula 53
do STJ; (NUCCI, 2008, p. 276-277)
[...] a Justiça Militar Estadual só tem competência para processar e julgar
os militares dos Estados (CF, 125, §4º). Logo, se um civil cometer um crime contra
as instituições militares estaduais (v.g., furto de armamento de um Policial Militar),
deverá ser processado e julgado perante a Justiça Comum Estadual. Nessa Linha,
aliás, dispõe a Súmula n. 53 do STJ [...] (LIMA, 2011, p. 540)
A própria Súmula n. 53 do STJ invocada tão reiteradas vezes pelos
autores supramencionados foi editada após o exame em incidentes de conflito de
competência suscitados entre a Justiça Militar e Comum Estadual do Rio Grande do
Sul e de São Paulo, sendo que em todos os casos a decisão foi pela competência
da Comum sob o único fundamento de que a Justiça Militar Estadual não tinha
competência para o julgamento de civis, não havendo maior aprofundamento,
embora em nenhum dos casos o crime tenha sido descaracterizado de sua natureza
militar.
Pelas razões expostas, não se cuidará aqui dos crimes militares com
idêntica previsão na lei penal comum, mesmo porque não se tem o objetivo de se
esgotar a discussão em torno do tema, mas sim de levantar uma discussão.
Destarte, passa-se então a analisar a situação em que o civil vier a cometer crime
militar tipificado exclusivamente na lei penal militar.

7.3. A COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DOS CRIMES MILITARES


COMETIDOS POR CIVIL CONTRA AS INSTITUIÇÕES MILITARES
ESTADUAIS

Conforme já fora exposto, diante da inexistência de previsão legal para


que a Justiça Militar Estadual possa julgar civis, as decisões do Superior Tribunal de
37

Justiça foram no sentido de que a competência seria então da Justiça Comum


Estadual.
A Constituição Federal ao tratar da Justiça dos Estados, dispõe em seu
art. 125 que estes organizarão sua justiça, respeitados os princípios constitucionais.
Por se mostrar inviável citar aqui as disposições das 27 constituições dos Estados e
as respectivas leis que estruturam seu Poder Judiciário, foram eleitos para subsidiar
a presente análise as legislações oriundas dos Estados de Minas Gerais, São Paulo
e Rio Grande do Sul, por serem os únicos que possuem uma estrutura completa de
Justiça Militar Estadual e por serem os principais irradiadores de doutrina sobre o
Direito Militar no Brasil.
Ao analisar as Constituições dos Estados retromencionados constata-se
que todas são lineares em delegar às leis de organizações judiciárias a definição de
competência dos juízes de direito da Justiça Comum, estes considerados então
competentes pelo STJ para julgar os feitos militares que tenham por sujeito ativo um
agente civil. Colimando as respectivas leis de organização judiciária, constata-se
que há nos casos de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul uma previsão bastante
ampla quanto à competência dos Juízes de Direito, não havendo, contudo, nenhuma
previsão na lei do Estado de São Paulo delimitando a competência do juiz de
primeiro grau em matéria criminal.
Nos termos da lei complementar estadual de Minas Gerais n. 59 (Lei de
Organização Judiciária), em seu art. 55, “Compete ao Juiz de Direito: processar e
julgar: a) crime ou contravenção não atribuídos a outra jurisdição; [...]. Na mesma
esteira a lei estadual n. 7.356 que organiza o Poder Judiciário no Rio Grande do Sul
define em seu art. 73 que aos “Juízes de Direito compete: [...] II - a jurisdição
criminal, em geral, [...].
O principal fundamento para as decisões que culminaram na Súmula 53
do STJ foi de que o fato de o civil ser julgado na Justiça Militar Estadual, segundo a
doutrina, atentaria contra o princípio do juiz natural estatuído pela Constituição
Federal de 1988. Segundo os ensinamentos de Nucci (2008, p. 85) “o Estado, na
persecução penal, deve assegurar às partes, para julgar a causa, a escolha do juiz
previamente designado por lei e de acordo com as normas constitucionais (art. 5º,
III, CF: ‘Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade
competente’)”.
38

Observado o mandamento constitucional, verifica-se que o estado


lacônico que foi criado pela própria Constituição ao deixar de delimitar, ainda que em
linhas gerais, a competência da Justiça Comum Estadual e ao restringir a da Justiça
Militar nos exatos termos do §4º do art. 125, produz uma situação de insegurança
jurídica para as instituições militares, deixando as situações em que estas forem
sujeito passivo de crimes militares ao alvedrio dos tribunais, podendo culminar com
a sua desproteção pela lei penal militar, colocando-as em situação de desequilíbrio
em relação às instituições militares federais, principalmente nos casos em que não
há previsão clara de competência criminal geral. Em um possível processo, poderia
haver questionamento acerca da competência para o processo e julgamento dos
crimes militares praticado por civil pelo juízo comum, diante da omissão da lei,
invocando-se o princípio do juiz natural. Se o princípio do juiz natural implica na
prévia previsão legal de quem será a autoridade competente para julgar o feito, resta
óbvio que a omissão da lei desatende a este princípio.
No entendimento deste autor, a solução mais adequada à espécie, seria a
aplicação das disposições do art. 82 do Código de Processo Penal Militar, in verbis,
em combinação com o prescrito no art. 124 da Constituição:
Art. 82. O foro militar é especial, e, exceto nos crimes dolosos contra a
vida praticados contra civil, a ele estão sujeitos, em tempo de paz:
[...]
§ 1° O fôro militar se estenderá aos militares da reserva, aos reformados
e aos civis, nos crimes contra a segurança nacional ou contra as instituições
militares, como tais definidas em lei. (grifo do autor)
Embora não exista na doutrina sequer cogitação desta medida, esta não
se mostra como impossível sob o ponto de vista constitucional e legal. Basta
considerar, para tanto, que nos termos do art. 124 da Constituição de 1988 a
competência da Justiça Militar no âmbito da União é a de processar e julgar os
crimes militares definidos em lei, não havendo distinção de quais sejam os sujeitos
passivos da infração penal. O mesmo dispositivo constitucional remete à
necessidade da disposição de lei que delimite o poder jurisdicional da Justiça Militar
da União, o que é cumprido pela Lei de Organização Judiciária Militar da União, do
qual se extrai o seguinte:
Art. 27. Compete aos Conselhos:
39

I - Especial de Justiça, processar e julgar oficiais, exceto oficiais-generais,


nos delitos previstos na legislação penal militar;
II - Permanente de Justiça, processar e julgar acusados que não
sejam oficias, nos delitos de que trata o inciso anterior, excetuado o disposto
no art. 6º, inciso I, alínea b, desta Lei. (BRASIL, 1992)
Constata-se, pois, que a própria Constituição Federal não impôs
restrições à tutela das instituições militares estaduais pela Justiça Militar da União,
de modo que as restrições encontradas são de origem doutrinária, como fora citado
anteriormente. A lei que organiza o judiciário militar da União não contempla a
participação de integrantes das instituições militares na composição dos Conselhos
de Justiça, o que no ponto de vista do autor não prejudica, data máxima vênia, o
julgamento dos processos em que estas corporações figurassem no polo passivo,
pois apesar de não ser a ideal, se mostraria como mais coerente do que a
submissão ao juízo comum, dadas as semelhanças entre as instituições.
A despeito de tais argumentos, autores como Assis (2008, p. 52) afirmam
que a solução definitiva para a questão ora debatida seria realmente a instituição de
uma Justiça Militar unificada, nos seguintes termos:
No campo ideal, cremos que deveria haver apenas uma Justiça Militar,
Federal, julgando inclusive os militares estaduais e do DF, auditorias mistas onde
coexistissem os Conselhos de Justiça das Forças Armadas e Auxiliares; com
Tribunais Regionais Militares e o Superior Tribunal Militar como órgão de cúpula. [...]
E complementa indo ao encontro do argumento deste autor de que a
tutela das instituições militares estaduais é possível, sendo a restrição uma questão
de entendimento da lei, ao asseverar que “Essas são ideias. Na situação atual,
continuamos entendendo que cada Justiça Militar, deve tutelar os bens e valores
que são preciosos para as Instituições Militares que lhe dizem respeito [...]” (ASSIS,
2008, p. 52).
Muito embora não seja objeto deste ensaio, não se pode deixar
mencionar uma tendência que torna toda a discussão travada neste artigo, a qual
reputa-se da maior relevância, na verdade, em algo desnecessário, qual seja a da
exclusão do civil do foro militar. Neste sentido, países como Portugal chegaram a
extinguir a justiça militar em tempos de paz, conforme apontado pelo Capitão de Mar
e Guerra português em palestra ministrada durante Congresso no Superior Tribunal
40

Militar no ano de 2011[12] e também em outros países da América Latina, como é


citado por Assis (2004, p. 81) ao citar que “O art.5º do Código Penal Militar
colombiano assevera ainda que ‘em nenhum caso os civis poderão ser investigados
ou julgados pela justiça penal militar’”.
No Brasil , já há julgados do STF no sentido de excluir o civil da jurisdição
militar, mas sob o fundamento de que o delito praticado não constitui crime militar,
como no caso do julgamento de Habeas Corpus n. 106.171, transcrito adiante:
E M E N T A: “HABEAS CORPUS” – CRIME MILITAR EM SENTIDO
IMPRÓPRIO - FALSIFICAÇÃO/USO DE CADERNETA DE INSCRIÇÃO E
REGISTRO (CIR), EMITIDA PELA MARINHA DO BRASIL - LICENÇA DE
NATUREZA CIVIL - CARÁTER ANÔMALO DA JURISDIÇÃO PENAL
MILITAR SOBRE CIVIS EM TEMPO DE PAZ – OFENSA AO POSTULADO
DO JUIZ NATURAL - INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR - PEDIDO
DEFERIDO. A QUESTÃO DA COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA
MILITAR DA UNIÃO E A NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA, PELOS ÓRGÃOS
JUDICIÁRIOS CASTRENSES, DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO
JUIZ NATURAL. – [...] A REGULAÇÃO DO TEMA PERTINENTE À
JUSTIÇA MILITAR NO PLANO DO DIREITO COMPARADO. - Tendência
que se registra, modernamente, em sistemas normativos estrangeiros, no
sentido da extinção (pura e simples) de tribunais militares em tempo de paz
ou, então, da exclusão de civis da jurisdição penal militar: [...] POSTULADO
DO JUIZ NATURAL REPRESENTA GARANTIA CONSTITUCIONAL
INDISPONÍVEL, ASSEGURADA A QUALQUER RÉU, EM SEDE DE
PERSECUÇÃO PENAL, MESMO QUANDO INSTAURADA PERANTE A
JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. [...] (HC 106171, Relator(a): Min. CELSO DE
MELLO, Segunda Turma, julgado em 01/03/2011, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-071 DIVULG 13-04-2011 PUBLIC 14-04-2011)

Resta demonstrado que é fato, inclusive no Brasil, que a extensão da


aplicação da lei penal militar, principalmente no que concerne ao civil, tende a estar
cada vez mais restrita com o passar do tempo. Há de considerar, contudo, que a
situação ainda se encontra no campo da dialética jurídica, sendo objeto de
discussão, principalmente entre as instâncias judiciais militares e o STF, estando
ainda vigentes todas as disposições do Código Penal Militar abordadas neste
trabalho, o que, reitera-se, torna a discussão ainda necessária e pertinente.
Por fim, tem-se por todo o exposto, que persiste ainda o entendimento
doutrinário e jurisprudencial de que não há outra solução para o caso do
cometimento de crime militar por civil contra as instituições militares, ainda que com
previsão exclusiva no CPM, que não seja sua submissão ao foro civil, devendo-se
ressaltar que tal situação não descaracterizará a natureza do crime militar, mas tão
somente implicará no julgamento pela Justiça Comum dos Estados.
41

8. ASPECTOS DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL EM SEGUNDA


INSTÂNCIA

8.1. JUSTIÇA MILITAR E O ESTADO DE SÃO PAULO

Ao elencar os órgãos do Poder Judiciário, o artigo 92 da Constituição


Federal insere, em seu inciso VI , os Tribunais e Juízes Militares. Mais à frente, pela
leitura do artigo 125, § 3º, pode-se inferir que a Justiça Militar Estadual é constituída,
em primeiro grau, pelos Conselhos de Justiça e, em segundo, pelo próprio Tribunal
de Justiça, ou então por Tribunal de Justiça Militar, nos Estados em que o efetivo da
Polícia Militar supere o número de vinte mil integrantes (criação por proposta do
Tribunal de Justiça do respectivo Estado).
Assim, todos os Estados da Federação possuem Juízes Auditores (ou
então Juízes de Direito assim designados), porém o Tribunal de Justiça Militar, hoje,
só existe nos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Quanto à
sua competência, está prevista na própria Constituição Federal, no artigo 125, § 4°,
nas Constituições Estaduais e nas Leis de Organização Judiciária Militar.
Com relação a São Paulo, há que se consignar alguns dados que o
diferencia dos demais Estados da Federação. Principal centro industrial do país, é o
maior pólo de comércio atacadista e de atividades bancárias e financeiras; constitui
o maior mercado consumidor do Brasil, concentrando cerca de 30% de todos os
investimentos privados. São 625 municípios distribuídos ao longo de uma área de
250.000 km², na qual convivem 32,7 milhões de habitantes.
Nesse diapasão, a Justiça Militar do Estado de São Paulo, criada em 08
de janeiro de 1937, pela Lei Estadual nº 2.856, foi sendo reestruturada por
legislações posteriores, até alcançar a forma atual, que abrange Primeira e Segunda
Instância. O primeiro grau é formado pelas Auditorias, e o segundo pelo Tribunal de
Justiça Militar (TJM).
42

8.2. COMPETÊNCIA E CONFLITO

Em razão do princípio do duplo grau de jurisdição, compete ao TJM


apreciar os recursos interpostos das decisões proferidas em primeiro grau pelos
Juízes Auditores ou pelos Conselhos de Justiça.
Além dos recursos interpostos das decisões proferidas pelos Conselhos
de Justiça, compete ao Tribunal de Justiça Militar processar e julgar,
originariamente, o Chefe da Casa Militar e o Comandante-Geral da Polícia Militar,
nos crimes militares definidos em lei, os habeas corpus e os mandados de
segurança, nos processos cujos recursos forem de sua competência ou quando o
coator ou coagido estiverem diretamente sujeitos a sua jurisdição, e as revisões
criminais de seus julgados.
Compete, também, ao Tribunal de Justiça Militar, julgar processo oriundo
do Conselho de Justificação ou representação do Ministério Público referente à
perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças da PM (é de se
ressaltar que um oficial da PM não poderá ser expulso da corporação por ato do
Comandante Geral da Polícia Militar; somente por julgamento do TJM poderá ser
declarado indigno ou incompatível com o cargo que ocupa).
Observe-se, contudo, o entendimento do STF quanto a perda da função
pública quando o militar comete crime impropriamente militar, vejamos:

“AGRAVO REGIMENTAL. POLICIAL MILITAR CONDENADO POR CRIME


COMUM (ART. 297, § 1º, DO CP). PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA.
POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE PROCEDIMENTO
ESPECÍFICO. AGRAVO DESPROVIDO. I – O Tribunal, por meio de
remansosa jurisprudência, firmou o entendimento de que à Justiça Militar
Estadual compete decidir sobre a perda da graduação de praças somente
quando se tratar de crime em que a ela caiba processar e julgar, ou seja,
crimes militares. II – No caso sob exame, o recorrente foi condenado à pena
de dois anos e oito meses de reclusão, pela prática do crime de falsificação
de documento público, previsto no art. 297, § 1º, do Código Penal, sendo a
reprimenda substituída por prestação de serviços à comunidade. Perdeu,
ainda, a função de policial militar. III – Nessas hipóteses, é permitida a
decretação, como efeito secundário da condenação, da perda da função
pública (policial militar), pelo juízo sentenciante, sem a necessidade de
instauração de procedimento específico para esse fim. IV – A garantia
prevista no art. 142, § 3º, VI e VII, da Constituição Federal abrange apenas
os oficias. V - Agravo regimental desprovido” (RE nº 602.280/SC-AgR,
Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de
10/3/11)”.
43

Importante asseverar que, ao Tribunal de Justiça Militar compete, ainda,


dirimir conflito de competência entre as Câmaras e entre as auditorias.
Entretanto, nos Estados em que existe o TJM, se o conflito de
competência surgir entre um juiz auditor e um juiz de direito, caberá ao Superior
Tribunal de Justiça dirimir a controvérsia, pois ambos são magistrados estaduais,
sujeitos a Cortes diferentes. Por outro lado, em não existindo no Estado um Tribunal
de Justiça Militar, caberá ao Tribunal de Justiça do mesmo ente federativo decidir os
conflitos de jurisdição entre os auditores militares estaduais e os juízes de direito –
caso em que aplica-se a Súmula 555 do STF: “É competente o Tribunal de Justiça
para julgar conflito de jurisdição entre Juiz de Direito do Estado e a Justiça Militar
local”.

8.3. PARTICULARIDADES RECURSAIS

Em Segunda Instância, encontramos na Justiça Militar Estadual alguns


recursos, elencados no Decreto-Lei nº 1.002, de 21/10/1969 (Código de Processo
Penal Militar), que possuem os mesmos pressupostos e fundamentos daqueles de
igual denominação, explicitados pelo Código de Processo Penal e de aplicação na
Justiça Comum, tais como os de Apelação, Recurso em Sentido Estrito e Agravos,
de forma que me furto a detalhá-los.
Todavia, há algumas particularidades expressas no Código de Processo
Penal Militar, relacionadas mais especificamente a dois recursos, com aplicação
prática no Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo.
Inicialmente, há que se falar no Recurso Inominado, figura inexistente no
Código de Processo Penal, que tem previsão no art. 146 do Código de Processo
Penal Militar.
Além da exceção de incompetência, que deve ser oposta logo após a
qualificação do acusado, a lei processual penal militar autoriza o órgão do Ministério
Público a alegar incompetência do juízo antes mesmo do oferecimento da denúncia.
Rejeitada a argüição pelo auditor, o Parquet poderá interpor recurso ao
Tribunal. Da mesma forma, rejeitada a argüição da exceção, prevê o CPPM a
existência de um recurso.
44

Para ambas hipóteses, utiliza-se a terminologia “Recurso Inominado”, não


havendo normas sobre seu procedimento, o que acaba gerando divergência sobre o
tema.
Em face da omissão do Código de Processo Penal Militar, seguiu na
mesma esteira o Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo. Encontrando-se
hoje em estudo a inclusão da referida matéria em seu regimento, socorre-se até o
momento do Regimento Interno do Superior Tribunal Militar, cuja utilização
subsidiária está prevista nas Disposições Transitórias do art. 259 do Regimento
Interno do TJMESP.
Segundo o disposto no artigo 116, § 3° do RISTM, o rito para o
processamento do recurso inominado é o mesmo do Recurso em Sentido Estrito. Já
há a previsão, em sentido idêntico, no Regimento Interno do Tribunal de Justiça
Militar de Minas Gerais.
Entendo que deve haver, portanto, juízo de retratação e todos os demais
preceitos estabelecidos para o Recurso em Sentido Estrito, como prazo para
interposição etc.

8.4. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO TJM

Conforme discorrido ao início, o duplo grau de jurisdição adotado em


nosso ordenamento é de ordem pública. As ações originárias nos tribunais e, por
vezes, de instância única, acarretaram discussões sobre a derrogação do princípio
mencionado. A posição que prevalece, entretanto, é a de que não há tal derrogação.
Em verdade, quando, pela relevância da causa, é atribuída a competência
a órgão superior de jurisdição, o que se está conferindo, em tese, é uma maior
segurança ao julgamento, tendo em vista a experiência dos juízes componentes do
tribunal e, principalmente, o fato de que a decisão deve ser proferida por órgão
colegiado. No âmbito do Tribunal de Justiça Militar Estadual, são as hipóteses de
Perda de Graduação de Praça, Conselho de Justificação, Indignidade para o
Oficialato e também as Revisões Criminais.
Por vezes, porém, há competências originárias dos tribunais estaduais em
que há previsão de recurso para tribunais superiores, garantindo-se o acesso ao
45

segundo grau de jurisdição. Podemos citar aqui o Habeas Corpus (sobre o qual
discorreremos brevemente no item seguinte) e o Mandado de Segurança.
Quanto a este último, segue os pressupostos gerais constitucionais e
procedimento dos aplicados em toda a esfera jurídica. Mesmo assim, é figura
prevista inclusive no Regimento Interno do Tribunal de Justiça Militar do Estado de
São Paulo (arts. 103 a 107). Somente o Tribunal de Justiça Militar tem competência
para apreciar os Mandados de Segurança, que terão prioridade sobre todos os
feitos, à exceção dos Habeas Corpus.
Não é por demais lembrar que, com relação aos recursos contra decisões
proferidas pelo Tribunal de Justiça Militar, a competência para julgamento é do
Superior Tribunal de Justiça (bem como será do Supremo Tribunal Federal, quando
envolver reexame de questões de direito constitucional federal).
Por muitas vezes, o endereçamento do recurso é feito erroneamente ao
Superior Tribunal Militar. Porém, não há relação de superioridade entre o TJM e o
STM, este último órgão de segunda instância recursal da Justiça Militar Federal. A
matéria apreciada pelo Superior Tribunal Militar é de cunho federal, e não estadual.

8.5. O HABEAS CORPUS NA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL

Ao contrário do que ocorre na Justiça Comum, no âmbito penal militar não


há a competência dos juízos de primeira instância para apreciar as ações
constitucionais de Habeas Corpus, que devem ser interpostas diretamente no
Tribunal, independente da qualidade da autoridade coatora. Na seara comum, por
exemplo, caso o coator seja o delegado, a competência será do Juiz de Direito. Na
Justiça Militar, mesmo que a autoridade coatora seja o Oficial Presidente do
Inquérito Policial Militar, a competência será do Tribunal.
Assim, o único recurso cabível da denegação do Habeas Corpus na
Justiça Militar é o Recurso Ordinário Constitucional, dirigido ao Superior Tribunal de
Justiça, conforme disposto no Regimento Interno do TJM do Estado de São Paulo.
Concernente às infrações disciplinares, em que pese o disposto no art.
142, § 2° da CF estabelecer que não caberá Habeas Corpus em relação a punições
disciplinares militares, é pacífico na doutrina e jurisprudência que a ordem somente
46

não é admitida quando se tratar de exame do mérito do ato administrativo. Para


verificação a respeito da legalidade do ato, é cabível a ação constitucional.
Finalmente, a jurisprudência pátria tem se pronunciado no sentido da
impossibilidade de revisão pelo remédio constitucional do Habeas Corpus de sanção
que redundou em perda de graduação imposta pelo Tribunal, tendo em vista estar
ausente a violação ao direito de locomoção.

8.6. REVISÃO CRIMINAL E JUSTIFICAÇÃO

No que tange à revisão criminal, o Código de Processo Penal Militar adota


a mesma figura existente na Justiça Comum, ou seja, mesmo cabimento,
procedimento e efeitos. A única ressalva que se faz necessária está na
competência, pois o processamento e julgamento das revisões dos processos findos
na Justiça Militar caberá ao Superior Tribunal de Justiça, e não ao Superior Tribunal
Militar, como preconiza o Código de Processo Penal Militar, conforme já exposto
mais acima.
Uma vez que a lei estipula que novas provas podem dar ensejo à revisão
criminal, uma das vias naturais para a sua produção é a justificação de provas. Com
previsão apenas nas normas processuais civis, por sua natureza tem aplicabilidade
analógica na legislação castrense (com base no artigo 3º, alínea “e” do CPPM).
Hoje, admite-se a justificação com relação à matéria penal e processual penal
militar, sendo processada perante o juízo da condenação, porque não implica
decisão de mérito; bem como matéria administrativa, quando esta destinar-se ao
Conselho de Justificação.

9. AÇÃO PENAL MILITAR

A preservação da integridade física e patrimonial segundo o art. 144 da


Constituição Federal é uma atribuição do Estado, que deve contar com a
participação de todas as pessoas que residem no território brasileiro. A prática de
um ilícito penal, comum ou militar, faz nascer para o Estado-administração o jus
47

puniendi, que será representando por uma ação penal a ser proposta perante a
autoridade judiciária competente, juiz ou Tribunal, o que se denomina de juiz natural.
A Justiça Militar possui previsão expressa na Constituição Federal e
competência para processar e julgar os crimes militares, próprios ou impróprios,
previstos no Código Penal Militar e nas Leis Militares Especiais. Segundo a doutrina
com fundamento na Constituição Federal, a Justiça Militar divide-se em Justiça
Militar Federal e Justiça Militar Estadual. A primeira possui competência para
processar e julgar os integrantes das Forças Armadas e os civis, enquanto que a
segunda possui competência exclusiva para processar e julgar os policiais militares
e bombeiros militares.
Segundo alguns estudiosos, o funcionamento da Justiça Militar pode ser
justificado em tempo de guerra, na exata medida que o exija a necessidade, mas de
maneira alguma deve ser admitido em tempo de paz, quando não existe
necessidade de subtrair ao Poder Judiciário comum o julgamento de fatos que, hoje,
estão afetos a tribunais militares. Esse entendimento encontra-se divorciado das
disposições constitucionais e processuais que se aplicam à espécie. A
especialização da Justiça Militar se faz necessária em decorrência das missões
realizadas pelas Forças Armadas e Forças Auxiliares, que têm por objetivo a
preservação da segurança pública e nacional.
Os crimes capitulados no Código Penal Militar estão em sua maioria
relacionados com os princípios de hierarquia e disciplina, que são próprios da vida
em caserna, que exigem conhecimento da estrutura e funcionamento das
Organizações Militares. Na sua grande maioria, as Faculdades de Direito nem
mesmo possuem uma Cadeira de Direito Militar e Processual Militar, o que
demonstra a falta de interesse e conhecimento deste ramo especializado do Direito.
Atualmente, com fundamento no art. 125, § 4 º, da Constituição Federal, a
Justiça Militar Estadual não possui competência para processar e julgar os civis que
tenham praticado em tese um crime militar capitulado no CPM ou nas Leis Militares.
Com relação a Justiça Militar Federal não existe nenhum dispositivo constitucional
impedindo o julgamento de civis acusados da pratica em tese de um crime militar, o
que afasta qualquer alegação de inconstitucionalidade por falta de expressa
vedação neste sentido.
48

Além disso, por força do texto constitucional, os acusado da pratica de


crimes capitulados na Lei de Segurança Nacional atualmente são processados e
julgados perante a Justiça Federal e não mais pelos Conselhos de Justiça, órgão de
1 ª instância da Justiça Militar, com sede na auditoria militar.

10. MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR

O art. 129 da Constituição Federal estabelece que somente o Ministério


Público possui competência para propor uma ação penal, o que afasta a
possibilidade de qualquer outra autoridade, judiciária ou policial, iniciar o processo-
crime por meio de uma ação. O dispositivo constitucional possui aplicação em todas
as áreas do direito, sob pena de nulidade de todos os atos processuais.
Na Justiça Militar, a ação penal militar é de competência exclusiva do
Ministério Público Militar em atendimento ao disposto nas Leis Militares e a
Constituição Federal.
A Justiça Militar Federal possui um órgão próprio do Ministério Público, ou
seja, existe uma carreira do Ministério Público Militar, que é constituído pelo
promotor de justiça militar e o procurador de justiça militar. O chefe do Ministério
Público Militar é o Procurador Geral do Ministério Público Militar que é escolhido pelo
Procurador Geral da República.
O art. 128, inciso I, c, da Constituição Federal, dispõe que, “O Ministério
Público abrange: I– O Ministério Público da União, que compreende : c) o Ministério
Público Militar”.
Nos Estados-membros da Federação, o Ministério Público não possui um
órgão especializado, Ministério Público Militar Estadual. Os promotores que atuam
na Justiça Militar Estadual como ocorre no Estado de São Paulo pertencem à
carreira do MP Estadual, e são designados para atuarem junto a Corte Castrense.
Os procuradores de justiça que atuam junto aos Tribunais Militares, TJM/SP,
TJM/MG e TJM/RS, também pertencem à carreira do MP Estadual.
Os promotores e procuradores que integram o Ministério Público Federal
e aqueles que atuam junto a Justiça Militar Estadual possuem as mesmas garantias
que são asseguradas aos integrantes do Ministério Público da União (MPU),
49

LOMPU, e Ministério Público dos Estados-membros da Federação, LOMP, que são,


a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos.

11. ESPÉCIES DE AÇÃO PENAL MILITAR

A ação penal com fundamento no Código Penal pode ser pública ou


privada. A ação penal pública divide-se em ação penal incondicionada ou
condicionada a representação ou requisição do Ministro da Justiça. A ação penal
privada tem como titular o ofendido ou o seu representante legal e divide-se em
ação penal privada propriamente dita, ação privada personalíssima e ação penal
privada subsidiária da pública.
No campo do direito penal, nem todos os bens jurídicos são relevantes e
o Estado respeita os bens que dizem respeito exclusivo aos interesses da vítima,
como ocorre com o direito e a liberdade sexual e a honra, entre outros. No direito
militar, em decorrência da relevância do bem jurídico tutelado, a administração
pública militar, a hierarquia e a disciplina, a ação penal é exclusivamente pública.
Em regra, a ação penal militar é pública incondicionada.
O Código Penal Militar prevê também a possibilidade da ação penal
pública condicionada que dependerá de requisição dos Ministros Militares,
atualmente, Ministro da Defesa, ou do Ministro da Justiça nos casos expressamente
estabelecidos.
O sujeito passivo de todos os crimes militares é o Estado representado
pela Administração Pública Militar, Feral ou Estadual, que está sujeita aos princípios
enumerados no art. 37, caput, da CF. A vítima também é sujeito passivo, mas
mediato, e tem como representante de seus interesses o Ministério Público Militar,
Federal ou Estadual.

11.1. AÇÃO PENAL PRIVADA SUBSIDIÁRIA DA PÚBLICA

A ação penal segundo a Constituição Federal tem como titular o Ministério


Público, o que afastou a possibilidade de um magistrado ou um delegado de polícia
50

iniciarem um processo-crime, como ocorria com as infrações de trânsito antes do


advento da nova Carta.
O Estado é o sujeito passivo dos crimes praticados contra o administrado,
mas este também possui interesse na busca da punição do acusado, devendo
inclusive evitar a ocorrência da prescrição, uma vez que o sistema não mais admite
a Justiça privada, a aplicação do Código de Hamurab.
O Código Penal militar estabelece que a ação penal militar a ser exercida
pelo Ministério Público Militar é pública, o que afasta em tese a possibilidade de
cabimento de uma ação penal privada, uma vez que o sujeito passivo dos crimes
militares é a administração pública militar.
O artigo 5 º, inciso LIX, da CF, prevê a possibilidade da ação penal
privada subsidiária da pública, e não faz nenhuma distinção entre direito penal
comum ou especial (militar). Se o Ministério Público não oferecer a ação no prazo
estabelecido em lei, o particular, ofendido, poderá fazê-lo por meio de seu
procurador.
A norma constitucional possui eficácia plena, ou seja, não depende de
regulamentação, e nesse aspecto modificou o Código Penal e Código de Processo
Penal Militar, afastando a exclusividade da ação penal militar do Ministério Público
no caso de inércia.
No caso de um homicídio onde os envolvidos, autor e réu, sejam militares,
se o Ministério Público não propuser a ação penal no prazo estabelecido em lei, à
família da vítima poderá constituir um advogado para que este proceda ao
oferecimento de uma ação penal privada representada por uma queixa-crime.
Neste caso, o Ministério Público não perde a titularidade da ação penal,
em atendimento ao disposto na CF, e poderá a qualquer momento com fundamento
nas normas processuais, aditar ou retomar a ação penal.
A possibilidade estabelecida pela Constituição Federal tem por objetivo
permitir uma efetividade a ação penal, que também é de interesse da vítima que
pode inclusive buscar a Justiça para o recebimento de uma indenização por danos
morais e materiais.
A Justiça Militar é uma justiça especializada, mas a ação penal militar está
sujeita aos princípios estabelecidos pelo texto constitucional, que busca permitir a
vítima o acompanhamento do processo.
51

12. DA EXECUÇÃO DA PENA NA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL

No Código Penal Militar, as penas privativas de liberdade não são


executadas em forma progressiva, porque não existem os regimes fechado, semi-
aberto e aberto.
A pena, pelo Código, se de até dois anos de detenção ou de reclusão, é
convertida em prisão e cumprida pelo Oficial em recinto de estabelecimento militar
(quartel) e pela praça, em estabelecimento penal militar (prisão militar) – Art. 59, I e
II, do CPM. Se superior a dois anos, a pena de detenção ou reclusão é cumprida
pela praça ou oficial em penitenciária militar e, na falta dessa, em estabelecimento
prisional civil, ficando o militar sujeito ao regime conforme a legislação penal comum,
de cujos benefícios e concessões, também, poderá gozar (Art. 61 do CPM).
A execução da pena compete ao auditor da Auditoria por onde correu o
processo (Art. 588 do CPPM).
A suspensão condicional da execução da pena (sursis) e o livramento
condicional são os benefícios previstos no Código Penal Militar (Art. 84 e Art.89, do
CPM). O Código de Processo Penal Militar, em seus artigos 643 e 650, disciplina o
indulto, a comutação e a anistia, que são benefícios estabelecidos na Constituição
Federal.(Artigo 84, XII, Artigo 48, VIII e Artigo 5º, XLIII, da CF).
No Estado de São Paulo foi criado por lei o Presídio Militar “Romão
Gomes” que, por ter características de penitenciária militar e de estabelecimento
militar (quartel), destina-se ao internamento dos militares, oficiais e praças, qualquer
que seja a pena (Artigo 92 da Lei número 5.048, de 22 de dezembro de 1958).
Na Justiça Militar do Estado de São Paulo, em face da existência de
Presídio Militar e do elevado número de presos, foi criado pela Lei número 333, de 8
de julho de 1974, um cargo de Juiz Auditor para as execuções criminais das penas
impostas aos militares estaduais. Por isso, as Auditorias não mais executam penas,
mas sim: expedem carta de guia para o Juízo das Execuções.
Embora o cargo de Juiz tenha sido criado em 1974, o Cartório Judicial de
execuções criminais só foi criado em 5 de março de 1993, pela Lei número 8.237.
O Regimento Interno do Tribunal de Justiça Militar do Estado, em seu Art.
256, determina que “A execução penal das decisões judiciais obedecerá ao disposto
na legislação castrense e na Lei de Execução Penal, no que couber”.
52

Acredita-se que o fundamento para a aplicação da Lei de Execução Penal


– Lei número 7.210, de 11 de julho de 1984 - seja o emprego da analogia in bonam
partem, porque, pela redação do Parágrafo único do seu Artigo 2º, ficou claro que o
legislador não teve a vontade de abranger os presos militares recolhidos em
estabelecimento sujeito à jurisdição militar. Trata-se, pois, da regulação da execução
da pena no Presídio Militar pela lei feita para regular a pena em estabelecimento
penal civil, em razão da inexistência de norma castrense e da semelhança fática,
com supedâneo no Artigos 12 e 40, do Código Penal.
O Juiz das execuções criminais é o responsável pela correição e
regulamentação do Presídio Militar (Artigo 93 da Lei número 5.048, de 22 de
dezembro de 1958).
Os militares condenados pela Justiça comum também cumprem pena no
Presídio Militar “Romão Gomes”. Nesses casos, compete ao Juiz Auditor executar as
penas, para isso a Justiça comum encaminha-lhe as guias de recolhimento.
A Aplicação da Lei de Execução penal possibilita conceder aos
condenados pela prática de crime militar remição de pena pelo trabalho, saídas
temporárias, saídas para trabalho externo e o cumprimento da pena nos regimes
fechado, semi-aberto e aberto, dependendo da situação.
Isto dá a eles os mesmos direitos dos indivíduos condenados pela Justiça
comum e facilita a execução das penas, principalmente quando o Juiz das
execuções criminais tem que unificar ou somar penas de jurisdições distintas (da
Justiça comum e da Justiça Militar).
Ademais, evita a ocorrência de situações injustas e de tratamentos
diversos para penas semelhantes. Como, por exemplo, o cumprimento da pena do
crime militar em um único regime, o de internação, independentemente da quantia
(um ano, dois anos, dez anos etc.), enquanto a pena do crime comum pode ser
cumprida até em regime aberto, dependendo da situação.
Nas sentenças condenatórias da Justiça Militar do Estado, o regime inicial
de cumprimento da pena é estabelecido nos termos do Art. 33 e §§, do Código
Penal.
Apesar da tentativa de dar o mesmo tratamento para fatos equivalentes,
ainda existem algumas situações semelhantes que por força de lei recebem
tratamentos distintos. Algumas vezes mais rigorosos para os condenados pela
53

prática de crime militar, como no caso do livramento condicional, em que a lei penal
militar exige pelo menos o cumprimento de mais da metade da pena para o
sentenciado primário e de mais de dois terços ao reincidente (Art. 89 CPM) – no CP
é um terço e metade, respectivamente (Art. 83); e outras vezes mais brandos para
eles, como nos crimes militares que correspondem às hipóteses definidas na Lei
número 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, com
direito à progressão de regime e livramento condicional após o cumprimento de
metade da pena, enquanto a pena do crime hediondo é cumprida integralmente em
regime fechado (Art. 2º, § 1º) e o livramento condicional somente é obtido após o
cumprimento de dois terços da pena (Art. 83, V, do CP).
Sabe-se que a lei dos crimes hediondos ignora os crimes militares. Aliás,
a aplicação desta lei cria dificuldades na execução da pena, principalmente quando
o sentenciado tem de cumprir pena de crime hediondo mais pena de crime não
hediondo. A lei de execução penal manda unificar ou somar as penas (Art. 63, III, “a”
e Art. 111, Pará- grafo único), mas nem sempre isto é possível. A dificuldade
aumenta quando é necessário verificar a data em que o condenado passa a ter
direito ao livramento condicional. O preso tem de cumprir mais de dois terços da
pena do crime hediondo e mais de um terço da pena do outro crime, entretanto, em
tese, esta última pena só pode ser executada após o término da mais grave
(Inteligência dos artigos 75, § 2º e 76 do CP). A observância rigorosa desta regra
anularia o benefício para o crime hediondo, o que não é justo e nem é a melhor
solução.
Das decisões proferidas pelo Juiz das Execuções Criminais da Justiça
Militar cabe recurso de agravo, sem efeito suspensivo, ao Egrégio Tribunal de
Justiça Militar do Estado (Art. 197, da Lei de Execução Penal). Os Artigos 147 a 154
do Regimento Interno do Tribunal disciplinam como deve ser instruído, processado e
julgado o recurso. Em síntese, o recurso segue o rito do recurso em sentido estrito.
Concluindo, a execução da pena na Justiça Militar do Estado de São
Paulo é feita pelas mesmas regras que disciplinam a execução da pena na Justiça
comum, que é a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2002.
LOBÃO, Célio. Direito penal militar. Direito penal especial. Direito penal comum.
Direito processual especial. In: Direito militar: história e doutrina – artigos inéditos.
Florianópolis: AMAJME, 2002.
GIORDANI, Mario Curtis. Direito penal romano. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997.
LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito penal militar. São Paulo: Atlas, 1999, p. 19.
NEVES, Cícero Robson Coimbra. STREIFINGER, Marcello. Manual de direito penal
militar. 3 ed. – São Paulo: Saraiva, 2013.
ROTH, Ronaldo João. Justiça Militar e as peculiaridades do juiz militar na atuação
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_____. Tema de direito militar. São Paulo: Suprema Cultura, 2004.
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São Paulo: Malheiros, 2009.
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo:
Saraiva, 2000.
http://jus.com.br/artigos/30226/a-aplicacao-do-principio-da-insignificancia-em-crimes-
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http://jus.com.br/artigos/22380/crimes-militares-praticados-por-civil-contra-as-
instituicoes-militares-estaduais/2
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Escola_Superior/Biblioteca/
Cadernos_Tematicos/direito_penal_militar_e_processual_militar_penal.pdf

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