Você está na página 1de 120

2023

FORMAÇÃO

Regime de transparência
fiscal - Implicações em IRS
e IRC

ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS


Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

FICHA TÉCNICA

Título: Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC

Tipo de formação: Distância 2 1823 / Plug-in 21 123

Autores: Paulo Marques

Capa e paginação: DCI - Departamento de Comunicação e Imagem da OCC

© Ordem dos Contabilistas Certificados, 2023

Não é permitida a utilização deste Manual, para qualquer outro fim que não
o indicado, sem autorização prévia e por escrito da Ordem dos Contabilistas
Certificados, entidade que detém os direitos de autor.

2
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO ---------------------------------------------------------------------------------- 7

2. TRANSPARÊNCIA FISCAL EM IRC --------------------------------------------------------- 10


2.1 Objetivos e caracterização do regime ................................................10
2.2 Sociedades e entidades abrangidas ...................................................15
2.2.1 Sociedades civis não constituídas sob forma comercial.......................... 15
2.2.2 Sociedades de profissionais .......................................................... 19
2.2.2.1 Exercício monodisciplinar de atividade profissional ........................... 20
2.2.2.2 Clarificando atividade profissional especificamente prevista na lista de
atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS .......................................24
2.2.2.3 Exercício pluridisciplinar de atividades e novo conceito de sociedade de
profissionais introduzido em 2014 ......................................................... 29
2.2.3 Sociedades de simples administração de bens ....................................40
2.2.3.1 Grupo familiar .......................................................................47
2.2.3.2 Número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa coletiva
de direito público ............................................................................51
2.2.3.3 Sociedades de gestão de participações sociais .................................51
2.2.4 Agrupamentos complementares de empresas e agrupamentos europeus de
interesse económico .........................................................................54
2.3 Imputação aos sócios ou membros ....................................................56
2.3.1 Anexo G da Declaração anual/IES ...................................................56
2.3.2 Imputação a sócios ....................................................................58
2.3.2.1 Sociedades transparentes detentoras de quotas próprias .....................60
2.3.3 Imputação a membros de ACE ou AEIE .............................................62
2.4 Outras particularidades do regime ....................................................63
2.4.1 Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais/número máximo de viaturas ...63
2.4.2 Não aplicabilidade da eliminação da dupla tributação económica.............64
2.4.3 Dedução de prejuízos fiscais ......................................................... 65
2.4.4 Retenções de IRC na fonte ........................................................... 65
2.4.5 Pagamentos por conta e pagamento especial por conta......................... 66
2.4.6 Derrama municipal e derrama estadual ............................................69
2.4.7 Tributações autónomas ............................................................... 70
2.4.8 Imputação de deduções à coleta aos sócios .......................................71
2.4.9 Obrigações declarativas .............................................................. 75
2.4.10 Liquidações corretivas............................................................... 75
2.4.11 Anulação de imposto liquidado a mais ............................................76
2.4.12 Impossibilidade de enquadramento no regime simplificado ...................76
2.5 Tributação de valores imputados a pessoas coletivas .............................. 77
2.5.1 Sociedades a quem é imputada matéria coletável ............................... 77
2.5.2 Sociedades a quem são imputados lucros ou prejuízos fiscais ..................80

3
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

2.5.3 Estabelecimento estável de não residente ........................................81

3. TRIBUTAÇÃO EM SEDE DE IRS ------------------------------------------------------------ 83


3.1 Regime de transparência fiscal no Código do IRS ...................................83
3.1.1 Transparência fiscal internacional ..................................................86
3.1.2 Rendimentos da categoria B faturados a sociedades de profissionais .........86
3.1.3 Mais-valias em resultado da partilha de sociedades.............................. 87
3.2 Anexo D da declaração modelo 3 de IRS ..............................................89

4. APLICAÇÃO PRÁTICA ----------------------------------------------------------------------- 93


4.1 Enunciado .................................................................................93
4.2 Implicações na sociedade transparente ..............................................94
4.2.1 Declaração modelo 22 de IRC ........................................................ 95
4.2.1.1 Quadro 4 - Regimes de tributação dos rendimentos ........................... 95
4.2.1.2 Quadro 07 - Apuramento do lucro tributável ...................................95
4.2.1.3 Quadro 09 - Apuramento da matéria coletável .................................97
4.2.1.4 Quadro 10 - Cálculo do imposto...................................................98
4.2.1.5 Anexo D da declaração modelo 22 – Benefícios fiscais ........................ 99
4.2.2 Anexo G da declaração anual/IES ................................................. 100
4.3 Implicações nos sócios pessoas singulares .......................................... 102
4.3.1 Anexo D da declaração modelo 3 de IRS ......................................... 102

5. CONCLUSÃO / REFLEXÕES FINAIS ------------------------------------------------------ 105

6. BIBLIOGRAFIA ------------------------------------------------------------------------------ 114

ANEXOS ----------------------------------------------------------------------------------------- 115

4
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

ABREVIATURAS UTILIZADAS

ACE Agrupamento complementar de empresas


AEIE Agrupamento europeu de interesse económico
AIMI Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis
AT Autoridade Tributária e Aduaneira
CC Código Civil
CAE Código de Atividade Económica
CFEI Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento
CIRC Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas
CIRS Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares
CSC Código das Sociedades Comerciais
DGCI Direção-Geral das Contribuições e Impostos
DLRR Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos
IES Informação Empresarial Simplificada
IRC Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas
IRS Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares
LGT Lei Geral Tributária
OCC Ordem dos Contabilistas Certificados
PEC Pagamento especial por conta de IRC

5
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

“Não é fácil… mas também

não é tão difícil que não valha a pena o esforço…”


Carlos do Carmo

6
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

1. INTRODUÇÃO

O regime de transparência fiscal está consagrado no artigo 6.º do Código do IRC (CIRC)
e aplica-se às sociedades civis não constituídas sob forma comercial, às sociedades de
profissionais e às sociedades de simples administração de bens, com sede ou direção
efetiva em território português, bem como aos agrupamentos complementares de
empresas (ACE) e aos agrupamentos europeus de interesse económico (AEIE), com sede
ou direção efetiva em território português, que se constituam e funcionem nos termos
legais.

Aquelas entidades transparentes não são tributadas em IRC, salvo quanto às


tributações autónomas que sejam por elas devidas, e a transparência fiscal traduz-se
na imputação dos seus rendimentos (determinados nos termos do CIRC) aos sócios ou
membros, para efeitos de integração no rendimento tributável destes, para efeitos de
IRS ou IRC. As referidas sociedades imputam a matéria coletável e os agrupamentos
imputam lucros ou prejuízos do exercício.

A lei como que “vê” através daquelas entidades ‒ e daí a designação de transparência
‒ atingindo diretamente, através de um sistema de tributação integrada, a pessoa dos
respetivos sócios ou membros. O regime foi apresentado no preâmbulo do CIRC com
objetivos de neutralidade, combate à evasão fiscal e eliminação da denominada dupla
tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios.

O regime de transparência fiscal abrange dois tipos de sociedades: aquelas em que a


presença dos sócios é um fator fundamental para o exercício da atividade e aquelas
em que, não havendo uma verdadeira atividade económica, o património detido pela
sociedade seja constituído sobretudo por bens de rendimento. Para selecionar as
situações em que a presença dos sócios das sociedades fosse relevante, o legislador
delimitou um âmbito de sociedades para integração ao regime de transparência fiscal.
As sociedades civis, em que é evidente o fator pessoal sobre o capital, ainda mais
relevado, na medida em que são excluídas as sociedades civis constituídas sob forma
comercial. As sociedades de profissionais, em que as pessoas físicas dos sócios, como
profissionais da atividade exercida pela sociedade assumem importância fundamental
ao ponto de as sociedades dependerem da atividade dos sócios. As sociedades de
simples administração de bens, onde o carater familiar ou o número reduzido de sócios,
limita o número de sociedades abrangidas pelo regime, àquelas em que é mais provável
a importância do fator pessoal.

7
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Os agrupamentos (ACE ou AEIE) são entidades que tem por motivação objetivos de
cooperação, dotadas de personalidade jurídica, constituídas por pessoas singulares,
coletivas ou sociedades, a fim de melhorar as condições de exercício ou de resultado
das suas atividades económicas. A sua atividade não tem, uma finalidade lucrativa,
destinando-se a alcançar uma melhoria das condições de exercício ou de resultado das
atividades das empresas e/ou pessoas agrupadas. Muitos ACE’s, por exemplo, são
constituídos com carater temporário, com a finalidade exclusiva de reunir meios
financeiros, humanos, técnicos e materiais exigidos pelo concurso de grandes obras
públicas, que seriam de difícil mobilização por grande parte das empresas do setor. Os
ACE’s são uma forma de agrupamento de empresas de menor dimensão para competir
com as maiores. Deste modo, justifica-se a existência de uma única tributação na
esfera dos membros, se bem que influenciada pelos resultados alcançados no seio do
próprio agrupamento.

De funcionamento aparentemente simples, o regime de transparência fiscal envolve


alguma complexidade que lhe é dada, essencialmente, pela diversidade de critérios a
aferir para verificarmos se estamos ou não perante uma sociedade transparente.

Estruturámos este trabalho começando por caracterizar o regime de transparência


fiscal e desenvolver os seus objetivos. Depois, detalhamos pormenorizadamente cada
uma das entidades suscetível de ser enquadrada no regime, explicando cada um dos
requisitos, quer os que são de mais simples definição e compreensão, quer os que, com
mais de 30 anos de aplicação do regime, nunca foram devidamente clarificados e
continuam a suscitar dúvidas. Já numa vertente mais prática, explicamos a imputação
de rendimentos aos sócios ou membros das entidades transparentes, analisando as
obrigações declarativas relacionadas e passando em revista um conjunto de
particularidades do CIRC relacionadas com a transparência fiscal. O estudo das
implicações fiscais do tema não ficaria completo sem a abordagem às disposições do
Código do IRS (CIRS) sobre este regime.

Toda a explicação é complementada com a referência a diversas Informações


Vinculativas emanadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), que ajudam a
clarificar diferentes possibilidades de enquadramento no regime e outras
especificidades, e com a apresentação de 18 exemplos de aplicação prática. Com o
objetivo de ajudar a consolidar a temática desenvolvida no presente manual e nas
sessões de formação em que o mesmo será utilizado, simulámos também uma aplicação
prática que aborda um conjunto significativo de situações estudadas, em interligação
com as obrigações declarativas inerentes ao regime de transparência fiscal a cumprir
por uma sociedade transparente e pelos seus sócios pessoas singulares.

8
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Questões frequentes prendem-se com o regime de transparência fiscal ser ou não


vantajoso, tendo em conta a sempre desejada economia de imposto pelos sujeitos
passivos. Na conclusão, mais do que deixar certezas definitivas, pois cada situação ou
contexto carecem de análise específica, aproveitamos para deixar algumas pistas para
essa discussão.

Agradecendo o convite e o desafio da Ordem dos Contabilista Certificados para a


elaboração deste manual, esperamos que o conteúdo que nele compilámos, e a forma
como o desenvolvemos e procurámos descomplicar, possa revelar-se esclarecedor e
útil para todos os destinatários da formação que o mesmo suportará, e outros
contabilistas que o venham a consultar.

9
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

2. TRANSPARÊNCIA FISCAL EM IRC

2.1 Objetivos e caracterização do regime

O regime de transparência fiscal consta no CIRC desde a sua aprovação e publicação


pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro. Nestes mais de 30 anos de vigência1
não sofreu alterações de relevo, para além da inclusão de nova tipologia de sociedades
de profissionais. Na parte final do ponto três do preâmbulo do CIRC é referido que
“com objetivos de neutralidade, combate à evasão fiscal e eliminação da denominada
dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios, se adotam em relação
a certas sociedades um regime de transparência fiscal. O mesmo carateriza-se pela
imputação aos sócios da parte do lucro que lhes corresponder, independentemente da
sua distribuição. Este regime é igualmente aplicável aos agrupamentos
complementares de empresas e aos agrupamentos europeus de interesse económico.”

Para além de então passar a integrar as sociedades de simples administração de bens,


já tipificadas no n.º 2 do artigo 94.º do Código do Imposto Complementar e que tinham
uma tributação agravada com taxas correspondentes ao dobro das aplicáveis às
restantes sociedades, o regime de transparência fiscal é apresentado como um
inovador modelo de tributação que se caracteriza pela imputação aos sócios ou
membros das entidades por ele abrangidas dos resultados obtidos por estas,
independentemente de ocorrer ou não distribuição de lucros. Assim, consequência
dessa imputação, tais resultados são integrados no rendimento tributável dos referidos
sócios ou membros para efeitos de IRS ou IRC, conforme se tratem de pessoas
singulares ou coletivas, respetivamente.

O regime consta atualmente no artigo 6.º do CIRC, com a seguinte redação:

“Artigo 6.º
Transparência fiscal
1 — É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for
aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC,
consoante o caso, a matéria coletável, determinada nos termos deste
Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direção efetiva em
território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros:
a) Sociedades civis não constituídas sob forma comercial;
b) Sociedades de profissionais;

1
O CIRC entrou em vigor em 1 de janeiro de 1989.

10
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

c) Sociedades de simples administração de bens, cuja maioria do capital


social pertença, direta ou indiretamente, durante mais de 183 dias do
exercício social, a um grupo familiar, ou cujo capital social pertença,
em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não superior
a cinco e nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público.
2 — Os lucros ou prejuízos do exercício, apurados nos termos deste Código,
dos agrupamentos complementares de empresas e dos agrupamentos
europeus de interesse económico, com sede ou direção efetiva em
território português, que se constituam e funcionem nos termos legais, são
também imputáveis diretamente aos respetivos membros, integrando-se
no seu rendimento tributável.
3 — A imputação a que se referem os números anteriores é feita aos sócios
ou membros nos termos que resultarem do ato constitutivo das entidades
aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais.
4 — Para efeitos do disposto no n.º 1, considera-se:
a) Sociedade de profissionais:
1) A sociedade constituída para o exercício de uma atividade
profissional especificamente prevista na lista de atividades a que
se refere o artigo 151.º do Código do IRS, na qual todos os sócios
pessoas singulares sejam profissionais dessa atividade; ou,
2) A sociedade cujos rendimentos provenham, em mais de 75 %, do
exercício conjunto ou isolado de atividades profissionais
especificamente previstas na lista a que se refere o artigo 151.º
do Código do IRS, desde que, cumulativamente, durante mais de
183 dias do período de tributação, o número de sócios não seja
superior a cinco, nenhum deles seja pessoa coletiva de direito
público e, pelo menos, 75 % do capital social seja detido por
profissionais que exercem as referidas atividades, total ou
parcialmente, através da sociedade;
b) Sociedade de simples administração de bens — a sociedade que limita
a sua atividade à administração de bens ou valores mantidos como
reserva ou para fruição ou à compra de prédios para a habitação dos
seus sócios, bem como aquela que conjuntamente exerça outras
atividades e cujos rendimentos relativos a esses bens, valores ou prédios
atinjam, na média dos últimos três anos, mais de 50 % da média,
durante o mesmo período, da totalidade dos seus rendimentos;
c) Grupo familiar — o grupo constituído por pessoas unidas por vínculo
conjugal ou de adoção e bem assim de parentesco ou afinidade na linha
reta ou colateral até ao 4.º grau, inclusive.
5 - Para efeitos da alínea c) do n.º 1, não se consideram sociedades de
simples administração de bens as que exerçam a atividade de gestão de

11
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

participações sociais de outras sociedades e que detenham participações


sociais que cumpram os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 51.º”

Como referido, os objetivos enunciados pelo legislador com a adoção do regime de


transparência fiscal foram os de neutralidade, combate à evasão fiscal e eliminação
da dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios. Transcrevemos do
Código do IRC Comentado e Anotado, edição da Direção-Geral das Contribuições e
Impostos (DGCI), 1990, a justificação dos mesmos:

“O objetivo da neutralidade fiscal implica que na tributação não seja tida em conta a
forma jurídica adotada pelos sujeitos passivos, sendo tributados os respetivos sócios
ou membros com o se exercessem diretamente a atividade prosseguida pela sociedade.
Procura-se assim atender tão só à capacidade contributiva daqueles sócios ou
membros, manifestada indiretamente através dos rendimentos obtidos pela sociedade
ou entidade transparente.

O objetivo do combate à evasão fiscal está igualmente presente na adoção do regime


de transparência fiscal, na medida em que se procura obviar, com tal adoção, a que
sejam constituídas sociedades apenas com a finalidade de fuga aos impostos.
Há casos, com efeito, em que a prossecução da mesma atividade económica poderia
ser feita diretamente pelos respetivos sócios, aparecendo a formas societária como
um mero subterfúgio que se interpõe entre eles e o Fisco, para assim de alcançar uma
diminuição ou dilação da carga tributária.
A transparência fiscal, propugnando uma imputação direta dos resultados obtidos pela
sociedade, independentemente da sua distribuição, obvia a esta situação.

O último objetivo é o da eliminação da dupla tributação dos lucros distribuídos aos


sócios, sendo o único que, quiçá, é plenamente atingido pelo regime da transparência
fiscal.
Com efeito, na medida em que se afasta da tributação em sede de IRC, as sociedades
e outras entidades abrangidas por esse regime, obsta-se a que o resultado por elas
apurado seja duplamente tributado: na esfera da própria sociedade ou entidade
transparente e na esfera dos respetivos sócios ou membros.”2

Os resultados a imputar aos sócios (a matéria coletável no caso das sociedades


referidas no n.º 1 do artigo 6.º do CIRC, ou o lucro ou prejuízo do exercício no caso de
ACE ou AEIE) são determinados nos termos do regime geral de determinação do lucro

2 Código do IRC Comentado e Anotado, DGCI (1990), p. 95.

12
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

tributável do CIRC3 mas a entidade transparente não é tributada neste imposto, exceto
quanto ao valor das tributações autónomas4 que sejam devidas.

Disto nos dá conta o artigo 12.º do CIRC:

“Artigo 12.º
Sociedades e outras entidades abrangidas pelo regime
de transparência fiscal
As sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja
aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo
quanto às tributações autónomas.”

É em relação às entidades transparentes que se procede ao apuramento da matéria


coletável (ou do lucro ou prejuízo nos casos de ACE e AEIE), mas esta matéria coletável
ou lucro não sofrem tributação em IRC no sujeito que os obteve. Estamos perante
“isenção” ou “não sujeição”? Fica claro que não estamos perante uma não sujeição
como a que temos no artigo 7.º do CIRC, que afasta da incidência de IRC os rendimentos
que resultem diretamente da atividade sujeita ao imposto especial de jogo.5

“Em termos de sujeição, poder‑se‑á dizer que se trata de uma sujeição necessária,
uma vez que o cálculo do valor imputado é determinado de acordo com as normas do
CIRC, como se de qualquer outro sujeito passivo se tratasse. Por outro lado, trata‑se
de uma sujeição meramente instrumental na medida em que é imputado, aos
respetivos sócios ou membros, o valor apurado em sede de IRC cumprindo assim os
objetivos visados por este regime. Para além da determinação da matéria coletável, a
natureza instrumental desta sujeição revela‑se ainda no cumprimento das restantes
obrigações acessórias, por parte destas sociedades.”6

Apesar de não tributadas em IRC, as sociedades e outras entidades sujeitas ao regime


de transparência fiscal são sujeitos passivos deste imposto e, como tal, obrigadas ao
cumprimento das obrigações acessórias, quer contabilísticas quer declarativas, como
se de qualquer outro sujeito passivo de IRC se tratasse, designadamente, à
apresentação de declarações de inscrição, de alterações ou de cessação de
atividade/cancelamento no registo, da declaração periódica de rendimentos, da
declaração anual IES/DA, etc.

3
Artigos 17.º e seguintes do CIRC.
4 Ver artigo 88.º do CIRC.
5
Artigo 7.º - Rendimentos não sujeitos - Não estão sujeitos a IRC os rendimentos diretamente resultantes
do exercício de atividade sujeita ao imposto especial de jogo.
6
Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (Manual do IRC), AT (2016), p. 43.

13
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

“Com efeito, a lei como que “vê” através desta entidade ‒ e daí a designação de
transparência ‒ atingindo diretamente, através de um sistema de tributação integrada,
a pessoa dos respetivos sócios ou membros.”7 O resultado desta imputação vai
constituir rendimento líquido da categoria B do IRS dos sócios ou membros pessoas
singulares, nos termos do artigo 20.º do CIRS.

No caso dos sócios das sociedades civis não constituídas sob forma comercial, das
sociedades de profissionais e das sociedades de simples administração de bens, a
quem, como vimos, é imputada a matéria coletável, não poderão deduzir aos seus
restantes rendimentos os prejuízos fiscais apurados nos termos do CIRC pela sociedade
transparente, uma vez que não lhes são imputados. O reporte de prejuízos fiscais é
feito nas sociedades indicadas, nos termos do artigo 52.º do CIRC8, e não imputado aos
seus sócios, ao contrário do que sucede no caso dos ACE e AEIE.

O regime de transparência fiscal é de aplicação obrigatória e imediata caso se mostrem


verificados os requisitos previstos no artigo 6.º do CIRC para cada situação. Quer isto
dizer que não existe qualquer disposição que permita optar ou não pelo regime de
transparência fiscal.

Por outro lado, este regime não é cadastral. Não é objeto de qualquer menção na
declaração de início de atividade ou em declaração de alterações, sendo apenas
declarado/informado na declaração modelo 22 de IRC.

Embora seja considerado um regime especial, uma entidade em regime de


transparência fiscal integra o “regime geral” devendo tal ser assinalado no quadro 4
da declaração modelo 22 na indicação dos regimes de tributação dos rendimentos.

7 Código do IRC Comentado e Anotado, DGCI (1990), p. 94.


8
Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os prejuízos fiscais apurados em determinado período de
tributação, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de
um ou mais dos cinco períodos de tributação posteriores, à exceção dos sujeitos passivos que exerçam,
diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial ou industrial
e que estejam abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, os quais podem fazê-lo em
um ou mais dos doze períodos de tributação posteriores.

14
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

As condições de enquadramento no regime da transparência fiscal, são aferidas na


data do facto gerador do imposto, ou seja, no último dia do período de tributação. E,
por isso, como vimos, o enquadramento apenas é informado aquando da apresentação
da declaração modelo 22 de IRC.

Apresenta-se um quadro síntese mostrando o que o regime de transparência fiscal


pretende imputar aos sócios ou membros, por tipo de entidade abrangida:

Imputação aos sócios / membros


Sociedades Agrupamentos
 civis sem forma comercial  complementares de empresas (ACE)
 de profissionais  europeus de interesse económico (AICE)
 de simples administração de bens

 
Matéria coletável Lucro tributável ou prejuízo fiscal

Fonte: Elaboração própria

2.2 Sociedades e entidades abrangidas

Tal como já referimos, o regime de transparência fiscal é de aplicação obrigatória às


entidades previstas no artigo 6.º do CIRC, a saber:
— Sociedades civis não constituídas sob forma comercial,
— Sociedades de profissionais,
— Sociedades de simples administração de bens,
— Agrupamentos complementares de empresas (ACE), e
— Agrupamentos europeus de interesse económico (AEIE).

Vamos, de seguida, caracterizar cada uma destas entidades transparentes, começando por
relembrar que o regime será aplicado se as referidas sociedades tiverem sede ou direção
efetiva em território português ou se os ACE e AEIE igualmente tiverem sede ou direção
efetiva em território português e se constituam e funcionem nos termos legais.

2.2.1 Sociedades civis não constituídas sob forma comercial

O artigo 2.º do CIRC define os sujeitos passivos deste imposto (incidência pessoal).
Como ponto de partida temos enumerados um conjunto de sujeitos, com sede ou
direção efetiva em território português, com o atributo de personalidade jurídica: as
sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, etc.

15
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Mas são também passíveis de IRC as entidades residentes desprovidas de personalidade


jurídica. A estas, o legislador atribuiu personalidade tributária passiva, em função da
existência de uma unidade económica suscetível de tributação individualizada.

“Quer isto significar que o Direito Fiscal, ao reconhecer a certas entidades


despersonalizadas a suscetibilidade de serem sujeitos de relações jurídicas de imposto,
está a utilizar critérios de personificação (ainda que delimitada) que se apartam dos
critérios utilizados pelo Direito Comum, em atinência à capacidade contributiva
própria demonstrada pelas unidades económicas.
Deste modo se obsta a que a tributação fique dependente da regularização, por parte
de tais entidades, do respetivo processo de formação.”9

Entre outras entidades desprovidas de personalidade jurídica aquele artigo refere-se


às sociedades civis sem personalidade jurídica e o artigo 6.º do CIRC enquadra as
sociedades civis não constituídas sob forma comercial no regime de transparência
fiscal.

Integram o conceito de sociedades civis não constituídas sob forma comercial as


entidades que, não tendo por objeto a prática de atos de comércio, estão inteiramente
subordinadas ao regime da lei civil.10 Como decorre do Código Civil, contrato de
sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou
serviços para o exercício em comum de certa atividade económica, que não seja de
mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa atividade.

Embora a lei comercial admita a adoção pelas sociedades civis da forma comercial11,
a sujeição ao regime de transparência fiscal de sociedades civis constituídas sob forma
comercial só será possível se se tratarem de sociedades de profissionais ou sociedades
de simples administração de bens.

Por seu lado, uma sociedade civil simples, constituída para o exercício de uma
atividade profissional, que não se enquadre no conceito fiscal de sociedade de

9
Código do IRC Comentado e Anotado, DGCI (1990), p. 74.
10 Artigos 980.º e seguintes do Código Civil. A constituição de uma sociedade civil faz-se por via da
assinatura pelos sócios de um contrato de sociedade que respeite o disposto no Código Civil. Os passos a
seguir são os seguintes: 1. Pedido de denominação social, 2. Verificação da identidade e da identificação
fiscal dos sócios, 3. Elaboração dos estatutos, 4. Assinatura dos estatutos, 5. Registo do contrato no RNPC
e obtenção de número de pessoa coletiva, 6. Registo de beneficiário efetivo.
11 Conforme artigo 1.º, n.º 4 do CSC, as sociedades que tenham exclusivamente por objeto a prática de
atos não comerciais podem adotar o tipo de sociedade em nome coletivo, de sociedade por quotas, de
sociedade anónima, de sociedade em comandita simples ou de sociedade em comandita por ações, sendo-
lhes, nesse caso, aplicável a presente lei.

16
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

profissionais, por não reunir algum dos requisitos exigidos para tal no CIRC, poderá
estar sujeita ao regime de transparência fiscal ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo
6.º, enquanto sociedade civil não constituída sob a forma comercial.

“Na verdade, na delimitação das entidades abrangidas pelo regime de transparência


fiscal, o legislador regulou-se na alínea a) pela configuração jurídica dessas entidades,
e nas restantes alíneas por critérios de ordem funcional.
No que respeita à alínea a) justifica-se o critério utilizado com base na aptidão
revelada pelas denominadas sociedades de pessoas, (isto é, sociedades que se
caracterizam pela importância das pessoas dos sócios nos vários aspetos do regime, de
tal forma que a saída de um dos sócios põe em risco a sobrevivência da sociedade)
para aplicação da transparência fiscal.
Assim, o regime de transparência fiscal, propugnando uma tributação dos rendimentos
obtidos pela sociedade na esfera dos respetivos sócios, é o que melhor se coaduna com
a natureza jurídica das sociedades nas quais não existe diferenciação nítida entre a
sociedade e os sócios, mas tão somente uma situação de comunhão de interesses
relativamente aos rendimentos obtidos e ao exercício de uma determinada atividade
económica.”12

Importa reforçar que estas sociedades civis não constituídas sob forma comercial são
sociedades de pessoas que não visam a prática de atos de comércio e que estão, como
explicado, subordinadas à lei civil.

Esta norma visa, assim, sujeitar ao regime de transparência fiscal as sociedades civis
de prestadores de serviços, não constituídas sob forma comercial, que assim se
estabelecem em alternativa à constituição de uma sociedade comercial que, reunidas
as condições, ficaria igualmente sob a alçada deste regime enquanto sociedade de
profissionais.

A Lei n.º 53/2015, de 11 de junho, estabelece o regime jurídico da constituição e


funcionamento das sociedades de profissionais que estejam sujeitas a associações
públicas profissionais. O seu artigo 4.º consagra a liberdade de forma e direito
subsidiário, prevendo o n.º 1 que as sociedades de profissionais podem ser sociedades
civis ou assumir qualquer forma jurídica societária admissível segundo a lei comercial,
exceto constituir-se enquanto sociedades anónimas europeias. O n.º 3 clarifica que,
no que a presente lei não dispuser, são aplicáveis às sociedades de profissionais as
normas da lei civil ou da lei comercial, consoante se trate de uma sociedade de
profissionais sob a forma civil ou de uma sociedade de profissionais sob a forma
comercial, respetivamente.

12
Código do IRC Comentado e Anotado, DGCI (1990), p. 96.

17
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Também a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de


criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais, no seu
artigo 27.º, acolhe a possibilidade de serem constituídas sociedades de profissionais
que tenham por objeto principal o exercício de profissões organizadas numa única
associação pública profissional, em conjunto ou em separado com o exercício de outras
profissões ou atividades, desde que seja observado o regime de incompatibilidades e
impedimentos aplicável. E acrescenta que as sociedades de profissionais constituídas
em Portugal podem ser sociedades civis ou assumir qualquer forma jurídica admissível
por lei para o exercício de atividades comerciais.

Exemplo 1

As sociedades civis não constituídas sob forma comercial são muito utilizadas
pelos advogados, mas também por solicitadores e revisores oficiais de contas,
por exemplo.

Ainda a este propósito, referência ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo,


Processo 0733/14, de 15-04-2015 que conclui que as “sociedades irregulares” —
comerciais quanto ao objecto, ainda que sem forma legal, e portanto destituídas de
personalidade jurídica em face ao direito comum, mas com personalidade e
capacidade tributárias (artigos 15.º e 16.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária e 3.º n.º 1 e
2 do CPPT) —, não se confundem com as sociedades civis não constituídas sob forma
comercial, estando sujeitas ao regime geral de IRC pelo lucro obtido com a actividade
comercial exercida (artigos 2.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 e 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 4
do código do IRC) e não ao regime da transparência fiscal.

Determinada sociedade irregular, que construiu, um prédio urbano destinado à


habitação, composto de cave, três andares e logradouro, e procedeu à venda das
frações, pretendia a anulação da liquidação de IRC referente ao exercício de 2006
porquanto considerava que mesmo como sociedade irregular estava sujeita ao regime
de transparência fiscal nos termos do no 1 alínea a) do artigo 6.º do CIRC pelo que
sendo os resultados imputados aos sócios a tributação dos lucros eram passíveis de IRS
mas não de IRC. O tribunal julgou improcedente a impugnação considerando que, face
à atividade desenvolvida por esta sociedade irregular, os lucros por ela auferidos
estavam sujeitos a IRC não lhe podendo ser aplicável o regime de transparência fiscal.

18
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Ficando provado que a sociedade irregular tinha por objeto a prática de atos de
comércio, designadamente a construção de prédios e a sua posterior comercialização,
refere-se que para se caracterizar e qualificar esta sociedade irregular “há que atentar
ao seu fim que é o da obtenção de lucros através do exercício da sua atividade
anteriormente referida. Sendo assim não restam dúvidas de que estamos perante uma
sociedade irregular cujo objecto sendo o exercício da actividade comercial lhe retira
desde logo a qualificação ou equiparação a mera sociedade civil.
...
Donde resulta que esta sociedade irregular para efeitos fiscais e no que importa para
efeitos de aplicação do regime de transparência fiscal não pode deixar de ser tratada
como comercial e como tal ver sujeita a sua matéria colectável resultante da sua
actividade comercial sujeita a IRC não sendo passível de lhe ser aplicado o regime de
transparência fiscal...”

2.2.2 Sociedades de profissionais

Na versão inicial do artigo 6.º do CIRC, e até 2013, a sociedade de profissionais cingia-
se àquela que fosse constituída para o exercício monodisciplinar de atividade
profissional especificamente prevista na lista de atividades a que se refere o artigo
151.º do CIRS, na linha da que é a atual redação do ponto 1) da alínea a) do n.º 4.

Na reforma do IRC de 201413 o legislador introduziu um conceito de sociedades de


profissionais mais próximo da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que aprovou o atual
regime jurídico da criação, organização e funcionamento das associações públicas
profissionais. Este conceito foi alvo de uma clarificação no Orçamento do Estado para
201514 e é atendendo a esta redação atual que vamos desenvolver a explicação.

Recordemos a atual redação da alínea a) do n.º 4 do artigo 6.º do CIRC:

“ (...) considera-se:

a) Sociedade de profissionais:

1) A sociedade constituída para o exercício de uma atividade profissional


especificamente prevista na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do
Código do IRS, na qual todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais dessa
atividade; ou,

13
Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro.
14
Lei n.º 82-C/2014, de 31 de dezembro, aplicável aos períodos de tributação que se iniciem em ou após
1 de janeiro de 2015.

19
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

2) A sociedade cujos rendimentos provenham, em mais de 75 %, do exercício conjunto


ou isolado de atividades profissionais especificamente previstas na lista a que se
refere o artigo 151.º do Código do IRS, desde que, cumulativamente, durante
mais de 183 dias do período de tributação:
• o número de sócios não seja superior a cinco,
• nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público e,
• pelo menos, 75 % do capital social seja detido por profissionais que
exercem as referidas atividades, total ou parcialmente, através da
sociedade”.15

2.2.2.1 Exercício monodisciplinar de atividade profissional

Na delimitação inicial de sociedades de profissionais, e desde 2014 no seu essencial


acolhida no ponto 1) da alínea a), “o legislador socorreu-se essencialmente de critérios
de ordem funcional, opção na qual influíram as dificuldades que pode suscitar a
adopção de critérios jurídicos na delimitação de entidades sujeitas ao regime de
transparência. Foi assim rejeitada a solução que consiste precisamente em limitar o
funcionamento do regime da transparência às sociedades de pessoas. Na verdade,
mesmo as sociedades por quotas e anónimas – estas últimas sociedades de capitais por
excelência – podem, na prática, funcionar como sociedades de pessoas, bastando para
tanto que a realização do interesse social reclame o esforço pessoal dos sócios.
Justifica-se assim, o desinteresse do legislador pela forma jurídica adoptada pelas
sociedades de profissionais, sem em sequência a sujeição de tais entidades
determinada em razão da verificação dos requisitos enunciados...”16

15
Em 2015, a expressão “durante mais de 183 dias” substituiu a expressão “em qualquer dia do período
de tributação”. Esta redação introduzida pela Lei 2/2014, de 16 de janeiro, provocou grande discussão já́
que não era consensual a interpretação para o alcance pretendido pelo legislador quando referia “em
qualquer dia do período de tributação”. As opiniões dividiram-se entre a defesa de que os requisitos
exigidos deveriam estar reunidos em todos os dias do período de tributação para que a sociedade de
profissionais ficasse enquadrada no regime da transparência fiscal, e a visão de que bastava o
preenchimento cumulativo dos requisitos durante apenas um dia no período de tributação para que a
sociedade de profissionais ficasse enquadrada no regime da transparência fiscal.

Em complemento às explicações aqui dadas, remetemos para a Informação n.º 313/2014 de 4 de fevereiro,
AT – “Sociedades de Profissionais – conceito para efeitos do enquadramento no regime da Transparência
Fiscal – Reforma do IRC”, publicada em anexo. Na consulta a este documento deve ser tido em conta que
a abordagem feita no mesmo assenta na redação da norma para 2014, que continha a expressão “em
qualquer dia do período de tributação”, conteúdo que foi alterado e simplificado no ano seguinte, como
explicado.
16
Código do IRC Comentado e Anotado, DGCI (1990), p. 97.

20
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Tal como na sua génese, continua a exigir-se nesta norma, para que uma sociedade
sob a forma comercial seja qualificada como sociedade de profissionais, que se tenha
constituído para o exercício de uma atividade profissional. O foco deve ser colocado
no exercício efetivo de uma determinada atividade profissional pela sociedade e não
no objeto social previsto nos estatutos. Na prática, uma sociedade poderá cair no
regime de transparência fiscal desde que desenvolva uma dada atividade profissional,
mesmo que não se tenha constituído para o exercício da mesma. Quando delineou o
conceito de sociedade de profissionais em função de um certo número de situações
tipo, o legislador mostrou preocupação com a necessidade de igualdade entre os
profissionais que agiam em nome próprio e os que interpunham uma sociedade entre
a sua atividade e o sujeito ativo da obrigação tributária, sem que desta personalização
resultasse qualquer alteração de fundo da sua forma de prestação de serviços e já não
com motivos de índole formal, como é o caso do objeto social previsto nos estatutos.

Exemplo 2
Carlos e Carla, ambos engenheiros técnicos, constituíram em 2019 uma
sociedade com o objeto social de “Prestação de serviços de engenharia técnica
agrícola”.

O objetivo era desenvolverem a atividade através da sociedade, contudo, nos


dois primeiros anos, face às oportunidades de negócio que lhes surgiram apenas
se dedicaram à venda de equipamentos para a agricultura, sem que para isso
tenham procedido à alteração do objeto.

Em 2020, a sociedade fica enquadrada no regime de transparência fiscal?

Resolução:

A atividade de engenheiros técnicos é uma atividade especificamente prevista


na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS (com o código 1004).
Se, como explicado, uma sociedade poderá cair no regime de transparência
fiscal desde que desenvolva uma dada atividade profissional, mesmo que não
se tenha constituído para o exercício da mesma, também para que se equacione
o enquadramento na transparência fiscal implica, desde logo, o exercício de uma
atividade profissional através da sociedade, não sendo suficiente que a mesma
conste no seu objeto social.

Assim, em 2020, a sociedade continua a não estar enquadrada no regime de


transparência fiscal.

Sem prejuízo da irregularidade de estar a desenvolver uma atividade que não


consta no objeto. Por isso, ainda não foi comunicada à AT, fazendo a sociedade
incorrer na coima por falta de entrega de declaração de alterações.

21
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Como requisitos adicionais, nesta primeira delimitação, de sociedades de profissionais,


temos:
— a exigência de que a atividade profissional exercida esteja especificamente prevista
na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS17; e que
— todos os sócios, pessoas singulares, sejam profissionais dessa atividade.

Assim, todos os sócios, sendo pessoas singulares, têm que – na sociedade – exercer a
mesma profissão e esta tem que constar especificamente na lista de atividades a que
se refere o artigo 151.º do CIRS. O que foi pensado tendo em vista, nomeadamente as
tradicionais sociedades de médicos e de advogados nas quais há estrita concordância
entre a profissão efetivamente exercida e a formação e habilitação dos sócios.

Exemplo 3

João é farmacêutico e, em janeiro de 2021, constituiu uma sociedade unipessoal


por quotas onde vem desenvolvendo a atividade de venda de produtos de
farmácia (medicamentos e relacionados).

Não ocorrendo, até ao final do ano, alteração da estrutura societária e


mantendo-se unicamente aquela atividade, em 2021 a sociedade do João fica
enquadrada no regime de transparência fiscal?

Resolução:

Farmacêutico é uma atividade especificamente prevista na lista de atividades a


que se refere o artigo 151.º do CIRS (com o código 1335). Contudo, a atividade
que João desenvolve através da sociedade é uma atividade comercial (a venda
de produtos de farmácia), e não a prestação de serviços enquanto farmacêutico.

Logo, a sociedade do João será tributada pelo regime geral de IRC.

“Não obstante, do espírito da lei resulta que não é necessário que os sócios tenham
todos a mesma profissão ou as mesmas habilitações académicas. Com efeito, a
referência às profissões constantes da tabela anexa ao CIRS, leva à inclusão no regime
de transparência fiscal de certas profissões (v.g. a actividade de consultadoria fiscal)
cujo exercício admite, por parte dos sócios, formações e habilitações diversas ainda
que complementares.
Assim, basta que todos os sócios, ainda que os títulos profissionais não sejam os
mesmos, estejam habilitados a realizar a actividade (a qual terá necessariamente de
constar da tabela anexa ao CIRS) e que participem na sociedade na qualidade de

17
Consultar a lista em anexo.

22
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

profissionais da referida actividade para que estejam verificados os pressupostos da


transparência fiscal.”18

FICHA DOUTRINÁRIA - Informação Vinculativa referente ao


Processo 911/2017, sancionado por Despacho da Diretora de Serviços
de 31 de agosto de 2017

A questão em colocada refere-se à sujeição ao regime de transparência fiscal de


uma sociedade que se dedica a atividades de medicina dentária e odontologia
(CAE 86230) e atividades de prática médica de clínica geral, em ambulatório
(CAE 86210).

O capital social da sociedade encontra-se repartido por duas quotas, cujos


titulares são profissionais da área médica, contudo o sócio maioritário está
reformado e não exerce qualquer atividade na sociedade, e somente o sócio
minoritário, no âmbito das suas competências e habilitações, desenvolve a
atividade necessária e imprescindível para a prossecução do objeto social da
entidade, ou seja, desenvolve na sociedade atividade que consta da lista anexa
ao artigo 151.º do CIRS.

“Nos termos da subalínea 1), da alínea a), do n.º 4, do artigo 6.º do CIRC,
considera-se sociedade de profissionais a sociedade constituída para o exercício
de uma atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a
que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, na qual todos os sócios, pessoas
singulares, sejam profissionais dessa atividade.

Uma vez que esta disposição impõe o exercício efetivo da atividade profissional
por todos os sócios, condição que não se verifica quanto ao sócio maioritário,
fica prejudicada a classificação da Requerente como sociedade de profissionais
ao abrigo da subalínea 1).”

Voltaremos à consulta desta Informação Vinculativa a propósito da análise que


a seguir faremos da subalínea 2), da alínea a), do n.º 4, do artigo 6.º do CIRC.

18
Código do IRC Comentado e Anotado, DGCI (1990), p. 98.

23
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

FICHA DOUTRINÁRIA - Informação Vinculativa 2789/2017 – Despacho de


2017/09/29 da Diretora de Serviços

A questão colocada prende-se com o enquadramento de uma sociedade de


consultoria económica, financeira e de comércio eletrónico, serviços de gestão
e desenvolvimento de empresas a nível doméstico e internacional, e consultoria
informática, no regime de transparência fiscal.

“2. Concretamente quanto às sociedades de profissionais, exige o Art. 6º/4 a)


subalínea 1) do Código do IRC que, para ser aplicável o regime de transparência
fiscal àquelas sociedades, estas têm de ser constituídas para o exercício de uma
atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que alude
o artigo 151.º do Código do IRS, na qual todos os sócios, pessoas singulares,
sejam profissionais dessa atividade.”

“4. No caso, o sócio único da sociedade exerce, através da sociedade, a atividade


profissional especificamente prevista na lista de atividades a que alude o artigo
151.º do Código do IRS, designadamente sob o no 1320 – Consultores, que
representa a totalidade dos rendimentos da sociedade.

5. De forma que, a sociedade, por preencher o conceito de sociedade de


profissionais, encontra-se, de acordo com o Art. 6.º do CIRC, sujeita ao regime
de transparência fiscal, por verificação cumulativa de todos os seus requisitos
legais.”

2.2.2.2 Clarificando atividade profissional especificamente prevista na


lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS

A expressão “especificamente prevista”, entretanto adotada, acompanhou a


introdução naquela lista do código ‘1519 Outros prestadores de serviços’ para
enquadramento de outras atividades exclusivamente de prestação de serviços, mas
não previstas (não enunciadas na lista). Assim, “atividade profissional especificamente
prevista na lista” limita-se às atividades que de modo específico e concreto estão
enunciadas na lista, em associação aos códigos 1000 a 1410. Mas, mais importante que
a identificação de um determinado código, é a identificação de uma atividade cuja
designação esteja especificamente enunciada na referida lista. Até porque a

24
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

associação das atividades ao cadastro fiscal das sociedades faz-se de acordo com a
lista de códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3.19

FICHA DOUTRINÁRIA - Informação Vinculativa referente ao Processo 482 /


2019 – PIV no 15 006, Despacho de 2019 / 03 / 04 da Diretora de Serviços

A questão colocada prende-se com o enquadramento de uma sociedade, cuja


atividade consiste na Angariação e Mediação Imobiliária, no regime de
transparência fiscal.

Neste caso, o sócio único da sociedade, detentor da totalidade do capital social,


exerce, através da sociedade, a atividade de Angariador e de Mediador
Imobiliário, tal como estas atividades se encontram definidas nos termos dos
Arts. 2.º e 4.º do DL 211/2004, de 20 de agosto, as quais são atividades
profissionais especificamente previstas na lista de atividades a que alude o
artigo 151.º do Código do IRS, designadamente Comissionista sob o no 1319 e
Mediador Imobiliário sob o no 1330, e que representam a totalidade dos
rendimentos da sociedade.”

FICHA DOUTRINÁRIA - Informação Vinculativa referente ao Processo


2017001951 com Despacho de 2017-10-12 da Diretora de Serviços

Abrangência do regime de transparência fiscal a sociedade de profissionais em


que a atividade prosseguida por todos os sócios é a de agente de execução.

A sociedade requerente veio solicitar informação vinculativa sobre o seu


enquadramento no regime de transparência fiscal alegando, para o efeito, ter
alterado o seu objeto social para “exercício exclusivo e em comum da atividade
de agentes de execução” e que, não se confundindo nem integrando a figura de
agente de execução na de solicitador ou de advogado, por a atividade que
desenvolve não configurar uma atividade especificamente prevista na lista de
atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS, poderia questionar-se o seu
enquadramento no n.º 1 da alínea a) do no 4 do artigo 6.º do CIRC.

“(...) A atividade de agente de execução, enquanto nominativamente designada


como tal, não se encontra especificamente prevista na tabela a que se refere o
art. 151.º do CIRS, pelo que se impõe averiguar se se trata de uma nova atividade

19
Consulta em https://www.ine.pt/ine_novidades/semin/cae/CAE_REV_3.pdf

25
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

ou, apenas, se constitui uma das modalidades possíveis de solicitadoria, com


efeitos restritos ao contexto especifico de um processo de execução.
A dilucidação da questão está fundamentalmente dependente da análise da
figura de agente de execução cujo regime jurídico emerge da Lei 154/2015, de
14 de setembro, com entrada em vigor em 14-10-2015, que transformou a
Câmara dos Solicitadores em Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de
Execução, e aprovou o respetivo Estatuto, em conformidade com a Lei n.º
2/2013, de 10 de janeiro, que, por sua vez, estabeleceu o regime jurídico de
criação, organização e funcionamento das associações publicas profissionais.

(...) O agente de execução é definido como “o auxiliar da justiça que, na


prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no
cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução, nas
notificações, nas citações, nas apreensões, nas vendas e nas publicações no
âmbito de processos judiciais, ou em atos de natureza similar que, ainda que
não tenham natureza judicial, a estes podem ser equiparados ou ser dos
mesmos instrutórios”, esclarecendo-se, definitivamente, que “ainda que
nomeado por uma das partes processuais, não é mandatário desta nem a
representa” (cfr. art. 162.º).

(...) A transmudação da sua designação de “solicitador” para “agente” deveu- se


ao alargamento do universo dos profissionais que passou a abarcar - mero
expediente de recrutamento de profissionais com formação rápida face às
crescentes necessidades desses agentes no mercado profissional (no preâmbulo
do DL 226/2008, fala-se na necessidade de aumentar o número de agentes de
execução para garantir uma efetiva possibilidade de escolha pelo exequente).
Por outro lado, a neutralidade no desempenho das funções de agente de
execução da nova categoria de profissionais ora admitidos – os advogados – foi
garantida na previsão do n.º 1 do art. 85.º do Estatuto da Ordem dos Advogados,
ao vedar-se aos advogados inscritos no colégio dos agentes de execução o
exercício do mandato judicial em toda a sua extensão (e não apenas em sede de
execução como sucedia anteriormente).

Também, a evolução da reforma do processo executivo veio acentuar a vertente


liberal da profissão de agente de execução, ainda que, no que se refere às suas
relações com o exequente - por quem é pago (vd. art. 721.º do CPC, no 1),
designado, de entre os designados em lista oficial (cfr. no 1 do art. 720o do CPC)
e, eventualmente substituído (cfr. n.º 3 do art. 720.º do CPC) - não seja deste
mandatário nem o represente (cfr. art. 162.º do EOSAE). Contudo, a
componente privada da sua nomeação, o facto de atuar em nome próprio e o
modo da regulação da sua atuação apontam no sentido da caracterização da
atividade que desenvolvem como sendo a de uma solicitadoria especializada.

26
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Pelo que se conclui pelo correto enquadramento da requerente enquanto


sociedade constituída para o exercício de uma atividade profissional
especificamente prevista na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do
CIRS.

Importa também lembrar que a expressão “atividade profissional especificamente


prevista na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS” está presente em
várias outras normas fiscais, exatamente com o mesmo sentido que explicámos para a
sua correta perceção no âmbito do artigo 6.º do CIRC:
— O artigo 31.º do CIRS (Regime simplificado) prevê a aplicação do coeficiente 0,75
aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que
se refere o artigo 151.º, para efeitos de determinação do rendimento tributável
daqueles profissionais;
— O mesmo está previsto no artigo 86.º-B do CIRC para determinação da matéria
coletável no âmbito do regime simplificado em IRC;
— O artigo 101.º do CIRS (Retenção sobre rendimentos de outras categorias) determina
a retenção de IRS na fonte à taxa de 25% sobre rendimentos decorrentes das atividades
profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º

A lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS20 inclui predominantemente


os ditos “profissionais liberais”. São estes, essencialmente, que estão na origem das
sociedades de profissionais. As profissões liberais correspondem, basicamente, a
atividades de natureza intelectual, que não integram qualquer componente comercial
ou industrial, exercidas com autonomia e, em muitos casos, suscetíveis de serem
sujeitas a regulamentação, disciplina e controlos próprios (por integração numa Ordem
profissional) visando a sua dignificação, bem como a salvaguarda das legítimas
expetativas dos cidadãos que a elas recorrem.

Mas, para além das profissões liberais de natureza intelectual, aquela lista integra
outras atividades que assentam essencialmente em prestação de serviços, como sejam
atividades de caráter manual (ex: topógrafos, engomadores ou esteticistas),
desportivas (desportistas) ou artísticas (ex: artistas de teatro, bailarinos, músicos ou
pintores).

Neste contexto, aquela lista de atividades sempre sofreu algumas críticas. Desde logo,
várias das atividades especificamente previstas na tabela do artigo 151.º do CIRS não
delimitam objetivamente o âmbito dos serviços a que se referem. Na prática há
situações que não são simples de aplicar, apesar de nos parecer simples perceber o

20
Cuja versão atual foi publicada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21 de Agosto, e sofreu atualizações pela
Portaria 256/2004, de 9 de março e pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro.

27
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

objetivo da separação criada na lei. Para além dos comissionistas (1319) com uma
abrangência muito grande de serviços, desde que remunerados à comissão, há outras
atividades especificamente previstas na lista do artigo 151.º, onde podem incluir-se
serviços variados: Nos administradores de bens (1310) incluem-se os administradores
de condomínios? E que outras situações aqui se incluem? Até onde vai a abrangência
dos outros artistas (2015)? E o que se inclui nos técnicos similares (4016)? Consultores
(1320) inclui também muita atividade diversa. O que delimita a consultoria para este
efeito? Estas atividades não estão tão especificamente definidas como se exigiria, para
uma simples e objetiva aplicação das normas fiscais que remetem para as “atividades
especificamente previstas na tabela...”

Várias dúvidas se foram levantando também quanto à atividade de desportistas (1323).


Vejamos a análise de AT perante um pedido de esclarecimento relacionado com o
coeficiente a aplicar no regime simplificado de IRS:

FICHA DOUTRINÁRIA - Informação Vinculativa referente ao Processo 920/


2018, com despacho concordante da Subdiretora Geral do IR, de 02-05-2018

Assunto: Declaração de rendimentos provenientes da atividade de árbitro de


futsal.

Pretende o requerente que lhe seja prestada informação sobre a forma como
deve declarar, para efeitos de IRS, os rendimentos obtidos da atividade com o
CAE 93192 - Outras atividades desportivas, n.e.

“4. Para efeitos de IRS, a atividade de árbitro de futsal, está enquadrada na


alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS e consubstancia uma prestação
de serviço especificamente prevista na tabela de atividades a que se refere o
artigo 151.º do Código do IRS, sob o código CIRS 1323 – Desportistas. Trata-se
de um código abrangente que engloba, para além dos atletas, todos os agentes
desportivos participantes nas atividades desportivas.”

Se, para efeitos de IRS, o rendimento proveniente da atividade de árbitro de futsal


deve ser inscrito no campo 403 do quadro 4-A do anexo B da declaração de rendimentos
modelo 3 de IRS, para o sujeitar à aplicação do coeficiente de 0,75, previsto na alínea
b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS para as atividades especificamente previstas na tabela
a que se refere o artigo 151.º, idêntica análise quanto à atividade para efeitos do artigo
6.º do CIRC levaria necessariamente ao enquadramento de uma sociedade no regime
de transparência fiscal, cumpridos que estivessem os restantes requisitos.

28
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Em complemento a esta abordagem, e às informações vinculativas apresentadas para


o artigo 6.º do CIRC, sempre se sugere a consulta de outras informações vinculativas
emitidas no âmbito desta temática para efeitos de IRS. Ou, na dúvida, que se peça
informação vinculativa para a situação em concreto, nos termos do artigo 68.º da Lei
Geral Tributária.

2.2.2.3 Exercício pluridisciplinar de atividades e novo conceito de


sociedade de profissionais introduzido em 2014

A Comissão para a Reforma do IRC considerou que o regime de transparência fiscal,


especialmente quando aplicável às sociedades de profissionais, merecia uma reflexão.

“Uma das vertentes desta reflexão tem que ver com o próprio conceito de sociedades
de profissionais. A definição atual encontra-se centrada unicamente na exigência de
que todos os sócios desempenhem a mesma profissão, algo que, no entendimento da
Comissão, não apenas se presta frequentemente a comportamentos de substituição,
como se mostra já ultrapassada em face das diretrizes da Lei n.º 2/2013, de 10 de
janeiro.”21

Com vista a ultrapassar estas questões, a Comissão propôs uma nova definição, mais
completa, que deixa de se reconduzir obrigatoriamente à referida exigência de
identidade da profissão dos sócios, e qualifica também como sociedades de
profissionais.

Assim, alargamento do conceito de sociedades de profissionais a sociedade cujos


rendimentos provenham, em mais de 75 %, do exercício conjunto ou isolado de
atividades profissionais especificamente previstas na lista a que se refere o artigo
151.º do Código do IRS, desde que, cumulativamente, durante mais de 183 dias do
período de tributação,
• o número de sócios não seja superior a cinco,
• nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público e,
• pelo menos, 75 % do capital social seja detido por profissionais que exercem as
referidas atividades, total ou parcialmente, através da sociedade,22
foi alinhado com a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que aprovou o novo regime jurídico
de criação, organização e funcionamento das Associações Publicas Profissionais,
segundo o qual “podem ser constituídas sociedades de profissionais que tenham por

21
Relatório final da Comissão para a reforma do IRC, 30 de junho de 2013, p. 96.
22 Redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, com a já explicada alteração introduzida pela Lei n.º 82-
C/2014, de 31 de dezembro, aplicável aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro
de 2015.

29
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

objeto principal o exercício de profissões organizadas numa única associação pública


profissional, em conjunto ou em separado com o exercício de outras profissões ou
atividades, desde que seja observado o regime de incompatibilidades e impedimentos
aplicável.”23

Apesar desta tentativa de aproximação de conceitos, podemos encontrar:


— Sociedades de profissionais que o são para efeitos de aplicação do regime da
transparência fiscal e que o não são para efeitos civis;
— Sociedades que são consideradas profissionais para efeitos de sujeição ao regime da
transparência fiscal que, nos termos da Lei n.º 2 /2013, não configuram sociedades de
profissionais.

Nesta nova definição de sociedades de profissionais que admite o exercício conjunto


ou isolado de atividades profissionais especificamente previstas na lista a que se refere
o artigo 151.º do CIRS em simultâneo com outras atividades não previstas naquela lista,
o critério da origem dos rendimentos por atividades revela-se primordial. Assim, só
poderemos estar perante uma sociedade de profissionais se os rendimentos com origem
na(s) atividade(s) especificamente previstas na lista a que se refere o artigo 151.º do
CIRS representarem mais de 75 % do total de rendimentos da sociedade.

Se os rendimentos com origem na(s) atividade(s) especificamente previstas na lista a


que se refere o artigo 151.º do CIRS representarem 75 %, ou menos, do total de
rendimentos da sociedade, esta nunca poderá ser qualificada como sociedades de
profissionais.

Representando os rendimentos com origem em atividades profissionais mais de 75 % do


total de rendimentos da sociedade, só estamos perante uma sociedade de profissionais
se os outros três requisitos se verificam em simultâneo. Ou seja: durante mais de 183
dias do período de tributação:
— o número de sócios não é superior a cinco,
— nenhum dos sócios é pessoa coletiva de direito público e,
— pelo menos, 75 % do capital social é detido por profissionais que exercem as
atividades profissionais, total ou parcialmente, através da sociedade.

Recorda-se que as condições de enquadramento no regime da transparência fiscal, são


aferidas na data do facto gerador do imposto, ou seja, no último dia do período de
tributação.

23 Artigo 27.º, n.º 1.

30
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

TRANSPARÊNCIA
Sociedades de profissionais - artigo 6.º, n.º 4), al. a), 2)
FISCAL?

NÃO NÃO
Durante mais de 183 dias do
período de tributação:
Rendimentos
com origem
em atividades
— O número de sócios não é
superior a cinco?
NÃO NÃO
profissionais E
representam — Nenhum dos sócios é pessoa
mais de 75 % SIM coletiva de direito público?
do total de E
rendimentos
— Pelo menos, 75 % do capital
da sociedade?
social é detido por profissionais
que exercem as atividades SIM SIM
profissionais, total ou
parcialmente, através da
sociedade?

Fonte: Elaboração própria

O conceito de sociedade de profissionais assim formulado presta-se a que, não raras


vezes, os empresários procurem criar cenários de exclusão de enquadramento na
transparência fiscal, nomeadamente com a constituição de sociedades para exercício
conjunto de atividades profissionais e outras profissões ou atividades, ou a detenção
de partes de capital de pelo menos 26 % por pessoas que não exerçam as atividades
profissionais, total ou parcialmente, através da sociedade.

Em relação a esta última possibilidade, há que dar especial atenção às disposições do


CSC quanto à necessidade de certas deliberações serem tomadas por maioria de três
quartos (75 %) dos votos correspondentes ao capital social,24 e o risco que pode advir

24 A título de exemplo:

Artigo 217.º - Direito aos lucros do exercício: 1 - Salvo diferente cláusula contratual ou deliberação tomada
por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social em assembleia geral para o efeito
convocada, não pode deixar de ser distribuído aos sócios metade do lucro do exercício que, nos termos
desta lei, seja distribuível.

Artigo 257.º - Destituição de gerentes: 1 - Os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de
gerentes. 2 - O contrato de sociedade pode exigir para a deliberação de destituição uma maioria
qualificada ou outros requisitos; se, porém, a destituição se fundar em justa causa, pode ser sempre
deliberada por maioria simples.

31
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

da inclusão de um sócio “estranho” a quem se permite mais de 25% de detenção do


capital social, apenas com o objetivo de evitar o enquadramento na transparência
fiscal.

Exemplo 4

A sociedade “Café e Pastelaria Viriato, Lda.”, para além de fabricar e vender os


melhores bolos da região é também o estabelecimento onde, na sua cidade, os
Jogos Santa Casa são mais procurados.

A sociedade é detida por João e Joana, cada um com quota de 50 % do capital,


e ambos trabalham no estabelecimento.

Em 2020, a faturação:
– Serviço de café e venda de pastelaria - 280.000,00 €

– Comissões dos Jogos Santa Casa - 205.000,00 €


– Total - 485.000,00 €

Verificam-se requisitos para enquadramento da sociedade no regime de


transparência fiscal?
Resolução:

A atividade de comissionistas é uma atividade especificamente prevista na lista


de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS (com o código 1319). Mas
os rendimentos provenientes desta atividade representam apenas 42,27 % dos
rendimentos totais auferidos pela sociedade durante 2020.

Assim, não estamos perante uma sociedade de profissionais, mesmo que


cumpridos todos os restantes requisitos previstos no ponto 2) da alínea a) do
n.º 4 do artigo 6.º do CIRC.

Artigo 265.º - Maioria necessária (para alterações do contrato de sociedade): 1 - As deliberações de


alteração do contrato só podem ser tomadas por maioria de três quatros dos votos correspondentes ao
capital social ou por número ainda mais elevado de votos exigido pelo contrato de sociedade.

Artigo 270.º - Dissolução da sociedade: 1 - A deliberação de dissolução da sociedade deve ser tomada por
maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social, a não ser que o contrato exija maioria
mais elevada ou outros requisitos.

Artigo 294.º - Direito aos lucros do exercício: 1 - Salvo diferente cláusula contratual ou deliberação tomada
por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social em assembleia geral para o efeito
convocada, não pode deixar de ser distribuído aos acionistas metade do lucro do exercício que, nos termos
desta lei, seja distribuível.

32
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Exemplo 5

António, contabilista certificado, desenvolve esta atividade desde 2014 através


da sociedade “António é de Boas Contas, Unipessoal, Lda.”

Em complemento, a empresa tem no objeto social, e desenvolve, a atividade de


venda de artigos de papelaria e material de escritório, que tem representado
em cada ano uma percentagem entre 10 % e 15 % do seu volume de negócios.

Em 2020, a sociedade de António adquiriu a carteira de clientes do também


contabilista certificado João e integrou os anteriores colaboradores deste. Dado
o crescimento da atividade e aumento do número de colaboradores, decidiu
comprar um escritório.

Para ajudar ao financiamento, em 1 de outubro de 2020 fez uma transformação


na sociedade com aumento de capital, e foi admitido um novo sócio, com 40 %
do capital social. Este é irmão de António e mecânico de automóveis.

Em 2020 a sociedade “António é de Boas Contas, Unipessoal, Lda.” enquadra-se


no regime de transparência fiscal?

Resolução:
A atividade de contabilista certificado é uma atividade especificamente prevista
na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS (com o código 4015
Técnicos oficiais de contas).
A atividade de contabilista certificado é exercida conjuntamente com uma
atividade de comércio. Contudo, os rendimentos com origem na atividade
profissional representam mais de 75 % do total de rendimentos da sociedade.

Assim, importa verificar se, durante mais de 183 dias do período de tributação;
se verificou em simultâneo:

— o número de sócios não foi superior a cinco, (verifica-se)


— nenhum dos sócios é pessoa coletiva de direito público e, (verifica-se)

— pelo menos, 75 % do capital social foi detido por profissionais que exercem
as atividades profissionais, total ou parcialmente, através da sociedade (verifica-
se).
Com efeito, o capital social foi 100 % detido pelo contabilista certificado que
trabalha na sociedade, entre um de janeiro e 30 de setembro.

Assim, no exercício de 2020 a sociedade está enquadrada na transparência


fiscal.

Se, por hipótese, o irmão de António tivesse detido os 40 % do capital social


desde 10 de abril, não se mostraria cumprida a condição de pelo menos, 75 %
do capital social ser detido, durante mais de 183 dias do período de tributação,
por profissionais que exercem as atividades profissionais, total ou parcialmente,

33
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

através da sociedade, e esta já seria tributada no regime geral de IRC no período


de 2020.

Exemplo 6

Durante todo o ano de 2020, 6 médicos foram sócios de uma sociedade, através
da qual desenvolveram a sua atividade, e a prática de medicina é a única
atividade da sociedade.

Em 2020 a sociedade enquadra-se no regime de transparência fiscal?

Resolução:

Sim.
Nesta situação é irrelevante o número de sócios profissionais a que se refere o
ponto 2) da alínea a) do n.º 4 do artigo 6.º do CIRC.

Esta sociedade é enquadrada no regime de transparência fiscal pelo ponto 1) da


alínea a) do n.º 4 do artigo 6.º do CIRC, pois foi constituída para o exercício de
uma única atividade profissional, na qual todos os sócios pessoas singulares são
profissionais dessa atividade.
A norma do ponto 1) da alínea a) do n.º 4 do artigo 6.º do CIRC nada prevê
quanto ao número de sócios, pelo que este dado é irrelevante, cumpridas que
estejam as condições referidas no parágrafo anterior.

Exemplo 7

Durante todo o ano de 2020, 3 contabilistas certificados e 3 formadores foram


sócios de uma sociedade, através da qual desenvolveram as suas atividades.
Estas são as únicas atividades da sociedade.

Em 2020 a sociedade enquadra-se no regime de transparência fiscal?

Resolução:

Não.
Não fica enquadrada no regime de transparência fiscal pelo ponto 1) da alínea
a) do n.º 4 do artigo 6.º do CIRC, pois foi constituída para o exercício de duas
atividades profissionais especificamente previstas na lista de atividades a que se
refere o artigo 151.º do CIRS.

As atividades de contabilista certificado e de formador são exercidas


conjuntamente e os rendimentos com origem nas mesmas representam 100 %
dos rendimentos da sociedade.
Assim, importa verificar se, durante mais de 183 dias do período de tributação;
se verificou em simultâneo:

34
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

— o número de sócios não foi superior a cinco, (NÃO se verifica)


— nenhum dos sócios é pessoa coletiva de direito público e, (verifica-se)

— pelo menos, 75 % do capital social foi detido por profissionais que exercem
as atividades profissionais, total ou parcialmente, através da sociedade (verifica-
se).
Logo pela não verificação da condição quanto a número de sócios se concluiria
que também não fica enquadrada no regime de transparência fiscal pelo ponto
2) da alínea a) do n.º 4 do artigo 6.º do CIRC.

Analisemos algumas informações vinculativas sobre esta norma.

FICHA DOUTRINÁRIA - Informação Vinculativa referente ao Processo


911/2017, sancionado por Despacho da Diretora de Serviços,
de 31 de agosto de 2017

A questão em colocada refere-se à sujeição ao regime de transparência fiscal de


uma sociedade que se dedica a atividades de medicina dentária e odontologia
(CAE 86230) e atividades de prática médica de clínica geral, em ambulatório
(CAE 86210).

O capital social da sociedade encontra-se repartido por duas quotas, cujos


titulares são profissionais da área médica, contudo o sócio maioritário está
reformado e não exerce qualquer atividade na sociedade, e somente o sócio
minoritário, no âmbito das suas competências e habilitações, desenvolve a
atividade necessária e imprescindível para a prossecução do objeto social da
entidade, ou seja, desenvolve na sociedade atividade que consta da lista anexa
ao artigo 151.º do CIRS.

Como já havíamos verificado, uma vez que o ponto 1) da alínea a) do n.º 4 do


artigo 6.º do CIRC impõe o exercício efetivo da atividade profissional por todos
os sócios, e essa condição que não se verificava quanto ao sócio maioritário, a
Requerente não podia ser classificada da como sociedade de profissionais ao
abrigo dessa norma.

Mas importava também analisar a possibilidade de enquadramento ao abrigo


do ponto 2 da mesma alínea. Assim:

“Para que ocorra a extensão do regime da transparência fiscal, a coberto da


subalínea 2), da alínea a), do n.º 4, do artigo 6.º do CIRC é necessário que: a) os
rendimentos provenham em mais de 75% do exercício conjunto ou isolado de

35
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

atividades profissionais especificamente prevista na lista constante do art.º


151.º do CIRS e que, cumulativamente, durante mais de 183 dias do período de
tributação, o número de sócios não seja superior a cinco, nenhum deles seja
pessoa coletiva de direito público, e pelo menos 75% do capital social seja detido
por profissionais que exerçam as referidas atividades, total ou parcialmente,
através da sociedade.

Na situação em análise e de acordo com os elementos fornecidos: os


rendimentos da sociedade provêm, na sua totalidade, do exercício de atividades
profissionais especificamente previstas na lista constante do artigo 151.º do
CIRS (serviços de medicina dentária); durante mais de 183 dias do período de
tributação o número de sócios não é superior a cinco; nenhum dos sócios é
pessoa coletiva de direito público.

Quanto ao capital societário, este encontra-se distribuído por duas quotas,


correspondentes a 52% e 48% do capital social. Tendo em consideração que o
sócio maioritário está reformado e não exerce qualquer atividade na sociedade,
o requisito relativo à percentagem do capital social detido por profissional que
exerça a atividade através da sociedade não se encontra verificado, uma vez que
o sócio que exerce a atividade naqueles termos detém, apenas, 48% do capital
social, não alcançando o limiar de 75% exigido.

Assim, e porque não se observam os requisitos constantes das subalíneas 1) e


2), da alínea a), do n.º 4 do artigo 6.º do CIRC, a Requerente não pode ser
classificada como sociedade de profissionais, pelo que não está enquadrada no
regime de transparência fiscal.

FICHA DOUTRINÁRIA - Informação Vinculativa referente ao Processo 145/2018


– PIV no 13 069, Despacho de 2019/04/11 da Subdiretora-Geral do IR e das
Relações Internacionais

A questão colocada prende-se com o eventual enquadramento fiscal de uma


sociedade, cuja atividade é a formação profissional, no regime de transparência
fiscal.

“A entidade é uma sociedade comercial por quotas, pertencendo uma quota


representativa de 51% do capital social a uma sócia, formadora e auditora de
profissão, e outra representativa de 49% do mesmo capital social, pertencente
a outro sócio, não residente, formador de profissão.
2. O regime de transparência fiscal, previsto no Art. 6.º do CIRC, é de aplicação
imediata caso estejam verificados os pressupostos consignados na lei.

36
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

3. Concretamente quanto às sociedades de profissionais, exige o Art. 6.º/4 a)


subalínea 1) do CIRC que, para ser aplicável o regime de transparência fiscal
àquelas sociedades, estas têm de ser constituídas para o exercício de uma
atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que alude
o artigo 151.º do Código do IRS, na qual todos os sócios pessoas singulares sejam
profissionais dessa atividade, o que não se verifica no caso, uma vez que um dos
sócios é não residente.
4. Com a Lei no 2/2014, de 16 de janeiro, alterou-se o Art. 6.º do CIRC, com
introdução de uma nova subalínea 2) na al. a) do no 4 daquele preceito, que
considera uma sociedade de profissionais a sociedade cujos rendimentos
provenham, em mais de 75%, do exercício conjunto ou isolado de atividades
profissionais especificamente previstas na lista constante do artigo 151.º do
Código do IRS, desde que, cumulativamente, durante mais de 183 dias do
período de tributação, o número de sócios não seja superior a cinco, nenhum
deles seja pessoa coletiva de direito público e, pelo menos, 75% do capital social
seja detido por profissionais que exercem as referidas atividades, total ou
parcialmente, através da sociedade.
5. Neste caso, a sócia da sociedade, que exerce a atividade de formação na
sociedade, apenas detém uma quota representativa de 51% do capital social,
pelo que os pressupostos não se encontram verificados.
6. De forma que a sociedade, por não preencher o conceito de sociedade de
profissionais, não se encontra, de acordo com o Art. 6.º do CIRC, sujeita ao
regime de transparência fiscal”.

FICHA DOUTRINÁRIA - Informação Vinculativa referente ao Processo 2017


2452 - PIV 12370, sancionado por despacho de 2017-11-07
da Diretora de serviços do IRC

Uma pessoa singular vem solicitar informação vinculativa sobre o


enquadramento fiscal de sociedade a constituir com a seguinte estrutura
societária:
- A Sócia titular de 85% do capital social, contabilista certificada irá exercer a
atividade através da empresa;
- A sócia que irá deter 10% do capital social, contabilista certificada, irá exercer
também a atividade na empresa;
- A sócia titular de 5% do capital social, a qual não é profissional liberal, exercerá
atividade de apoio à atividade da empresa.
A sociedade exercerá a título principal a atividade de contabilidade,
consultadoria e, secundariamente, a atividade de serviços administrativos.

37
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

“A atividade a desenvolver a título principal, cai no âmbito da CAE 69200, a qual


compreende, nomeadamente, as atividades de: registo das operações
contabilísticas correntes; verificação e revisão de contas; certificação de contas
e auditoria de contas financeiras; preparação de declarações de rendimentos
fiscais, consultoria e representação (exceto a representação jurídica) perante as
autoridades fiscais, executadas por conta de empresas ou de particulares.
Consubstancia-se, pois, na preparação de declarações de rendimentos fiscais,
consultoria e representação perante as autoridades fiscais, executadas por
conta de empresas ou de particulares.

As atividades de consultores fiscais e de técnicos oficiais de contas constam


especificamente da tabela de atividades a que se refere o artigo 151.º do Código
do IRS, de acordo com os seguintes códigos:
4012 Consultores fiscais;
4015 Técnicos oficiais de contas (atualmente designados contabilistas
certificados).

A atividade de serviços administrativos desenvolvida a título secundário pela


sociedade não releva para o enquadramento uma vez que a atividade principal
cai no âmbito da CAE 69200, correspondendo especificamente na tabela anexa
ao artigo 151.º do CIRS aos códigos 4012 e 4015.

Assim, os rendimentos provenientes da atividade principal resultam


especificamente de atividades previstas na tabela anexa ao artigo 151.º do CIRS,
e irão atingir mais de 75% do total dos rendimentos da sociedade pelo que
estará́ preenchido também o requisito do mínimo de rendimento previsto na
primeira parte da subalínea 2) da alínea a) do n.º 4 do artigo 6.º do Código do
IRC ficando a futura sociedade enquadrada no regime de transparência fiscal.”

Embora concordemos, naturalmente, com a conclusão sobre o enquadramento da


sociedade, não podemos deixar de dar nota de que se estranha a ordem em que a
verificação dos requisitos foi analisada, na medida em que o critério da percentagem
da proveniência dos rendimentos da sociedade deve ser ponderado em primeiro lugar.

A condição de nenhum dos sócios ser pessoa coletiva de direito público foi introduzida
nesta definição de sociedades de profissionais, na linha do que já estava previsto no
conceito de simples administração de bens, que vamos analisar no ponto seguinte. Se
algum dos sócios for pessoa coletiva de direito privado, admite-se a possibilidade de a
sociedade ser enquadrada no regime de transparência fiscal.

38
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Atente-se nesta posição da AT, pese embora todas a dúvidas que se levantam sobre a
possibilidade prática de imputação de matéria coletável de uma sociedade a outra
sociedade, como adiante analisaremos.

FICHA DOUTRINÁRIA - Informação Vinculativa referente ao Processo 2019


003187, sancionado por Despacho da Subdiretora Geral, de 31 de julho de
2020. PIV n.º 16150

A questão em apreço prende-se com o enquadramento jurídico-tributário a


conferir a uma sociedade de advogados integralmente detida por dois sócios
pessoas coletivas, mais concretamente, aferir se tal sociedade se encontra
abrangida pelo regime da transparência fiscal, previsto no artigo 6.º do CIRC.

“(...) Uma sociedade detida integralmente por pessoas coletivas, não pode ser
qualificada como transparente ao abrigo subalínea 1) da alínea a) do n.º 4 do
artigo 6.º do Código do IRC, porquanto não tem sócios pessoas singulares.

No que concerne à previsão constante da subalínea 2), verificou-se que os


rendimentos da sociedade (obrigada ao exercício exclusivo da advocacia, nos
termos do n.º 7 do artigo 213.o do EOA) provêm, na totalidade, do exercício da
atividade profissional de advogado, especificamente prevista na lista a que se
refere o artigo 151.º do Código do IRS, que existem apenas dois sócios e que
nenhum deles é pessoa coletiva de direito público.

Finalmente, quanto ao requisito de detenção de, pelo menos, 75 % do capital


social da sociedade por profissionais que exercem as referidas atividades, total
ou parcialmente, através da sociedade, é de salientar que, do cotejo entre as
duas subalíneas que contêm a definição de sociedade de profissionais, resulta
evidente uma diferença: enquanto a subalínea 1) faz menção expressa a sócios
pessoas singulares que sejam profissionais dessa atividade, tal referencia a
pessoas singulares não consta da subalínea 2). Além disto, pese embora a
subalínea 2) não faça uma referência específica à detenção indireta do capital
social, a ausência de tal referência não significa, de forma automática, que a
participação social tem de ser detida diretamente por profissionais que exercem
as atividades especificamente previstas na lista a que se refere o artigo 151.º do
Código do IRS.

O aditamento de uma nova definição de sociedade de profissionais foi


justificado pela Comissão de Reforma do IRC pelo facto de o conceito de
sociedades de profissionais existente se prestar, frequentemente, a
comportamentos de substituição, mostrando-se ultrapassado em face das
diretrizes da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, propondo a Comissão uma nova

39
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

definição, mais completa. Uma interpretação que restringisse o requisito da


detenção do capital social exclusivamente a uma detenção direta, subverteria o
espírito e a lógica que estiveram subjacentes ao aditamento da subalínea 2) da
alínea a) do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRC: fornecer uma definição mais
completa e que venha obviar a comportamentos de substituição.

Uma vez que na sociedade de advogados 100% do seu capital social é detido
(ainda que indiretamente) por profissionais que exercem a referida atividade,
total ou parcialmente, através da sociedade, encontram-se verificados os
requisitos constantes da subalínea 2), da alínea a), do n.º 4 do artigo 6.º do
Código do IRC. Logo, tal entidade deverá ser classificada como sociedade de
profissionais, estando enquadrada no regime de transparência fiscal.”

2.2.3 Sociedades de simples administração de bens

É igualmente imputada aos sócios a matéria coletável das sociedades de simples


administração de bens, cuja maioria do capital social pertença, direta ou
indiretamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar, ou
cujo capital social pertença, em qualquer dia do exercício social, a um número de
sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público.

A definição de sociedade de simples administração de bens consta na alínea b) do n.º


4 do artigo 6.º do CIRC: sociedade que limita a sua atividade à administração de bens
ou valores mantidos como reserva ou para fruição ou à compra de prédios para a
habitação dos seus sócios, bem como aquela que conjuntamente exerça outras
atividades e cujos rendimentos relativos a esses bens, valores ou prédios atinjam, na
média dos últimos três anos, mais de 50% da média, durante o mesmo período, da
totalidade dos seus rendimentos.

Como primeiro requisito para enquadramento destas sociedades no regime de


transparência fiscal constatamos a exigência de que estas limitem a sua atividade à
administração de bens ou valores mantidos para reserva ou para fruição, o que
evidencia a irrelevância do objeto social previsto no pacto social, focando-se a
definição na atividade efetivamente desenvolvida. Por outro lado, à qualificação
destas entidades está associada uma certa permanência dos bens ou valores no
património social de tal modo que a atuação da empresa deve assentar, em primeira
linha, em atos de conservação dos mesmos.

Admite-se ainda a qualificação como sociedades de simples administração de bens


daquelas que, exercendo outra atividade conjuntamente com a de administração de

40
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

valores ou bens mantidos para reserva ou fruição, os rendimentos relativos a esses


bens, valores ou prédios atinjam, na média dos últimos três anos, mais de 50 % da
média, durante o mesmo período, da totalidade dos seus rendimentos.

“Da definição exposta resulta a necessidade, para a sujeição destas últimas entidades
ao regime da transparência fiscal, do decurso de um prazo de três anos, pois só a partir
desse momento é possível aferir da existência de todos os requisitos necessários para
a respetiva qualificação como sociedade de mera administração de bens.

O legislador ao socorrer-se, para qualificar estas entidades, do critério da origem do


rendimento, ateve-se essencialmente à ausência, em tais casos, de uma organização
empresarial suficientemente forte que inviabilizaria a respetiva qualificação como
sociedade de mera administração de bens. Justifica-se, pois, em relação a tais
entidades a aplicação do regime de transparência fiscal instituído neste artigo.

A título de exemplo poderemos referir que uma sociedade cujo ativo é constituído por
um prédio e cujo objeto radique precisamente no arrendamento dos andares e das
lojas do mesmo, deverá considerar-se como sociedade de mera administração de bens.
Contudo, já não será de mera administração de bens a sociedade que tem por atividade
a construção de imóveis para a sua posterior exploração, a não ser que os proveitos
obtidos, se imputáveis à “actividade” de arrendamento (também desenvolvida por esta
entidade), atinjam na média dos últimos 3 anos mais de 50% da totalidade dos
proveitos.”25

Além da importância de se clarificar que atividades e rendimentos decorrem da


administração de bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição, importa
delimitar que imóveis. A AT esclareceu que só serão de considerar rendas recebidas de
imóveis próprios, arrendados no âmbito da atividade da sociedade. Bem como a
administração de bens propriedade da empresa.

FICHA DOUTRINÁRIA - Informação Vinculativa referente ao Processo 2018


000144, sancionado por Despacho, de 26 de janeiro de 2018, da Diretora SIRC

A questão em apreço consiste em saber quais as atividades que se consideram


como de reserva ou fruição numa sociedade de simples administração de bens
para efeitos do regime da transparência fiscal, bem como, quais os rendimentos
a considerar para efeitos de aferir a média de 50% dos últimos três anos da
totalidade dos rendimentos da sociedade, no sentido de se apurar se está ao
não sujeita àquele regime.

25 Código do IRC Comentado e Anotado, DGCI (1990), p. 101.

41
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

“1. Para que uma sociedade se considere como de simples administração de


bens, nos termos da alínea b) do n.º 4 do art.º 6.º do CIRC, é necessário que
pratique atos de administração de bens ou valores mantidos como reserva ou
para fruição, entendendo-se como tal aqueles que digam respeito, entre outros,
a contratos de locação ou arrendamento desses bens, a sua manutenção,
reparação, ou realização de benfeitorias.

2. Não podem ser considerados como provenientes de bens mantidos como


reserva ou para fruição os rendimentos provenientes de rendas recebidas de
subarrendamentos de imóveis que a empresa tomou de arrendamento a
terceiros, isto é, imóveis que não façam parte do património da sociedade.
Deste modo, apenas as rendas recebidas de imóveis próprios, arrendados no
âmbito da atividade da sociedade, integram o conceito de rendimentos
provenientes de administração de bens ou valores mantidos como reserva ou
para fruição.

3. Para efeitos de aferir a média de 50% dos últimos três anos da totalidade dos
rendimentos da sociedade, no sentido de se apurar se está ao não sujeita ao
regime da transparência fiscal, previsto no art.º 6.º do CIRC, verifica-se que:

a) Relativamente aos rendimentos provenientes da venda de imóveis


adquiridos para revenda no âmbito da atividade da sociedade, o respetivo
rendimento é o valor da venda do imóvel (preço), dado tratarem-se de
inventários, não sendo estes rendimentos considerados como provenientes
da atividade de administração de bens ou valores mantidos como reserva
ou para fruição.

b) No que concerne a juros de aplicações financeiras (obrigações), deve ser


considerada a totalidade dos rendimentos recebidos a título de juros (alínea
c) do n.º 1 do art.º 20.º do CIRC), não sendo estes rendimentos considerados
como provenientes da atividade de administração de bens ou valores
mantidos como reserva ou para fruição.

c) No que diz respeito às mais-valias de aplicações financeiras (obrigações),


incluindo os juros decorridos, nos termos do art.º 46.º e seguintes do CIRC,
não são igualmente considerados como provenientes da atividade de
administração de bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição.

42
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

FICHA DOUTRINÁRIA - Informação Vinculativa referente ao Processo 2019


002222, sancionado por Despacho de 30 de outubro de 2019, da Diretora de
Serviços do IRC. PIV n.º 15756

“A entidade em causa tinha como objeto social a mediação imobiliária e


administração de imoveis por conta de outrem, estando inscrita com o CAE
Principal 68311 – “Atividades de Mediação Imobiliária” e o CAE Secundário
68321 – “Administração de Imoveis por Conta de Outrem”. Não se tratando de
sociedade civil não constituída sob forma comercial, a aplicação do regime de
transparência fiscal só́ poderia ocorrer ao abrigo das alíneas b) ou c) do n.º 1 do
artigo 6.º.

A sociedade foi constituída para o exercício de atividades profissionais


constantes da lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS
– “1310 Administradores de bens” e “1330 Mediadores imobiliários”.
Uma vez que a sociedade foi constituída para o exercício de mais do que uma
atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que se
refere o artigo 151.º do Código do IRS e, de acordo com a informação prestada
pela sociedade, os seus dois sócios não eram profissionais de qualquer uma
dessas atividades, não se verificavam as condições impostas pelas subalíneas 1)
e 2), da alínea a), do n.º 4, do artigo 6.º do Código do IRC e, consequentemente,
ficou prejudicada a classificação da entidade como sociedade de profissionais
ao abrigo desta disposição.

Acresce que estão, ainda, abrangidas pelo regime de transparência fiscal, de


acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC, as sociedades de
simples administração de bens, cuja maioria do capital social pertença, direta
ou indiretamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo
familiar, ou cujo capital social pertença, em qualquer dia do exercício social, a
um número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa coletiva
de direito público.

Além destes requisitos, a noção de sociedades de administração de bens é


complementada pelo estabelecido na alínea b) do n.º 4 do mencionado artigo
6.º.

No caso concreto, a entidade informou que desenvolvia a atividade de gestão


de arrendamentos de longa duração, em nome e por conta de clientes, e
prestava serviços de apoio aos seus clientes na resolução de pequenos
problemas e pequenas reparações nos imóveis cuja gestão tem a seu cargo.
Acrescentou, também, que os imóveis que administrava não eram imóveis
próprios, mas de clientes.

43
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Como os imóveis administrados não eram propriedade da sociedade, não


poderiam considerar-se os rendimentos que daí auferia como provenientes de
bens mantidos como reserva ou para fruição, pelo que não se encontrava
preenchido o requisito constante da parte final da alínea b) do n.º 4 do artigo
6.º do Código do IRC e, consequentemente, não poderia classificar-se como
sociedade de administração de bens.

Assim, uma vez que a entidade não se considerava sociedade de profissionais


ou sociedade de administração de bens, o regime de transparência fiscal
estabelecido no artigo 6.º do Código do IRC não lhe seria aplicável.”

PARECER do Centro de Estudos Fiscais de 3 de maio de 1989,


sancionado pelo Diretor Geral

Não aplicação do regime de transparência fiscal às sociedades de administração


de centros comerciais.

A atividade de administração de centros comerciais, não é própria de uma


sociedade de simples administração de bens, nos termos do disposto na alínea
c) do n.º 2 em conjugação com o n.º 4 do artigo 6.º do CIRC.

Nesta conformidade, não lhe pode ser aplicado o regime de transparência fiscal
previsto no artigo 6.º do CIRC.

É claro e pacífico que a sociedade de simples administração de bens, que em


determinado exercício apenas tenha atividade decorrente da administração de bens
ou valores mantidos como reserva ou para fruição ou à compra de prédios para a
habitação dos seus sócios, será nesse período enquadrada no regime de transparência
fiscal, cumpridos que estejam os restantes requisitos, mesmo que em exercícios
anteriores tenha desenvolvido estas atividades conjuntamente com outras. Ou seja,
nos exercícios em que somente haja atividade de administração de bens ou valores
mantidos como reserva, ou para fruição ou à compra de prédios para a habitação dos
seus sócios, não será necessário (ou não será possível, conforme a perspetiva de
interesse) ir verificar a percentagem média dos rendimentos destas atividades sobre a
totalidade dos rendimentos da sociedade.

Pacífica não tem sido a interpretação prática para verificar se os rendimentos da


atividade de administração de bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição,
ou da compra de prédios para a habitação dos seus sócios, atingem, na média dos

44
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

últimos três anos, mais de 50% da média, durante o mesmo período, da totalidade dos
seus rendimentos.

A questão é: para uma sociedade de simples administração de bens que, durante o


exercício de 2021, exerça a atividade de administração de bens ou valores mantidos
como reserva conjuntamente com outras atividades fora deste conceito, vamos
calcular aquela percentagem tendo em consideração os rendimentos dos períodos de
2019, 2020 e 2021, ou os rendimentos dos períodos de 2018, 2019 e 2020? Por outras
palavas, os rendimentos do exercício para o qual se pretende aferir o enquadramento
na transparência fiscal consideram-se ou não incluídos nos “últimos três anos”?

À luz do que acontece com outras normas fiscais, para cujos cálculos se consideram os
valores do período em análise26 somos do entendimento que se deverão considerar os
rendimentos dos períodos de 2019, 2020 e 2021. E é também a leitura que sempre
fizemos da explicação constante no Código do IRC Comentado e Anotado, DGCI (1990),
e que já tivemos a oportunidade de transcrever, mas aqui se reforça: “Da definição
exposta resulta a necessidade, para a sujeição destas últimas entidades ao regime da
transparência fiscal, do decurso de um prazo de três anos, pois só a partir desse
momento é possível aferir da existência de todos os requisitos necessários para a
respetiva qualificação como sociedade de mera administração de bens”. Este
comentário refere-se ao “decurso de um prazo de três anos”. E não ao decurso de um
prazo de três anos mais um. Com a devida salvaguarda que em IRC não é usual a
referência a “ano”, mas sim a “período de tributação”, e que cada vez que o legislador
escreve “anos” devemos entender como “períodos de tributação” uma sociedade com
início de atividade em 2019, por exemplo, tem em 31 de dezembro de 2021 decorrido
um prazo de três anos (três períodos de tributação) que nos permite calcular aquela
percentagem considerando os rendimentos dos períodos de 2019, 2020 e 2021.

Mas as interpretações e argumentos dividem-se pelas duas opções e nem as


informações com origem na AT são clarificadoras. Com efeito, em duas informações
vinculativas de que tivemos conhecimento, a interpretação é contraditória.

Numa, a questão foi colocada com base em valores de 2015, 2016 e 2017 e a análise e
conclusão de enquadramento para o exercício de 2017 foi feita levando em
consideração aquele ciclo de três ano. Na outra, para aferir a aplicação do regime de
transparência fiscal em relação ao período de tributação de 2014, foram considerados
rendimentos dos períodos de tributação de 2011, 2012 e 2013. E ainda é reforçado que
o enquadramento para o período de 2015 terá que ser aferido em função dos últimos
três anos: 2012, 2013 e 2014.

26
Veja-se o entendimento da AT em relação ao cálculo da percentagem para determinação do montante
anual da provisão para garantias a clientes, nos termos do n.º 5 do artigo 39.º do CIRC.

45
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Exemplo 8

A empresa B, Lda. dedica a sua atividade à exploração de imóveis próprios


através do seu arrendamento e à compra e venda de imóveis. Nos últimos anos
obteve os seguintes rendimentos:

Rendimentos provenientes de: Total de


Período
Arrendamento Venda de imóveis rendimentos
2017 120 000,00 € 250 000,00 € 370 000,00 €
2018 126 000,00 € - € 126 000,00 €
2019 130 000,00 € 200 000,00 € 330 000,00 €
2020 125 000,00 € 120 000,00 € 245 000,00 €
Totais 2017-2019 376 000,00 € 826 000,00 €
Totais 2018-2020 381 000,00 € 701 000,00 €

No exercício de 2020 é considerada sociedade de simples administração de


bens?

Resolução:

Em 2020 a sociedade não limitou a sua atividade à administração de bens


mantidos como reserva. Pelo contrário, desenvolveu esta atividade
conjuntamente com a de revenda de imóveis, pelo que importa verificar se os
rendimentos relativos aos imóveis próprios arrendados atingem, na média dos
últimos três anos, mais de 50 % da média, durante o mesmo período, da
totalidade dos seus rendimentos.

Verificando como nos parece adequado, considerando que o ano em análise


está incluído nos “últimos três anos”, são tidos em conta os valores de 2018 a
2020, pelo que teremos: 381.000,00 € / 701.000,00 € = 54,35 %
A média dos rendimentos obtidos dos imóveis próprios arrendados corresponde
a mais de 50 % da média da totalidade dos rendimentos e B, Lda. é, em 2020,
considerada sociedade de simples administração de bens.

Considerando “últimos três anos” os três exercícios anteriores ao ano em


análise, o cálculo será feito com os valores totais de 2017 a 2019 e teremos:
376.000,00 € / 826.000,00 € = 45,52 %
Como a média dos rendimentos obtidos dos imóveis próprios arrendados não
chega a 50 % da média da totalidade dos rendimentos, B, Lda. não seria
considerada sociedade de simples administração de bens em 2020.

Esta análise comparativa não pretende, de maneira nenhuma, lembrar a


possibilidade de qualquer opção. Como será natural, o citério para os “últimos
três anos” deverá ser seguido uniformemente nos sucessivos exercícios.

46
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

A análise comparativa que fizemos pretende apenas reforçar a incerteza da


norma, agravada pela indecisão da AT que se pronunciou com interpretações
divergentes, o que pode levar a sentimentos de injustiça, ou tentação de
aproveitamento de uma das soluções, em função do interesse ou não pelo
enquadramento no regime de transparência fiscal.
Enquanto a AT, os tribunais, ou mesmo o legislador, não clarificarem o alcance
da norma, sugere-se que as sociedades colocadas perante este dilema peçam
informação vinculativa para a sua situação concreta, nos termos do artigo 68.º
do Lei Geral Tributária.

Para além dos “requisitos substanciais” para que uma sociedade possa ser considerada
como “sociedade de simples administração de bens”, e que acabámos de analisar,
temos os “requisitos orgânicos”, desde logo enunciados na alínea c) do n.º 1 do artigo
6.º:
— a maioria do capital social pertença, direta ou indiretamente, durante mais de 183
dias do exercício social, a um grupo familiar, ou
— o capital social pertença, em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não
superior a cinco e nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público.

2.2.3.1 Grupo familiar

Como primeira possibilidade, exige-se que a maioria do capital social da sociedade de


administração de bens pertença, direta ou indiretamente, durante mais de 183 dias do
exercício social, a um grupo familiar.

“O legislador elegeu, deste modo, o critério da participação maioritária no capital


social, sendo irrelevante o critério da “percentagem de controlo”. Assim, a maioria do
capital social das sociedades de simples administração de bens deve ser aferida em
função da percentagem de participação no respetivo capital social. Esta participação
pode ser directa ou indirecta se, neste último caso, for obtida através da participação
noutras sociedades que, por sua vez, participam na sociedade de simples administração
de bens.”27 28

A maioria do capital deve ser pertença do grupo familiar “durante mais de 183 dias do
exercício social”.

27
Código do IRC Comentado e Anotado, DGCI (1990), p. 102 e 103.
28
Ao não ser definido qualquer critério para a determinação ou cálculo das participações que formam a
maioria do capital social destas sociedades, devemos recorrer ao que dispõe nesta matéria o CSC, nos
artigos 481.º e seguintes, mais concretamente os artigos 483.º e 486.º.

47
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

“Quer isto significar que o legislador fiscal elegeu um prazo mínimo de tempo durante
o qual a sociedade deve reunir todos os requisitos (substanciais e orgânicos) para que
lhe possa ser aplicado o regime de transparência fiscal.
Deste modo, ainda que a sociedade se possa considerar como de simples administração
de bens face à noção indicada na alínea b) do n.º 4 e preencha todos os requisitos
(indicados em alternativa) na alínea c) do n.º 1, mas ainda não decorreram 183 dias do
exercício social, aplica-se-lhe o regime normal de tributação; ao invés, se ela reuniu
os requisitos durante todo este período, ainda que eles venham a deixar de verificar-
se, subordina-se durante todo o exercício social ao regime de transparência fiscal.”29

Exemplo 9

Hipótese 1:
Maioria do capital NÃO pertence a Maioria do capital PERTENCE a
grupo familiar grupo familiar
De 1 de setembro a 31 de
De 1 janeiro a 31 de agosto
dezembro

A sociedade de simples administração de bens será tributada pelo regime


normal relativamente a todo o exercício.

Hipótese 2:
Maioria do capital PERTENCE a Maioria do capital NÃO pertence
grupo familiar a grupo familiar
De 1 de setembro a 31 de
De 1 janeiro a 31 de agosto
dezembro

A sociedade de simples administração enquadrada no regime de transparência


fiscal relativamente a todo o exercício.

A definição de grupo familiar está na alínea c) do n.º 4 do artigo 6.º: grupo familiar é
o grupo constituído por pessoas unidas por vínculo conjugal ou de adoção e bem assim
de parentesco ou afinidade na linha reta ou colateral até ao 4.º grau, inclusive.

São fontes das relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e


a adoção, tal como reguladas nos artigos 1576.º e seguintes do Código Civil.

Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir


família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste
Código.30

29
Código do IRC Comentado e Anotado, DGCI (1990), p. 104.
30 Artigo 1577.º do CC.

48
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Parentesco é o vínculo que une duas pessoas, em consequência de uma delas


descender da outra ou de ambas procederem de um progenitor comum. O parentesco
determina-se pelas gerações que vinculam os parentes um ao outro: cada geração
forma um grau, e a série dos graus constitui a linha de parentesco.31

A linha diz-se reta, quando um dos parentes descende do outro; diz-se colateral,
quando nenhum dos parentes descende do outro, mas ambos procedem de um
progenitor comum. A linha reta é descendente ou ascendente: descendente, quando
se considera como partindo do ascendente para o que dele procede; ascendente,
quando se considera como partindo deste para o progenitor. Na linha reta há tantos
graus quantas as pessoas que formam a linha de parentesco, excluindo o progenitor.
Na linha colateral os graus contam-se pela mesma forma, subindo por um dos ramos e
descendo pelo outro, mas sem contar o progenitor comum.32

Salvo disposição da lei em contrário, os efeitos do parentesco produzem-se em


qualquer grau na linha reta e até ao sexto grau na colateral.33

Afinidade é o vínculo que liga cada um dos cônjuges aos parentes do outro. A afinidade
determina-se pelos mesmos graus e linhas que definem o parentesco e não cessa pela
dissolução do casamento por morte.34

Adoção é o vínculo que, à semelhança da filiação natural, mas independentemente


dos laços do sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas nos termos dos
artigos 1973.º e seguintes.35

31
Artigos 1578.º e 1579.º do CC.
32
Artigos 1580.º e 1581.º do CC.
33 Artigo 1582.º do CC.
34 Artigos 1584.º e 1585.º do CC.
35
Artigo 1586.º do CC.

49
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Esquema dos graus de parentesco:

TRISAVÓS
4.º grau

BISAVÓS
ascendente 3.º grau
Linha reta

AVÓS TIO AVÔ


2.º grau 4.º grau

PAIS TIOS PRIMOS


1.º grau 3.º grau 4.º grau

EU
IRMÃOS SOBRINHOS
2.º grau 3.º grau

FILHOS
1.º grau
descendente
Linha reta

Linha colateral
NETOS
2.º grau

BISNETOS
3.º grau

TRINETOS
4.º grau

Fonte: Adaptado de Manual do IRC, AT (2016), p. 41

Exemplo 10

Pai A

Filhos B C

Netos D E F

A e B (pai e filho) são parentes na linha reta no 1.º grau.


D, E e F são parentes de A igualmente na linha reta no 2.º grau.

B e C são parentes entre si na linha colateral no 2.º grau.

F é parente de D e E (primos) na linha colateral no 4.º grau e parente de B (tio)


igualmente na linha colateral e no 3.º grau.

Fonte: Adaptado de CIRC Comentado e Anotado, DGCI (1990), p. 105.

50
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

2.2.3.2 Número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja


pessoa coletiva de direito público

Na segunda possibilidade, o capital social da sociedade de simples administração de


bens deve pertencer, em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não
superior a cinco e nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público.

Em qualquer dia do exercício social tem que ser entendido como durante todos os dias
do exercício social.

“Exige-se, pois, nesta parte do preceito, a existência de uma participação maioritária


no capital social durante todos os dias do exercício social, por um número de sócios
igual ou inferior a 5, os quais deverão ser pessoas singulares ou coletivas de direito
privado.
Basta, portanto, que a sociedade venha a deter num dia qualquer do exercício um
número superior de sócios ou que um deles venha a ser uma pessoa coletiva pública
para se aplicar no ano inteiro o regime normal de tributação e já não o regime especial
da transparência.”36

Exemplo 11

Capital social detido por 5 sócios Capital social detido por 6 sócios
De 28 de dezembro a 31 de
De 1 janeiro a 27 de dezembro
dezembro

A sociedade de simples administração de bens será tributada pelo regime


normal relativamente a todo o exercício.

2.2.3.3 Sociedades de gestão de participações sociais

A Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, aditou o n.º 5 ao artigo 6.º do CIRC que prevê que não se
consideram sociedades de simples administração de bens as que exerçam a atividade de
gestão de participações sociais de outras sociedades e que detenham participações sociais
que cumpram os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 51.º do mesmo código.

Assim, ficaram afastadas do regime de transparência fiscal as sociedades que exerçam


atividade de gestão de participações sociais de outras sociedades e que detenham
participações sociais desde que possam beneficiar da eliminação da dupla tributação
económica de lucros e reservas distribuídos, por se mostrarem cumpridas as condições

36
Código do IRC Comentado e Anotado, DGCI (1990), p. 104.

51
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

previstas no n.º 1 do artigo 51.º do CIRC. Porque as participações não são uma mera aplicação
de capitais, mas sim um instrumento de intervenção ativa na gestão da atividade das
sociedades participadas.

A este propósito:

FICHA DOUTRINÁRIA - Informação Vinculativa referente ao Processo 2020


002188, sancionado por Despacho, de 7 de julho de 2020, da Subdiretora Geral
da Área de Gestão Tributária – IR. PIV n.º 17619

Entre outras questões, pretende-se saber se a sociedade detentora de 100% do


capital social das sociedades Subsidiárias pode ser considerada como sociedade
de simples administração de bens, para efeitos do art.º 6.º do CIRC, caso as suas
Subsidiarias sejam enquadradas no regime de transparência fiscal.

“(...) Deve a sociedade que detém 100% do capital social das sociedades suas
Subsidiárias ser considerada uma sociedade de simples administração de bens,
para efeitos do art.º 6.º do CIRC, na medida em que dedica a sua atividade à
gestão das suas participações sociais, caso as sociedades Subsidiárias se
encontrem enquadradas no regime de transparência fiscal?

14. O regime de transparência fiscal, consagrado no art.º 6.º do CIRC, é um


regime de aplicação obrigatória caso estejam verificados os pressupostos
consignados na lei.

Ficam enquadradas no regime de transparência fiscal as sociedades de simples


administração de bens, cuja maioria do capital social pertença, direta ou
indiretamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar,
ou cujo capital social pertença, em qualquer dia do exercício social, a um
número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa coletiva de
direito público.
Relativamente às sociedades de simples administração de bens acrescem, ainda,
os requisitos da alínea b) do n.º 4 do art.º 6.º do CIRC, nos termos da qual, para
que uma sociedade possa ser considerada como sociedade de simples
administração de bens deve limitar a sua atividade à administração de bens ou
valores mantidos como reserva ou fruição ou à compra de prédios para a
habitação dos seus sócios ou, quando exerça conjuntamente outras atividades,
os rendimentos relativos a esses bens, valores ou prédios devem atingir, na
média dos últimos três anos, mais de 50% da média, durante o mesmo período,
da totalidade dos seus rendimentos.

52
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

15. Consideram-se atos de administração de bens ou valores mantidos como


reserva ou para fruição, aqueles que digam respeito, entre outros, a contratos
de locação ou arrendamento desses bens, à sua manutenção, reparação, ou
realização de benfeitorias.

16. A letra da lei, ao referir-se à administração de bens ou valores utilizando o


vocábulo "mantidos", parece querer determinar que esses bens ou valores
façam parte do património da sociedade, pelo que os bens ou valores a que se
refere a primeira parte da alínea b) do n.º 4, do art.º 6.º do CIRC, terão de ser
da propriedade da sociedade.

17. Nos termos do disposto do n.º 5 do art.º 6.º do Código do IRC, ficam
excluídas do conceito de sociedade de simples administração de bens as
entidades que “exerçam a atividade de gestão de participações sociais de outras
sociedades e que detenham participações sociais que cumpram os requisitos
previstos no n.º 1 do artigo 51.º.”

18. Relativamente às sociedades de simples administração de bens, entende-se,


tal como se encontra definido na alínea b) do n.º 4, do art.º 6.º do Código do
IRC, que apenas são consideradas como tais as sociedades que limitam a sua
atividade à administração de bens ou valores mantidos como reserva ou para
fruição.

19. Limitando-se a atividade da sociedade à gestão das participações das


Subsidiárias, incluindo a eventual prestação de serviços conexos com a gestão
daquelas sociedades e o financiamento das respetivas atividades, sendo essas
participações sociais de 100%, as mesmas não são mantidas para reserva ou
fruição, mas sim para intervir ativamente na gestão daquelas sociedades, o que
é considerado como uma forma indireta de exercício de uma atividade
económica. De facto, as participações não são, à semelhança do que sucede com
as SGPS, uma mera aplicação de capitais, mas sim um instrumento de
intervenção ativa na gestão da atividade das sociedades participadas.

21. Assim, a sociedade fica excluída do conceito de sociedade de simples


administração de bens, conforme se refere na primeira parte da norma do n.º 5
do art.º 6.º do Código do IRC e, em consequência, não lhe é aplicável o regime
de transparência fiscal.

Mesmo antes da inclusão da norma no CIRC, já era este o entendimento.

53
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

PARECER do Centro de Estudos Fiscais de 17/03/1989,


sancionado pelo Diretor Geral em 21/03/1989

Não aplicação do regime de transparência fiscal às sociedades gestoras de


participações sociais (SGPS).

“Às sociedades e outras entidades abrangidas pelo regime de transparência


fiscal definido no artigo 6.º do Código do IRC não é possível aplicar o disposto
no artigo 45.º do mesmo Código [atual artigo 51.º] quanto à eliminação da dupla
tributação económica de lucros já anteriormente tributados em IRC, por não se
verificarem, ao nível dessas sociedades, os pressupostos da aplicação desta
medida (dupla tributação económica);

As sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), cujo regime jurídico


fiscal foi estabelecido pelo Decreto-lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, não são
sociedades de simples administração de bens de acordo com a definição que
destes é dada na alínea b) do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRC, pelo que não
lhes é aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no referido artigo
n.º 6.º.”

2.2.4 Agrupamentos complementares de empresas e agrupamentos europeus


de interesse económico

Prevê o n.º 2 do artigo 6.º do CIRC que os lucros ou prejuízos do exercício, apurados
nos termos deste Código, dos agrupamentos complementares de empresas (ACE) e dos
agrupamentos europeus de interesse económico (AEIE), com sede ou direção efetiva
em território português, que se constituam e funcionem nos termos legais, são também
imputáveis diretamente aos respetivos membros, integrando-se no seu rendimento
tributável.

Estas entidades integram uma categoria específica de entre as entidades a quem se


aplica o regime de transparência fiscal, sendo imputado aos respetivos membros os
lucros ou prejuízos do exercício, apurados nos termos do CIRC, e não a matéria
coletável como acontece em relação às entidades previstas no n.º 1 do artigo 6.º.

Assim, e como já referimos, enquanto que os prejuízos fiscais de uma sociedade


transparente só podem ser indiretamente imputados aos sócios através da sua dedução
– nos períodos subsequentes – aos lucros tributáveis das mesmas sociedades, nos termos
do artigo 52.º do CIRC, os prejuízos apurados pelos ACE ou AEIE são diretamente

54
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

imputáveis aos respetivos membros no período em que são registados, nos termos desta
norma.

ACE é o Contrato pelo qual duas ou mais pessoas singulares ou coletivas ou sociedades
se agrupam, sem prejuízo da personalidade jurídica de cada uma, com vista a melhorar
as condições de exercício ou de resultado das suas atividades económicas.37

Em resumo, os ACE não podem ter por fim principal a realização e partilha de lucros e
constituir-se-ão com ou sem capital próprio. As empresas agrupadas respondem
solidariamente pelas dívidas do ACE. Os ACE devem ter contabilidade própria em
moldes semelhantes à das sociedades comerciais.

AEIE é uma figura jurídica de direito comunitário, supranacional, distinguindo‐se de


uma sociedade principalmente pelo seu objetivo, que é apenas o de facilitar ou
desenvolver a atividade económica dos seus membros, para lhes permitir melhorar os
seus próprios resultados.38

Em consequência deste caráter auxiliar, a atividade do agrupamento deve estar


relacionada com a atividade económica dos seus membros, constituindo um
complemento deste, sem que a ele se substitua.

O AEIE foi criado no âmbito da Comunidade Europeia pelo Regulamento (CEE) n.º
2137/85, do Conselho, de 25.07.1985, aplicável a partir de 01.07.1989. Podem ser
membros destes organismos as sociedades e quaisquer outras entidades jurídicas de
direito público ou privado que tenham a sua sede e a sua administração central na
comunidade, bem como as pessoas físicas que exerçam a título principal uma atividade
industrial, comercial, agrícola ou de prestação de serviços na comunidade.39

Os membros dos AEIE buscam na sua constituição a promoção e o desenvolvimento das


respetivas atividades económicas e não a prossecução direta do lucro. Decorre deste
facto que, a existirem lucros, serão os mesmos repartidos pelos associados, não
podendo o agrupamento retê-los seja a que título for. Por isso, os lucros ou perdas
resultantes da atividade do AEIE só́ são tributáveis ao nível dos seus membros.40

37
O Regime Jurídico dos ACE consta na Lei n.º 4/73, de 4 de junho e Decreto-Lei n.º 430/73, de 25 de
agosto. Subsidiariamente aplica-se o CSC, nomeadamente os artigos 175.º a 196.º.
38 O Regime substantivo AEIE consta no Decreto-Lei n.º 148/90, de 9 de maio, e o Decreto-Lei n.º 2/91,
de 5 de janeiro, publicou o Regime sancionatório dos AEIE.
39 Artigo 4.º do Regulamento.
40
Artigo 40.º do Regulamento.

55
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Os membros do agrupamento respondem ilimitada e solidariamente pelas dívidas


daquele, de qualquer natureza.

Pelo exposto, se justifica a existência de uma única tributação na esfera dos membros,
quer de ACE, quer de AEIE, se bem que com base nos resultados alcançados no seio do
próprio agrupamento e por via do regime de transparência fiscal.

2.3 Imputação aos sócios ou membros

Decorre do n.º 3 do artigo 6.º do CIRC que a imputação (seja de matéria coletável,
seja de lucros ou prejuízos do exercício, consoante os casos) é feita aos sócios ou
membros nos termos que resultarem do ato constitutivo das respetivas entidades ou,
na falta de elementos, em partes iguais.

Esta remissão para o ato constitutivo deve entender-se como feita para o modo como
se encontra configurada nesse contrato a distribuição aos sócios u membros dos lucros
apurados pela sociedade ou entidade transparente. Tratando-se de uma sociedade
comercial ou civil soba a forma comercial, já há que atender às cláusulas existentes
sobre a participação dos sócios nesses resultados41, na ausência das quais se infere que
eles participam nos lucros ou perdas da sociedade “segundo a proporção dos valores
nominais das respetivas participações no capital”.42

2.3.1 Anexo G da Declaração anual/IES

A imputação é feita no anexo G à declaração anual/IES. Assim, como referem as instruções


do mesmo, o anexo G, deve ser enviado por via eletrónica para dar cumprimento ao
estabelecido na alínea c) do n.º 1 do artigo 117.º e 121.º do CIRC, pelas entidades a que se
refere o artigo 6.º do mesmo código.

Recorda-se que esta imputação é sempre efetuada aos sócios ou membros das entidades
abrangidas pela transparência fiscal, independentemente destas entidades terem ou não
distribuído resultados a esses sócios, ou transferido dinheiros ou bens para os seus membros.

Os sujeitos passivos abrangidos pelo regime de transparência fiscal, que entregam o anexo
G da IES, entregam em simultâneo o anexo A e R da IES, quando sejam residentes, que

41 Quanto às sociedades civis, artigo 992.º do CC.


42 Artigo 22.º, n.º 1 do CSC.

56
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

exerçam, a título principal, atividade comercial, industrial ou agrícola ou sejam não


residentes com estabelecimento estável.

O anexo G integra os seguintes quadros:

• Quadro 03 – Regime da transparência fiscal


o Quadro 031 – Tipo de sujeito passivo;
o Quadro 032 – Coleta;
o Quadro 033 – Deduções à coleta;
o Quadro 034 – Imputação de rendimentos / adiantamentos por conta de lucros
e retenções.

Quadro 032 – Coleta e Quadro 033 – Deduções à coleta

Quadro 033 – Deduções à Coleta

No campo G01, deve ser indicada a coleta de IRC determinada nos termos do artigo
90.º do CIRC. O valor de coleta de IRC a introduzir neste campo é fictício (por aplicação
da taxa de IRC à matéria coletável apurada), tendo por objetivo apenas o controlo das
deduções à coleta a efetuar na esfera dos sócios ou membros. Será uma coleta
“virtual”, isto é, a que seria devida pela entidade transparente caso não lhe fosse
aplicável o regime de transparência fiscal.

57
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

O somatório das deduções inscritas nos campos G02 a G05 não pode ser superior ao
valor do campo G01 (ver n.º 5 do artigo 90.º do CIRC). As referidas deduções bem como
as retenções na fonte (campo G06), serão imputadas de acordo com a percentagem de
participação aplicada sobre os valores constantes dos campos G02 a G06.
Os campos G02 e G04 só devem ser preenchidos quando a declaração respeitar a
exercícios anteriores a 2002.

2.3.2 Imputação a sócios

Como previsto, aos sócios das sociedades civis não constituídas sob forma comercial,
sociedades de profissionais e sociedades de simples administração de bens é imputada a
matéria coletável da entidade, apurada nos termos do CIRC.

Estas entidades apenas preenchem a Modelo 22 até ao Quadro 09, onde apuram a matéria
coletável, que imputam (através do anexo G da IES) aos seus sócios, na respetiva proporção
determinada pela participação na sociedade (ou em partes iguais, se essa participação não
estiver definida).

Quadro 034 – Imputação de Rendimentos e de Retenções


No caso das sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, previstas no n.º 1
do artigo 6.º do CIRC, deve indicar no campo G79 o valor total da matéria coletável a
imputar aos sócios, cujo montante deve corresponder ao valor apurado no quadro 09
da declaração de rendimentos modelo 22.

Devem ser identificados os sócios das sociedades, indicando a respetiva percentagem


de participação e o valor imputado de matéria coletável. Esta identificação dos sócios
obrigatória, devendo perfazer 100% do capital das entidades. Ainda que a matéria
coletável seja nula, deve ser sempre preenchida a identificação.

VALOR IMPUTADO
Deve indicar o valor da matéria coletável imputada ao sócio identificado, no caso das
sociedades civis não constituídas sob forma comercial, sociedades de profissionais,
sociedades de simples administração de bens, nos termos que resultarem do ato

58
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

constitutivo da entidade identificada no campo 1 do quadro 01 ou, na falta de


elementos, em partes iguais, de acordo com o estabelecido no n.º 3 do art.º 6.º do
CIRC.
O total do valor imputado deve coincidir com o valor inserido no campo G79.

ADIANTAMENTOS POR CONTA DE LUCROS


Deve ser indicado o valor que a título de adiantamento por conta de lucros tenha sido
pago ou colocado à disposição dos sócios das sociedades civis não constituídas sob
forma comercial, sociedades de profissionais, sociedades de simples administração de
bens, durante o ano a que a declaração respeita.

Este valor será objeto de tributação na esfera dos sócios, em vez do valor imputado,
quando for superior a este último. E no período(s) seguinte(s) é objeto de ajustamento,
nos termos do artigo 20.º do CIRS.

RENDIMENTO ILÍQUIDO SUJEITO A RETENÇÃO


Deve ser indicado o valor, apurado nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do CIRC,
correspondente aos rendimentos ilíquidos do exercício que foram sujeitos a retenção
na fonte.

RETENÇÃO NA FONTE
Deve ser inscrito o valor correspondente à quota-parte imputada ao socio ou contitular
das retenções na fonte efetuadas à sociedade transparente.
Este quadro é flexível, permitindo, assim, utilizar tantas linhas quantas as necessárias.

Exemplo 12
A sociedade X é constituída por dois sócios, Contabilistas Certificados, um com
60% do capital (sócio A) e o outro com os remanescentes 40% (sócio B). No
período de 2020, o lucro contabilístico obtido pela sociedade foi de 2.000 euros,
sendo a sua matéria coletável de 2.500 euros.

Considerando que a sociedade se encontra enquadrada no regime de


transparência fiscal e o critério definido no pacto social para imputação da
matéria coletável é a percentagem de capital detida, como será́ feita a
distribuição de lucro e a sua consequência em termos de tributação dos sócios?

Resolução:

A distribuição do lucro contabilístico obtido pelos sócios obedecerá às normas


do direito comercial e o que for deliberado pelos sócios. No pressuposto que é
a distribuída a totalidade do lucro contabilístico: 2.000 euros, teremos que 1.200
euros caberão ao sócio que detém 60% e 800 euros ao sócio que têm a
participação de 40%.

59
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Mas, no momento em que tais lucros forem colocados à disposição dos sócios
não haverá́ retenção na fonte porque tais rendimentos não se qualificam como
rendimentos de capitais (parte final da alínea h) do n.º 2 do art.º 5.º do CIRS).

A tributação na esfera dos sócios ocorre por imputação da matéria coletável da


sociedade: os 2.500 euros.

A declaração modelo 22 da sociedade relativa ao período de 2020 é preenchida,


normalmente, até ao quadro 09 (só se preenchendo o quadro 10 e só o campo
365 se existirem tributações autónomas).
A imputação da matéria coletável aos sócios faz-se no quadro 03 do anexo G da
IES da sociedade: sócio A – 1500 euros e sócio B – 1000 euros.

Fonte: Adaptado de Manual de preenchimento da declaração IES e


taxonomias, OCC (2021), p. 284.

2.3.2.1 Sociedades transparentes detentoras de quotas próprias

Como vimos, na imputação de matéria coletável aos sócios há que atender às cláusulas
existentes sobre a participação dos sócios nos resultados das sociedades, na ausência
das quais se infere que eles participam nos lucros ou perdas da sociedade “segundo a
proporção dos valores nominais das respetivas participações no capital”.

Nos casos em que as sociedades transparentes venham a ser detentoras de quotas ou


ações próprias, a consideração dos valores nominais das participações no capital leva
a resultados iníquos. A sociedade ser sócia dela própria não é uma situação dita normal
ou, à partida, expectável. Mas sim, nos casos em que a lei o permite, uma situação
excecional que, não consubstanciando uma modificação do conteúdo do contrato
constitutivo43, não exige a sua alteração.

Inclusive, a lei determina a suspensão de todos os direitos inerentes às quotas ou ações


enquanto elas permanecerem na titularidade da própria sociedade44, o que impede de
concorrer, a par dos restantes sócios ou acionistas, na distribuição de lucros ou
dividendos.

“Esta distribuição afasta-se, assim, dos termos que resultariam do acto constitutivo, o
que coloca a questão de saber qual das realidades se deve atender para efeitos de
distribuição.

43
Nos termos do artigo 85.º, n.º 1 do CSC.
44
Artigo 324.º do CSC, aplicável também às sociedades por quotas por força do disposto no n.º 4 do artigo
220.º do mesmo diploma.

60
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

É certo que o legislador manda imputar a matéria coletável, na ausência de elementos,


em partes iguais, mas esta solução levaria igualmente a resultados em nada
satisfatórios em termos de tributação da efetiva capacidade contributiva dos sócios,
propugnada pelo regime de transparência fiscal.

Equacionada a questão nestes moldes, temos que: nos casos em que a sociedade
transparente seja titular de quotas ou ações próprias, a imputação da matéria
coletável é feita aos sócios na proporção do capital que detêm efectivamente,
considerando-se como total do capital, para efeitos desta proporção, o valor resultante
da diferença entre o capital social e o valor das quotas próprias detidas pela sociedade.
O mesmo sucederá quando figurarem no balanço da sociedade quotas amortizadas sem
que tal amortização tenha implicado uma redução do capital social.”45

PROCESSO n.º IRC 199/89 - Despacho de 9/3/89 do SBDG

Exclusão da imputação a ações ou quotas próprias.

“A matéria coletável, determinada nos termos do Código do IRC, das sociedades


abrangidas pelo regime de transparência fiscal previsto no artigo 5.º daquele
Código [atual artigo 6.º], é imputada aos seus sócios na proporção do capital
efetivamente detido, devendo excluir-se do total do capital, para determinação
dessa proporção o valor das quotas próprias e o das amortizadas sem redução
do capital social.”

Exemplo 13
Admita-se uma sociedade por quotas “X”, sujeita ao regime de transparência
fiscal, e que o capital social no valor de 10.000 € está distribuído, no respetivo
pacto social, em duas quotas no valor de 5.000 € cada uma, pertencentes aos
sócios A e B.

Posteriormente, a sociedade vem a adquirir uma quota dela própria, no valor de


1.000 €, e a distribuição efetiva do capital passa a ser:
Sócio A: 5.000 €
Sócio B: 4.000 €
Sociedade “X”: 1.000 €
Sabendo-se que em 2020 foi apurada uma matéria coletável de 6.000 €, a sua
imputação será feita do seguinte modo:

45
Código do IRC Comentado e Anotado, DGCI (1990), p. 107.

61
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Sócio % de imputação Matéria coletável

5.000 € / (10.000 € - 1.000 €) *


A 6.000 € x 55,56 % = 3.333,60 €
= 55,56 %

4.000 € / (10.000 € - 1.000 €) *


B 6.000 € x 44,44 % = 2.666,40 €
= 44,44 %

* Capital efetivo = capital social – quota detida pela sociedade.

Fonte: Adaptado de CIRC Comentado e Anotado, DGCI (1990), p. 108.

2.3.3 Imputação a membros de ACE ou AEIE

Aos membros (empreendedores) dos ACE e AEIE é imputado lucro tributável ou prejuízo
fiscal apurados nos termos do CIRC.

Estas entidades apenas preenchem a Modelo 22 até ao Quadro 07, onde apuram o lucro
tributável ou prejuízo fiscal, que imputam (através do anexo G da IES) aos seus membros,
na respetiva proporção determinada pela participação no agrupamento (ou em partes
iguais, se essa participação não estiver definida).

Quadro 034 – Imputação de Rendimentos e de Retenções


Tratando-se de AEIE ou ACE, deve indicar no campo G80 o valor total do lucro fiscal
ou do prejuízo fiscal a imputar aos sócios ou membros do agrupamento, cujo montante
deve corresponder ao valor apurado no quadro 07 da declaração de rendimentos
modelo 22.

Devem ser identificados os membros dos ACE/AEIE, indicando a respetiva percentagem


de participação, e o valor imputado de lucro tributável ou prejuízo fiscal. Esta
identificação dos membros é obrigatória, devendo perfazer 100% do capital das
entidades. Ainda que o lucro tributável/prejuízo fiscal seja nulo, deve ser sempre
preenchida a identificação.

62
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

VALOR IMPUTADO
Deve indicar o valor do lucro fiscal ou do prejuízo fiscal imputado, no caso de AEIE ou
ACE, ao membro do agrupamento, nos termos que resultarem do ato constitutivo da
entidade identificada no campo 1 do quadro 01 ou, na falta de elementos, em partes
iguais, de acordo com o estabelecido no n.º 3 do art.º 6.º do CIRC.
O total do valor imputado deve coincidir com valor inserido no campo G80.

RENDIMENTO ILÍQUIDO SUJEITO A RETENÇÃO


Deve ser indicado o valor, apurado nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do CIRC,
correspondente aos rendimentos ilíquidos do exercício que foram sujeitos a retenção
na fonte.

RETENÇÃO NA FONTE
Deve ser inscrito o valor correspondente à quota-parte imputada ao membro ou
contitular das retenções na fonte efetuadas ao ACE ou AEIE.
Este quadro é flexível, permitindo, assim, utilizar tantas linhas quantas as necessárias.

2.4 Outras particularidades do regime

Relacionadas com a aplicação do regime de transparência fiscal encontramos várias


particularidades a que importa relembrar. É o que faremos nos pontos seguintes.

2.4.1 Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais/número máximo de


viaturas

Prevê o n.º 9 do artigo 23.º-A do CIRC que, tratando-se de sociedades de profissionais


sujeitas ao regime de transparência fiscal, pode ser fixado por portaria do membro do
Governo responsável pela área das finanças o número máximo de veículos e o respetivo
valor para efeitos de dedução dos correspondentes encargos. Sobre estas limitações
regula a Portaria n.º 1041/2001, de 28 de Agosto.

Assim, conforme n.º 1 da Portaria, quanto a depreciações, temos:


— Para cálculo da dedução respeitante à depreciação de viaturas ligeiras de
passageiros ou mistas, não será tomada em consideração a parte do valor de aquisição
ou reavaliação que exceda o limite estabelecido na alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do
Código do IRC;
— Para cálculo da dedução referente a prestações devidas pelo aluguer sem condutor
de viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, não será tomada em consideração a parte
das importâncias pagas correspondente ao valor das depreciações dessas viaturas que,
nos termos das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 34.º do CIRC, não sejam aceites como

63
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

gastos, sendo esse excesso eventualmente deduzido das diferenças ocorridas nos anos
em que a amortização financeira foi inferior àquela reintegração máxima.

Para este efeito, a para as restantes situações em IRC a que tal seja aplicável, o artigo
1.º da Portaria n.º 467/2010, de 7 de julho, define o custo de aquisição ou o valor de
reavaliação das viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, nos seguintes termos:
Para as viaturas ligeiras de passageiros ou mistas adquiridas nos períodos de tributação
que se iniciem em 1 de janeiro de 2015 ou após essa data, o custo de aquisição ou
valor de reavaliação de veículos será:
a) 62.500 € relativamente a veículos movidos exclusivamente a energia elétrica;
b) 50.000 € relativamente a veículos híbridos plug-in;
c) 37.500 € relativamente a veículos movidos a gases de petróleo liquefeito ou gás
natural veicular;
d) 25.000 € relativamente às restantes viaturas não abrangidas nas alíneas
anteriores.

Sobre o número de viaturas ou veículos afetos ao exercício das respetivas atividades,


independentemente do título por que a afetação se opere, exceto relativamente aos
de cilindrada inferior a 125 cm3, prevê o ponto 3.º da Portaria n.º 1041/2001 que é
limitado a uma unidade por sócio, no caso de sociedade de profissionais sujeita ao
regime de transparência fiscal, e por trabalhador ao serviço dos referidos sujeitos
passivos, quando, em qualquer caso, seja comprovada a indispensabilidade do seu uso.

2.4.2 Não aplicabilidade da eliminação da dupla tributação económica

O Artigo 51.º do CIRC consagra a eliminação da dupla tributação económica de lucros


e reservas distribuídos, prevendo que os lucros e reservas distribuídos a sujeitos
passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português não concorrem
para a determinação do lucro tributável, desde que se verifiquem cumulativamente os
seguintes requisitos:
a) O sujeito passivo detenha direta ou direta e indiretamente, nos termos do n.º
6 do artigo 69.º, uma participação não inferior a 10 % do capital social ou dos
direitos de voto da entidade que distribui os lucros ou reservas;
b) A participação referida no número anterior tenha sido detida, de modo
ininterrupto, durante o ano anterior à distribuição ou, se detida há menos
tempo, seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele
período;
c) O sujeito passivo não seja abrangido pelo regime da transparência fiscal
previsto no artigo 6.º;
d) A entidade que distribui os lucros ou reservas esteja sujeita e não isenta de
IRC, do imposto referido no artigo 7.º, de um imposto referido no artigo 2.º da
Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro, ou de um imposto

64
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

de natureza idêntica ou similar ao IRC e a taxa legal aplicável à entidade não


seja inferior a 60 % da taxa do IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º;
e) A entidade que distribui os lucros ou reservas não tenha residência ou domicílio
em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais
favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo
responsável pela área das finanças.

Com a exclusão prevista na alínea c) uma sociedade enquadrada no regime de


transparência fiscal não beneficia do regime de "participation exemption".

Sendo lucros ou reservas recebidos por entidade residente em território português, a


retenção na fonte que for feita (ver ponto 2.4.4) será imputada aos sócios, que
beneficiarão da dedução da mesma à sua coleta

Estando-se perante lucros ou reservas distribuídos por entidade residente fora do


território português, será aplicável o crédito de imposto por dupla tributação
económica internacional previsto nos artigos 91.º e 91.º-A do CIRC, dada a
impossibilidade de aplicação do artigo 51.º.

Assim, nas situações em que a sociedade transparente receba lucros da sua


participação noutra sociedade, o sócio poderá deduzir à sua coleta o crédito de
imposto determinado de acordo com o critério de imputação da matéria coletável,
como veremos no ponto 2.4.8.

2.4.3 Dedução de prejuízos fiscais

Conforme já explicado, os prejuízos fiscais respeitantes às sociedades sujeitas ao


regime de transparência fiscal são deduzidos unicamente dos lucros tributáveis das
mesmas sociedades, como previsto no n.º 7 do artigo 52.º do CIRC.

2.4.4 Retenções de IRC na fonte

Aos rendimentos auferidos pelas sociedades em transparência fiscal, eventualmente


sujeitos a retenção na fonte de IRC, aplica-se essa retenção nos mesmos moldes que
aos restantes sujeitos passivos de IRC.

Entre os possíveis rendimentos sujeitos a retenção na fonte, referência para as


remunerações auferidas por sociedades de revisores oficiais de contas na qualidade de
membros de órgãos estatutários de pessoas coletivas, ou as rendas recebidas pelas
sociedades de simples administração de bens.

O artigo 97.º do CIRC define as dispensas de retenção na fonte sobre rendimentos

65
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

auferidos por residentes, entre elas46 a dispensa de retenção sobre rendimentos


prediais quando obtidos por sociedades que tenham por objeto a gestão de imóveis
próprios. Contudo, salvaguarda que a mesma não se aplica se as sociedades se
encontram sujeitas ao regime de transparência fiscal.

Menos frequente, mas também possível será a retenção na fonte sobre lucros recebidos
de entidade residente em território português. Está também prevista47 a dispensa de
retenção de IRC na fonte sobre lucros e reservas distribuídos a que seja aplicável o
regime estabelecido no n.º 1 do artigo 51.º, desde que a participação no capital tenha
permanecido na titularidade da mesma entidade, de modo ininterrupto, durante o ano
anterior à data da sua colocação à disposição. Ao não se aplicar o artigo 51.º do CIRC
a uma sociedade transparente (ver anterior ponto 2.4.2), também não poderá
beneficiar desta dispensa de retenção na fonte.

Estas retenções são imputadas aos sócios, independentemente da existência ou não da


matéria coletável, e a imputação é feita no anexo G da Declaração Anual/IES, como
já vimos, nos termos que resultarem do ato constitutivo ou, na falta de elementos, em
partes iguais.

2.4.5 Pagamentos por conta e pagamento especial por conta

As sociedades no regime de transparência fiscal não têm de efetuar pagamentos por


conta de IRC.48 A obrigação de pagamento por conta surge em sede de IRS e incumbe
aos respetivos sócios enquanto titulares de rendimentos da Categoria B.49

Uma sociedade que em 31 de dezembro seja qualificada como de profissionais e que


esteja, por esse fato, sujeita ao regime de transparência fiscal, se no decurso do ano
não tiver reunido os requisitos de que a lei fiscal faz depender tal qualificação, estará
durante esse período sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC, e, nessa
conformidade, obrigada a efetuar pagamentos por conta no termo do artigo 104.º do
CIRC.

Constata-se que o critério relevante para o efeito é o da verificação dos pressupostos

46
Alínea g) do n.º 1 do artigo 97.º do CIRC.
47 Alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º do CIRC.
48
Veja-se a Circular n.º 8/90, de 16 de fevereiro da Direção de Serviços do IRC.
49
Os pagamentos por conta de IRS a efetuar por titulares de rendimentos da categoria B são calculados
conforme previsto no artigo 102.º do CIRS.

66
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

no momento em que se constitui a obrigação de efetuar os pagamentos por conta,50


pelo que se deverá aferir em relação a cada vencimento da verificação ou não dos
pressupostos de que a lei faz depender o nascimento de tal obrigação.

Ao invés, uma sociedade que durante o ano reúna os pressupostos necessários para a
sujeição ao regime da transparência, mas que em 31 de dezembro não possa qualificar-
se, em face desta disposição, como sociedade de profissionais, esteve dispensada de
efetuar pagamentos por conta nos meses/datas do seu vencimento, pois neste caso tal
obrigação não se chegou a constituir, além de que nem tão pouco existe coleta de
referência,51 suporte indispensável para o cálculo do próprio pagamento. Mas, ainda
que exista coleta de referência (v. g. quando no ano anterior a sociedade não tenha
sido qualificada como sociedade transparente) não haverá lugar a juros de mora,
porquanto na data do vencimento não se verificaram os condicionalismos necessário
para o surgimento da obrigação de efetuar pagamentos por conta.52

Também não estão obrigadas ao pagamento especial por conta, na medida em que,
nos termos do artigo 12.º do CIRC, estas sociedades não são tributadas em IRC, salvo
quanto às tributações autónomas.

FICHA DOUTRINÁRIA - Informação Vinculativa referente ao


Processo 138/2009, despacho de 2009.12.21, do Subdiretor – Geral dos
Impostos, por delegação

“Uma sociedade enquadrada no Regime de Transparência Fiscal não está sujeita


ao Pagamento Especial por Conta (PEC), na medida em que, nos termos do
artigo 12.º do Código do IRC, estas sociedades não são tributadas em IRC, salvo
quanto às tributações autónomas.

Quando a sociedade deixa de estar abrangida pelo Regime de Transparência


Fiscal, designadamente com a entrada de um novo sócio, apenas capitalista,
para a sociedade de profissionais, passa a estar sujeita ao PEC.

Torna-se, todavia, necessário saber em que momento deve ser aferida essa
obrigação no exercício em que se dá a transformação da sociedade.

50 Em regra, com período de tributação coincidente com ano civil, vencimento em julho, setembro e 15
de dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável.
51 Conforme n.º 1 do artigo 105.º do CIRC, os pagamentos por conta são calculados com base no imposto
liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º relativamente ao período de tributação imediatamente
anterior àquele em que se devam efetuar esses pagamentos, líquidos da dedução a que se refere a alínea
e) do n.º 2 desse artigo.
52
Adaptado de Código do IRC Comentado e Anotado, DGCI (1990), p. 100.

67
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Nos termos do n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, o facto gerador do imposto
considera-se verificado no último dia do período de tributação. Ou seja, esse é
o momento que releva para efeitos do enquadramento tributário do sujeito
passivo no exercício.

No entanto, no que concerne ao PEC, cuja obrigação de pagamento ocorre em


momento anterior ao final do período de tributação, não tem parecido
justificável a aplicação dessa regra.

Com efeito, tendo presente a letra do n.º 1 do artigo 106.º do Código do IRC
“...os sujeitos passivos (...) ficam sujeitos a um pagamento especial por conta, a
efetuar durante o mês de Marco ou, em duas prestações, durante os meses de
Marco e Outubro do ano a que respeita ou, no caso de adotarem um período de
tributação não coincidente com o ano civil, no 3.º mês e no 10.º mês do período
de tributação respetivo.”, os Serviços têm entendido que a obrigação de efetuar
o Pagamento Especial por Conta vence em Marco do ano a que respeita,
havendo, no entanto, a possibilidade de efetuar este pagamento em duas
prestações, durante os meses de Marco e Outubro ou durante o 3.º mês e o 10.º
mês do período de tributação, se for adotado um período de tributação não
coincidente com o ano civil.

Ora, se até ao final do mês de Marco, a sociedade estava, ainda, submetida ao


Regime de Transparência Fiscal, os Serviços consideram que não está sujeita ao
Pagamento Especial por Conta.

Assim sendo, não obstante o facto de em Outubro (10.º mês) a sociedade já́ não
reunir os requisitos de não sujeição ao PEC, não está, no entanto, obrigada a
efetuá-lo, sendo o mesmo, apenas, devido a partir do exercício seguinte.

Na Informação Vinculativa referente ao Processo 2017 1130 - PIV 11836, sancionado


por despacho de 2017-08-31, da Diretora de Serviços do IRC, para a qual remetemos,
a AT apresenta um entendimento diferente sobre as condições em que o pagamento
especial por conta possa se devido por sociedade que deixa de estar no regime de
transparência fiscal.

Contudo, importa relembrar que todos os sujeitos passivos estão presentemente


dispensados de efetuar o pagamento especial por conta de IRC desde que desde que
as obrigações declarativas previstas nos artigos 120.º e 121.º (entrega das declarações
modelo 22 e Anual/IES), relativas aos dois períodos de tributação anteriores, tenham

68
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

sido cumpridas nos termos neles previstos.53

2.4.6 Derrama municipal e derrama estadual

Segundo o artigo 18.º da Lei das Finanças Locais54, a derrama municipal incide “sobre
o lucro tributável sujeito e não isento de IRC” obtido por sujeitos passivos residentes
em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza
comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse
território.

Sendo as entidades enquadradas no regime de transparência fiscal sujeitos passivos de


IRC, mas com a particularidade de não serem tributadas neste imposto, salvo quanto
às tributações autónomas, como dispõe o artigo 12.º do CIRC, verifica-se que a derrama
municipal não incidirá sobre o lucro tributável de uma sociedade ou entidade
transparente.

A posição da AT sobre o assunto foi clara. A Informação Vinculativa refere-se à


legislação em vigor à data da sua emissão e a norma que acabámos de citar mantém,
quanto à incidência da derrama municipal, exatamente a mesma previsão.

FICHA DOUTRINÁRIA - Informação Vinculativa referente ao


Processo 371/08, com despacho do Substituto Legal
do Director-Geral dos Impostos, em 2008-03-26

“1 - De acordo com o artigo 6.º do Código do IRC (CIRC), a matéria coletável das
sociedades a que seja aplicável o regime de Transparência Fiscal é imputada aos
sócios, integrando-se no seu rendimento tributável para efeitos de IRC ou IRS.
Desta forma, não é calculada coleta às sociedades transparentes.

2 - Na legislação relativa à derrama, anteriormente em vigor, estava prevista a


possibilidade de os municípios estabelecerem uma taxa até 10% da coleta de
IRC, pelo que, não tendo coleta, as sociedades transparentes não estavam
sujeitas à derrama.

3 - Nos termos da legislação atual, mais concretamente do artigo 14.º da Lei n.º
2/2007, de 15 de Janeiro, a taxa da derrama recai sobre o lucro tributável,
sujeito e não isento de IRC, das entidades residentes em território português
que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial

53 Alínea e) do n.º 11 do artigo 106.º do CIRC, aditada pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro.
54 Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro.

69
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

ou agrícola e ainda sobre o lucro tributável das entidades não residentes com
estabelecimento estável em Portugal.

4 - Ora, nos termos do artigo 12.º do CIRC, as entidades sujeitas ao regime de


Transparência Fiscal, não obstante serem sujeitos passivos de IRC, “...não são
tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas.”, pelo que esta
norma de não tributação leva a concluir que o lucro tributável por elas
efectuado não é passível de tributação em IRC.

5 - Logo, a derrama prevista no artigo 14.º supra referido não abrange, na sua
incidência objectiva, o lucro tributável das sociedades ou entidades
transparentes.

6 - Face ao exposto, nos termos da nova legislação supra identificada, as


entidades abrangidas pelo regime da Transparência Fiscal continuam a estar
afastadas da incidência da derrama.

A derrama estadual55 está prevista no artigo 87.º-A do CIRC: sobre a parte do lucro tributável
superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas
coletivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a
título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não
residentes com estabelecimento estável em território português, incidem as taxas
adicionais constantes da tabela publicada naquele artigo.

Recordando o artigo 12.º do CIRC que prevê que o lucro tributável obtido pelas entidades
sujeitas ao regime de transparência fiscal não é passível de tributação em IRC, conclui-se
que não se verifica o pressuposto de incidência objetiva da derrama estadual.

Assim, também não serão de efetuar quaisquer pagamentos adicionais por conta previstos
no artigo 105.º-A do CIRC.

2.4.7 Tributações autónomas

Voltando inevitavelmente ao artigo 12.º do CIRC relembramos que as sociedades e


outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de
transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas.

Assim, toda a disciplina constante no artigo 88.º do CIRC deve ser respeitada pelas
entidades transparentes, ficando sujeitos às taxas de tributação autónoma previstas,
e conforme as condições definidas, os encargos nele referidos, nomeadamente os

55
Criada pela lei n.º 12-A/2010 de 30 de junho.

70
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias


referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos
ou motociclos; com despesas de representação; ou com ajudas de custo e compensação
pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal.

Existindo despesas e encargos sujeitos a tributação autónoma, devem as mesmas ser


quantificadas no campo 365 do quadro 10 da declaração modelo 22, competindo o
correspondente pagamento à entidade sujeita ao regime de transparência fiscal. Este
campo, e o total a pagar (367), são os únicos que admitem valores na declaração de
IRC de uma entidade transparente.

2.4.8 Imputação de deduções à coleta aos sócios

O artigo 90.º do CIRC regula o procedimento e forma de liquidação do imposto,


começando por definir as regras quanto à determinação da coleta dos sujeitos passivos.
Acrescenta o seu n.º 2 que ao montante de coleta apurado são efetuadas as seguintes
deduções, pela ordem indicada:
a) A correspondente à dupla tributação jurídica internacional;
b) A correspondente à dupla tributação económica internacional;
c) A relativa a benefícios fiscais;
d) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;
e) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso
nos termos da legislação aplicável.

Não havendo cálculo de coleta de IRC nas entidades transparentes, estas ficam
privadas da possibilidade de proceder a tal dedução. Pelo que o n.º 5 do artigo 90.º do
CIRC prevê que as deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja
aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos
respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e
deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em
consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

Esta disposição aplica-se à potenciais deduções referidas, exceto à relativa ao


pagamento especial por conta que, como vimos, não efetuado pelas entidades
transparentes. Mesmo que o seja, por lapso, a sua recuperação deve ser feita por via
de reclamação graciosa em que se solicite o seu reembolso ao sujeito passivo.

Para além da imputação relativa a retenções de IRC na fonte, a que já nos referimos,
é habitual a imputação, pelas entidades transparentes, de créditos de imposto por
dupla tributação internacional, ou de benefícios fiscais que consistem em dedução à
coleta.

71
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

FICHA DOUTRINÁRIA - Informação Vinculativa referente ao


Processo 185/2017, sancionado por Despacho, de 27 de junho de 2017, da
Diretora de Serviços

Foram suscitadas dúvidas sobre a aplicação do regime previsto no artigo 91.º do


Código do IRC a uma entidade que se enquadra no regime de transparência
fiscal, com sede em território português, que presta serviços de advocacia em
Portugal e em Angola.

“Uma vez que o sujeito passivo é residente em território português e obteve


rendimentos no estrangeiro (mais precisamente em Angola), nos termos do n.º
1 do art.º 4.º do Código do IRC (CIRC), tem de proceder à inclusão na base
tributável da totalidade dos rendimentos e gastos obtidos no território nacional
e fora dele, situação que origina uma dupla tributação quanto aos rendimentos
obtidos fora do território nacional.

E, como os rendimentos obtidos em Angola foram aí tributados, uma vez que,


com Angola, Portugal não celebrou Convenção, a eliminação da dupla tributação
internacional processa-se através do crédito de imposto, ou seja, por dedução à
coleta, nos termos do artigo 91.º do CIRC.
Mas, para que o crédito de imposto possa ter lugar, não basta que os
rendimentos obtidos no estrangeiro tenham sido incluídos na base tributável; o
mesmo está dependente do pagamento efetivo do imposto no estado da fonte,
visto que o mecanismo visa eliminar a dupla tributação (jurídica) internacional.

Para efeitos da aplicação do mecanismo previsto no artigo 91.º do CIRC, a


comprovação do imposto pago no estrangeiro deve ser efetuada através de
documentos emitidos ou autenticados pelas autoridades fiscais do Estado de
origem dos rendimentos, em nome da entidade em causa.

Porém, estando em causa uma sociedade que se encontra abrangida pelo


regime de transparência fiscal, aplica-se o disposto no artigo 6.º do CIRC,
segundo o qual é imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação
que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS, a matéria
coletável, determinada nos termos deste Código, ainda que não tenha havido
distribuição de lucros.

A imputação é feita aos sócios nos termos que resultarem do ato constitutivo
ou, na falta de elementos, em partes iguais.
De facto, conforme dispõe o artigo 12.º do CIRC, as sociedades e outras
entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de

72
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações


autónomas.
E, nos termos do n.º 5 do artigo 90.º do CIRC, as deduções referidas no n.º 2,
designadamente, a correspondente à dupla tributação jurídica internacional,
são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no
n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria
coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo
artigo.

Nestes termos, a sociedade de advogados, como sociedade transparente, apura


a matéria coletável, de acordo com as normas do Código do IRC e, quanto aos
rendimentos obtidos no estrangeiro, determina o valor correspondente ao
crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, sendo depois
esses valores imputados aos sócios, nos termos já́ referidos.”

Entretanto, Portugal celebrou Convenção com Angola para Evitar a Dupla Tributação e
prevenir a Evasão Fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento e, de acordo com
o Aviso n.º 93/2019, publicado no Diário da República de 1 de outubro, a mesma entrou
em vigor a 22 de agosto de 2019.

FICHA DOUTRINÁRIA - Informação Vinculativa referente ao


Processo 2013 003058, Despacho de 2013.12.04,
da substituta legal do Diretor-Geral

Em análise, questão sobre se as entidades sujeitas ao regime da transparência


fiscal podem usufruir do benefício fiscal previsto na Lei n.º 49/2013, de 16 de
julho – Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI).

“Podem usufruir do benefício fiscal previsto na Lei n.º 49/2013, de 16 de julho –


Crédito Fiscal extraordinário ao Investimento (CFEI) os sujeitos passivos de IRC
que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial
ou agrícola, o que inclui, por força do n.º 4 do artigo 3.º do Código do IRC, os
sujeitos passivos que desenvolvam atividades de prestações de serviços.

No essencial, o CFEI permite uma dedução à coleta de IRC no montante de 20%


do investimento, até um máximo de 70% daquela coleta. No limite, este
incentivo pode reduzir para 7,5% a taxa geral efetiva de IRC para investimentos
em ativos afetos à exploração, realizados entre 1 de junho e 31 de dezembro de
2013. O montante máximo das despesas de investimento elegíveis é de cinco
milhões de euros, sendo possível a sua dedução à coleta de IRC por um período
de 5 anos, em caso de insuficiência da mesma no período de 2013.

73
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Por seu lado, nos termos do artigo 12.º do Código do IRC, as sociedades e outras
entidades abrangidas pelo regime da transparência fiscal não são tributadas em
sede daquele imposto, salvo quanto às tributações autónomas.

Embora seja relativamente à sociedade ou entidade transparente que tem lugar


o apuramento da matéria coletável, a tributação é feita na esfera dos respetivos
sócios ou membros mediante a imputação de resultados.

Este facto não obsta a que a própria sociedade ou entidade transparente seja
considerada sujeito passivo de IRC, na medida em que reúna os pressupostos
contidos na respetiva norma de incidência pessoal.

Há, no entanto, um afastamento ao regime normal da tributação por razões de


técnica tributária, o que tem sido configurado como uma “isenção técnica”. Esta
isenção implica, pois, a inexistência de coleta.

Contudo, o disposto no n.º 5 do artigo 90.º do Código do IRC pressupõe a


existência de deduções à coleta destas entidades a quem seja aplicável o regime
de transparência fiscal.

A referida disposição vem, aliás, determinar como se procede à imputação aos


sócios das deduções à coleta apuradas no seio da sociedade transparente,
recorrendo ao estabelecido no n.º 3 do artigo 6.º do Código do IRC, o qual
estabelece que a imputação da matéria coletável aos sócios é feita nos termos
que resultarem do ato constitutivo ou, na falta de elementos, em partes iguais.

Ora, o CFEI, sendo um benefício por dedução à coleta, integra-se precisamente


na norma prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 90.º do código do IRC e,
portanto, é-lhe aplicável o n.º 5 do mesmo artigo, ou seja, a dedução que caberia
à sociedade transparente é imputada aos seus sócios.

Na aplicação do CFEI às entidades a que seja aplicável o regime da transparência


fiscal regista-se, ainda, a particularidade de, por força do n.º 3 do artigo 3.º da
Lei n.º 49/2013, de 16 de julho, ser necessário apurar a coleta que seria devida
pela entidade transparente caso não fosse aplicável o referido regime da
transparência.

Com efeito, havendo uma limitação no regime do CFEI segundo a qual, a


dedução prevista não pode exceder 70% da coleta do IRC, esta limitação terá
que ser aferida em relação à potencial/virtual coleta da entidade transparente
e só depois imputada aos sócios ou membros de acordo com o disposto no n.º
5 do artigo 90.º do código do IRC.”

74
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Idêntico procedimento será de adotar se estivermos perante a utilização do Código


Fiscal do Investimento por sociedade transparente, nomeadamente da DLRR – Dedução
por Lucros Retidos e Reinvestidos. Ou, por exemplo, perante a dedução do Adicional
ao Imposto Municipal sobre Imoveis (AIMI) pago por sociedade de simples administração
de bens relativamente a imóveis que geraram rendimentos de arrendamento, nas
situações em que respetiva sociedade, conforme disposições aplicáveis, não tiver
considerado o valor do AIMI como gasto do período na determinação do lucro
tributável, em sede de IRC, e se opte pela sua dedução à coleta.

É também oportuno referir que, para investimentos considerados elegíveis, realizados


entre um de julho de 2020 e 30 de junho de 2021, está em vigor o CFEI II, aprovado
pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, com as mesmas condições de benefício fiscal,
sua dedução e reporte, descritas na Informação Vinculativa anterior.

2.4.9 Obrigações declarativas

Como previsto no n.º 9 do artigo 117.º do CIRC, a não tributação em IRC das entidades
abrangidas pelo regime de transparência fiscal nos termos do artigo 6.º não as
desobriga de apresentação ou envio das seguintes declarações:
a) Declaração de inscrição, de alterações ou de cessação, nos termos dos artigos
118.º e 119.º;
b) Declaração periódica de rendimentos, nos termos do artigo 120.º;
c) Declaração anual de informação contabilística e fiscal, nos termos do artigo
121.º;
d) Declaração financeira e fiscal por país, nos termos do artigo 121.º-A.

Sem prejuízo de procederem também à entrega de outras declarações decorrentes de


outras obrigações a que estejam sujeitas, como a declaração mensal de remunerações,
o modelo 10, ou modelo 30.

2.4.10 Liquidações corretivas

Estabelece o artigo 100.º do CIRC que sempre que, relativamente às entidades a que
se aplique o regime de transparência fiscal definido no artigo 6.º, haja lugar a
correções que determinem alteração dos montantes imputados aos respetivos sócios
ou membros, a AT promove as correspondentes modificações na liquidação efetuada
àqueles, cobrando-se ou anulando-se em consequência as diferenças apuradas.

75
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

2.4.11 Anulação de imposto liquidado a mais

Determina o artigo 103.º do CIRC que a AT procede oficiosamente à anulação, total ou


parcial, do imposto que tenha sido liquidado, sempre que este se mostre superior ao
devido, nos seguintes casos:
a) Em consequência de correção da liquidação nos termos dos números 9 e 10 do
artigo 90.º ou do artigo 100.º; (ver ponto anterior)
b) Em resultado de exame à contabilidade;
c) Devido à determinação da matéria coletável por métodos indiretos;
d) Por motivos imputáveis aos serviços;
e) Por duplicação de coleta.

2.4.12 Impossibilidade de enquadramento no regime simplificado

O Artigo 86.º-A do CIRC define o âmbito de aplicação do regime simplificado de


determinação da matéria coletável de IRC. É um regime de opção, no qual podem
enquadrar-se, mediante o cumprimento das condições previstas, os sujeitos passivos
residentes, não isentos nem sujeitos a um regime especial de tributação, que exerçam
a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

Porque a transparência fiscal é um regime especial de tributação, impede as


sociedades transparentes de opção pelo regime simplificado de determinação da
matéria coletável.

FICHA DOUTRINÁRIA - Informação Vinculativa referente ao Processo


2647/2018, 14093, Despacho de 2018-09-21, da Diretora de Serviços do IRC

Está em causa a sujeição ou não ao regime de transparência fiscal de uma


sociedade unipessoal, cujo sócio exerce a atividade de produção de próteses
dentárias – CAE 32502, ou seja, efetua a produção e venda de próteses dentárias
encomendadas pelos médicos dentistas para os seus pacientes, através de
moldes que lhe são entregues e a partir dos quais produz a respetiva prótese,
ou o seu possível enquadramento no regime simplificado de tributação em IRC.

“(...) A atividade desenvolvida, a que corresponde o CAE 32502 – Fabricação de


Material Ortopédico e Próteses e de Instrumentos Médico-cirúrgicos, faz parte
da lista de atividades a que se refere o art.º 151.º do CIRS, publicada pela
Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto – “5-Enfermeiros, parteiras e outros
técnicos paramédicos” – “5019 – Outros técnicos paramédicos”, pelo que,
desenvolvendo o seu único sócio essa mesma atividade através da sociedade, a
mesma ficará enquadrada no regime de transparência fiscal.

76
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Uma vez que a sociedade se enquadra no regime de transparência fiscal, não


pode ser tributada pelo regime simplificado de determinação da matéria
coletável, porque para esse efeito, não pode estar sujeita a um regime especial
de tributação, de acordo com o n.º 1 do art.º 86.º- A do CIRC.

Sobre o regime simplificado em IRC ver também a Circular n.º 6/2014, de 28 de março,
da Direção de Serviços do IRC, que já clarificava este entendimento no seu ponto 2:
ao referir que os sujeitos passivos isentos ou sujeitos a um regime especial de
tributação não podem optar pelo regime simplificado, o legislador excluiu do seu
âmbito de aplicação subjetiva, designadamente, todos os sujeitos passivos abrangidos
pelo regime de transparência fiscal a que se refere o artigo 6.º do CIRC e os sujeitos
passivos a que seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades
(RETGS).

2.5 Tributação de valores imputados a pessoas coletivas

Para terminarmos a abordagem das implicações do regime de transparência fiscal em


sede de IRC vamos analisar a imputação de valores na ótica das sociedades onde os
rendimentos serão tributados.

Sendo que, como vimos, poderemos ter sociedades “beneficiárias” de dois tipos de
rendimentos:
1. Sociedades sócias de sociedades de profissionais ou de sociedades de simples
administração de bens, a quem estas duas tipologias de entidades
transparentes imputam a matéria coletável que apuram;
2. Sociedades membros de ACE ou AEIE a quem estes agrupamentos imputam
lucros ou prejuízos do exercício.

E ainda poderemos ter sócios ou membros, que não tenham sede nem direção efetiva
em território português, das entidades sujeitas ao regime de transparência fiscal em
Portugal, para quem se considera que os mesmos obtêm através de estabelecimento
estável aqui situado os rendimentos imputados nos termos do artigo 6.º do CIRC.

2.5.1 Sociedades a quem é imputada matéria coletável

À sociedades sócias de sociedades de profissionais ou de sociedades de simples


administração de bens será unicamente imputada matéria coletável que estas apurem
no âmbito da sua atividade sujeita ao regime de transparência fiscal.

77
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

O valor desta matéria coletável é, na sociedade beneficiária, integrado no seu lucro


tributável, através do preenchimento do campo 709 do quadro 07 da declaração
modelo 22:

Este mesmo campo será utilizado para declarar o lucro tributável que tenha sido
imputado aos seus membros sociedade pelos ACE ou AEIE, pelo que transcrevemos a
explicação conjunta constante no Manual de Preenchimento do Quadro 07 da
Declaração de Rendimentos Modelo 22 (IRC 2020).56

Aos sócios das sociedades mencionadas no artigo 6.º, n.º 1 (sociedades civis não
constituídas sob forma comercial, sociedades de profissionais e sociedades de simples
administração de bens enquadráveis na alínea c) deste preceito) deve imputar-se a
matéria coletável, enquanto que aos membros dos agrupamentos complementares de
empresas (ACE) e agrupamentos europeus de interesse económico (AEIE) é imputado o
lucro tributável / prejuízo fiscal, conforme n.º 2 do mesmo artigo.

A imputação aos sócios deve ser efetuada no período de tributação a que a matéria
coletável ou o lucro tributável / prejuízo fiscal respeite, pelo que estes devem
solicitar, atempadamente, às respetivas entidades, os elementos considerados
indispensáveis para a concretização dessa imputação, quer a nível de matéria
coletável ou lucro tributável / prejuízo fiscal, quer relativamente às deduções à coleta
que proporcionalmente lhes corresponder.

Nos períodos de tributação em que as entidades abrangidas pelo regime de


transparência fiscal procederem à distribuição de lucros, os sócios (sociedades) devem
deduzir no campo 771 os lucros distribuídos, desde que os mesmos se encontrem
incluídos no resultado líquido do período, de forma a evitar a dupla tributação.

Exemplo 14

A sociedade Y desenvolve a atividade de prestação de serviços de consultadoria


económica e fiscal e reúne condições para sujeição ao regime de transparência fiscal.

O seu capital social é detido em percentagens iguais por dois sócios: a sociedade Z e
a pessoa singular A.
No exercício de 2020, a sociedade transparente imputou a cada um daqueles sócios,
no Anexo G da IES, 50 % da matéria coletável que obteve, no valor total de 16.000,00
€.

56 Edição AT (2021), p. 11.

78
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

A sociedade Z, no exercício de 2020 apurou um resultado líquido do período de


12.820,00 €.

Da informação fornecida, que valores serão de inscrever no quadro 07 da declaração


modelo 22 da sociedade Z?

Resolução:
O resultado líquido do período obtido pela sociedade Z: 12.820,00 €

Matéria coletável imputada pela sociedade X: 8.000,00 € (16.000,00 € x 50%)

12 8 2 0 00

12 8 2 0 00
8 0 0 0 00

Esta imputação tem sofrido várias críticas de quem entende que não será possível
imputar matéria coletável obtida por uma sociedade a outra sociedade, dado que, a
ser feito desta forma, a sociedade Z até poderia, caso tivesse prejuízos ficais por si
obtidos ainda a reportar, deduzir esses prejuízos a matéria coletável que lhe foi
imputada pela sociedade X e cujo valor agora passa a estar incluído no lucro tributável
obtido pela sociedade Z no período de 2020.

Contudo, a descrição do campo 709 não deixa margem para dúvidas de que nele devem
ser declarados também os valores de matéria coletável imputados por sociedades
transparentes. E isso mesmo é reforçado nos comentários constantes no Manual de
Preenchimento do Quadro 07 da Declaração de Rendimentos Modelo 22 que a AT
disponibiliza no Portal das Finanças há vários anos.

E evidenciamos a diferença para o campo 755, que se refere apenas à imputação de


prejuízo fiscal por ACE ou AEIE, pois somente nestes casos a imputação poderá originar
valores a deduzir no quadro 07 da sociedade beneficiária. O que permite ter a perceção
de que na configuração da modelo 22 houve o claro cuidado de acautelar as situações
distintas de imputação de matéria coletável (sempre positiva) e de lucro/prejuízo
fiscal (valor positivo ou negativo).

Assim, conclui-se que esta imputação de matéria coletável de uma sociedade


transparente a outra sociedade está perfeitamente operacionalizada na declaração
modelo 22 e vai ao encontro das disposições do CIRC que possibilitam que uma
sociedade enquadrada como transparente tenha participação de capital detida por

79
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

outra sociedade. O artigo 6.º do CIRC começa precisamente por definir que “é
imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu
rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria
coletável...” (sublinhados nossos).

Como nota final, remetemos para a Informação Vinculativa Processo 2019 003187, que
incluímos no ponto 2.2.2.3 deste manual, em que é analisado o enquadramento a
conferir a uma sociedade de advogados integralmente detida por dois sócios pessoas
coletivas, e cuja conclusão, que não nos merece reparo, é a de que, uma vez que na
através de outras duas sociedades) por profissionais que exercem a referida atividade,
total ou parcialmente, através da sociedade, encontram-se verificados os requisitos
para que a entidade seja classificada como sociedade de profissionais, estando
enquadrada no regime de transparência fiscal.

2.5.2 Sociedades a quem são imputados lucros ou prejuízos fiscais

Os lucros ou prejuízos fiscais são imputados aos seus membros pelos ACE ou AEIE com
sede ou direção efetiva em território português, que se constituam e funcionem nos
termos legais, para serem integrados no seu rendimento tributável.

O que é feito, para o caso de lucro tributável, como vimos e explicámos no ponto
anterior, no campo 709 do quadro 07 da declaração modelo 22:

Ou no campo 755, no caso de imputação de prejuízo fiscal:

Sobre este último, campo explica o Manual de Preenchimento do Quadro 07 da


Declaração de Rendimentos Modelo 22 (IRC 2020):57

Neste campo devem figurar os prejuízos fiscais imputados aos respetivos membros por
ACE ou AEIE (art.º 6.º, n.º 2).

Este campo não é preenchido pelas sociedades transparentes contempladas no artigo


6.º, n.º 1, porque os respetivos prejuízos são deduzidos unicamente aos lucros
tributáveis dessas mesmas sociedades (art.º 52.º, n.º 7).

Do mesmo manual retirámos os dois exemplos seguintes, um para cada possibilidade


de imputação de resultados por ACE ou AEIE.

57 Edição AT (2021), p. 66.

80
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Exemplo 15

A sociedade Maltês, SA é membro de um ACE, do qual recebeu, no período de


tributação de 2020, o montante de € 1.000,00, correspondente à sua quota-
parte dos lucros apurados em 2019, o qual contabilizou na respetiva conta da
classe 7 - Rendimentos.

Nesse mesmo período, o referido ACE, que é constituído por 20 membros,


apurou um lucro tributável de € 15.000,00.

Resolução:

Correções no Quadro 07 de 2020:


Campo 709 – Acréscimo de € 750,00 (€ 15.000,00 / 20)

Campo 771 – Dedução de € 1.000,00 (como forma de evitar a dupla tributação


dos lucros referentes a 2019 e distribuídos em 2020).

Exemplo 16

A Sociedade Inglês, S.A. é membro de um ACE e recebeu uma comunicação


informando-a que, no período de tributação de 2020, o referido agrupamento,
formado por 20 membros, apurou um prejuízo fiscal de € 12.500,00.

Resolução:

Correção no Quadro 07 de 2020:

Campo 755 – Dedução de € 625,00 (€ 12.500,00 / 20)

2.5.3 Estabelecimento estável de não residente

O artigo 5.º do CIRC define as condições para que uma pessoa coletiva não residente
em território português (sem sede ou direção efetiva neste território) nele tenha
estabelecimento estável. Sendo que a consequência imediata de se ser tributado em
Portugal através de um estabelecimento estável é a sujeição às regras do regime geral
de determinação do lucro tributável para efeitos de IRC.

Neste contexto, o n.º 11 do artigo 5.º dispõe que, para efeitos da imputação prevista
no artigo 6.º, considera-se que os sócios ou membros das entidades nele referidas que
não tenham sede nem direção efetiva em território português obtêm esses
rendimentos através de estabelecimento estável nele situado.

81
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Ou seja, para um não residente sócio ou membro de uma entidade transparente em


Portugal será considerado que tem estabelecimento no nosso país, para efeitos de
tributação dos rendimentos que lhe sejam imputados.

Um estabelecimento estável de não residente está obrigado à entrega da declaração


de rendimentos modelo 22 e, neste particular, deverá preencher o quadro 3-C
respondendo que é considerado um estabelecimento estável para efeitos da imputação
prevista no n.º 11 do artigo 5.º:

A declaração modelo 22 publicada para 2021 mantém a referência ao n.º 9 do artigo


5.º que, até às alterações introduzidas pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro,
correspondia ao atual n.º 11.

As instruções da modelo 22 explicam que este quadro é preenchido pelos sócios ou


membros, que não tenham sede nem direção efetiva em território português, das
entidades referidas no artigo 6.º do código do IRC (entidades sujeitas ao regime de
transparência fiscal), para efeitos da imputação prevista neste artigo, considerando-
se que os mesmos obtêm esses rendimentos através de estabelecimento estável nele
situado. Estes sujeitos passivos devem preencher os campos 709 ou 755 do quadro 07,
consoante os casos.

82
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

3. TRIBUTAÇÃO EM SEDE DE IRS

3.1 Regime de transparência fiscal no Código do IRS

A esmagadora maioria dos sócios das sociedades enquadradas no regime de


transparência são pessoas singulares sujeitos passivos de IRS. E, recorde-se, o artigo
6.º do CIRC dispõe que é imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação
que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante
o caso, a matéria coletável, determinada nos termos do CIRC, das sociedades
transparentes com sede ou direção efetiva em território português, ainda que não
tenha havido distribuição de lucros.

Por outro lado, também poderemos ter pessoas singulares como membros de ACE ou
AEIE a quem, igualmente nos termos do artigo 6.º do CIRC, serão imputados os lucros
ou prejuízos do exercício, apurados para os agrupamentos nos termos daquele Código.

No CIRS, o artigo 20.º prescreve o tratamento a dar em sede de imposto sobre as


pessoas singulares:

“Artigo 20.º
Imputação especial
1 - Constitui rendimento dos sócios ou membros das entidades referidas no
artigo 6.º do Código do IRC, que sejam pessoas singulares, o resultante da
imputação efetuada nos termos e condições dele constante ou, quando
superior, as importâncias que, a título de adiantamento por conta de
lucros, tenham sido pagas ou colocadas à disposição durante o ano em
causa.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, as respetivas importâncias
integram-se como rendimento líquido na categoria B.
3 - Constitui rendimento dos sujeitos passivos de IRS residentes em
território português os lucros ou rendimentos obtidos por entidades não
residentes em território português e aí submetidos a um regime fiscal
claramente mais favorável, no caso em que, nos termos e condições do
artigo 66.º do Código do IRC, os mesmos detenham, direta ou
indiretamente, mesmo que através de mandatário, fiduciário ou
interposta pessoa, pelo menos, 25 % ou 10 % das partes de capital, dos
direitos de voto ou dos direitos sobre os rendimentos ou os elementos
patrimoniais dessas entidades, consoante os casos, aplicando-se para o
efeito, com as necessárias adaptações, o regime aí estabelecido.
4 - Para efeitos do disposto no número anterior, as respetivas importâncias
integram-se como rendimento líquido na categoria B, nos casos em que as

83
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

partes de capital ou os direitos estejam afetos a uma atividade


empresarial ou profissional, ou na categoria E, nos restantes casos.
5 - No caso previsto no n.º 1, o resultado da imputação efetuada nos anos
subsequentes deve ser objeto dos necessários ajustamentos destinados a
eliminar qualquer duplicação de tributação dos rendimentos que possa vir
a ocorrer.
6 - O disposto no n.º 2 não prejudica a possibilidade de dedução das
contribuições obrigatórias para regimes de proteção social
comprovadamente suportadas pelo sujeito passivo, nos casos em que este
exerce a sua atividade profissional através de sociedade sujeita ao regime
de transparência fiscal previsto no artigo 6.º do Código do IRC, desde que
as mesmas não tenham sido objeto de dedução a outro título.”

O n.º 1 do artigo 20.º do CIRS começa por acolher a tributação em sede de IRS dos
valores daquelas imputações feitas a pessoas singulares nos termos previstos no artigo
6.º do CIRC. Mas salvaguarda que se as importâncias pagas ou colocadas à disposição
durante o ano em causa, a título de adiantamento por conta de lucros, tiverem sido
superiores aos valores daquelas imputações, serão estas importância recebidas a ser
tributadas.

Esta disposição está alinhada com a parte final da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do
CIRS que exclui de tributação no âmbito da Categoria E (rendimentos de capitais) os
levantamentos/adiantamentos por conta de lucros efetuados pelos sócios das
sociedades abrangidas pelo regime de transparência fiscal.

Por outro lado, como dispõe o n.º 11 do artigo 101.º do CIRS, o rendimento respeitante
a estes levantamentos/adiantamentos não é objeto de retenção na fonte, quer seja
inferior ou superior aos montantes imputados nos termos do artigo 6.º do CIRC.

Resulta, então, do n.º 1 do artigo 20.º do CIRS que, em cada ano, será tributado o
maior dos valores entre o rendimento imputado pela sociedade transparente e o
montante de adiantamento por conta de lucros que tenha sido pago ou colocado à
disposição do sujeito passivo.

Com grande sentido de justiça, a Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, introduziu o


n.º 5 naquele artigo prevendo que o resultado da imputação efetuada nos anos
subsequentes deve ser objeto dos necessários ajustamentos destinados a eliminar
qualquer duplicação de tributação dos rendimentos que possa vir a ocorrer.

84
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Exemplo 17

Relativamente ao ano de 2019, a sociedade de profissionais CC, Lda. imputou


aos seus sócios A (70% do capital) e B (30% do capital) uma matéria coletável de
10.000 €, sendo 7.000 € imputados a A e 3.000 € imputados a B.
No mesmo ano, foram pagos 5.000 € de adiantamentos por conta de lucros a
cada um dos sócios A e B, sem que existissem saldos pendentes de anos
anteriores.

Em 2020, a sociedade obteve matéria coletável de 6.000 € e, durante esse ano,


A recebeu 6.000 € e B não recebeu qualquer valor.

Valores a tributar por A e B no ano de 2020?

Resolução:

Relativamente a 2019:
A, com imputação de 7.000 € e recebeu 5.000 € teve tributação sobre 7.000 €

B, com imputação de 3.000 € e recebeu 5.000 € teve tributação sobre 5.000 €


B ficou com “crédito” de 2.000 €

Relativamente a 2020:

MC Valor Valor a
Sócio Ajustamentos
imputada recebido tributar

A 4.200 € 6.000 € 4.200 € *

B 1.800 € 0,00 € - 1.800 € 0,00 € **

* Apesar de A ter recebido 6.000 € em 2020, mais do que a matéria coletável


imputada, ainda tinha por receber 2.000 € do rendimento imputado em 2019.
Assim, ainda fica com direito a receber 200 € do rendimento imputado em 2020.

** B foi tributado em excesso em 2019 sobre 2.000 €. Deste “crédito” tem


direito a um ajustamento de 1.800 € em 2020 e ainda restam 200 € para
ajustamento em anos seguintes em que o valor recebido seja inferior ao valor
imputado.

Os valores assim apurados são tributados como rendimento líquido na categoria B,


apenas com a exceção de possibilidade de dedução das contribuições obrigatórias para
regimes de proteção social comprovadamente suportadas pelo sujeito passivo, nos
casos em que este exerce a sua atividade profissional através de sociedade sujeita ao
regime de transparência fiscal previsto no artigo 6.º do CIRC, desde que as mesmas
não tenham sido objeto de dedução a outro título. Ou sejam quando o sócio profissional
está enquadrado no regime contributivo dos trabalhadores independentes, suporta as

85
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

contribuições a título individual e as mesmas não são consideradas gasto da sociedade


transparente.

Importa relembrar que apesar de o regime de transparência fiscal impor a imputação


aos sócios das sociedades de profissionais da matéria coletável por estas obtida, ainda
que não tenha havido distribuição de lucros, os sócios continuam a ter direito aos
lucros nos termos previstos no CSC.

E se há muitas situações em que a matéria coletável é tributada, mesmo sem os sócios


terem real capacidade contributiva imediata, porque estes optam por não retirar
lucros para permitir autofinanciamento às sociedades, outas há em que, dada a
possível divergência entre resultados contabilísticos e fiscais (em função das correções
a efetuar no quadro 07 da declaração modelo 22), o resultado líquido do período
(contabilístico) passível de distribuição, seja superior à matéria coletável que foi
imputada. Nos casos em que os sócios optem por distribuir lucros superiores à matéria
coletável, aproveitando as disposições do CSC, o tratamento relacionado com a
tributação em sede de IRS acaba também por ser feito a luz do n.º 5 do artigo 20.º do
CIRS.

3.1.1 Transparência fiscal internacional

Os números 3 e 4 do artigo 20.º do CIRS consagram a chamada transparência fiscal


internacional. Uma norma anti abuso cujo objetivo é o combate às chamadas
“sociedades-base” (ou sociedades de aforro) que, localizadas num país ou território
onde vigora um regime de tributação mais favorável, reduziriam o seu nível de
tributação e, não havendo distribuição de lucros aos sócios, também estes não eram
tributados.

Assim, consagra-se um regime de transparência fiscal (internacional) para que sejam


tributados os sócios sobre os lucros obtidos pela sociedade, independentemente da sua
distribuição.

3.1.2 Rendimentos da categoria B faturados a sociedades de


profissionais

O artigo 31.º do CIRS define os coeficientes e outras regras a ter em conta na


determinação do rendimento tributável no âmbito do regime simplificado da categoria
B do IRS.

De entre os coeficientes, destacamos o de 0,75 que se aplica aos rendimentos das


atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo
151.º. Estamos, assim, perante as mesmas atividades que devem ser consideradas na

86
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

avaliação de se uma sociedade é ou não qualificada como sociedade de profissionais


para efeitos de aplicação do regime de transparência fiscal.

Um cenário de planeamento possível seria o sócio profissional estar coletado na


categoria B do IRS e faturar rendimentos da atividade prisional à sociedade onde
também exerce a mesma atividade, com o objetivo de diminuir a matéria coletável a
ser imputada pela sociedade e aproveitar o benefício de 25 % desse rendimento assim
faturado não ser tributado na categoria B.

Para impedir este comportamento “abusivo” que levaria a redução do encargo com
IRS, o legislador impôs que se aplique o coeficiente 1 (um) aos rendimentos
decorrentes de prestações de serviços efetuadas às sociedades de profissionais a que
é aplicado o regime da transparência fiscal, quando o sujeito passivo delas for sócio.58

3.1.3 Mais-valias em resultado da partilha de sociedades

Constituem rendimentos da categoria G do IRS, sendo tributados sobre a forma de


mais-valias, os ganhos obtidos na alienação onerosa de partes sociais, incluindo o valor
atribuído em resultado da partilha de sociedades nos termos dos artigos 81.º do CIRC.59

E define o artigo 81.º do CIRC que será rendimento dos sócios, no período de tributação
em que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído a cada um deles em
resultado da partilha, abatido do valor de aquisição das correspondentes partes sociais
e de outros instrumentos de capital próprio. Sendo que, para efeitos de tributação
desta diferença, deve observar-se o seguinte:
a) Quando positiva, é considerada como mais-valia;
b) Quando negativa, é considerada como menos-valia dedutível pelo montante
que exceder a soma dos prejuízos fiscais deduzidos no âmbito da aplicação do
regime especial de tributação dos grupos de sociedades e dos lucros e reservas
distribuídos pela sociedade liquidada que tenham beneficiado do disposto no
artigo 51.º.60

Assim, se um sócio pessoa singular realizou capital social no valor de 10.000,00 € (ou
pagou este montante pela aquisição de uma quota a um terceiro) e lhe é atribuído, na
liquidação e partilha da sociedade, o valor de 25.000,00 €, destes montantes resultará
uma mais-valia de 15.000,00 € a ser tributada pelas regras da categoria G do IRS.

58
Artigo 31.º, n.º 1, g), i) do CIRS.
59 Artigo 10.º, n.º 1, b) 3) do CIRS.
60
Artigo 81.º, n.º 1 e 2 do CIRC.

87
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Os 25.000,00 € atribuídos na partilha, que no fundo são a valorização do investimento


feito pelo sócio, podem ter tido diversas origens, mas a mais comum é terem origem
em resultados obtidos pela sociedade e que os sócios optaram por não distribuir. É
então pertinente a questão: e se naqueles 25.000,00 € estiverem incluídos valores de
matéria coletável já imputada/tributada na esfera do sócio, enquanto sócio de
sociedade transparente, sem a correspondente distribuição de lucros do mesmo
montante?

Para obstar a uma dupla tributação, o n.º 5 do artigo 81.º do CIRC prevê que,
relativamente aos sócios de sociedades abrangidas pelo regime de transparência fiscal,
ao valor que lhes for atribuído em virtude da partilha é ainda abatida a parte do
resultado de liquidação que, para efeitos de tributação, lhes tenha sido já imputada,
assim como a parte que lhes corresponder nos lucros retidos na sociedade nos períodos
de tributação em que esta tenha estado sujeita àquele regime.

Exemplo 18
A sociedade C, Lda. foi constituída em 2000 por dois sócios, tendo cada um
subscrito e realizado uma quota com valor nominal de 5.000,00 €.

Até 2012 a sociedade foi tributada pelo regime normal de IRC e de 2013 até ao
presente C, Lda. foi enquadrada como sociedade de profissionais.

Nestes exercícios, o total de matéria coletável imputado aos sócios ascendeu a


100.000,00 €, tendo estes apenas recebido 60.000,00 €, em partes iguais.

Em 2021, sociedade C, Lda. foi liquidada e procedeu-se à partilha do património


pelos sócios, com a atribuição a cada um deles do valor de 50.000,00 €.
Qual a mais-valia a tributar em cada sócio no ano de 2021?

Resolução:

Pela regra geral do artigo 81.º do CIRC a mais-valia obtida por cada sócio seria
de 45.000,00 €: valor atribuído na partilha (50.000,00 €) – valor de
aquisição/realização da quota (5.000,00 €).
Contudo, do diferencial entre a matéria coletável imputada pela sociedade aos
sócios, enquanto esteve no regime de transparência fiscal, e o valor de lucros
recebidos por estes, há um diferencial de 20.000,00 € já tributado em excesso
em cada sócio.

Este diferencial será subtraído na determinação da mais-valia a tributar, como


previsto no n.º 5 do artigo 81.º do CIRC.

Assim, a mais-valia a tributar em cada sócio será apenas de 25.000,00 €


(45.000,00 € - 20.000,00 €).

88
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

3.2 Anexo D da declaração modelo 3 de IRS

Os valores imputados a pessoas singulares por entidades transparentes (rendimentos e


deduções) são declarados no anexo D da declaração modelo 3 de IRS.

Alem destes, o anexo D acolhe ainda a imputação de lucros ou rendimentos obtidos


por entidades não residentes em território português que estejam sujeitas, no país ou
território da residência, a um regime fiscal privilegiado (artigo 66.º do CIRC) ou de
herança indivisa, nos termos dos artigos 19.º e 20.º do CIRS.

Pelo que o anexo D deve ser apresentado pelos sócios ou membros das pessoas coletivas
sujeitas ao regime de transparência fiscal, cujos rendimentos lhes sejam imputáveis,
nos termos do artigo 6.º do CIRC e, ainda, os contitulares de herança indivisa que
produza rendimentos da categoria B, bem como os sócios de sociedades não residentes
e aí sujeitos a um regime claramente mais favorável.

Atento o tema deste manual, interessa-nos olhar em particular para os quadros 4 e 9.

Quadro 4 – Imputação de rendimentos e retenções

Relativamente a cada um dos campos a seguir mencionados, na primeira coluna, deve


ser indicado o número de identificação fiscal (NIF) da entidade imputadora de
rendimentos.

Na coluna “Tipo” deve indicar:

89
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

a) Relativamente aos campos 401 a 402, qual o tipo de sociedade, de acordo com os
seguintes códigos:
01 - Sociedades civis não constituídas sob forma comercial;
02 - Sociedades de profissionais;
03 - Sociedades de simples administração de bens.

Na coluna seguinte deve indicar a percentagem utilizada na imputação ao titular dos


rendimentos relativa aos valores indicados nos campos que a seguir se descrevem.

Por referência à coluna “Rendimentos líquidos imputados” deve observar-se o


seguinte:

Campos 401 e 402 - Deve indicar-se o valor da matéria coletável imputada ao sócio da
sociedade sujeita ao regime da transparência fiscal, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º
do CIRC.

Os titulares que tenham preenchido o Q3B (regime fiscal aplicável a ex-residentes,


artigo 12.º-A do CIRS), devem, nestes campos, indicar o valor total da matéria
coletável imputada, sendo a parte excluída de tributação (artigo 12.º-A do CIRS)
considerada automaticamente na liquidação.

Campos 431 e 432 - Deve indicar-se o montante do lucro fiscal ou do prejuízo fiscal
que foi imputado ao membro pelo Agrupamento Complementar de Empresas (ACE) ou
pelo Agrupamento Europeu de Interesse Económico (AEIE), tendo em atenção que, em
caso de prejuízo, deve ser usado o sinal (-).

Campos 480 e 481 - Devem ser indicados os lucros ou rendimentos obtidos por entidades
não residentes em território português que estejam sujeitas, no país ou território da
residência, a um regime fiscal mais favorável imputáveis aos respetivos sócios,
residentes em território português, que detenham, direta ou indiretamente, mesmo
através de mandatário, fiduciário ou interposta pessoa, pelo menos 25% ou 10% das
partes de capital, dos direitos de voto ou dos direitos sobre os rendimentos ou dos
elementos patrimoniais daquelas entidades, consoante os casos, tal como se encontra
previsto no n.º 3 do artigo 20.º do CIRS, devendo ainda ser observadas as regras
previstas no artigo 66.º do CIRC, com as devidas adaptações.

Havendo distribuição de lucros ou rendimentos ao sujeito passivo residente por parte


das entidades não residentes anteriormente referidas, tais montantes devem ser
deduzidos aos lucros ou rendimentos imputados, desde que o sujeito passivo prove que
os lucros ou rendimentos distribuídos já foram imputados e tributados em anos
anteriores.

90
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Se as partes de capital ou os direitos estiverem afetos a uma atividade empresarial ou


profissional, os rendimentos imputados integram-se na categoria B (campo 480). Nos
restantes casos, os rendimentos integram-se na categoria E (campo 481).

Na coluna “Retenção na Fonte” devem ser indicados os valores das retenções na fonte
de imposto que incidiram sobre os rendimentos obtidos pelas entidades imputadoras
identificadas neste quadro, na mesma proporção da imputação efetuada.

Na coluna “Adiantamentos por conta de lucros” devem ser indicadas as importâncias


recebidas durante o ano a que respeita a declaração a título de adiantamentos por
conta de lucros.

Nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do CIRS, constituem rendimento dos sócios ou
membros das entidades referidas no artigo 6.º do CIRC os adiantamentos por conta de
lucros que tenham sido pagos ou colocados à disposição durante o ano a que respeita
a declaração, quando superiores ao rendimento imputado.

Na coluna “Ajustamentos” deve indicar-se o valor a deduzir à matéria coletável ou ao


lucro imputado, por ter sido considerado para efeitos de tributação o valor recebido
no ano anterior a título de adiantamento por conta de lucros, conforme dispõe o n.º 5
do artigo 20.º do CIRS.

Quadro 9 - Deduções à coleta e 9A - Adicional ao Imposto Municipal Sobre Imóveis

Campo 901 - Deve indicar-se o montante dos pagamentos por conta que foram
efetuados pelo titular identificado no quadro 3A.

Campo 902 - Deve indicar-se o valor das deduções relativas a benefícios fiscais que
devam ser imputados ao sócio, membro ou herdeiro.

Campo 990 - Deve indicar-se o valor de outras deduções à coleta que devam ser
imputadas ao sócio, membro ou herdeiro.

91
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Na coluna “código da dedução” deve indicar:


01 – Dedução do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imoveis (AIMI)
02 – Outras deduções

O código 01 destina-se a indicar o valor do AIMI correspondente ao valor que seria


imputado ao sócio da sociedade de simples administração de bens. Apenas deve ser
preenchido se a respetiva sociedade na determinação do lucro tributável, em sede de
IRC, não tiver considerado o valor do AIMI como gasto do período.

O código 02 destina-se à indicação de outras deduções à coleta não especificamente


previstas neste quadro.

Quadro 9A – Adicional Ao Imposto Municipal Sobre Imóveis (alínea l) do n.º 1 do artigo


78.º do CIRS)

Este quadro destina-se à identificação dos prédios urbanos, que tenham gerado
rendimentos imputados no âmbito de atividades de arrendamento ou hospedagem e
sobre os mesmos tenha incidido o AIMI. Para preenchimento deste quadro deve ter em
atenção a informação constante da(s) Demonstração(ões) de Liquidação do AIMI.

92
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

4. APLICAÇÃO PRÁTICA

Com o objetivo de ajudar a consolidar a temática desenvolvida no presente manual e nas


sessões de formação em que o mesmo será utilizado, simulámos a presente aplicação prática
que integra um conjunto significativo de situações estudadas em interligação com as
obrigações declarativas inerentes ao regime de transparência fiscal, a cumprir pela
sociedade transparente e pelos seus sócios.

4.1 Enunciado

No início de 2019, Maria e Mário constituíram a sociedade “Formamos Boas Contas,


Lda.”, com o capital social de 20.000,00 € que corresponde a duas quotas, uma no
valor de 12.000,00 € (60 %) pertencente a Maria e outra no valor de 8.000,00 € (40 %)
detida por Mário.

A sociedade tem a sua sede e instalações na cidade de Viseu.

Maria e Mário são contabilistas certificados e formadores e ambos prestam serviços de


contabilidade, consultoria fiscal e formação através daquela sociedade.

No exercício de 2019 a sociedade apurou prejuízo para efeitos fiscais de 10.600,00 €.

Relativamente ao exercício de 2020 temos:

1. Resultado antes de impostos: 12.810,00 €;

2. Perdas por imparidade em créditos contabilizadas: 2.700,00 € (não foram


contabilizadas perdas por imparidade em 2019;

3. Face aos critérios do artigo 28.º-B do CIRC, o valor daquelas perdas por
imparidade fiscalmente dedutível a 31/12/2020 é de apenas 800,00 €;

4. Despesas de representação: 200,00 €;

5. Gastos com compensação pela deslocação em viatura própria de trabalhadores,


ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes e não sujeitos a IRS:
720,00 €;

6. Depreciação de viatura ligeira de passageiros movida a gasolina e com custo de


aquisição de 22.000,00 €: 5.500,00 €;

7. Outros gastos com aquela viatura: 1.200,00 €;

8. Comissões bancárias contabilizadas pelo extrato de conta: 23,34 €;

93
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

9. Investimento em equipamentos para o ativo fixo tangível elegíveis no âmbito


do CFEI II: 5.000,00 €;

10. Retenção de IRC na fonte sobre juros de depósitos bancários: 20,00 €;

11. A taxa de derrama reduzida aprovada pelo Município de Viseu para sujeitos
passivos cujo volume de negócios, no período anterior, não ultrapasse
150.000,00 € é de 0,01%.

Justifique-se o enquadramento da sociedade “Formamos Boas Contas, Lda.” no regime


de transparência fiscal e mostre-se o impacto nas declarações modelo 22 e IES da
sociedade, bem como no IRS dos sócios.

4.2 Implicações na sociedade transparente

As três atividades desenvolvidas pela sociedade “Formamos Boas Contas, Lda.” estão
especificamente previstas na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS.
Mas, porque são três atividades, a sociedade não é enquadrável no regime de
transparência fiscal pelo ponto 1) da alínea a) do n.º 4 do artigo 6.º do CIRC.

Contudo, analisando os requisitos do ponto 2) daquela mesma alínea, verifica-se que:

— Os rendimentos da sociedade têm origem em mais de 75 %, no exercício conjunto ou


isolado de atividades profissionais especificamente previstas na lista a que se refere o
artigo 151.º do CIRS (no caso, três daquelas atividades geram 100 % dos rendimentos
da sociedade),

E, cumulativamente, durante mais de 183 dias do período de tributação (no caso,


durante todo o período de 2020):
— O número de sócios não foi superior a cinco (dois sócios),
— Nenhum deles é pessoa coletiva de direito público,
— Pelo menos, 75 % do capital social foi/é detido por profissionais que exercem as
referidas atividades, total ou parcialmente, através da sociedade (no caso, 100 % do
capital é detido por profissionais – contabilistas/consultores/formadores – que
exercem as atividades em exclusivo através da sociedade).

Assim, a sociedade “Formamos Boas Contas, Lda.” esta enquadrada no regime de


transparência fiscal.

Quanto à declaração modelo 22 e IES, vamos apenas preencher os campos dos quadros
necessários para evidenciar as especificidades do regime de transparência fiscal.

94
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

4.2.1 Declaração modelo 22 de IRC

4.2.1.1 Quadro 4 - Regimes de tributação dos rendimentos

Tratando-se de entidades sujeitas ao regime de transparência fiscal, são assinalados,


em simultâneo, os campos 1 e 7 – regime geral e transparência fiscal.

4.2.1.2 Quadro 07 - Apuramento do lucro tributável

As sociedades enquadradas no regime de transparência fiscal apuram normalmente o


seu lucro tributável, como qualquer outra entidade sujeita ao regime geral de
determinação do lucro tributável (artigos 17.º e seguintes do CIRC).

Partindo das informações fornecidas, comecemos por calcular o gasto com imposto e
o resultado líquido do período, sendo certo que as sociedades e outras entidades a
que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são
tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas (artigo 12.º do CIRC).

Assim, a sociedade em transparência fiscal não suporta qualquer valor de coleta de


IRC. Dada a particularidade de não ser tributada neste imposto, salvo quanto às
tributações autónomas, verifica-se também que a derrama municipal não incidirá sobre
o lucro tributável de uma sociedade ou entidade transparente.

Por aplicação das taxas previstas nos números 3, 7 e 9 do artigo 88.º do IRC, temos as
seguintes tributações autónomas:

Encargos com: Encargo Taxa TA


5 500,00 € 10% 550,00 €
Viatura ligeira de passageiros
1 200,00 € 10% 120,00 €
Despesas de representação 200,00 € 10% 20,00 €
Deslocação de trabalhadores em viatura própria 720,00 € 5% 36,00 €
Total 726,00 €

Com resultado antes de impostos de 12.810,00 € e gasto com imposto de 726,00 €, o


resultado líquido do período é de 12.810,00 € - 726,00 € = 12.084,00 €.

95
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

O quadro 07 terá preenchidos os seguintes campos, com o respetivo lucro tributável:

Para além dos encargos não dedutíveis para efeitos fiscais, temos o benefício fiscal da
remuneração convencional do capital social, previsto no artigo 41.º-A do Estatuto dos
Benefícios Fiscais: na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou
civis sob forma comercial, cooperativas, empresas públicas, e demais pessoas coletivas
de direito público ou privado com sede ou direção efetiva em território português,
pode ser deduzida uma importância correspondente à remuneração convencional do
capital social, calculada mediante a aplicação, limitada a cada exercício, da taxa de
7 % ao montante das entradas realizadas até (euro) 2 000 000, por entregas em dinheiro
ou através da conversão de créditos, ou do recurso aos lucros do próprio exercício no
âmbito da constituição de sociedade ou do aumento do capital social, desde que
cumpridas as condições alo previstas. A dedução é efetuada no apuramento do lucro
tributável relativo ao período de tributação em que sejam realizadas as entradas e nos
cinco períodos de tributação seguintes.

Assim, pelo capital social realizado em 2019, desde esse exercício e até 2024:
20.000,00 € x 7 % = 1.400,00 €.

96
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

A inclusão deste facto no presente caso prático pretende evidenciar que uma sociedade
enquadrada no regime de transparência fiscal pode normalmente utilizar os benefícios
fiscais que consistem em deduções ao lucro tributável.

4.2.1.3 Quadro 09 - Apuramento da matéria coletável

As sociedades enquadradas no regime de transparência fiscal, com sede ou direção


efetiva em território português, imputam aos seus sócios a matéria coletável,
determinada nos termos do CIRC, ainda que não tenha havido distribuição de lucros
(artigo 6.º do CIRC).

Os prejuízos fiscais respeitantes às sociedades enquadradas naquele regime são


deduzidos unicamente dos lucros tributáveis das mesmas sociedades (artigo 52.º, n.º 7
do CIRC).

Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação, nos termos das


disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou
mais dos cinco períodos de tributação posteriores, à exceção dos sujeitos passivos que
exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza
agrícola, comercial ou industrial e que estejam abrangidos pelo Decreto-Lei n.º
372/2007, de 6 de novembro, os quais podem fazê-lo em um ou mais dos doze períodos
de tributação posteriores (artigo 52.º, n.º 1 do CIRC).

97
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

4.2.1.4 Quadro 10 - Cálculo do imposto

No regime de transparência fiscal e por força do disposto no artigo 12.º do CIRC, não
há lugar ao preenchimento deste quadro, com exceção do campo 365 relativo às
tributações autónomas.

A não tributação em IRC das entidades abrangidas pelo regime de transparência fiscal,
nos termos do artigo 6.º do CIRC não as desobriga da apresentação da declaração
periódica de rendimentos. Existindo despesas e encargos sujeitos a tributação
autónoma nos termos do artigo 88.º, devem as mesmas ser quantificadas no campo
365, competindo o correspondente pagamento à entidade sujeita ao regime de
transparência fiscal.

As deduções com origem em dupla tributação jurídica internacional, dupla tributação


económica internacional, benefícios fiscais e retenções na fonte, respeitantes a
entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal são imputadas aos
respetivos sócios ou membros nos termos que resultarem do ato constitutivo das
mesmas (ou, na falta de elementos, em partes iguais) e deduzidas ao montante
apurado com base na matéria coletável que seja imputada em função da mesma
repartição (artigo 90.º, n.º 5 do CIRC).

98
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Relativamente à sociedade “Formamos Boas Contas, Lda.” será imputada a retenção


de IRC na fonte e a dedução à coleta com origem no CFEI II.

Aproveita-se para alertar para o facto de, ao obter-se a declaração modelo 22 pré
preenchida no portal das finanças, o valor da retenção de IRC feita à sociedade
aparecerá no campo 359 do quadro 10, o que provocará um erro na declaração se este
valor não fora apagado antes de assinalar “Transparência fiscal” no quadro 4. A forma
de o eliminar é ir ao quadro 4 retirar o (X) do campo 7 “Transparência fiscal”, apagar
o valor do campo 359 do quadro 10 e voltar a de assinalar “Transparência fiscal” no
quadro 4.

4.2.1.5 Anexo D da declaração modelo 22 – Benefícios fiscais

O anexo D da declaração modelo 22 é, entre entidades outras entidades,


obrigatoriamente apresentado pelas que exercendo, a título principal, uma atividade
de natureza comercial, industrial ou agrícola, usufruam de regimes de isenção ou de
qualquer outro benefício fiscal que se traduza em deduções ao rendimento ou à coleta
no período a que respeita a declaração.

A sociedade “Formamos Boas Contas, Lda.”, embora no regime de transparência fiscal,


beneficia da remuneração convencional do capital social (benefício fiscal que se traduz
em dedução ao rendimento) e do CFEI II (benefício fiscal que se traduza em dedução
à coleta).

Porque a dedução à coleta com origem no CFEI II é imputada aos sócios, a


obrigatoriedade de entrega do anexo D da declaração modelo 22 decorre apenas da
necessidade de evidenciar a remuneração convencional do capital social no quadro 04:

Dado que a dedução à coleta com origem no CFEI II é imputada aos sócios, e não será
inscrito qualquer valor no campo 355 do quadro 10 da declaração modelo 22, não deve
ser preenchido o quadro 076 do anexo D.

99
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

4.2.2 Anexo G da declaração anual/IES

Os sujeitos passivos abrangidos pelo regime de transparência fiscal previsto no artigo


6º do CIRC, que não ficam sujeitos a tributação a IRC (exceto tributações autónomas),
são obrigados a submeter o anexo G da IES, com o objetivo de efetuar a imputação da
matéria coletável ou lucro tributável/prejuízo fiscal de IRC aos respetivos sócios (ou
aos seus membros - empreendedores).

Aos sócios das sociedades civis não constituídas sob forma comercial, sociedades de
profissionais (o nosso caso) e sociedades de simples administração de bens é imputada
a matéria coletável dessa entidade, apurada nos termos do CIRC, o que é feito no
quadro 03.

De igual forma, são imputadas as deduções à coleta a que a sociedade teria direito,
mas que vão beneficiar os sócios.

A sociedade transparente “Formamos Boas Contas, Lda.”, tem o capital social dividido
em duas quotas, uma no valor de 12.000,00 € (60 %) pertencente a Maria e outra no
valor de 8.000,00 € (40 %) detida por Mário. Será este o critério de imputação a utilizar.

Para além da imputação da coleta obtida (no valor de 4.000,00 €) há ainda a imputar
a retenção de IRC na fonte (20,00 €) e a dedução com origem no CFEI II. Como referido,
a sociedade efetuou investimento em equipamentos para o ativo fixo tangível elegíveis
no âmbito do CFEI II no valor de 5.000,00 €.

O CFEI II foi aprovado pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, e contempla


investimentos considerados elegíveis, realizados entre um de julho de 2020 e 30 de
junho de 2021.

100
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Sem pretendermos fazer uma revisão exaustiva às condições e regras de utilização do


CFEI II, importa recordar que o benefício fiscal consiste numa dedução à coleta de IRC
no montante de 20 % das despesas de investimento em ativos afetos à exploração, que
sejam efetuadas naquele período.
Assim, a dedução à coleta será de 5.000,00 € x 20 % = 1.000,00 €.

A dedução é efetuada na liquidação de IRC respeitante ao período de tributação que


se inicie em 2020 ou 2021, até à concorrência de 70 % da coleta deste imposto, em
função das datas relevantes dos investimentos elegíveis.

Esta limitação terá que ser aferida em relação à coleta potencial (ou virtual) da
entidade transparente e só depois imputada aos sócios ou membros de acordo com o
disposto no n.º 5 do artigo 90.º do CIRC.

A sociedade transparente “Formamos Boas Contas, Lda.” é PME (pequena ou média


empresa) nos termos previstos no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de
novembro. Tem a sua sede na cidade de Viseu e a freguesia de Viseu, bem como a
maioria das freguesias deste concelho, não são áreas territoriais beneficiárias61 da
redução de taxa de IRC prevista no artigo 41.º-B do EBF para territórios do Interior.

Pelo que apenas está em condições de aproveitar a taxa de 17 % aplicável aos primeiros
25.000 € de matéria coletável, prevista no n.º 2 do artigo 87.º do CIRC.

A coleta virtual das sociedades transparentes, para efeitos de controlo das deduções à
coleta a imputar aos sócios, é determinada tendo em conta a taxa (ou taxas) que
seriam utlizadas pela sociedade, caso esta fosse tributada pelo regime geral de IRC.

No caso, temos a coleta virtual de 4.000,00 € x 17 % = 680,00 €.

Como a dedução à coleta com origem no CFEI II (1.000,00 €) só poderia ser feita até à
concorrência de 70 % da coleta da sociedade, apenas estes 70 % da coleta virtual são
imputados aos sócios: 680,00 € x 70 % = 476,00 €.

Estabelece a regulamentação do CFEI II que a importância que não possa ser deduzida
nos termos anteriormente referidos pode sê-lo, nas mesmas condições, nos cinco
períodos de tributação subsequentes. O que, para efeitos de imputação aos sócios das
sociedades transparentes deve se tido em conta com as necessárias adaptações.

Pelo que, a sociedade transparente deverá efetuar este controlo, para efeitos de
imputação da dedução aos sócios nos anos seguintes. Dado não preencher o quadro 076

61
Ver anexo à Portaria n.º 208/2017, de 13 de julho.

101
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

do anexo D da declaração modelo 22, recomenda-se que faça controlo idêntico e o


integre no dossier fiscal.

Estes sujeitos passivos abrangidos pelo regime de transparência fiscal, que entregam
o anexo G da IES, entregam em simultâneo o anexo A e R da IES, quando sejam
residentes, que exerçam, a título principal, atividade comercial, industrial ou agrícola
ou sejam não residentes com estabelecimento estável.

4.3 Implicações nos sócios pessoas singulares

Porque o tratamento é exatamente igual nos dois sócios, vamos apenas apresentar o
anexo D a entregar pela sócia Maria, detentora de 60 % do capital social, a quem a
matéria coletável e deduções foram imputadas nessa mesma percentagem. O anexo D
do sócio Mário será preenchido de igual forma, mas com 40 % daqueles valores.

4.3.1 Anexo D da declaração modelo 3 de IRS

O anexo D da declaração modelo 3 de IRS deve ser apresentado pelos sócios ou


membros das pessoas coletivas sujeitas ao regime de transparência fiscal, cujos
rendimentos lhes sejam imputáveis, nos termos do artigo 6.º do CIRC e, ainda, os
contitulares de herança indivisa que produza rendimentos da categoria B, bem como
os sócios de sociedades não residentes e aí sujeitos a um regime claramente mais
favorável.

Assim, Maria entregará obrigatoriamente o anexo D, juntamente com a declaração


modelo 3 de IRS do ano de 2020 para declarar os rendimentos e deduções que lhe foram

102
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

imputados pela sociedade “Formamos Boas Contas, Lda.” enquadrada no regime de


transparência fiscal.

A imputação da matéria coletável aos sócios, é efetuada no exercício em que se inclua


o fim do período de tributação da sociedade de profissionais. Como a sociedade
“Formamos Boas Contas, Lda.” tem período de tributação coincidente com ano civil,
apurou a matéria coletável com referência a 31 de dezembro de 2020 e faz a sua
imputação com a entrega da IES de 2020. Os sócios declaram o rendimento na modelo
3 também do ano de 2020, independentemente de ter ou não havido distribuição de
lucros.

Vejamos o anexo D da sócia Maria, com 60 % dos valores imputados pela sociedade
transparente, em respeito pela sua percentagem de participação no capital social, e
em virtude de no pacto social não ter sido previsto critério diferente para a eventual
distribuição de lucros.

Este rendimento de 2.400,00 € é tributado como rendimento líquido na categoria B do


IRS. É rendimento de englobamento obrigatório e, fruto desse englobamento será
sujeito às taxas progressivas do artigo 68.º do CIRS.

103
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

O valor das deduções relativas a benefícios fiscais que foram imputados ao sócio
declara-se no quadro 9 do anexo D.

Como calculado, a sociedade, caso fosse tributada pelo regime geral de IRC, teria
direito a uma dedução à coleta de 476,00 € em virtude da utilização em 2020 do
benefício fiscal CFEI II. Este valor é inscrito pela sociedade no campo G05 do quadro
032 do anexo G da IES.

À sócia Maria cabe uma dedução de 476,00 € x 60 % = 285,60 €.

Relembramos que o anexo D do sócio Mário será preenchido de igual forma, mas com
40 % do toral dos valores imputados pela sociedade “Formamos Boas Contas, Lda.”.

104
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

5. CONCLUSÃO / REFLEXÕES FINAIS

De uma forma generalizada o regime de transparência fiscal é visto como penalizador


(ou mesmo sancionatório) dos contribuintes. Para tal contribui a forma como é
justificado: tributação de capacidade contributiva dos sócios manifestada
indiretamente através de rendimentos obtidos por uma sociedade, evitar que sejam
constituídas sociedades apenas com a finalidade de fuga aos impostos, ou exercer uma
atividade independente (regra, prestação de serviços) através de uma sociedade, pode
ser apenas uma escapatória para conseguir diminuição ou dilação da carga tributária,
são algumas das ideias chave que justificam aquela apreciação comum. Para reforçar
o entendimento ainda se pode recordar que neste regime foram igualmente incluídas
as sociedades de simples administração de bens, que ao abrigo do anterior Código do
Imposto Complementar tinham uma tributação agravada com taxas correspondentes
ao dobro das aplicáveis às outras sociedades.

Se a isto juntarmos as dúvidas e dificuldades na aplicação do regime, a que nos


referimos, facilmente se compreende a resistência que a transparência fiscal gera em
empresários e até em muitos contabilistas certificados. Mas, muitas vezes, esquece-se
a ponderação de uma importante característica deste regime, que é a efetiva
eliminação da dupla tributação dos lucros distribuídos aos sócios. Afastando-se a
tributação em sede de IRC das sociedades e outras entidades abrangidas por este
regime, evita-se que o resultado por elas obtido seja duplamente tributado: na esfera
da própria entidade transparente e na esfera dos respetivos sócios ou membros. Sendo
que, quando estes sejam pessoas singulares, o CIRS não elimina completamente a dupla
tributação económica de lucros recebidos, mas apenas a atenua. E, aliada a esta
característica da transparência fiscal, temos uma importante simplificação na “relação
fiscal” entre sócios e sociedade, ao nível da retirada dos lucros e outros eventuais
valores (ou imputação de despesas pessoais) por conta de lucros.

Para finalizar este trabalho, depois da explicação exaustiva que fizemos sobre o
enquadramento e funcionamento do regime de transparência fiscal, mais do que
assumirmos conclusões sobre virtudes ou defeitos do regime, queremos apenas
contribuir com algumas pistas para a discussão que o mesmo sempre exige
casuisticamente.

Vamos comparar cenários assumindo os seguintes pressupostos:


‒ Sociedade unipessoal com atividade que a poderá qualificar como sociedade de
profissionais;
‒ Como gerente, o sócio único aufere uma remuneração mensal sujeita a IRS de
1.000,00 €, num total anual de 12.000,00 €;
‒ Sem prejuízos fiscais a deduzir, pelo que a matéria coletável é sempre igual ao lucro
tributável;

105
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

‒ Sociedade qualificada como PME e sem benefício de taxa de interioridade;


‒ Taxa de derrama de 1 %;
‒ Para simplificação do modelo, resultado antes de impostos = lucro tributável =
matéria coletável;
‒ Nos cenários em que a sociedade é tributada pelo regime geral62, o sócio único opta
por distribuir todo o resultado líquido do período e por englobar este rendimento de
capitais;63
‒ Para facilitar a comparação, assumimos o englobamento dos lucros no mesmo ano da
obtenção do rendimento pela sociedade, o que seria possível num cenário de
adiantamento por conta de lucros;
‒ As taxas de IRS consideradas estão conforme artigo 68.º do CIRS em vigor para 2021.

Vejamos então algumas possibilidades:

Hipótese 1 – Matéria coletável de 2.000,00 €

Cenário: sociedade em regime geral de IRC e dupla tributação de lucros


Matéria coletável da sociedade 2 000,00 €
2 000,00 € 17% 340,00 €
Coleta de IRC
- € 21% - €
Derrama municipal 1% 20,00 €
Gasto com imposto na sociedade ………………………………………………………………………….
360,00 €
RLP (Resultado líquido do período) 1 640,00 €
Rendimentos do sócio
Categoria A - Rendimento bruto 12 000,00 €
Categoria A - Dedução específica - 4 104,00 €
Categoria B - Imputação da matéria coletável - €
Categoria E - 50 % do RLP 820,00 €
Rendimento global líquido 8 716,00 €
7 112,00 € 14,500% 1 031,24 €
Coleta de IRS 1 604,00 € 23,0% 368,92 €
Total ………………………………………………………………. 1 400,16 €
Total de encargo bruto com imposto (IRC + IRS) 1 760,16 €

62
Por exemplo, com inclusão de atividade não profissional que gera 26 % dos rendimentos.
63
Conforme artigo 40.º-A do CIRS, os lucros devidos por pessoas coletivas sujeitas e não isentas do IRC
são, no caso de opção pelo englobamento, considerados em apenas 50 % do seu valor.

106
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Cenário: regime de transparência fiscal


Matéria coletável da sociedade 2 000,00 €
- € 17% - €
Coleta de IRC
- € 21% - €
Derrama municipal 1% - €
Gasto com imposto na sociedade ………………………………………………………………………….- €
RLP (Resultado líquido do período) 2 000,00 €
Rendimentos do sócio
Categoria A - Rendimento bruto 12 000,00 €
Categoria A - Dedução específica - 4 104,00 €
Categoria B - Imputação da matéria coletável 2 000,00 €
Categoria E - 50 % do RLP - €
Rendimento global líquido 9 896,00 €
7 112,00 € 14,500% 1 031,24 €
Coleta de IRS 2 784,00 € 23,0% 640,32 €
Total ………………………………………………………………. 1 671,56 €
Total de encargo bruto com imposto (IRC + IRS) 1 671,56 €

Constata-se ligeira poupança com regime de transparência fiscal.

Hipótese 2 – Matéria coletável de 16.000,00 €

Cenário: sociedade em regime geral de IRC e dupla tributação de lucros


Matéria coletável da sociedade 16 000,00 €
16 000,00 € 17% 2 720,00 €
Coleta de IRC
- € 21% - €
Derrama municipal 1% 160,00 €
Gasto com imposto na sociedade ………………………………………………………………………….
2 880,00 €
RLP (Resultado líquido do período) 13 120,00 €
Rendimentos do sócio
Categoria A - Rendimento bruto 12 000,00 €
Categoria A - Dedução específica - 4 104,00 €
Categoria B - Imputação da matéria coletável - €
Categoria E - 50 % do RLP 6 560,00 €
Rendimento global líquido 14 456,00 €
10 732,00 € 17,367% 1 863,83 €
Coleta de IRS 3 724,00 € 28,5% 1 061,34 €
Total ………………………………………………………………. 2 925,17 €
Total de encargo bruto com imposto (IRC + IRS) 5 805,17 €

107
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Cenário: regime de transparência fiscal


Matéria coletável da sociedade 16 000,00 €
- € 17% - €
Coleta de IRC
- € 21% - €
Derrama municipal 1% - €
Gasto com imposto na sociedade ………………………………………………………………………….- €
RLP (Resultado líquido do período) 16 000,00 €
Rendimentos do sócio
Categoria A - Rendimento bruto 12 000,00 €
Categoria A - Dedução específica - 4 104,00 €
Categoria B - Imputação da matéria coletável 16 000,00 €
Categoria E - 50 % do RLP - €
Rendimento global líquido 23 896,00 €
20 322,00 € 22,621% 4 597,04 €
Coleta de IRS 3 574,00 € 35,0% 1 250,90 €
Total ………………………………………………………………. 5 847,94 €
Total de encargo bruto com imposto (IRC + IRS) 5 847,94 €

Até valores não muito elevados de matéria coletável, constamos cenários de quase
indiferença.

Hipótese 3 – Matéria coletável de 40.000,00 €

Cenário: sociedade em regime geral de IRC e dupla tributação de lucros


Matéria coletável da sociedade 40 000,00 €
25 000,00 € 17% 4 250,00 €
Coleta de IRC
15 000,00 € 21% 3 150,00 €
Derrama municipal 1% 400,00 €
Gasto com imposto na sociedade ………………………………………………………………………….
7 800,00 €
RLP (Resultado líquido do período) 32 200,00 €
Rendimentos do sócio
Categoria A - Rendimento bruto 12 000,00 €
Categoria A - Dedução específica - 4 104,00 €
Categoria B - Imputação da matéria coletável - €
Categoria E - 50 % do RLP 16 100,00 €
Rendimento global líquido 23 996,00 €
20 322,00 € 22,621% 4 597,04 €
Coleta de IRS 3 674,00 € 35,0% 1 285,90 €
Total ………………………………………………………………. 5 882,94 €
Total de encargo bruto com imposto (IRC + IRS) 13 682,94 €

108
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Cenário: regime de transparência fiscal


Matéria coletável da sociedade 40 000,00 €
- € 17% - €
Coleta de IRC
- € 21% - €
Derrama municipal 1% - €
Gasto com imposto na sociedade ………………………………………………………………………….- €
RLP (Resultado líquido do período) 40 000,00 €
Rendimentos do sócio
Categoria A - Rendimento bruto 12 000,00 €
Categoria A - Dedução específica - 4 104,00 €
Categoria B - Imputação da matéria coletável 40 000,00 €
Categoria E - 50 % do RLP - €
Rendimento global líquido 47 896,00 €
36 967,00 € 28,838% 10 660,54 €
Coleta de IRS 10 929,00 € 45,0% 4 918,05 €
Total ………………………………………………………………. 15 578,59 €
Total de encargo bruto com imposto (IRC + IRS) 15 578,59 €

Para valores mais elevados de matéria coletável, a transparência fiscal começa a


penalizar.

Hipótese 4 – Matéria coletável de 100.000,00 €

Cenário: sociedade em regime geral de IRC e dupla tributação de lucros


Matéria coletável da sociedade 100 000,00 €
25 000,00 € 17% 4 250,00 €
Coleta de IRC
75 000,00 € 21% 15 750,00 €
Derrama municipal 1% 1 000,00 €
Gasto com imposto na sociedade ………………………………………………………………………….
21 000,00 €
RLP (Resultado líquido do período) 79 000,00 €
Rendimentos do sócio
Categoria A - Rendimento bruto 12 000,00 €
Categoria A - Dedução específica - 4 104,00 €
Categoria B - Imputação da matéria coletável - €
Categoria E - 50 % do RLP 39 500,00 €
Rendimento global líquido 47 396,00 €
36 967,00 € 28,838% 10 660,54 €
Coleta de IRS 10 429,00 € 45,0% 4 693,05 €
Total ………………………………………………………………. 15 353,59 €
Total de encargo bruto com imposto (IRC + IRS) 36 353,59 €

109
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Cenário: regime de transparência fiscal


Matéria coletável da sociedade 100 000,00 €
- € 17% - €
Coleta de IRC
- € 21% - €
Derrama municipal 1% - €
Gasto com imposto na sociedade ………………………………………………………………………….- €
RLP (Resultado líquido do período) 100 000,00 €
Rendimentos do sócio
Categoria A - Rendimento bruto 12 000,00 €
Categoria A - Dedução específica - 4 104,00 €
Categoria B - Imputação da matéria coletável 100 000,00 €
Categoria E - 50 % do RLP - €
Rendimento global líquido 107 896,00 €
80 882,00 € 37,640% 30 443,98 €
Coleta de IRS 27 014,00 € 50,5% 13 642,07 €
Total ………………………………………………………………. 44 086,05 €
Total de encargo bruto com imposto (IRC + IRS) 44 086,05 €

Com matéria coletável ainda mais elevada, acentua-se o efeito da progressividade das
taxas de IRS e, nestes cenários, também já com sujeição à taxa adicional de
solidariedade (artigo 68.º-A do CIRS) a transparência fiscal fica ainda mais
penalizadora.

A dupla tributação (cuja eliminação era – logo na introdução do regime – anunciada


como “sendo o único [objetivo] que, quiçá, é plenamente atingido pelo regime da
transparência fiscal” pode, afinal, atualmente não ser um cenário desinteressante.

Contudo, importa relembrar que, o CIRS entrou em vigor em 1 de janeiro de 1989 64


sem que estivesse previsto qualquer mecanismo de atenuação da dupla tributação de
lucros distribuídos a sócios pessoas singulares. Só com o Orçamento do Estado para
199965 foi introduzida uma norma que possibilitava crédito de imposto por dupla
tributação económica.66 E o artigo 40.º-A (Dupla tributação económica), na génese do

64 Aprovado e publicado pelo Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de novembro.


65 Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro.
66
Artigo 80.º-C - Crédito de imposto por dupla tributação económica

1 - Os titulares de lucros colocados à disposição por pessoas coletivas sujeitas a IRC e dele não isentas,
bem como dos rendimentos resultantes da partilha em consequência da liquidação dessas entidades que
sejam qualificados como rendimentos de capitais, terão direito a um crédito de imposto de valor igual a
60 % do IRC correspondente a esses lucros que sejam englobados, dedutível até à concorrência da parte

110
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

que ainda atualmente se mantém foi introduzido apenas pelo Orçamento do Estado
para 200267, sendo na altura revogada aquela outra norma de crédito de imposto.68

Daí que, os objetivos enunciados para o regime de transparência fiscal, aquando da


reforma da tributação do rendimento de 1989, devem ser entendidos no contexto legal
então vigente no CIRS e que, entretanto, foi sofrendo alterações significativas que nos
obrigam a olhar de maneira diferente para as situações.

A influenciar as análises que exemplificámos estará sempre, como preponderante, o


possível valor de matéria coletável a imputar aos sócios. Mas também o facto de os
sócios serem ou não remunerados como gerentes (atente-se na poupança inerente à
dedução específica da categoria A), e outros fatores como os sócios terem ou não
outros rendimentos e os seus valores (o que influenciará as taxas finais progressivas de
IRS), tributação conjunta ou tributação separada e eventual desnível significativo de
rendimentos entre os dois sujeitos passivos (que permitirá tirar vantagem do
mecanismo de quociente familiar previsto no artigo 69.º do CIRS), etc.

Nos cenários que analisamos, admitimos sempre distribuição de lucros, como será
próprio de atividades essencialmente de serviços prestados. Claro que se o objetivo
não for retirar os lucros da sociedade, e antes reter autofinanciamento na mesma,
para custear investimentos, por exemplo, evitar a transparência fiscal.

E não poderíamos deixar de contribuir para esta reflexão com uns breves considerandos
sobre a segurança social dos sócios ou membros das sociedades de profissionais.

O artigo 133.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de


Segurança Social (Código Contributivo) inclui os “sócios ou membros das sociedades de
profissionais definidas na alínea a) do n.º 4 do artigo 6.º do CIRC” nas categorias de
trabalhadores abrangidos pelo regime dos trabalhadores independentes. O que poderá
implicar que estes contribuam para a segurança social como trabalhadores
independentes, mas sobre o valor da matéria coletável que lhes é imputada pelas
sociedades.

da coleta do IRS que proporcionalmente lhes corresponda depois de adicionado o montante desse crédito
(…).
67
Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro.
68
A redação inicial do artigo 40.º-A previa que os lucros colocados à disposição por pessoas coletivas
sujeitas e não isentas de IRC, bem como os rendimentos resultantes da partilha em consequência da
liquidação dessas entidades que sejam qualificados como rendimentos de capitais são apenas considerados
em 50% do seu valor. Posteriormente, passou a fazer apenas referência aos lucros distribuídos, quando os
resultados da partilha, fruto das alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro,
passaram a ser qualificados apenas como rendimentos de mais-valias.

111
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

É um enquadramento complexo e que tem suscitado vários problemas. Desde logo,


porque o enquadramento na segurança social tem que ser feito antecipadamente e a
verificação de enquadramento no regime de transparência fiscal só se afere no final
de cada exercício económico. Mas também por falta de regulamentação clara. A
Segurança Social informou que o regime estaria “em estudo” até à entrada em vigor
da reforma do regime dos trabalhadores independentes, mas nada foi sido publicado
até 31 de dezembro de 2018 e conclui-se que continuam a ser aplicadas as diretrizes
constantes da Orientação Técnica SS de 20/01/2016 - “Aplicação do regime da
transparência fiscal nos regimes de segurança social – Sócios ou membros das
sociedades de profissionais”.

Entretanto, a Segurança Social esclareceu69 que, face ao alargamento do conceito de


sociedades de profissionais, “para efeitos de segurança social, só são enquadrados no
regime dos trabalhadores independentes os sócios ou membros das sociedades de
profissionais definidas na subalínea n.º 1 da alínea a) do n.º 4 do artigo 6.º do CIRC.”,
ou seja nas situações de “sociedade constituída para o exercício de uma atividade
profissional especificamente prevista na lista de atividades a que se refere o artigo
151.º do Código do IRS, na qual todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais
dessa atividade”.

Tem-se também verificado que, nos anos mais recentes, a Segurança Social não efetua
- por sua iniciativa - enquadramento dos membros das sociedades de profissionais no
regime dos trabalhadores independentes. Paralelamente, daquela circular retira-se
uma simplificação importante: os sócios ou membros de sociedades de profissionais
que exerçam funções de gerência e não estejam abrangidos para efeitos de IRS pela
categoria B, são enquadrados no regime geral dos trabalhadores por contra de outrem,
com as especificidades previstas no artigo 61.º e seguintes do Código Contributivo.
Assim, se o sócio da sociedade de profissionais apenas exerce a atividade através da
sociedade (ou acumula com trabalho por conta de outrem), e não estiver coletado na
categoria B do IRS, apenas será enquadrado no regime geral de trabalhadores por conta
de outrem, com as especificidades previstas para os membros dos órgãos estatutários,
e pagará segurança social sobre a remuneração que aufira enquanto gerente da
sociedade. Fica, assim, afastada a possibilidade de enquadramento no regime dos
trabalhadores independentes. Sobre outros cenários possíveis, consultar a circular, que
se publica em anexo.

Como referimos, não era nosso objetivo apresentar conclusões sobre virtudes ou
defeitos do regime de transparência fiscal, mas apenas deixar algumas pistas para a

69
Perguntas Frequentes - NOVO REGIME DOS TRABALHADORES INDEPENDENTES - Novo regime em vigor a
partir de 1 de janeiro de 2019, ISS, IP (2 de julho de 2019), p. 5.

112
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

análise e discussão que, caso a caso, se deve fazer, tendo em vista uma tomada de
decisão ou ajuda à decisão dos clientes.

Como procurámos evidenciar, as variáveis a considerar são diversas e o melhor caminho


parece-nos ser a simulação e comparação de cenários. Sendo certo, que uma melhor
avaliação de cada caso será tanto mais bem feita quanto melhor se dominarem todas
as particularidades do regime de transparência fiscal e as alternativas para tributação
de rendimentos de diversas origens previstas no CIRS.

Por isso, procurámos complementar a explicação detalhada que fizemos sobre o


enquadramento e funcionamento prático do regime de transparência fiscal com estas
reflexões e considerações finais.

Esperamos, dentro do possível, e com as limitações postas pelas dúvidas sobre o regime
que subsistem, ter contribuído para o aprofundamento de conhecimentos sobre o
regime de transparência fiscal e deixado sólidas bases que permitam a sua clarificação
a quem pelo tema se venha a interessar, nomeadamente os contabilistas certificados
que necessitem de aplicar estar normas.

Termino reiterando o agradecimento à Ordem dos Contabilista Certificados pelo


convite e desafio para a elaboração do presente manual e a todos vós pelo tempo e
atenção que venham a dispensar à sua leitura ou simples consulta.

113
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

6. BIBLIOGRAFIA

AT: IRC 2020 - Manual de Preenchimento do Quadro 07 da Declaração de Rendimentos


Modelo 22, 2021.

CARRAPIÇO, Jorge: Coleção Essencial | Manual de preenchimento da declaração IES e


taxonomias, OCC, 2021.

DGCI: CIRC Comentado e Anotado, Direção-Geral das Contribuições e Impostos, 1990.

FERNANDES, Marília: Coleção Essencial | Manual de preenchimento da declaração


modelo 3 do IRS, OCC, 2021.

LOPES, Micaela Andreia Monteiro: A Transparência Fiscal – Contributo para a


compreensão do artigo 6.º do CIRC, Vida Económica, 2018.

SOUSA, Abílio: Coleção Essencial | Manual de preenchimento da declaração modelo 22


do IRC, OCC, 2021.

Pareceres do Consultório técnico da OCC, disponíveis para membros em:


https://www.occ.pt/pt/membros/get_app.php

Circulares da AT sobre IRC, disponíveis em:


https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_ad
ministrativas/Pages/default.aspx

Informações Vinculativas AT sobre IRC e IRS, disponíveis em:


https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativa
s/rendimento/Pages/default.aspx

Instruções das declarações fiscais e anexos referidos, disponíveis em:


https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/apoio_contribuinte/Pages/default.aspx

114
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

ANEXOS

1. Portaria n.º 1011/2001 - Tabela de atividades do artigo 151.º do Código do IRS.

2. Informação n.º 313/2014 de 4 de fevereiro, AT – “Sociedades de Profissionais –


conceito para efeitos do enquadramento no regime da Transparência Fiscal – Reforma
do IRC”.

3. Orientação Técnica SS de 20/01/2016 - “Aplicação do regime da transparência fiscal


nos regimes de segurança social – Sócios ou membros das sociedades de profissionais”.

115
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

Portaria n.º 1011/2001


DATA: Terça-feira, 21 de Agosto de 2001

NÚMERO: 193 SÉRIE I-B


PÁGINAS DO DR: 5390 a 5391
EMISSOR: Ministério das Finanças
SUMÁRIO: Aprova a tabela de actividades do artigo 151.º do Código do IRS (CIRS)

TEXTO:
Com a alteração do artigo 3.º do Código do IRS, introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de
29 de Dezembro, foi revogada a lista de profissões a que se referia o n.º 2 do mesmo
artigo. A nova redacção do artigo 151.º do CIRS impõe a obrigatoriedade de que as
actividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS sejam classificadas, para efeitos
deste imposto, de acordo com a Classificação das Actividades Económicas Portuguesas
por Ramos de Actividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com
os códigos mencionados em tabela de actividades aprovada por portaria do Ministro
das Finanças.

Assim:
Manda o Governo, pelo Ministro das Finanças, que a tabela a que se refere o artigo
151.º do Código do IRS seja a constante do anexo I, que faz parte integrante desta
portaria.

O Ministro das Finanças, Guilherme d'Oliveira Martins, em 1 de Agosto de 2001.

ANEXO I

Tabela de actividades do artigo 151.º do CIRS

1 - Arquitectos, engenheiros e técnicos similares:


1000 Agentes técnicos de engenharia e arquitectura:
1001 Arquitectos;
1002 Desenhadores;
1003 Engenheiros;
1004 Engenheiros técnicos;
1005 Geólogos;
1006 Topógrafos.

2 - Artistas plásticos e assimilados, actores e músicos:


2010 Artistas de teatro, bailado, cinema, rádio e televisão;
2011 Artistas de circo;
2019 Cantores;

116
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

2012 Escultores;
2013 Músicos;
2014 Pintores;
2015 Outros artistas.

3 - Artistas tauromáquicos:
3010 Toureiros;
3019 Outros artistas tauromáquicos.

4 - Economistas, contabilistas, actuários e técnicos similares:


4010 Actuários;
4011 Auditores;
4012 Consultores fiscais;
4013 Contabilistas;
4014 Economistas;
4015 Técnicos oficiais de contas;
4016 Técnicos similares.

5 - Enfermeiros, parteiras e outros técnicos paramédicos:


5010 Enfermeiros;
5012 Fisioterapeutas;
5013 Nutricionistas;
5014 Parteiras;
5015 Terapeutas da fala;
5016 Terapeutas ocupacionais (alteração pela Portaria 256/2004, de 9 de Março);
5019 Outros técnicos paramédicos.

6 - Juristas e solicitadores:
6010 Advogados;
6011 Jurisconsultos;
6012 Solicitadores.

7 - Médicos e dentistas:
7010 Dentistas;
7011 Médicos analistas;
7012 Médicos cirurgiões;
7013 Médicos de bordo em navios;
7014 Médicos de clínica geral;
7015 Médicos dentistas;
7016 Médicos estomatologistas;
7017 Médicos fisiatras;

117
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

7018 Médicos gastroenterologistas;


7019 Médicos oftalmologistas;
7020 Médicos ortopedistas;
7021 Médicos otorrinolaringologistas;
7022 Médicos pediatras;
7023 Médicos radiologistas;
7024 Médicos de outras especialidades.

8 - Professores e técnicos similares:


8010 Explicadores;
8011 Formadores;
8012 Professores.

9 - Profissionais dependentes de nomeação oficial:


9010 Revisores oficiais de contas;
9011 Notários (alteração pela Portaria 256/2004, de 9 de Março).

10 - Psicólogos e sociólogos:
1010 Psicólogos;
1011 Sociólogos.

11 - Químicos:
1110 Analistas.

12 - Sacerdotes:
1210 Sacerdotes de qualquer religião.

13 - Outras pessoas exercendo profissões liberais, técnicos e assimilados:


1310 Administradores de bens;
1311 Ajudantes familiares;
1312 Amas;
1313 Analistas de sistemas;
1314 Arqueólogos;
1315 Assistentes sociais;
1316 Astrólogos;
1317 Parapsicólogos;
1318 Biólogos;
1319 Comissionistas;
1320 Consultores;
1321 Dactilógrafos;
1322 Decoradores;
1323 Desportistas;

118
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

1324 Engomadores;
1325 Esteticistas, manicuras e pedicuras;
1326 Guias-intérpretes;
1327 Jornalistas e repórteres;
1328 Louvados;
1329 Massagistas;
1330 Mediadores imobiliários;
1331 Peritos-avaliadores;
1332 Programadores informáticos;
1333 Publicitários;
1334 Tradutores.
1335 Farmacêuticos (alteração pela Portaria 256/2004, de 9 de Março);
1336 Designers (aditada pela Lei n.º 53-A/2006-29/12).

14 - Veterinários:
1410 Veterinários.

15 - Outras actividades exclusivamente de prestação de serviços:


1519 Outros prestadores de serviços.

119
Regime de transparência fiscal - Implicações em IRS e IRC
ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS

120

Você também pode gostar