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SEXUALIDADE E IDENTIDADE

Michaela Glöckler
Tradução: Sonia Setzer

Transgêneros e assexualidade
Entre crianças e jovens da atualidade cresce o desejo de não aceitar o
gênero inato de menina ou menino, mas de tornar o Leonardo uma
Eleonora ou o Fábio uma Fabiana. Quando isso acontece, é importante que
o meio circundante se mantenha calmo e os pais e a escola considerem isso
como um acontecimento da natureza do qual ainda não se sabe quanto
tempo vai durar, ou se isso se tornará um estado normal. Quanto mais
tempo for possível manter a calma, tanto maior é a chance que depois de
alguns anos o jovem reveja sua decisão. Quanto maior for a oposição, tanto
mais forte será a reação de manter-se a todo custo nessa decisão. No
jardim de infância geralmente trata-se apenas de imitação. Desejos de ser
menina ou menino manifestados antes da puberdade, mostram quão
elevada é a vivência de identidade dessas crianças e jovens em se tornarem
homens ou mulheres. Se este for o caso, temos de dar nosso apoio. Quanto
mais natural for esse apoio, tanto mais relaxada/o a criança ou o jovem
pode prosseguir em seu caminho até que, por volta dos 18 anos, possa
realizar a decisão de transformação de gênero por meio de hormônios e,
desde que possível, também cirúrgica. Ao lado dessa forma de vida é
crescente também a outra, que diante disso parece ser assexual. Também
aqui há um aumento de crianças e jovens para os quais o amor carnal
praticamente não tem importância. Eles têm amizades profundas com
pessoas de ambos os gêneros, mas permanecem apenas na ligação
anímica, sem que instintos corporais, ‘os hormônios’, possam exercer sua
influência. Essa amplitude do espectro de como lidar com a própria
sexualidade mostra que, quanto mais liberdade se der aos seres humanos
para se desenvolverem como lhes aprouver, também esse campo ocupa o
seu lugar nesse acontecimento evolutivo, e as regras sociais perdem força.
Na pedagogia Waldorf vale apenas uma coisa: como posso ajudar o
indivíduo a realmente encontrar-se a si mesmo, de acordo com o destino
dessa pessoa, e ajudar para que o mínimo possível de influências do
ambiente possam interferir.

Sobre a homossexualidade
No reino animal, cerca de 10% dos mamíferos superiores são
homossexuais. No contexto da manutenção das espécies essa forma de vida
exerce um fator regulador. Nos seres humanos, nem de longe a proporção é
conhecida, pois em muitas etnias essa forma de vida é reprimida e
socialmente não é aceita. No entanto, o fato de hoje se permitir a qualquer
pessoa a liberdade de escolher a orientação sexual que sinta ser coerente
para si, e de que forma e com quem deseja conviver, já é um enorme
progresso. Que filhos de casais homossexuais femininos ou masculinos
crescem muitíssimo bem é tão evidente quanto o fato de crianças de casais
heterossexuais poderem ter um lar muito problemático. O importante é
considerar sempre as condições individuais das crianças e dos adultos
quando se quer ser justo ou se é solicitado a colaborar com apoio. Por isso
é importante que na escola não se esconda essa forma de vida – quando,
por exemplo, ela está relacionada com um cientista ou artista que está
sendo tratado em aula –, e se encontrem palavras respeitosas e de
reconhecimento para esse fato. O que une duas pessoas somente pode ser
sentido adequadamente por elas e, de toda forma, escapa a qualquer
julgamento vindo de fora.
O erotismo e o desejo homossexual na puberdade surge como tendência
passageira em quase todos os rapazes e moças, até que se manifeste a
orientação sexual definitiva no sentido de homo- ou heterossexualidade.
Somente depois dessa fase transitória evidencia-se em quem persiste a
tendência homossexual. Para essas pessoas ela se torna o ‘estado normal’.
Do ponto de vista do diagnóstico evolutivo pode-se dizer, todavia, que
constitucionalmente elas não amadureceram plenamente e durante toda a
vida conservam algo juvenil. Isso vai de encontro ao fato de a orientação
sexual de uma pessoa poder modificar-se no decorrer da vida. Nesses casos
a ambivalência da juventude mantém-se latente. Não existe apenas a
situação de uma pessoa com disposição para a homossexualidade mais
tarde assumir uma ligação heterossexual e fundar uma família, mas
também o oposto. Depois de um casamento de 10 ou 15 anos com um ou
mais filhos, ocorre a separação e mais tarde um dos dois parceiros passa a
viver um relacionamento homossexual – ou este já foi uma das causas que
contribuiu para a separação. Vista assim, a homossexualidade também
pode ser considerada uma forma de vida adolescente persistente.

O ego e o parceiro
Independente de como se vive o amor corpóreo, trata-se de um ato de
identificação com o outro, cuja vivência é tanto mais intensa quanto mais os
parceiros tenham também uma proximidade anímica e espiritual, sentindo-
se ‘unidos’. Um trauma ocorre nas vivências de separação, quando um dos
níveis de vivência da comunhão se esfacela, e com junto com ele, a
comunhão com o parceiro ou parceira.
Portanto, nas crises matrimoniais, no aconselhamento de casais ou em
conversas sobre uma separação o mais amigável possível, ou no caso de
um divórcio, a questão central refere-se à própria identidade. Afinal, o que
torna tão dolorosa a separação imaginada ou concreta do outro, se
realmente se amou a outra pessoa? É o fato de se ter identificado
demasiado com ela.
A vivência da própria identidade junto ao outro e por meio do outro faz com
que uma quebra do relacionamento pode assemelhar-se a uma perda de
identidade, ao menos passageira. Se este for o caso, isso é catastrófico
para a pessoa em questão. Por mais que se possa lamentar a quebra de um
relacionamento e a perda, e durante anos a fio continuar magoado por isso,
não existe melhor remédio para aprender a considerar de modo
diferenciado a questão da identidade, em sua mistura perigosa com amor
próprio e amor a uma outra pessoa, do que sendo consequência de uma
separação elaborada conscientemente. Quando em uma sessão de
aconselhamento uma pessoa conta que a vida sem o outro não tem mais
sentido, que ela se sente como se estivesse oca e vazia, que o mundo lhe
parece totalmente cinza, ou que repetidamente ela tem uma terrível raiva
do outro, até mesmo ódio e ira, então não se pode afirmar com certeza:
“Tudo isso são sinais do seu amor próprio, não é a falta do outro que você
está sentindo dessa maneira, mas é a perda de seu próprio sentimento mais
elevado de si mesmo que você vivenciava junto ao outro e que agora o
deixa tão raivoso e desesperado. Você projetou nele a si mesmo e suas
necessidades, de modo que agora, quando ele se separa de você –
aparentemente ou realmente –, você vivencia isso como um estado de vazio
interior, como perda de si mesmo.” De início tal verdade é totalmente
indigesta. Em geral, torna-se necessário um processo de acompanhamento
e conversas mais longo, até a pessoa em questão reconhecer isso por si
mesma e conseguir fechar a ferida com a mesma arma que a abriu, nas
palavras do Parsifal de Richard Wagner, ou seja: com a força do próprio Eu.

Como lidar com a pornografia


A pornografia, que antigamente era comercializada nas livrarias atrás do
balcão, e de resto, somente era divulgada por meio de revistas
‘especializadas’, nesse meio tempo tornou-se onipresente devido à Internet
e, para muitos jovens do sexo masculino, faz parte de sua vida normal. O
estudo significativo “Dr. Sommer Studie 2009 – Liebe! Körper!
Sexualität!” [em tradução livre: Pesquisa do Dr. Sommer 2009 – Amor!
Corpo! Sexualidade!]1 confirma isso. 35% dos meninos de 11 a 12 anos já
tinham visto apresentações pornográficas; entre os de 13 a 17 anos eram
74%. 35% dos rapazes confessam o consumo eventual de pornografia, 8%
o fazem regularmente. No caso das meninas, apenas 1% das que foram
questionadas responderam verem regularmente conteúdos pornográficos.
Os números são semelhantes quando se trata de assistir filmes eróticos ou
pornográficos. Enquanto até os 18 ou 19 anos os rapazes têm muitas
experiências com, ou no mundo da pornografia, em geral as meninas
sentem repulsa diante de apresentações pornográficas. Elas sente asco,
medo e vergonha.2 Vários estudos mostram o efeito deletério do consumo
frequente de pornografia entre jovens. Como principal problema evidencia-

1 h#ps://www.bauermedia.com/en/newsrooms/archiv-ger/ar8cle/bravo-praesen8ert-die-dr-sommer-
studie-2009-liebe-koerper-sexualitaet/controller/2009/5/12/ Acessado em 22/4/2020.

2 Ver Freitag, T. „Internet-Pornografiekonsum bei Jugendlichen - Risiken und


Nebenwirkungen“ (indicaremos entre colchetes a tradução livre dos Stulos citados inéditos em
português: [Consumo de pornografia na Internet de jovens – riscos e efeitos colaterais]). In: Möller, C.
(Ed.). Internet- und Computersucht. Ein Praxishandbuch für Therapeuten, Pädagogen und Eltern
[Dependência de Internet e computadores. Um manual prá8co para terapeutas, pedagogos e pais].
Stu#gart: Kohlhammer, 2015, p. 175; Ma#hiesen, S. “Jungen und Pornografie“ [Meninos e pornografia].
In: Bundeszentrale für gesundheitliche Aujlärung (BZgA) [Centro federal para o esclarecimento sexual
sadio]. Ed.:FORUM. SexualauElärung und Familienplanung [Forum. Esclarecimento sexual e
planejamento familiar]. 1/2013.
se que os conteúdos pornográficos são considerados reais, que
desvalorizam a própria relação sexual e assim a atratividade da parceira, e
aumentam a insatisfação com a própria sexualidade. Esse último aspecto
faz com que haja a tendência a desenvolver uma postura de rejeição para
formar uma família e ter filhos. É igualmente conhecido pela comunicação
por meio das redes sociais que isso não pode ter a ver com o cultivo de
verdadeiras relações humanas. O sexo na Internet mostra claramente que o
parceiro virtual é reduzido a mero objeto para satisfazer os próprios
instintos. Isso não apenas seduz crianças e jovens para considerar o
próximo um mero objeto, mas também apresentar-se a si mesmo como
objeto. Também as meninas estão aderindo cada vez mais ao ‘sexting’, a
apresentação de fotografias eróticas de si mesmas, muitas vezes com
consequências drásticas para as meninas em questão. “Chatroulette” foi a
primeira sala de bate-papo onde se apresentam os mais diversos parceiros
virtuais – nesse meio tempo há uma grande multiplicidade e possibilidade
de ali se movimentar eroticamente sem impedimentos.
A pedagogia Waldorf tenta combater esses dois sentimentos sugestivos de
‘emoção pelo poder e erotismo’ principalmente por meio de atividades
artísticas, uma rica oferta na formação e conversas sobre o tema; esse é
um importante ponto na ‘educação na puberdade’ à qual Steiner dedicou
várias palestras.3
A influência da pornografia na vida dos sentimentos em desenvolvimento,
não é apenas um ataque brutal à integridade do espaço anímico interior das
crianças e jovens, mas impede igualmente o desenvolvimento de empatia e
capacidade social. Pois estas sempre se referem ao ser humano e não à sua
identidade sexual. Quem identifica o próximo de acordo com a cor de sua
pele, seu nível econômico, ou por pertencer a determinada família ou
profissão, ou seu gênero, não vai ter um verdadeiro encontro, mas encontra
um simulacro.

Perversões sexuais
Atualmente há um consenso na sexologia clínica4 de que não existe uma
descrição que defina padrões de comportamento sexual que poderiam ser
classificados como perversos ou não perversos. Do contrário, hoje vivencia-
se e se considera perversa toda ação sexual efetuada no parceiro sem que
este a deseje. Isso já começa com um toque carinhoso ou um beijo que o
outro não consegue retribuir e que o importunem. E termina com os mais
terríveis cenários de abuso, até o assassinato com estupro.
Resta a pergunta: por que faz parte da natureza da sexualidade que esses
abismos de má conduta humana e exercício desenfreado de poder sobre

3Steiner, R. “Erziehungsfragen im Reifealter. Zur künstlerischen Gestaltung des Unterrichts“ [Questões


pedagógicas na puberdade. Sobre a estruturação arSs8ca do ensino]. In: Erziehung und Unterricht aus
Menschenerkenntnis [Educação e ensino a par8r do conhecimento do ser humano] (GA 302a). 4. ed.
Dornach: Rudolf Steiner Verlag, 1993.

4 Hertos, p. Klinische Sexologie [Sexologia clínica]. Colônia: Deutscher Ärzte-Verlag, 1989.


outros podem surgir com ela. Rudolf Steiner ainda acrescenta a essas
perversões o nacionalismo e o ódio aos ‘estrangeiros’, os ‘outros’ associados
a eles. Pois o corpo astral ligado à corporalidade atua nas cobiças e
impulsos vinculados à constituição corpórea e étnica, e aos laços de sangue
decorrentes dela. No âmbito anímico o corpo astral vive na tensão
polarizada entre simpatia e antipatia. Ele é o portador da vida das
sensações e dos sentimentos, que está parcialmente ligada ao corpo e em
parte está livre do corpo. No corpo físico humano ele dá origem ao
movimento, à atração e repulsa, tensão e relaxamento. Quando suas forças
são excessivas, ele pode anular a condução exercida pelo Eu, se esta não
pôde desenvolver competência própria por meio da educação e da vida.
Então a pessoa é capaz de reagir ao que no entorno em questão a estimula
ou impele. Quanto menor for a segurança na identidade no âmbito
espiritual, tanto maiores serão os anseios por proteção e estabilidade no
âmbito anímico-corpóreo. A necessidade de proteção no grupo, o desejo de
ser reconhecido ou o medo de ser excluído podem ser a mola propulsora
para comportamentos destrutivos. No nacionalismo e fanatismo revela-se
uma identidade substituta coletiva que assume o lugar da identidade
pessoal fraca ou inexistente. De modo que qualquer forma de constituição
de grupos baseada em ideologia traz o risco da perda de personalidade e
identidade, e estimula a manifestação de instintos sexuais e a violência
deles resultante. A violência dá suporte à perda da individualidade e, no
lugar do Eu individual, surge a dependência e estar à mercê de outros.
Muitas vezes, quando reencontramos pessoas na situação de execução de
uma pena, sendo que antes ficávamos normalmente sentados lado a lado,
não imaginamos, em absoluto, que elas assassinaram, abusaram de outros
ou praticaram atos semelhantes. Frequentemente elas parecem ser dóceis,
sentimentais e impregnados de autocompaixão. Pretensões infantis em
relação à vida e medo diante de si mesmas contrapõem-se de modo crasso
à maneira brutal como se apresentam diante de suas vítimas. O antigo dito:
“Quando os deuses abandonam o templo imperam os fantasmas” também
vale para o corpo humano: quando o Eu se retrai ou não consegue
encarnar-se corretamente, outras potências assumem o seu lugar.
Pensamentos, sentimentos e motivações constituem realidades, quer
concordemos ou não. O mundo espiritual penetra com suas forças e
essência na alma humana, ela própria o palco do desenvolvimento do
espírito humano, ou, como o jovem Schiller5 faz Karl Moor dizer no drama
Os Bandoleiros: “Eu mesmo sou meu céu e meu inferno.” Ele reconhece que
depende dele mesmo e da atividade do seu Eu em que âmbito anímico ou
espiritual ele se move. “Sê como queiras, ó além inominado, desde que
minha identidade própria mantenha-se fiel a mim! Sê como queiras, desde
que eu leve apenas a mim ao além! Coisas exteriores são meramente a cor
do espírito – eu mesmo sou meu céu e meu inferno!”6 (Tradução livre.)

5 Friedrich Schiller, 1759-1805, poeta, filósofo, médico alemão.

6 Schiller, F. Os Bandoleiros. Porto Alegre: L&PM, 2001.


Questões do destino
Quando se inclui o pensamento da reencarnação nesse tema, abrem-se
ainda outras perspectivas. Da pesquisa de Rudolf Steiner em relação ao
tema resulta que normalmente ocorre uma alternância de encarnações
masculina e feminina. Naturalmente também nesse aspecto sempre
ocorrem exceções, igualmente quanto à frequência de reencarnações.
Basicamente vale a regra que nos reencarnamos quando as condições
históricas tenham mudado o suficiente para que possamos aprender coisas
totalmente novas. No período do materialismo, porém, muitas pessoas não
conseguem assumir qualquer conhecimento sobre sua própria identidade
espiritual depois da morte, motivo pelo qual passam quase que dormindo o
período pós-morte. Em vida elas não conseguiram elaborar uma
autoconsciência própria.7 Por isso mesmo, segundo Steiner, elas têm um
grande anseio para se encarnarem o mais rápido possível, para, por assim
dizer, poderem acordar na Terra, e então criar as condições que lhes ajudem
a desenvolver uma consciência espiritual. Ele cita esse fenômeno como um
dos motivos principais para o aumento da população.8 Quem leva um rico
resultado evolutivo de sua vida para o mundo espiritual, pode elaborar
conscientemente essa vida terrena entre a morte e um novo nascimento
junto com as entidades divino-espirituais das hierarquias. Pode igualmente
inspirar as pessoas vivas com as quais esteve ligado e do mundo espiritual
prestar-lhes ajuda em suas tarefas e atividades. Neste caso, o intervalo
entre duas encarnações é bastante maior.
No que se refere à questão de gênero, vale cada vez mais o destino
individual que se teve na última encarnação com seu próprio gênero. Por
exemplo, quem, como mulher, sofreu muitas humilhações ou prostituição
forçada, desenvolve uma profunda antipatia diante da existência feminina,
que se revela quando na próxima vida se nasce como homem. Este pode
ser um motivo para se escolher a forma de vida homossexual. O mesmo
vale para o amor lésbico, se, devido a determinadas ocorrências se
desenvolveu um grande ódio em relação à existência masculina. Também
em relação à promiscuidade pode se perguntar: Qual é o motivo de haver
muitos homens e mulheres que rejeitam uma ligação sexual estável? Do
contrário, faz parte de sua forma de vida terem muitos parceiros sexuais,
sempre que houver oportunidade para isso. Emil Bock, um dos fundadores
da Comunidade de Cristãos, disse certa vez em uma conversa, que ele
pensava que isso poderia ser a consequência cármica, ou seja, determinada
pelo destino, de uma vida monástica forçada na vida anterior. Por parte da
medicina acadêmica naturalmente procura-se descobrir causas hormonais
ou genéticas que possam elucidar os desvios da heterossexualidade normal
e da tradição monogâmica. Quando se tem clareza de que a formação de

7 Steiner, R. Wege der geisJgen Erkenntnis und der Erneuerung künstlerischer Weltanschauung
[Caminhos do conhecimento espiritual e da renovação da cosmovisão arSs8ca]. (GA 161). 2. ed.
Dornach: Rudolf Steiner Verlag, 1999. Palestra de 2/2/1915.

8Steiner, R. Nordische und miLeleuropäische GeisJmpulse [Impulsos espirituais nórdicos e da europa


Central]. (GA 209). 2. ed. Dornach: Rudolf Steiner Verlag, 1982. Palestra de 27/11/1921.
hormônios não é a causa, mas a consequência de leis concretas que atuam
no corpo, essa perspectiva não satisfaz.
Um aspecto decisivo em um relacionamento é quão profunda foi a amizade
e ligação que se tinha, eventualmente já durante várias vidas terrenas. Se
alguma vez houve um amor muito intenso e as pessoas em questão se
reencontram na próxima vida, independentemente se esse encontro for
como homem ou mulher, o amor pode ser mais forte do que a constituição
pessoal; esse pode ser igualmente um motivo para um relacionamento
homossexual ou então, o que realmente também acontece, um transgênero
se transformar de Leonardo em Eleonora se ele se apaixona por um homem
e tem desejo de ter filhos. Afinal, o que importa é a relação humana, na
qual se podem incluir as tendências sexuais, ou não, e não o contrário.
No contexto do destino pergunta-se muitas vezes qual seria o sentido de
crescer como um homossexual ou um transgênero, vivendo, por assim
dizer, sua biografia ‘sendo diferente’ dos outros. Como aqui se trata de uma
questão individual do destino, que somente pode ser esclarecida
individualmente, há somente pouco que possa ser considerado de forma
genérica. Na minha experiência com esses destinos sempre me ficou
evidente que o ‘ser diferente’ propicia uma intensificação da autoconsciência
e da vivência de sua própria identidade. Ser diferente que a maioria – nesse
caso, do ponto de vista do gênero – sempre significa ter de lidar mais com
rejeição e segregação do que outras pessoas. Quando se aprende a lidar
com isso, intensifica-se a força interior. Não estar adaptado à grande
sociedade, ter de lutar por reconhecimento em sua forma de viver, desperta
forças que não seriam ativadas de outra maneira. Revigora-se a consciência
da própria personalidade, de se aceitar como se é. Diante disso, como é
fácil nadar de forma ‘normal’ e adequada no grande fluxo dos
contemporâneos! Pertencer a uma minoria sempre significa que se chama
atenção, que se choca os outros, que, para ser aceito, é preciso justificar-
se, reconhecer-se e, em geral, produzir mais que os outros. Ainda é preciso
ter muita coragem e verdadeiro amor para viver e manter uma relação
amorosa, cujo reconhecimento social não é aceito ou dificultado. Por isso,
devemos alegrar-nos sobremaneira quando um casal homossexual envia um
convite de casamento, pois se sabe que isso muitas vezes foi precedido de
anos de luta e medo de ‘revelar-se’.

Educação sexual da escola


Na escola é importante não tratar das perguntas relativas à educação
sexual apenas no contexto da biologia, mas sempre quando se tornam
muito presentes na classe. A sexualidade é algo tão genericamente
humano, e pela forma como se lida com ela abrange desde a esfera
biológica, passando pela anímica até a espiritual, que não pode ser restrita
a uma única área especializada. Na verdade, toda maneira como o professor
leciona deve ter uma atuação de esclarecer os alunos. Pelo modo como ele
comenta os processos da vida, como expõe isso ou aquilo, como lida com
homens e mulheres, com alunas e alunos, tudo isso traz esclarecimentos no
melhor sentido da palavra, desperta confiança e cria a base para então
poder tratar também de perguntas individuais, geralmente delicadas.
Qual é a situação de professores e professoras homossexuais? Eles
representam um perigo para seus alunos? A pedofilia é incompatível com a
profissão de professor, mas não a homossexualidade. Como lidar com a
sexualidade, independentemente da sua forma, tem de ser aprendido e
tratado individualmente por cada pessoa. Se isso não for bem sucedido e
acontecerem perversões ou desvios de comportamento que prejudicam o
parceiro ou as crianças, então se torna necessária uma intervenção social
ou terapêutica. Se, entretanto, o desenvolvimento for sadio, o adulto
consegue controlar sua tendência sexual e conviver na relação de parceria
que ele escolher. Assim como não se pode identificar homossexualidade
com abuso infantil e sedução de menores, tampouco heterossexualidade
significa um comportamento moral irrepreensível e socialmente exemplar.
O limite a ser julgado criticamente ocorre sempre quando a pessoa perde o
controle de seus atos, o parceiro vivencia falta de liberdade ou a criança
sofre abuso ou é seduzida. Justamente na profissão de professor pode
acontecer que alunos se apaixonem por seu professor – tanto faz de qual
orientação sexual – e o professor então tem de responder adequadamente a
esse amor juvenil exaltado; este é um problema fundamental que
independe de homo- ou heterossexualidade. O que atrai as pessoas, em
amor e ódio, está sempre no destino das pessoas em questão e requer que
na existência terrena ocorra a continuidade da elaboração, o esclarecimento
saudável e, na medida do possível, também a renúncia a desejos egoístas,
para estimular o outro em seu caminho.

Pontos de vista da antropologia antroposófica sobre a diferenciação


entre homem e mulher
A organização física do homem e da mulher distingue-se claramente pelos
cromossomas sexuais XX e XY; desvios genéticos são raros e, com o nome
de hermafroditismo, uma especialidade médica específica. Um fato
interessante é que nas seis primeiras semanas do desenvolvimento
embrionário todo embrião apresenta a disposição gonadal tanto masculina
quanto feminina. Ou seja, nas primeiras seis semanas todo embrião é
hermafrodita ou bissexual. Da 6ª à 12ª semana começa, paralelamente ao
desenvolvimento do cérebro e da disposição de todos os órgãos do corpo, o
lento processo de supressão do gênero oposto e o desenvolvimento da
identidade sexual própria. Depois da involução da disposição sexual oposta,
restam desse período apenas pequenos rudimentos ontogenéticos do
respectivo sexo oposto no entorno dos testículos e ovários (ver figura), ou
seja, no homem resta o apêndice do testículo como resquício das
disposições dos órgãos de reprodução femininos, e na mulher o paraóforo e
o Cisto de Gartner, das disposições dos órgãos reprodutores masculinos.
Como normalmente o organeismo renuncia a tudo o que não precisa e o
suprime, é de se admirar que esses rudimentos persistam durante toda a
vida. Quando perguntei a meu professor de anatomia por que isso
acontecia, como era de se supor, ele não tinha uma resposta, e apenas
comentou secamente que se tratava de rudimentos ontogenéticos. Do ponto
de vista antroposófico, todavia, esse fato faz muito sentido, pois mostra que
o ser humano masculino-feminino etérico geral começa a se encarnar nas
primeiras seis semanas. No entanto, devido à influência dos cromossomas
sexuais, a partir da sexta semana o corpo etérico diferencia-se em uma
parte que cuida do desenvolvimento dos órgãos reprodutores e uma outra
parte que se volta para a atividade pensante e se liberta do corpo. Essas
forças mentais que se libertam são aquelas que participam ativamente do
desenvolvimento cerebral, que se inicia somente na sétima semana, quando
se formam as vesículas cerebrais no prosencéfalo. Como cada órgão se
forma com a função, o mesmo ocorre com o cérebro, que se desenvolve
junto com uma aura de pensamentos já existente. Por esse motivo, o
pensar masculino tem um cunho feminino e, do contrário, o pensar feminino
um cunho masculino. Por essa razão, Rudolf Steiner também relata, a partir
de sua pesquisa, que no corpo etérico das mulheres predomina o caráter
masculino e no dos homens o caráter feminino. Na mulher a aura de
pensamentos contém a plena capacidade das forças etéricas que, como
forças de crescimento, formam os órgãos reprodutores masculinos e vice-
versa. Por isso a maneira de pensar e sentir é totalmente diferente nos
homens e nas mulheres. Essa distinção pode ser facilmente elucidada
quando se imagina a dinâmica funcional dos órgãos reprodutores
masculinos e femininos. Por que o pensar e observar feminino jorra, sendo
mais flexível, voltado ao exterior, enquanto o do homem é mais reflexivo,
introvertido e sistemático? Por que não existe um único sistema filosófico
conhecido escrito por uma mulher? Mulheres gostam de escrever ensaios
filosóficos, mas não se interessariam por um sistema durante toda a sua
vida. Por outro lado, não existe um filósofo sequer – nem mesmo Rudolf
Steiner – que não deve estímulos importantes em sua obra a conversas
com mulheres. Outros exemplos da vida cotidiana: é evidente que raras
vezes uma mulher faz uma lista de compras antes de sair de casa,
enquanto os homens geralmente prezam muito essa lista.
Consequentemente, os homens voltam com relativa rapidez para casa com
o que anotaram, enquanto as mulheres “já sabem o que precisam”, e
durante as compras gostam de ser estimuladas pelo que está exposto, e às
vezes até voltam para casa sem o produto cuja falta desencadeou a ida às
compras ... Ou então, já se conversou calmamente sobre um problema
existente há tempo, e até se encontrou uma possível solução e primeiras
combinações. No dia seguinte, porém, no café da manhã, ela diz: “Sabe, eu
tive uma ideia, nós ainda deveríamos voltar ao problema sob esse outro
aspecto ...”. Esse aspecto espontâneo, inconstante, flexível, em jorros, é
típico da atividade reprodutora masculina, enquanto o gesto expectante,
que repousa em si e consegue deixar amadurecer, corresponde à força
reprodutiva feminina. Muitos problemas no casamento e relacionamento
vêm justamente do fato de aquilo que nos enerva tanto no outro ser a
contrapartida mental da própria atividade reprodutora. Nesse contexto, é de
muita ajuda ter esse fato bem claro diante de si. Ainda se acrescenta a
diferença no nível da organização astral. Aqui a constituição física masculina
já mostra que o elemento astral, com sua força de diferenciação, penetrou
muito mais profundamente do que na mulher. Isso fica evidente pela maior
quantidade de pelos, a voz mais grave e na constituição masculina
geralmente mais angulosa e diferenciada. Na constituição feminina a
organização etérica imprime-se mais intensamente e se contrapõe mais à
interferência das forças astrais. Por isso a configuração como um todo é
mais arredondada e suave e, corporalmente, apta a gerar uma criança. As
forças astrais, todavia, que não conseguem atuar na constituição física,
estão adicionalmente à disposição dela no âmbito anímico. Isso faz a
mulher parecer mais emocional, ter mais facilidade para expressar seus
sentimentos, e confere a eles mais importância que o homem. Para Steiner
foi muito importante dirigir-se de modo diferenciado aos homens e
mulheres jovens no período de amadurecimento entre os 13 e 16 anos de
idade. Ajudar os rapazes a saírem de si e aprender, por meio do ensino
artístico, a falar sobre sensações e sentimentos. Por outro lado, ajudar as
meninas a conter o fluxo de palavras e aprender a pensar primeiro e depois
falar.9 Ambos têm de aprender a comunicar-se de tal modo que seja
possível um bom entendimento, e que este não seja prejudicado pela
característica do outro gênero – não querer falar, ou falar demais sem que
tenha sido solicitado. Devido à astralização mais intensa, o homem está
mais desperto em seus sentidos, enquanto a mulher se revela, por outro
lado, mais diferenciada e sensível diante do que pensa. Este é o motivo
porque as mulheres se interessam mais pela espiritualidade do que os
homens. Contudo, os dois podem aprender o que lhes falta, pois ambos são
plenamente humanos. A organização etérica é masculina e feminina e
igualmente a astral; somente atuam diferentemente no corpo e na alma
devido à separação dos sexos. Mesmo a organização do Eu não permanece
inalterada em função disso. Pelo fato de a mulher ter uma maior presença
de sentimentos no âmbito anímico, ela corre o risco de que sua vontade,
suas habilidades, sejam levadas pelos sentimentos e emoções, e a
condução dos pensamentos não seja suficientemente forte. Nesse contexto
o homem apresenta maior facilidade, porque a maior parte do seu corpo
astral está incorporada fisicamente e, por isso, sua vida anímica consciente
é mais dominada pelo pensar. No contexto social é muito importante que
essas unilateralidades se compensem. Pois o pensar da mulher está mais
adaptado à vida, é mais sensível e mais conduzido pela empatia do que o
pensar mais racional e estruturado do homem, que as mulheres muitas
vezes vivenciam ser alheio à vida. Não devo deixar de mencionar aqui, que
justamente na idade na qual se pode e deve aprender a desenvolver a vida
de sentimentos de maneira sadia, o mundo midiático impede isso
brutalmente.
Essas considerações também mostram como é importante ter uma
compreensão clara da ‘quintessência’, e da questão relativa ao Eu
verdadeiro, ou superior. Afinal, este não é idêntico à organização do Eu.
Esta é individual, encarna-se no mundo físico, é vivenciada como
capacidade volitiva individual e constitui, por assim dizer, nosso Eu inferior,
nossa identidade própria vinculada ao corpo. Por mais que o egoísmo seja
saudável do ponto de vista corpóreo, sem um sistema imunológico ativo,
nosso ego biológico, estaríamos doentes. O egoísmo atua de modo

9 Steiner, R. “Erziehungsfragen im Reifealter. Zur künstlerischen Gestaltung des Unterrichts“ (GA 302a).
problemático quando mantém essa dinâmica funcional vinculada ao corpo
durante a metamorfose para a força volitiva livre do corpo. Por isso,
desenvolvimento anímico-espiritual sempre significa em primeiro lugar
autoconhecimento. Deve-se observar simplesmente o próprio pensar, sentir
e querer e tomar a decisão livre, consciente, em que direção se pretende
ativar essas forças anímicas e mobilizá-las para seu próprio
desenvolvimento e do seu entorno. A possibilidade vinculada a isso, de
poder transcender a si mesmo e a suas necessidades pessoais, e interessar-
se e se engajar também nas grandes necessidades da humanidade e pela
miséria do nosso tempo, habilita-nos a formar igualmente um conceito do
Eu verdadeiro. Essa identidade própria superior não se incorpora em um
corpo humano individual, ela está à disposição da humanidade inteira como
algo ao qual ela pode se unir, e se reconhecer em sua “semelhança a Deus”.
O aspecto especial da religião cristã é que ela parte da ideia de que esse Eu
superior, verdadeiro, da humanidade, tornou-se presente em Jesus no
batismo no Jordão como filho de Deus, como Cristo, vivendo por três anos
na Terra, antes de penetrar, pela morte no Gólgota, na esfera etérica da
Terra, para de lá acompanhar a vida subsequente da humanidade. Desde
então ele pode ser acolhido no pensar, sentir e querer dos seres humanos,
domiciliar-se, por assim dizer, nas almas que o queiram. Na pedagogia
Waldorf há um empenho para ajudar as crianças e jovens a lidarem com
tudo o que trazem da família, do ambiente social, mas também
constitucionalmente sob forma de dons, aos quais também pertence o
gênero, para que isso se torne uma ferramenta no caminho para o Eu
verdadeiro. Se a identificação acontece em um dos níveis mais baixos, de
modo que a identificação com a família, a profissão, a nação ou a existência
como homem ou mulher seja tal que se tome isso como o próprio Eu, então
ocorrerá uma estagnação na evolução e se é menos livre. Diante disso, há o
esforço na pedagogia Waldorf de manter a evolução em fluxo até o jovem
se sentir suficientemente livre para poder determinar autonomamente como
ele quer lidar consigo e com o mundo.

Agradeço a Valdemar W. Setzer pela revisão do texto.

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