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Michaela Glöckler
Tradução: Sonia Setzer
Transgêneros e assexualidade
Entre crianças e jovens da atualidade cresce o desejo de não aceitar o
gênero inato de menina ou menino, mas de tornar o Leonardo uma
Eleonora ou o Fábio uma Fabiana. Quando isso acontece, é importante que
o meio circundante se mantenha calmo e os pais e a escola considerem isso
como um acontecimento da natureza do qual ainda não se sabe quanto
tempo vai durar, ou se isso se tornará um estado normal. Quanto mais
tempo for possível manter a calma, tanto maior é a chance que depois de
alguns anos o jovem reveja sua decisão. Quanto maior for a oposição, tanto
mais forte será a reação de manter-se a todo custo nessa decisão. No
jardim de infância geralmente trata-se apenas de imitação. Desejos de ser
menina ou menino manifestados antes da puberdade, mostram quão
elevada é a vivência de identidade dessas crianças e jovens em se tornarem
homens ou mulheres. Se este for o caso, temos de dar nosso apoio. Quanto
mais natural for esse apoio, tanto mais relaxada/o a criança ou o jovem
pode prosseguir em seu caminho até que, por volta dos 18 anos, possa
realizar a decisão de transformação de gênero por meio de hormônios e,
desde que possível, também cirúrgica. Ao lado dessa forma de vida é
crescente também a outra, que diante disso parece ser assexual. Também
aqui há um aumento de crianças e jovens para os quais o amor carnal
praticamente não tem importância. Eles têm amizades profundas com
pessoas de ambos os gêneros, mas permanecem apenas na ligação
anímica, sem que instintos corporais, ‘os hormônios’, possam exercer sua
influência. Essa amplitude do espectro de como lidar com a própria
sexualidade mostra que, quanto mais liberdade se der aos seres humanos
para se desenvolverem como lhes aprouver, também esse campo ocupa o
seu lugar nesse acontecimento evolutivo, e as regras sociais perdem força.
Na pedagogia Waldorf vale apenas uma coisa: como posso ajudar o
indivíduo a realmente encontrar-se a si mesmo, de acordo com o destino
dessa pessoa, e ajudar para que o mínimo possível de influências do
ambiente possam interferir.
Sobre a homossexualidade
No reino animal, cerca de 10% dos mamíferos superiores são
homossexuais. No contexto da manutenção das espécies essa forma de vida
exerce um fator regulador. Nos seres humanos, nem de longe a proporção é
conhecida, pois em muitas etnias essa forma de vida é reprimida e
socialmente não é aceita. No entanto, o fato de hoje se permitir a qualquer
pessoa a liberdade de escolher a orientação sexual que sinta ser coerente
para si, e de que forma e com quem deseja conviver, já é um enorme
progresso. Que filhos de casais homossexuais femininos ou masculinos
crescem muitíssimo bem é tão evidente quanto o fato de crianças de casais
heterossexuais poderem ter um lar muito problemático. O importante é
considerar sempre as condições individuais das crianças e dos adultos
quando se quer ser justo ou se é solicitado a colaborar com apoio. Por isso
é importante que na escola não se esconda essa forma de vida – quando,
por exemplo, ela está relacionada com um cientista ou artista que está
sendo tratado em aula –, e se encontrem palavras respeitosas e de
reconhecimento para esse fato. O que une duas pessoas somente pode ser
sentido adequadamente por elas e, de toda forma, escapa a qualquer
julgamento vindo de fora.
O erotismo e o desejo homossexual na puberdade surge como tendência
passageira em quase todos os rapazes e moças, até que se manifeste a
orientação sexual definitiva no sentido de homo- ou heterossexualidade.
Somente depois dessa fase transitória evidencia-se em quem persiste a
tendência homossexual. Para essas pessoas ela se torna o ‘estado normal’.
Do ponto de vista do diagnóstico evolutivo pode-se dizer, todavia, que
constitucionalmente elas não amadureceram plenamente e durante toda a
vida conservam algo juvenil. Isso vai de encontro ao fato de a orientação
sexual de uma pessoa poder modificar-se no decorrer da vida. Nesses casos
a ambivalência da juventude mantém-se latente. Não existe apenas a
situação de uma pessoa com disposição para a homossexualidade mais
tarde assumir uma ligação heterossexual e fundar uma família, mas
também o oposto. Depois de um casamento de 10 ou 15 anos com um ou
mais filhos, ocorre a separação e mais tarde um dos dois parceiros passa a
viver um relacionamento homossexual – ou este já foi uma das causas que
contribuiu para a separação. Vista assim, a homossexualidade também
pode ser considerada uma forma de vida adolescente persistente.
O ego e o parceiro
Independente de como se vive o amor corpóreo, trata-se de um ato de
identificação com o outro, cuja vivência é tanto mais intensa quanto mais os
parceiros tenham também uma proximidade anímica e espiritual, sentindo-
se ‘unidos’. Um trauma ocorre nas vivências de separação, quando um dos
níveis de vivência da comunhão se esfacela, e com junto com ele, a
comunhão com o parceiro ou parceira.
Portanto, nas crises matrimoniais, no aconselhamento de casais ou em
conversas sobre uma separação o mais amigável possível, ou no caso de
um divórcio, a questão central refere-se à própria identidade. Afinal, o que
torna tão dolorosa a separação imaginada ou concreta do outro, se
realmente se amou a outra pessoa? É o fato de se ter identificado
demasiado com ela.
A vivência da própria identidade junto ao outro e por meio do outro faz com
que uma quebra do relacionamento pode assemelhar-se a uma perda de
identidade, ao menos passageira. Se este for o caso, isso é catastrófico
para a pessoa em questão. Por mais que se possa lamentar a quebra de um
relacionamento e a perda, e durante anos a fio continuar magoado por isso,
não existe melhor remédio para aprender a considerar de modo
diferenciado a questão da identidade, em sua mistura perigosa com amor
próprio e amor a uma outra pessoa, do que sendo consequência de uma
separação elaborada conscientemente. Quando em uma sessão de
aconselhamento uma pessoa conta que a vida sem o outro não tem mais
sentido, que ela se sente como se estivesse oca e vazia, que o mundo lhe
parece totalmente cinza, ou que repetidamente ela tem uma terrível raiva
do outro, até mesmo ódio e ira, então não se pode afirmar com certeza:
“Tudo isso são sinais do seu amor próprio, não é a falta do outro que você
está sentindo dessa maneira, mas é a perda de seu próprio sentimento mais
elevado de si mesmo que você vivenciava junto ao outro e que agora o
deixa tão raivoso e desesperado. Você projetou nele a si mesmo e suas
necessidades, de modo que agora, quando ele se separa de você –
aparentemente ou realmente –, você vivencia isso como um estado de vazio
interior, como perda de si mesmo.” De início tal verdade é totalmente
indigesta. Em geral, torna-se necessário um processo de acompanhamento
e conversas mais longo, até a pessoa em questão reconhecer isso por si
mesma e conseguir fechar a ferida com a mesma arma que a abriu, nas
palavras do Parsifal de Richard Wagner, ou seja: com a força do próprio Eu.
1 h#ps://www.bauermedia.com/en/newsrooms/archiv-ger/ar8cle/bravo-praesen8ert-die-dr-sommer-
studie-2009-liebe-koerper-sexualitaet/controller/2009/5/12/ Acessado em 22/4/2020.
Perversões sexuais
Atualmente há um consenso na sexologia clínica4 de que não existe uma
descrição que defina padrões de comportamento sexual que poderiam ser
classificados como perversos ou não perversos. Do contrário, hoje vivencia-
se e se considera perversa toda ação sexual efetuada no parceiro sem que
este a deseje. Isso já começa com um toque carinhoso ou um beijo que o
outro não consegue retribuir e que o importunem. E termina com os mais
terríveis cenários de abuso, até o assassinato com estupro.
Resta a pergunta: por que faz parte da natureza da sexualidade que esses
abismos de má conduta humana e exercício desenfreado de poder sobre
7 Steiner, R. Wege der geisJgen Erkenntnis und der Erneuerung künstlerischer Weltanschauung
[Caminhos do conhecimento espiritual e da renovação da cosmovisão arSs8ca]. (GA 161). 2. ed.
Dornach: Rudolf Steiner Verlag, 1999. Palestra de 2/2/1915.
9 Steiner, R. “Erziehungsfragen im Reifealter. Zur künstlerischen Gestaltung des Unterrichts“ (GA 302a).
problemático quando mantém essa dinâmica funcional vinculada ao corpo
durante a metamorfose para a força volitiva livre do corpo. Por isso,
desenvolvimento anímico-espiritual sempre significa em primeiro lugar
autoconhecimento. Deve-se observar simplesmente o próprio pensar, sentir
e querer e tomar a decisão livre, consciente, em que direção se pretende
ativar essas forças anímicas e mobilizá-las para seu próprio
desenvolvimento e do seu entorno. A possibilidade vinculada a isso, de
poder transcender a si mesmo e a suas necessidades pessoais, e interessar-
se e se engajar também nas grandes necessidades da humanidade e pela
miséria do nosso tempo, habilita-nos a formar igualmente um conceito do
Eu verdadeiro. Essa identidade própria superior não se incorpora em um
corpo humano individual, ela está à disposição da humanidade inteira como
algo ao qual ela pode se unir, e se reconhecer em sua “semelhança a Deus”.
O aspecto especial da religião cristã é que ela parte da ideia de que esse Eu
superior, verdadeiro, da humanidade, tornou-se presente em Jesus no
batismo no Jordão como filho de Deus, como Cristo, vivendo por três anos
na Terra, antes de penetrar, pela morte no Gólgota, na esfera etérica da
Terra, para de lá acompanhar a vida subsequente da humanidade. Desde
então ele pode ser acolhido no pensar, sentir e querer dos seres humanos,
domiciliar-se, por assim dizer, nas almas que o queiram. Na pedagogia
Waldorf há um empenho para ajudar as crianças e jovens a lidarem com
tudo o que trazem da família, do ambiente social, mas também
constitucionalmente sob forma de dons, aos quais também pertence o
gênero, para que isso se torne uma ferramenta no caminho para o Eu
verdadeiro. Se a identificação acontece em um dos níveis mais baixos, de
modo que a identificação com a família, a profissão, a nação ou a existência
como homem ou mulher seja tal que se tome isso como o próprio Eu, então
ocorrerá uma estagnação na evolução e se é menos livre. Diante disso, há o
esforço na pedagogia Waldorf de manter a evolução em fluxo até o jovem
se sentir suficientemente livre para poder determinar autonomamente como
ele quer lidar consigo e com o mundo.