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RIO GRANDE DO NORTE


SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA
PÚBLICA E DA DEFESA SOCIAL
POLÍCIA MILITAR
DIRETORIA DE ENSINO
CENTRO DE FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DA POLICIA
MILITAR
CURSO DE APERFEIÇOAMENTO DE SARGENTOS - CAS/2021

ASPECTOS JURIDICOS DA BORDAGEM

NATAL/2021
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SUMARIO
1 - CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO MATERIAL DA APOSTILA.......................... 04
2 - CONCEITO DE ABORDAGEM POLICIAL.......................................................................... 05
3 - FUNDADA SUSPEITA............................................................................................................. 06
4 - O DEVER-PODER DE POLÍCIA............................................................................................. 08
5 - ATRIBUIÇÕES CONSTITUCIONAIS DOS ÓRGÃOS DE SEGURANÇA PÚBLICA......... 10
6 - DIREITOS E GARANTIAS DO INDIVÍDUO RELACIONADOS À AÇÃO DA 12
ABORDAGEM POLICIAL............................................................................................................
7 - A CASA COMO ASILO INVIOLÁVEL E A BUSCA DOMICILIAR.................................. 14
8 - BUSCA PESSOAL................................................................................................................... 16
9 - SUMULA VINCULANTE Nº 11............................................................................................. 18
10 - CRIME.................................................................................................................................... 19
10. 1 - Crimes Omissivos e Comissivos (Formas de conduta)........................................................ 20
10. 2 - Crime Da Consumação e Da Tentativa (arts 13 a 25 do CPB).......................................... 20
10. 3 - Dolo e Culpa......................................................................................................................... 21
11 - EXCLUDENTES DE ILICITUDE.......................................................................................... 21
11. 1 - Estado de Necessidade......................................................................................................... 22
11. 2 - Legítima Defesa................................................................................................................... 23
11. 3 - Estrito Cumprimento do Dever Legal................................................................................. 24
11. 4 - Exercício Regular do Direito.............................................................................................. 25
12 - DESACATO, DESOBEDIÊNCIA E RESISTÊNCIA............................................................ 26
12. 1 - Da Desobediência................................................................................................................. 27
12. 2 - Do Desacato......................................................................................................................... 27
12. 3 - Da Resistência...................................................................................................................... 28
13 - DA RESPONSABILIDADE PENAL DOS AGENTES POLICIAIS EM RELAÇÃO AOS 30
EXCESSOS NA REALIZAÇÃO DE UMA
ABORDAGEM.................................................................................................................................
13. 1 - Lei de Abuso de Autoridade (Lei Federal nº 13.869, de 5 de setembro de 2019)........ 30
13. 1. 1 - Das Disposições Gerais................................................................................................. 31
13. 1. 2 - Dos Sujeitos do Crime.................................................................................................. 32
13. 1. 3 - Dos Efeitos da Condenação.......................................................................................... 32
13. 1. 4 - Das Penas Restritivas de Direitos................................................................................ 33
13. 1. 5 - Das Sanções de Natureza Civil e Administrativa....................................................... 33
13. 1. 6 - Dos Crimes e das Penas................................................................................................ 34
13. 2 - O Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)....................... 38
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13. 3 - Constrangimento Ilegal (artigo 146 do CPB)................................................................. 38


13. 4 - Violação de Domicílio (artigo 150 CPB)......................................................................... 39
13. 5 - Lei nº 9.455/1997 (Lei de Tortura).................................................................................. 40
13. 5. 1 - Tipos de Torturas......................................................................................................... 41
14. BIBLIOGRAFIA................................................................................................................... 44
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1. CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO MATERIAL DA APOSTILA

A elaboração do presente material foi realizada através de pesquisa


bibliográfica que tomou por base a Ementa da Disciplina Fundamentos Jurídicos da
Atividade Policial (FJAP) para o CFP como matriz para outras disciplina que tem o
mesmo conceitos com as Disciplinas de Fundamentos Juridicos da Abordagem (FJA)
para o CFS e Aspectos Juridicos da Arbodagem (AJA) para o CAS é componente
curricular obrigatórios dos Planos de Curso do Curso de Formação de Praças (CFP),
Curso de Formação de Sargentos (CFS) e Curso de Aperfeicionamento de Sargentos
(CAS), todos da Policia Militar do Estado do Rio Grande do Norte. Bem como, da
ementa do referido Curso na modalidade EaD disponibilizado pela SENASP.
A coleta do material e exposição do conteúdo foi feita de forma a
possibilitar uma fácil compreensão pelo corpo discente e procurou abordar questões
usuais do cotidiano da atividade do policial militar.
Sugerimos aos Instrutores a contextualização do conteúdo através de
exemplificações com as ocorrências diárias vivenciadas pelo corpo discente como forma
de criar um ambiente favorável para o processo de ensino aprendizagem.
Desejamos a todos discentes um Curso de Aperfeiçoamento de
Sargentos (CAS) 2021, um proveitoso curso e que a disciplina de AJA propicie um
acervo técnico profissional útil ao desempenho das atividades inerentes a nova
graduação a ser alcançada.
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2. CONCEITO DE ABORDAGEM POLICIAL

A tarefa do profissional da segurança publica consiste em oferecer à


sociedade a proteção suficiente para que todos estejam livres de riscos e perigos. E, para
tanto, como representante do Estado, você detém o dever-poder de polícia, que lhe
confere a capacidade de intervir nas liberdades individuais, respeitando os limites,
sendo necessário submeter as pessoas ao procedimento de revista pessoal, a fim de
garantir a segurança da comunidade, inclusive a da própria pessoa.
Abordar é o ato de aproximar, alcançar, chegar, estar encostado,
achegar- se em uma pessoa, com o propósito de lhe sondar a opinião ou tratar de
qualquer assunto, começar a tratar de alguma coisa.
Olhando para o conceito técnico, a abordagem policial constitui o
procedimento de aproximação a uma pessoa, ou a um grupo de pessoas, ou ainda a um
veículo ou residência, com o fim de confirmar um fato, a evidência de uma infração
penal, bem como investigar, orientar, advertir, prender, assistir.
Normalmente a busca em pessoas, veículos ou domicílios é realizada
em função da necessidade de se identificar a existência de algum objeto que constitua
corpo de delito (Código de Processo Penal, art. 244). Mas, pela definição construída
anteriormente, é importante deixar bem claro que essa intervenção policial não somente
ocorre diante da existência de uma infração penal. Vale dizer, a abordagem pode ser
realizada também com o objetivo de orientar, advertir, assistir. Dentro dessa ideia,
conforme já discutido acima, ela pode ser empregada também como critério de
prevenção, sem que exista fundada suspeita.
Abordagem representa um encontro entre a polícia e o público e os
procedimentos adotados pelos policiais variam de acordo com as circunstâncias e com a
avaliação feita pelo policial sobre a pessoa com quem interage, podendo estar
relacionada ao crime ou não.
Essa é uma ação policial proativa, que ocorre durante as atividades de
policiamento, cujos procedimentos preveem a interceptação de pessoas e veículos na via
pública e a realização de busca pessoal e revista veicular, com o objetivo de localizar
algum objeto ilícito, como drogas e armas de fogo. A decisão de agir é exclusiva do
policial e é respaldada por lei.
A abordagem pode ser feita, em especial, com duas finalidades, quais
sejam: a preventiva e a repressiva, sendo a situação fática e a aferição dessa situação
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feita pelo policial com base nos princípios e manuais que norteará o tipo de abordagem
a ser realizada. Dentro desse contexto, observe as situações a seguir.
 Situação 01: Profissionais de segurança pública planejaram ações específicas para
um evento esportivo, ocorrido nos últimos 10 anos. Nesse período, houve registros
de roubo, furto, lesão corporal, tentativa de homicídio e homicídio consumado. Umas
das estratégias adotadas na edição atual foi a de intensificar as atividades de busca
em pessoas e veículos, em barreiras pré-determinadas, observada a mancha criminal.
Após a realização do evento não houve registro de homicídio, nem de tentativa de
homicídio. Houve sensível redução nos números de roubo, furto e lesão corporal.
 Situação 02: Uma viatura policial recebeu informações detalhadas, via Central de
Operações, sobre um grupo de três pessoas armadas com pistolas, efetuando
assaltado em uma padaria no centro da cidade. Ao chegar no local, a equipe obteve a
confirmação da ocorrência com o proprietário do estabelecimento, o qual forneceu
novas informações sobre os autores do fato, que se evadiram. Durante o
patrulhamento, os policiais identificaram 03 (três) pessoas, cujas descrições e
comportamento indicaram uma semelhança de características com os autores do
roubo à padaria, conforme informações transmitidas pela Central de Operações e
pela vítima.
 Importante! O policial, representante do Estado, protetor dos bens mais caros para a
sociedade, deve ter o domínio sobre o que acontece no mundo dos fatos, a realidade
das ruas. O policial deve empregar a técnica adequada durante sua atuação
(necessária e razoável) e observar os fundamentos da ordem jurídica. Com esse ciclo,
o seu comportamento será considerado legítimo.

3. FUNDADA SUSPEITA

A primeira coisa que vem à mente de um policial sobre a justificativa


para se realizar uma abordagem é a chamada fundada suspeita. Ao se empregar os
significados de um dicionário, a fundada suspeita seria o juízo de valor formulado sobre
o comportamento de uma pessoa, ou sobre algo, com base (fundado) em elementos
prévia e solidamente identificados, que levam a concluir sobre a existência de um ato
irregular, ilícito e/ou criminoso. De imediato o fundamento legal citado é o do Código
de Processo Penal:
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Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.


§ 1º Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem
para:
[...]
b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos; [...]
f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder,
quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à
elucidação do fato;
[...]
h) colher qualquer elemento de convicção.
§ 2o Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que
alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f
e letra h do parágrafo anterior.

Ao analisar a expressão fundada suspeita contida nos artigos citados,


Nucci (2005, p. 493) ensina:

Suspeita é uma desconfiança ou suposição, algo intuitivo e frágil, por


natureza, razão pela qual a norma exige fundada suspeita, que é mais
concreto e seguro. [...] sendo crucial destacar que a autoridade encarregada da
investigação ou seus agentes podem – e devem – revistar pessoas em busca
de armas, instrumentos do crime, objetos necessários à prova do fato
delituoso, elementos de convicção, entre outros, agindo escrupulosa e
fundamentadamente.

Contudo, várias são as críticas sobre a formação da fundada suspeita.


Quem nunca ouviu a famosa pergunta sobre o que seria a fundada suspeita. Aqui reside
grande parte da controvérsia sobre o emprego da discricionariedade do policial.
Embora haja essa discussão, é bom que se diga que o problema não
reside no suposto grau de discricionariedade ou na ausência de definições sobre o que
seria a expressão ―fundada suspeita‖. Mas, na maioria das vezes, o problema encontra-
se na correta aplicação das normas aqui discorridas, ou a dificuldade de se interpretar os
fatos e o uso da técnica adequada ao caso concreto.
Assim, para que seja assegurada uma convivência harmoniosa, um
ambiente livre de riscos e perigos, o legislador conferiu aos policiais, independente de
autorização judicial, a possibilidade de se realizar abordagens em pessoas, veículos e
domicílios, bastando indício associado à fundada suspeita de que a pessoa esteja
portando um objeto que esteja vinculado a uma infração penal. Daí surgem os manuais,
os procedimentos operacionais, instruções, resoluções, que buscam detalhar e definir os
critérios de atuação do profissional, isto é, complementando a cláusula geral da lei sobre
indícios e fundada suspeita.
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4. O DEVER-PODER DE POLÍCIA

Antes de discorrermos acerca do poder de polícia, é necessário


entendermos um pouco do conceito e desdobramentos do ―ato administrativo‖, o qual é
uma manifestação de vontade (comportamento) proferida pelo Estado e externado por
agente público, ou por quem lhe faça às vezes, a fim de criar, modificar ou extinguir
direitos, perseguindo o interesse público.
Vale dizer, essa manifestação de vontade (comportamento) está sujeita
ao regime jurídico público, não tendo a mesma força da lei, sendo inferior e
complementar à previsão legal. Para aferir sua legitimidade, pode se sujeitar ao controle
do poder judiciário, no que diz respeito à legalidade, o qual determina a anulação, nos
casos em que descumprido o interesse público.
Essa manifestação de vontade muitas vezes cumpre uma determinação
legal, sendo, portanto, vinculada. Em outras palavras, abre-se um leque de opções para
se realizar a manifestação de vontade, abarcando a discricionariedade. E dentro desse
contexto, surge o exercício do dever-poder de polícia.
Existem elementos ou requisitos que são intrínsecos e necessários para
a execução do ato administrativo, quais sejam:

Competência (Sujeito): trata-se da capacidade do agente público de praticar o


ato, conforme definido em legislação. Não havendo lei conferindo essa
capacidade, o ato praticado é passível de nulidade. Nesse sentido, destaca-se
a tarefa para realizar busca pessoal durante as ações de segurança pública.
Em outras palavras, a lei confere aos agentes policiais essa atividade, não
sendo admissível outro agente do Estado exercê-la.

 Forma: cuida-se da exteriorização da manifestação de vontade ou do


comportamento. Em regra, é por escrito, salvo quando a lei autorizar de outra forma
(ex.: gestos do agente de trânsito, gestos do policial durante uma intervenção).
 Motivo: para que o ato seja aperfeiçoado exige-se a exposição/demonstração dos
fundamentos de fato (acontecimentos do dia-a-dia) e de direito (conforme previsto na
ordem jurídica). Dentro da ideia de controle, o cidadão precisa saber das razões em
que se basearam o comportamento do agente público, a fim de aferir o grau de
cumprimento do interesse comum, como ocorre nas razões da realização de uma
intervenção policial, seja para abordar ou para prender. Pode ser vinculado
(conforme determina a lei) ou discricionário.
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 Objeto: trata-se do conteúdo do ato, ou seja, aquilo sobre o que o comportamento


dispõe (ex.: fiscalização, proteção de pessoas e bens).
 Finalidade: é o bem jurídico objetivado pelo comportamento do agente público (ex.:
proteção de um bem da vida).
Agora, passemos a falar do dever-poder de polícia, o qual dentro das
cláusulas do contrato social, o dever-poder de polícia corresponde à permissão social
dada à administração pública para restringir o exercício de direitos individuais em
benefício de toda a sociedade. Empregado com responsabilidade, trata-se de verdadeiro
instrumento posto à disposição do poder público para disciplinar o exercício desses
direitos e liberdades ou ainda de contê- los, diante de eventuais excessos ou da
necessidade de se disciplinar determinadas relações (ex.: interdição de via pública para
promoção das ações de segurança). Lembre-se que normalmente esse dever-poder
estabelece condições, ou impõe restrições e limitações.
Dentro desse contexto, é muito comum os profissionais de segurança,
durante a realização de suas atribuições exercer o dever-poder de polícia para realizar
detenções, seja porque ocorreu um flagrante delito, seja porque a justiça expediu um
mandado de prisão decorrente de uma condenação criminal.
Vale ressaltar que você está estudando aqui o conceito desse
instrumento de maneira ampla. Assim, para conferir clareza, precisão e ordem lógica, a
matéria deve ser tratada de acordo com a atribuição de cada órgão policial. Com efeito,
normalmente esse dever-poder vem descrito no ordenamento jurídico, como nos
Códigos (de Trânsito, Penal, Processo Penal), legislação ambiental, de direito
administrativo, ou ainda nas leis que dispõem sobre a organização de cada instituição.
A título de exemplo, no exercício da atividade de policiamento
ostensivo, essa previsão genérica do dever-poder de polícia é estabelecida no Decreto-
Lei nº 667, de 02 de julho de 1969:

Art. 3º - Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança interna


nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias
Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições: (Redação dada pelo Del
nº 2010, de 12.1.1983)
a) executar com exclusividade, ressalvas as missões peculiares das
Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela
autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a
manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos;
(Redação dada pelo Del nº 2010, de 12.1.1983)
b) atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou
áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem;
(Redação dada pelo Del nº 2010, de 12.1.1983)
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c) atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem,


precedendo o eventual emprego das Forças Armadas; (Redação dada pelo
Del nº 2010, de 12.1.1983)
d) atender à convocação, inclusive mobilização, do Governo Federal em
caso de guerra externa ou para prevenir ou reprimir grave perturbação da
ordem ou ameaça de sua irrupção, subordinando-se à Força Terrestre para
emprego em suas atribuições específicas de polícia militar e como
participante da Defesa Interna e da Defesa Territorial; (Redação dada pelo
Del nº 2010, de 12.1.1983) [...]

Importante! É através do dever-poder de polícia que a lei confere a


você, profissional de segurança pública, mecanismos para disciplinar a conduta das
pessoas em sociedade. É dentro desse contexto que se fundamenta a atuação policial,
instrumento que lhe permite alcançar um grau de ordem pública, de paz social, que se
exige no cumprimento de seu mister (ocupação profissional, trabalho ou ofício).

5. ATRIBUIÇÕES CONSTITUCIONAIS DOS ÓRGÃOS DE SEGURANÇA


PÚBLICA

Como profissional, você sabe que a atividade policial integra as ações


de segurança pública constitui-se como um aspecto da ordem pública, ao lado da
tranquilidade e da salubridade pública. Tudo isso é concebido dentro de uma estrutura
estatal para garantir uma convivência harmoniosa entre as pessoas.
Segurança pública ou ordem pública?: Uma explicação usual diz que,
em linhas gerais, a segurança pública é causa da ordem pública, que se traduz em um
estado antidelitual, livre, portanto, da violação dos bens e valores mais importantes para
a coletividade (vida, integridade física, liberdade, patrimônio, etc.) e, por isso, tutelados
pelas leis, que regulam o comportamento de todos.
Nesse sentido, existe ordem pública, e, consequentemente, segurança
pública, quando, por exemplo, no dia-a-dia o cidadão tem a liberdade para ocupar
espaços públicos, transitar nas ruas a qualquer hora, sem sofrer qualquer tipo de
prejuízo, violação ou dano (ex.: furto, roubo, sequestro, lesão corporal, homicídio etc.).
A segurança pública é resultado de um conjunto de ações dos órgãos
especializados do Estado, precedido por escolhas feitas pela sociedade e reguladas por
normas jurídicas (leis), tudo com a finalidade de garantir a ordem pública, sendo esta
objeto daquela. É neste ponto em que nós, profissionais de segurança pública, devemos
amparar nossas ações.
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Dentro dessa concepção, a preservação da ordem pública é feita pelos


agentes públicos de segurança, por meio da manutenção e quando quebrada, do
reestabelecimento da ordem pública.
Vejamos o que se consolida com a leitura do Capítulo (III), ―Da
segurança pública‖, no Título V, da CF/88, que cuida ―Da Defesa do Estado e das
Instituições Democráticas‖. Em especial, o artigo 144 estabelece que o poder público,
dentro de suas atribuições, tem a incumbência de promover a preservação da ordem
pública e garantir a incolumidade das pessoas e do patrimônio:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de


todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares
VI - polícias penais federal, estaduais e distrital. (RN EC nº 104/2019)

Para facilitar a compreensão do momento em que cada um dos órgãos


policiais, citados anteriormente, deve agir, para preservar a ordem pública, proteger
pessoas e bens, faça o exercício a seguir: 1) Imagine o momento em que ocorre um
evento da natureza (emergências, desastres, catástrofes, etc.) ou uma conduta humana –
ação/omissão (crime/delito, contravenção penal, etc.).
Diante de situações assim, o que se busca é assegurar um ambiente
social livre de riscos e perigos, através de ações de prevenção ou de repressão (imediata
e mediata) realizadas pelos os órgãos policiais, seja em razão dos acontecimentos da
natureza, seja em função do comportamento do ser humano.
As ações desenvolvidas pelos órgãos policiais buscam promover o
controle social no sentido de evitar (prevenir) a perturbação da ordem pública, a mácula
da paz social, a violação dos bens jurídicos tutelados (vida, integridade física,
patrimônio, etc.).
Quando essa prevenção não funciona, surgem os procedimentos de
resgate da ordem pública e da paz social, mediante ações de repressão imediata,
socorrendo a vítima, isolando o local do evento, prendendo o autor da conduta,
instaurando procedimentos (ex.: inquérito policial) para esclarecer os fatos e colher
elementos preliminares (autoria, materialidade e circunstâncias) para instruir eventual
responsabilização (administrativa, civil ou penal).
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6. DIREITOS E GARANTIAS DO INDIVÍDUO RELACIONADOS À AÇÃO DA


ABORDAGEM POLICIAL

Inicialmente, antes de falarmos de limites ou excessos da atividade


policial relacionada à abordagem, é necessário discorrer acerca da legitimidade do uso
da força nos casos em que existe a fundamentação jurídica e justa causa para a ação.
Assim, para que o Estado cumpra o papel de promover o bem comum,
a violência (uso da força) legítima surge como instrumento que tem o objetivo precípuo
de estabelecer ou preservar uma sociedade pacificada, o controle social. Na verdade, a
conotação dada a essa violência (uso da força) é a de que ela se legitima na autorização
dada pelo corpo social, através das normas jurídicas (constituição, leis, etc.), tão
somente ―para impedir a livre circulação da violência‖ entre os indivíduos ―e inibir sua
existência de forma difusa e/ou privatizada pelo conjunto da sociedade‖. É dentro
dessas condições que se desenvolve a concretização da atuação policial, mediante o uso
diferenciado da força, como elemento essencial para assegurar a ordem pública, a paz
social.
Sabe-se que o uso da força, a abordagem, ou a efetivação de uma
prisão, constituem procedimentos necessários para se alcançar os objetivos dos órgãos
policiais, para proteger pessoas e bens, assegurando um ambiente social livre de riscos e
perigos. Mas, quando alguma ação policial é considerada ilegítima, fora dos parâmetros
do uso legítimo da força, tem-se como incompatível com o estado democrático de
direito.
Para saber identificar o que realmente é direito e o que é mera
alegação infundada, a partir de agora você estudará as bases do tema direitos e garantias
fundamentais. Por meio delas, espera-se criar condições para que você possa
compreender a razão pela qual tanto se fala em limitações constitucionais à atuação
policial e o porquê de sua existência.
Toda vez que você, policial, agente aplicador da lei, for realizar algum
procedimento, precisará observar que seu comportamento se vincula ao atendimento dos
limites legais. De uma forma bem geral, pode-se dizer que:

Os direitos representam por si bens, isto é, algo que pertence ao patrimônio


(material ou imaterial) de alguém ou tem como objeto imediato um bem
específico da pessoa (vida, honra, liberdade, integridade física, etc.).
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As garantias correspondem a instrumentos postos à disposição dos


indivíduos para assegurar os direitos e limitar os poderes do Estado (habeas corpus,
habeas data, mandado de segurança, direito de petição).
A existência de direitos e garantias fundamentais na Constituição tem
sua razão de ser centrada na magnitude (dimensão) dos valores mais caros da existência
humana que, por isso, devem estar resguardados em um documento jurídico supremo e
com força vinculante máxima, tornando-se imune aos temperamentos ocasionais de
quem ocupa o centro do poder, bem como das instabilidades políticas, religiosas,
econômicas e sociais.
Os órgãos públicos que constituem a administração pública (dentre
eles, os da segurança pública) estão vinculados às normas de direitos e garantias
fundamentais, pelo que seus agentes devem agir, interpretar e aplicar as leis segundo ao
que se dita.
Podemos citar como exemplo o Direito de ir, vir e permanecer, onde a
CF/88 em seu art. 5º, inciso XV, foi clara ao dizer que: ―é livre a locomoção no
território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele
entrar, permanecer ou dele sair com seus bens‖. Com efeito, não havendo flagrante
delito nem outra restrição legal, é perfeitamente possível a permanência das pessoas nas
esquinas até tarde da noite.
Perceba que com a liberdade a pessoa pode desenvolver-se em várias
dimensões (física, espiritual, educacional, religiosa, política, etc.). E um dos aspectos
dessa liberdade é o direito de locomoção (direito de ir, vir e permanecer), que permite
ao cidadão a possibilidade de movimentar-se por todos os espaços públicos e privados
na busca de integrar-se com sua sociedade, com sua família, com o poder público, seja
para emprego, educação, saúde ou lazer, dentre outros aspectos da vida em sociedade.
Vale lembrar que isso tudo faz parte da dignidade da pessoa humana,
ponto de partida desse estudo, que na Constituição de 88, ao Estado compete proteger e
estimular o seu pleno exercício, porque para isso foi concebido.
Dessa forma, considerando os aspectos fáticos, a abordagem policial
deve ser realizada no tempo estritamente necessário para que seja verificada eventual
suspeita. Assim, caso não haja nada que vincule o cidadão abordado a algum fato
considerado crime, este deve ser liberado imediatamente, desde que não haja outra
providência a ser adotada (orientação geral, notificação de trânsito, etc.).
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Naturalmente, como em todo e qualquer contrato, em que se fixam


cláusulas para se alcançar uma finalidade, as partes estabelecem direitos, deveres,
encargos, obrigações, responsabilidades. Não é diferente no contrato social, firmado,
geralmente através de uma constituição escrita e da legislação regulamentar. Assim,
para se fazer parte desse contrato social, com benefícios que lhes são assegurados, cada
indivíduo deve abrir mão de certas liberdades para que o Estado ou autoridade delegada
tenha condições de estabelecer a ordem social.
Assim, você deve saber que os direitos e garantias fundamentais não
tem feição absoluta, nem são considerados intangíveis ou intocáveis a todo o momento.
Isso porque, pelo Brasil ser um Estado de Direito, todos os membros da sociedade se
submetem à lei, não podendo, dessa feita, se valer de direitos e garantias fundamentais
para a prática de ilícitos, bem como se esquivar de uma eventual responsabilidade
pecuniária, civil ou penal. Do contrário, os princípios estatuídos nas normas
constitucionais estariam relevados à extinção material, uma verdadeira ruína, de anos de
evolução da história humana.

7. A CASA COMO ASILO INVIOLÁVEL E A BUSCA DOMICILIAR

Do catálogo de direitos e garantias fundamentais, que você estudou no


Módulo 1, importa destacar a inviolabilidade de domicílio, contida no inciso XI do art.
5º da CF/88: ―a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar
sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para
prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial‖.
Para as medidas de abordagem, perceba que essa inviolabilidade pode
ser superada nos casos de:
 Consentimento do morador, à noite ou durante o dia;
 Em caso de flagrante delito, à noite ou durante o dia;
 Mediante mandado, isto é, ordem escrita do juiz competente, durante o dia.
Em uma concepção de dignidade da pessoa humana, o termo casa é
muito abrangente. O legislador teve a intenção de tutelar um ambiente espacial privado,
um compartimento não aberto ao público, no qual determinada pessoa tem a garantia de
desenvolver os seus direitos essenciais, buscar segurança, descanso, um mínimo
existencial, manter uma relação familiar. Aqui também cabe a noção de que a pessoa
pode exercer sua profissão ou atividade.
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Essa proteção é realizada pelo Código Penal Brasileiro (CPB), que


considera crime a invasão de domicílio. Aqui é oportuno verificar o que é considerado
casa, conforme Código Penal Brasileiro:

Art. 150 Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a


vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas
dependências:
§ 4º A expressão "casa" compreende:
I - Qualquer compartimento habitado;
II - Aposento ocupado de habitação coletiva; e
III - Compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou
atividade
§ 5º - Não se compreendem na expressão "casa":
I - Hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto
aberta, salvo a restrição do nº II do parágrafo anterior; e
II -Taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero.

No caso de um hotel, os quartos são utilizados como moradia, logo,


também merece a proteção anteriormente citada. De outro lado, os corredores e o
saguão não são abrangidos por essa tutela. O domicílio que se exige aqui não é o fixo,
que exige ânimo de residência.
A busca domiciliar realizada durante o dia, com determinação judicial,
exige o cumprimento de determinados protocolos, previstos na legislação, como o de se
ler o conteúdo do mandado, sob pena de nulidade dos atos. Havendo resistência e
quando a diligência importar risco aos agentes policiais, o uso da força será empregado
para que a medida judicial seja cumprida. Nesses casos, o policial apresentará e lerá o
mandado, logo que for possível.
A lei autoriza o arrombamento da porta em caso de desobediência. Na
hipótese de ausência dos moradores, caberá a você acionar um dos vizinhos para
acompanhar a revista do domicílio. Cabe alertar que, ao concluir essa medida, você
deverá fechar e lacrar o imóvel.
É interessante que sempre haja duas testemunhas não policiais
(maiores e capaz) para que acompanhem a diligência, agindo assim estará dando maior
lisura ao seu ato.
Outro ponto que merece atenção, principalmente para evitar
constrangimentos, é o procedimento de solicitar que o morador e/ou testemunha
acompanhe a diligência em cada cômodo da residência, juntamente com os policiais.
Ao concluir as buscas, o policial que cumprir o mandado fará relatório
contendo todos os detalhes, registrando, inclusive, algo de ilícito que foi encontrado,
16

precisando em qual lugar do imóvel estava. O relatório tem que ser assinado pelo
agente, pelo morador e pelas testemunhas.
Importante! Recomenda-se que seja mencionado no relatório a
preservação de bens e da residência submetida à busca, e, se houver dano, descrever o
motivo, bem como se foi necessário o uso da força ou outra medida adotada. Por fim, o
relatório será encaminhado à autoridade competente que determinou o procedimento.
Algo comum é o surgimento do questionamento acerca da busca veicular, e se o veículo
poderia ser considerado extensão da casa. Nesse sentido, existem hipóteses em que o
veículo pode ser considerado a extensão do lar e, portanto, atrai a inviolabilidade
domiciliar prevista na CF/88, por exemplo:
 Quando o carro estiver na garagem da casa;
 Quando for um veículo tipo trailer, enquanto parado;
 Quando for uma embarcação; e
 Eventualmente a cabine de um caminhão, no qual, assim como nos dois casos citados
anteriormente, o proprietário se estabeleça com ânimo de moradia.
Assim, vale ressaltar que é lícita a abordagem em veículos, desde que
preenchidos os requisitos para essa atividade, conforme estudado acima, ainda que o
condutor não permita.

8. BUSCA PESSOAL

A par de sua enorme importância, a busca pessoal ainda é tratada de


forma tímida pela doutrina e jurisprudência, sendo também a legislação incompleta na
sua disciplina.
Consubstancia-se na inspeção do corpo do indivíduo e sua esfera de
custódia (vestimenta, pertence ou veículo não utilizado como habitação), com a
finalidade de evitar a prática de infrações penais ou encontrar objeto de interesse à
investigação. Regra geral é antecedida por uma abordagem anunciada por comando
verbal.
A averiguação pode ser imediata (manual) ou mediata (uso de
instrumentos como scanner corporal, cão farejador ou espelho). Diferentemente da
busca e apreensão domiciliar, a busca pessoal independe de mandado judicial, e pode
ser realizada a qualquer tempo. Além disso, a par de relativizar a intimidade do
17

revistado, e em menor grau sua liberdade, não pode malferir sua integridade física. Deve
ser feita em diferentes níveis conforme o grau de ameaça, seguindo o uso proporcional
da força (desincentivando o uso de expressões pejorativas como dura e baculejo).
Consideradas essas premissas, é importante deixar claro que a
finalidade da busca pessoal não é somente apurar ilícitos, mas também evitá-los. Daí
sua divisão em busca pessoal investigativa ou preventiva.
A busca pessoal também pode ser feita pelo próprio juiz, nas situações
de prisão, busca e apreensão domiciliar ou fundada suspeita, não sendo necessário o
mandado pois não faz sentido ordenar a si mesmo o cumprimento de uma ordem.
Esta hipótese não consiste em modalidade autônoma de busca pessoal,
senão de rara forma de cumprimento das espécies de revista existentes.
Das hipóteses de busca pessoa investigativa, a que ganha mais
destaque é a decorrente de fundada suspeita. A permissão para a revista decorre da
desconfiança justificada no sentido de que a pessoa traz consigo armas ou outros objetos
ilícitos ou perigosos, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência. Não sendo
possível conseguir um mandado a tempo de concretizar a busca, a lei processual
dispensa a autorização judicial.
Na abordagem policial, o executor deve somar o tirocínio policial à
proporcionalidade da ação, para que o poder não se convole em arbítrio. A desconfiança
é legítima quando o policial detecta alguma anomalia no comportamento do indivíduo,
ou algo atípico em suas vestes, pertences ou veículo. A suspeita será frágil, e não
fundada, quando o policial basear-se exclusivamente em sua intuição.
De outro lado está a busca pessoal preventiva, cujo estudo é
desprezado por muitos. Não é disciplinada de forma expressa pelo CPP, mas sua
existência possui respaldo em outras leis (como Estatuto do Torcedor, Código de
Trânsito Brasileiro e Legislação de Fiscalização Aduaneira).
A busca pessoal preventiva visa a garantir a ordem pública e a
incolumidade das pessoas e do patrimônio. O desiderato é prevenir o cometimento de
crimes, tendo em vista que a segurança pública traduz dever do Estado. É realizada para
fiscalizar indivíduos que ingressem em estabelecimentos públicos e privados, e pessoas
e veículos em vias públicas, decorrendo do próprio artigo 144 da CF, estando também
disciplinada direta ou indiretamente na legislação esparsa.
18

Não é demais lembrar que o CPP, em seu artigo 249, estabelece ―A


busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar retardamento ou prejuízo
da diligência‖.
Assim, recomenda-se que a busca em mulher seja realizada por uma
agente policial e, não sendo possível, o policial do sexo masculino poderá fazê-lo,
dentro dos critérios já trabalhados até aqui. Pense no seguinte exemplo: há uma forte
suspeita de que uma mulher esteja portando arma de fogo sob suas vestes.
Entretanto, no turno de serviço não há equipe composta por policial
feminina. Nesse caso, é perfeitamente viável a realização da abordagem por policial
masculino. É importante que isso seja devidamente registrado na ocorrência e feita de
maneira profissional, sem qualquer ênfase de brincadeira ou de desrespeito à mulher
abordada.
Fazendo nova leitura do artigo citado, não se identifica restrição
quanto à busca feita por policial feminina em homens, porém essa medida deve ser
analisada com bom senso, em especial, quanto aos aspectos da técnica de abordagem no
caso concreto.

9. SUMULA VINCULANTE Nº 11

Disciplinando o uso de algemas pela polícia, recentemente, em 22 de


agosto de 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF) editou a Súmula Vinculante nº 11,
do seguinte teor:
Só é lícito o uso de algemas nos seguintes em caso:
 Resistência,
 Fundado receio fuga,
 Perigo à integridade física própria ou alheia.
Em se tratando do perigo à integridade física por parte do preso ou de
terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade
disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato
processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
 Fundamentos da Súmula Vinculante: A Excelsa Corte, por seu plenário, invocou,
como suporte de sua decisão, vários preceitos constitucionais, entre eles o que coloca
a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de
19

Direito e os que, resguardando os direitos fundamentais, proíbe o tratamento


desumano e degradante do indivíduo, a violação da imagem das pessoas e o que
assegura ao preso o respeito à sua integridade física e moral.
 A prisão como fato único constrangedor: É obvio que o emprego da algema
constitui uma intrusão menor na privacidade do indivíduo do que o próprio ato da
prisão. Este, sim, atenta contra sua liberdade, sua dignidade, sua integridade moral e
sua imagem pública. Decorre daí que, se o ato da prisão for legal, seja em flagrante
delito ou por ordem judicial, o uso da algema é constitucionalmente permitido, eis
que, além de se tratar do uso moderado de força contra o preso, autorizada por lei,
visando proteger interesses maiores, como o direito à vida e à integridade física do
agente policial e de terceiros, causa muitíssimo menos constrangimento do que a
própria prisão.
 O emprego de força no ato da prisão: Há de se reconhecer que, inerente ao ato da
prisão, encontra-se a autorização legal do emprego de força coercitiva necessária à
sua realização – Quem pode refutar isso? – por parte do agente que o executa. Logo,
o ato de algemar se insere, naturalmente, como meio moderado e imprescindível à
implementação da medida, para que ela ocorra, eficazmente, sem risco de vida ou de
ferimentos para o policial, para terceiros e para o próprio preso.

10. CRIME

 Conceito de Crime: Crime é uma ação típica, antijurídica, culpável e punível. Os


crimes podem ser praticados por ação (crimes comissivos) ou por omissão (crimes
omissivos).
 Fato Típico: São os elementos do crime, ou seja: a ação (dolosa ou culposa), o
resultado, a causalidade e a tipicidade.
 Tipo: Descrição contida na lei de um determinado fato delituoso, para efetiva
aferição da ocorrência de crime.
 Culpabilidade: A culpabilidade encontra óbices teóricos que impedem sua
pacificação conceitual. Sua definição mais abalizada se encontra na reprovação do
autor do fato, por desrespeito ao direito, que, como fonte disciplinadora, lhe exigia
conduta contrária à praticada.
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 Imputabilidade: Capacidade do agente de entender e de ser responsabilizado


penalmente. No caso de inexistência desta capacidade, o agente delituoso é
considerado inimputável.
 Causas Dirimentes: São condições para aplicação da imputabilidade: a
menoridade, as doenças mentais e a embriaguez. No caso da menoridade, aplica-
se atualmente a legislação especial contida no Estatuto da Criança e do
Adolescente – Lei 8.069/90. Já a embriaguez se divide em voluntária e culposa,
preservando-se o caso fortuito ou força maior, que, na prática da ação ou
omissão, deixou o agente inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do
fato. As doenças mentais são aquelas que impedem o agente de entender o
caráter ilícito da ação ou omissão.

10. 1 - Crimes Omissivos e Comissivos (Formas de conduta)


Dividem-se em crimes omissivos próprios ou puros, e comissivos por
omissão. Os crimes omissivos próprios podem ser imputados a qualquer pessoa.
São crimes ligados à conduta omitida, independentemente do
resultado, tendo como objeto apenas a omissão. Já nos crimes comissivos por omissão,
a simples prática da omissão causa um resultado delituoso, que é punível se o agente
tinha como obrigação vigiar ou proteger alguém. É a materialização de um crime por
meio de uma omissão. Esses crimes podem ser praticados por dolo e culpa.

10. 2 - Do Crime Da Consumação e Da Tentativa (arts 13 a 25 do CPB)


 Etapas do crime ou “iter criminis”: O fato criminoso se divide em fases ou
etapas, que são divididas em: cogitação, atos preparatórios, fase de execução e
fase de consumação. A cogitação e os atos preparatórios não são puníveis.
 Consumação: Ocorre quando todas as etapas do crime se manifestam por meio
de um resultado. Nos crimes materiais, a consumação se manifesta pela
ocorrência do resultado; nos crimes formais, manifesta-se pela mera conduta.
 Tentativa: Ocorre todas as vezes que circunstâncias alheias à vontade do agente
impedem a execução de um crime. Não existe tentativa nas contravenções, nos
crimes culposos e nos preterdolosos. Existem duas espécies de tentativa:
Tentativa Perfeita ou Crime Falho (quando todos os atos necessários à
consumação do crime são praticados, mas este não acontece); e a Tentativa
21

Imperfeita (quando acontece uma interrupção dos atos necessários à


consumação).

10. 3 - Dolo e Culpa


 Dolo: Intenção declarada e manifestada na vontade consciente do agente para
praticar uma ação, cujo fato é tido como crime pela legislação aplicável. O dolo se
concretiza também na certeza e na consciência do resultado.
 Culpa: Pune-se a culpa apenas quando existe previsão legal para tal fim. A culpa se
baseia na falta de vontade de trazer um resultado delituoso sobre a ação praticada. A
ação é praticada sem intenção, podendo a culpa se manifestar por meio da imperícia
(falta de habilitação técnica para a prática de determinado ato), da imprudência
(precipitação e falta de cuidados necessários no exercício de um ato) e da negligência
(negativa de cometimento de um ato calcado na displicência).

11 - EXCLUDENTES DE ILICITUDE

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:

I - em estado de necessidade;
II- em legítima defesa;
III- em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício
regular de direito.
Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste
artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

Para que haja ilicitude em uma conduta típica, independentemente do


seu elemento subjetivo, é necessário que inexistam causas justificantes. Isto porque
estas causas tornam lícita a conduta do agente.
As causas justificantes têm o condão de tornar lícita uma conduta
típica praticada por um sujeito. Assim, aquele que pratica fato típico acolhido por uma
excludente, não comete ato ilícito, constituindo uma exceção à regra que todo fato típico
será sempre ilícito.
As excludentes de ilicitude estão previstas no artigo 23 do Código
Penal brasileiro. São elas:
 O estado de necessidade,
 A legítima defesa,
 O estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito.
22

11. 1 - Estado de Necessidade


O Artigo 24 do CPB, afirma que ―Considera-se em estado de
necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua
vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas
circunstâncias, não era razoável exigir-se‖.
Do § 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever
legal de enfrentar o perigo.
Do § 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito
ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.
Trata-se de uma excludente de ilicitude que constitui no sacrifício de
um bem jurídico penalmente protegido, visando salvar de perigo atual e inevitável
direito próprio do agente ou de terceiro - desde que no momento da ação não for exigido
do agente uma conduta menos lesiva. Nesta causa justificante, no mínimo dois bens
jurídicos estarão postos em perigo, sendo que para um ser protegido, o outro será
prejudicado.
Para que se caracterize a excludente de estado de necessidade é
necessário dois requisitos: existência de perigo atual e inevitável e a não provocação
voluntária do perigo pelo agente. Quanto ao primeiro, importante destacar que se trata
do que está acontecendo, ou seja, o perigo não é remoto ou incerto e além disso, o
agente não pode ter opção de tomar outra atitude, pois caso contrário, não se justifica a
ação. Enquanto o segundo requisito significa que o agente não pode ter provocado o
perigo intencionalmente. A doutrina majoritária entende que se o agente cria a situação
de perigo de forma culposa, ainda assim poderá se utilizar da excludente.
Vale observar o tema abordado por Rogério Greco quanto ao estado
de necessidade relacionado a necessidades econômicas. Trata-se de casos em que
devido a grandes dificuldades financeiras, o agente comete crimes em virtude de tal
situação.
Conforme o doutrinador, não é qualquer dificuldade econômica que
autoriza o agente a agir em estado de necessidade, somente se permitindo quando a
situação afete sua própria sobrevivência. Como é o caso, por exemplo, do pai que vendo
seus familiares com fome e não sem condições de prover sustento, furta alimentos num
mercado. É razoável que prevaleça o direito à vida do pai e de sua família ante ao
patrimônio do mercado.
23

11. 2 - Legítima Defesa


O Artigo 25 do CPB, afirma que ―Entende-se em legítima defesa
quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou
iminente, a direito seu ou de outrem‖.
Parágrafo Único: Observados os requisitos previstos no caput deste
artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que
repele agressão à vítima mantida refém durante prática de crimes.
O conceito de legítima defesa, esta que é a excludente mais antiga de
todas, está baseado no fato de que o Estado não pode estar presente em todos os lugares
protegendo os direitos dos indivíduos, ou seja, permite que o agente possa, em situações
restritas, defender direito seu ou de terceiro.
Assim sendo, a legítima defesa nada mais é do que a ação praticada
pelo agente para repelir injusta agressão a si ou a terceiro, utilizando-se dos meios
necessários com moderação.
A formação da legítima defesa depende de alguns requisitos objetivos.
São eles:
 Agressão injusta, atual ou iminente;
 Direito próprio ou alheio;
 Utilização de meios necessários com moderação.
O elemento subjetivo existente na legítima defesa é a vontade de se
defender ou defender direito alheio. Além de preencher os requisitos objetivos, o agente
precisa ter o animus defendendi no momento da ação. Se o agente desconhecia a
agressão que estava por vir e age com intuito de causar mal ao agressor, não haverá
exclusão da ilicitude da conduta, pois haverá mero caso de coincidência.
Ponto bastante discutido entre os doutrinadores é o que trata de
ofendículos. Para alguns autores, constituem legítima defesa preordenada e para outros,
exercício regular de direito, embora ambos enquadrem-se na exclusão da antijuricidade
da conduta. Ofendículos são aparatos que visam proteger o patrimônio ou qualquer
outro bem sujeito a invasões, como por exemplo, as cercas elétricas em cima de um
muro de uma casa. A jurisprudência entende que todos os aparatos dispostos para
defender o patrimônio devem ser visíveis e inacessíveis a terceiros inocentes, somente
afetando aquele que visa invadir ou atacar o bem tutelado alheio.
Preenchendo estes requisitos, o agente não responderá pelos danos
causados ao agressor, pois configurará caso de legítima defesa preordenada. Só serão
24

conceituados como exercício regular de direito quando levados em consideração o


momento de sua instalação.
Por fim, faz-se necessário analisar quando o agente deverá responder
por excesso, em caso de legítima defesa. São três as situações: a primeira refere-se à
forma dolosa, a segunda culposa e a última é aquela que se origina de erro.
A primeira o agente tem ciência de que a agressão cessou, mas mesmo
assim, continua com sua conduta, lesando o bem jurídico do agressor inicial. Neste
caso, o agente que inicialmente se encontra em estado de legítima defesa e excede
conscientemente seus limites, responderá pelos resultados do excesso a título de dolo.
A segunda se configura quando o agente que age reagindo contra a
agressão, excede os limites da causa justificante por negligência, imprudência ou
imperícia. O resultado lesivo causado deve estar previsto em lei como crime culposo,
para que o agente possa responder.
E a última, que é proveniente do erro, se configura no caso de legítima
defesa subjetiva. Aqui, o agente incide em erro sobre a situação que ocorreu, supondo
que a agressão ainda existe. Responderá por culpa, caso haja previsão e se for evitável.

11. 3 - Estrito Cumprimento do Dever Legal


Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
Do III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular
de direito.
Diferente do que ocorre com as demais excludentes de ilicitude, o
legislador não se preocupou em conceituar textualmente no teor da lei o estrito
cumprimento do dever legal, cabendo a doutrina e jurisprudência buscar fechar essa
definição.
O agente que cumpre o seu dever proveniente da lei, não responderá
pelos atos praticados, ainda que constituam um ilícito penal.. Isto porque o estrito
cumprimento de dever legal constitui outra espécie de excludente de ilicitude, ou causa
justificante.
O primeiro requisito para formação desta excludente de ilicitude é a
existência prévia de um dever legal. Este requisito engloba toda e qualquer obrigação
direta ou indireta que seja proveniente de norma jurídica. Dessa forma, pode advir de
qualquer ato administrativo infralegal, desde que tenham sua base na lei. Também pode
25

ter sua origem em decisões judiciais, já que são proferidas pelo Poder Judiciário no
cumprimento de ordens legais.
Outro requisito é o cumprimento estrito da ordem. Para que se
configure esta causa justificante, é necessário que o agente se atenha aos limites
presentes em seu dever, não podendo se exceder no seu cumprimento. Aquele que
ultrapassa os limites da ordem legal poderá responder por crime de abuso de autoridade
ou algum outro específico no código Penal. Por fim, o último requisito é a execução do
ato por agente público, e excepcionalmente, por particular. Para que se caracterize a
causa justificante, o agente precisa ter consciência de que pratica o ato em cumprimento
de dever legal a ele incumbido, pois, do contrário, o seu ato configuraria um ilícito.
Trata-se do elemento subjetivo desta excludente, que é a ação do agente praticada no
intuito de cumprir ordem legal.
Ao tratar de co-autores e partícipes, Fernando Capez suscita uma
questão interessante. Para ele, ambos não poderiam ser responsabilizados, pois não
como falar em ato lícito para, e para o outro ilícito. Porém, se um deles desconhecer a
situação justificante que enseja o uso a excludente de ilicitude, e age com propósito de
lesar direito alheio, respondera pelo delito praticado, mesmo isoladamente.

11. 4 - Exercício Regular do Direito


Aquele que exerce um direito garantido por lei não comete ato ilícito.
Uma vez que o ordenamento jurídico permite determinada conduta, se dá a excludente
do exercício regular do direito.
O primeiro requisito exigido por esta causa justificante é a existência
de um direito, podendo ser de qualquer natureza, desde que previsto no ordenamento
jurídico. O segundo requisito é a regularidade da conduta, isto é, o agente deve agir nos
limites que o próprio ordenamento jurídico impõe aos direitos. Do contrário haveria
abuso de direito, configurando excesso doloso ou culposo.
Também se faz necessário que o agente tenha conhecimento da
situação em que se encontra para poder se valer desta excludente de ilicitude. É preciso
saber que está agindo conforme um direito a ele garantido, pois do contrário, subsistiria
a ilicitude da ação. Fernando Capez traz o exemplo do pai que pratica vias de fato ou
lesão corporal leve contra seu filho, mas sem o intuito de correção, tendo dentro de si a
intenção de lhe ofender a integridade física.
26

Algumas situações são relevantes merecem ser mencionadas quanto


ao alcance do exercício regular do direito. Uma delas é a intervenção médica e
cirúrgica. Seria incompreensível considerar atos de médicos que salvam vidas como
ilícitos. Porém, para que haja exercício regular do direito, é necessário que exista a
anuência do paciente, pois, do contrário, haveria estado de necessidade praticado em
facor de terceiro, podendo restar alguma responsabilidade no âmbito civil.
Outra situação refere-se à violência desportiva. A sociedade tem
ciência de que alguns esportes possuem riscos de lesões à integridade física de seus
praticantes, como por exemplo, o boxe ou MMA. No entanto, assim como na situação
anterior, é essencial que as regras sejam respeitadas para que exista a excludente do
exercício regular de direito. Havendo desproporcionalidade nas lesões, como por
exemplo, a morte do adversário, haveria responsabilidade do agente.

12 - DESACATO, DESOBEDIÊNCIA E RESISTÊNCIA

Boa parte das persecuções penais se origina durante a atuação dos


profissionais de segurança pública, abrangendo aí o emprego da busca pessoal,
domiciliar ou veicular, sendo que as condutas contrárias a Lei surgem da não
colaboração com a abordagem policial.
Vale dizer, várias são as ocorrências em que, no momento da
abordagem, determinadas pessoas reagem à atuação do agente policial cometendo
algum ilícito após iniciada a abordagem. Dentre elas destacam-se:
 Desobediência: quando o indivíduo não cumpre ou não atende à determinação
legal;
 Desacato: quando o indivíduo desrespeita, desprestigia ou ofende o policial;
 Resistência: quando o indivíduo se opõe à execução de ato legal, mediante
violência ou ameaça;

12. 1 - Da Desobediência
O Código Penal – CP estabelece em seu artigo 330 o seguinte:
 Art. 330. Desobedecer à ordem legal de funcionário público;
 Pena — detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.
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Trata-se de comportamento intencional (doloso) em que a pessoa


deixa de cumprir ou não atende à ordem (legal) do policial. Da leitura desse dispositivo,
depreende-se que, para a configuração do crime, é indispensável que sejam preenchidos
os seguintes requisitos:
Existência de uma ordem: Significa determinação, mandamento.
Assim, quando a pessoa deixa de atender um simples pedido ou uma solicitação não há
o crime.
Legalidade da ordem: Pelo princípio da legalidade (CF/88, art. 37,
caput), a determinação dada pelo agente deve estar prevista em uma norma. Se não
houver regra que determine a pessoa a fazer ou deixar de fazer algo (CF/88, art. 5°,
inciso II), não há o crime em tela, principalmente em se tratando da imposição de
restrição de direitos e garantias fundamentais. Qualquer do povo pode prender, o
policial deve!
Profissional de segurança pública com competência para a prática do
ato: Um dos elementos para que o ato administrativo seja aperfeiçoado é a competência
do servidor para prática do ato, conforme previsão legal (ex.: notificação de trânsito,
abordagem policial).
Pela leitura da norma penal secundária do crime de desobediência
(sanção penal de detenção, de quinze dias a seis meses, e multa), na forma do art. 61 da
Lei n° 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais) , o delito é de menor potencial ofensivo,
exigindo lavratura de termo circunstanciado, desde que preenchidos os requisitos do art.
69 dessa lei.
Destaque-se que configura resistência se a recusa do agente for
realizada com violência ou ameaça contra o policial.

12. 2 - Do Desacato
Esse tipo está previsto no artigo 331 do Código Penal:
 Art. 331. Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:
 Pena — detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
Trata-se de conduta dolosa, na qual o agente ofende, desprestigia ou
desrespeita o profissional de segurança pública. A prática pode ser efetivada por
qualquer meio de execução: vias de fato, palavras, gestos, dentre outros. São casos
comuns os sinais ofensivos de empurrão ou de xingamentos ao policial durante uma
abordagem. Há ainda a reação de amassar, rasgar e jogar no chão um mandado de
28

intimação. Tocar ofensivamente o rosto do policial com a mão ou retirar-lhe a


cobertura. Jogar lata de cerveja no policial.
O desacato pode ser praticado quando dirigido ao policial de serviço
(escalado), ou quando estando de folga, se referir às suas atribuições. É importante que
fique claro o meio de execução empregado para desacatar, realizado na presença do
profissional de segurança, constando inclusive o emprego de palavras obscenas e
grosseiras no momento de sua prática. Caracteriza o crime mesmo que o servidor não se
julgue ofendido, na medida em que a norma penal tem o fim de tutelar o cargo e não a
pessoa. Observações:
 Considerando que a sanção penal é de detenção, de seis meses a dois anos e
multa, o delito é de menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei n° 9.099/1995),
exigindo lavratura de termo circunstanciado, desde que preenchidos os
requisitos do art. 69 dessa lei.
 Caso a ofensa seja realizada na ausência do servidor, haverá o crime de injúria
qualificada (CP, art. 140, combinado com o art. 141, II).
 Não se exige que o ofensor e o policial estejam cara a cara, podendo estar em
recintos diferentes, mas próximos, sendo possível o próprio profissional de
segurança ouvir o comentário ou perceber a reação.
 A divulgação não é requisito do crime, razão pela qual restará configurado
mesmo se não for presenciado por outras pessoas.
 Será resistência, e não desacato, se a agressão tiver o objetivo de impedir o
cumprimento de um procedimento policial.

12. 3 - Da Resistência
O crime de resistência está previsto no art. 329 do CP, com o seguinte
conteúdo:
 Art. 329 - Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a
funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio:
 Pena - detenção, de dois meses a dois anos.
 § 1º - Se o ato, em razão da resistência, não se executa:
 Pena - reclusão, de um a três anos.
 § 2º - As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à
violência.
29

 Como se pode ver, o delito citado existirá quando uma pessoa utilizar de
violência ou ameaça (não precisa ser grave) para impedir ou obstruir um
procedimento legal, realizado pelo profissional de segurança pública
competente, por exemplo, para evitar uma prisão ou uma reintegração de posse.
 Observações: O crime previsto no caput é de menor potencial ofensivo (art. 61
da Lei n° 9.099/1995), porquanto a sanção penal é de detenção, de dois meses a
dois anos, exigindo lavratura de termo circunstanciado, desde que preenchidos
os requisitos do art. 69 dessa lei. O que não ocorre com o § 1°, na medida em
que a pena é de reclusão, de um a três anos.
 A violência tem significado de uso da força física, um ato indevido de agressão
física. Tem que ser dirigida contra a pessoa do policial ou do terceiro que o
auxilia (Ex.: investigador de polícia vai cumprir mandado de prisão e é ajudado
por alguém que acaba agredido). Se a violência for dirigida contra uma coisa
(ex.: viatura policial, poste de iluminação, porta, parede, etc.), pode configurar o
delito de dano qualificado.
 Não haverá o crime se a resistência for passiva, isto é, aquela em que não há
emprego de violência ou ameaça. Lembre-se do clássico exemplo da pessoa que
se segura em um poste para não ser levado à delegacia. Ou ainda sai correndo ou
se joga no chão para não ser detido: ―A simples fuga do infrator, ao ser preso,
não configura o delito de resistência, que exige para sua caracterização a
presença dos requisitos da violência ou ameaça contra funcionário‖. (TJSP.
Tacrim-SP. Rel.: Mattos Faria, Jutacrim 10/249.)
 A ameaça pode ser escrita ou verbal, não precisando ser grave. O procedimento
praticado pelo policial deve ser legal quanto ao conteúdo e à forma (modo de
execução). Sendo ordem ilegal, a violência ou ameaça empregada contra ela não
configura a resistência, como ocorre nos casos de detenção para averiguação:
―Um dos elementos caracterizadores da resistência é a oposição a uma ordem
legal. Ora, se esta é abusiva, portanto, antijurídica, não se pode falar na
existência do delito em questão‖. (TJSP. Tacrim-SP. Rel.: Camargo Aranha. RT
461/378.)
 A resistência só ocorre se a violência ou a ameaça forem empregadas contra a
prática do procedimento policial. Assim se empregadas após a prisão ou a
30

reintegração, não há o crime de resistência, mas o delito de lesão corporal (art.


129) ou de ameaça (art. 147).
 Se a violência for empregada para proporcionar um ato de fuga, após a prisão ter
sido realizada, não haverá resistência, mas o crime de evasão mediante violência
contra a pessoa (CP, art. 352).
 Não há resistência se o agente policial for incompetente para determinar a ordem
ou realizar o procedimento, por exemplo, para que a pessoa desocupe terreno
invadido, mas não tem documento judicial ordenando a retirada.

13 - DA RESPONSABILIDADE PENAL DOS AGENTES POLICIAIS EM


RELAÇÃO AOS EXCESSOS NA REALIZAÇÃO DE UMA ABORDAGEM

No exercício das atribuições o agente policial eventualmente pode se


exceder nos limites do uso da força, e seu comportamento pode caracterizar um ilícito
penal. Dentro desse contexto, você terá a oportunidade de identificar os tipos penais de
maior ocorrência durante uma abordagem policial, na qual o profissional poderá ser
responsabilizado.

13. 1 - Lei de Abuso de Autoridade (Lei Federal nº 13.869, de 5 de setembro de


2019)
No dia 05 de setembro de 2019 foi sancionada a nova Lei de Abuso de
Autoridade (Lei 13.869/2019) que visa criminalizar as condutas dos agentes públicos
que no uso da sua função pública extrapolem as atribuições e deveres do cargo com
finalidades específicas diversas das previstas em Lei, e que revogou expressamente a
antiga Lei 4.898/1965, além de alterações relevantes na Lei de Prisão Temporária, na
Lei das Interceptações Telefônicas, no Código Penal e no Estatuto da Ordem dos
Advogados do Brasil.
O referido dispositivo legal ganhou notoriedade na mídia nacional
dada a próxima relação que se atribuía a condutas de autoridades públicas desenvolvidas
em operações que tinham como alvo agentes políticos e outras autoridades no âmbito
nacional.
Dentro do processo legislativo houveram momentos distintos em
relação ao teor do texto, desde o nascimento da minuta da Lei, passando pela aprovação
no Congresso Nacional, Vetos Presidenciais, derrubada de alguns vetos e vigência da
Lei, conforme comparativo abaixo:
31

 30 Crimes Aprovados Pelo Congresso Nacional;


 16 vetos Presidenciais;
 09 Vetos derrubados;
 07 Vetos mantidos;
 23 crimes entraram em vigor.
Destaque-se que em razão do dispositivo legal ser uma inovação
legislativa, a doutrina e a jurisprudência ainda estão em processo de construção, de
modo que é um desafio a discussão acerca de um tema tão inovador e pertinente a
atividade policial militar.
Para fins pedagógicos inerentes a disciplina ora ministrada, iremos nos
ater a um extrato da lei de Abuso de Autoridade que tenha direta interferência no
exercício da atividade policial, de modo que será dado um maior enfoque aos crimes em
espécie e demais consequências aplicáveis aos operadores de segurança (em especial
policiais militares), pontos esses que passaremos a estudar a partir de agora.

13. 1. 1 - Das Disposições Gerais


Onde o legislador buscou conceituar a finalidade da Lei, bem como,
relacionar o dolo intencional nas condutas tipificadas que venham a ser praticadas pelos
agentes (autoridades) públicas. Conforme norma vigente:
 Art. 1º Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente
público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de
exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído.
 § 1º As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade
quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou
beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação
pessoal.
 § 2º A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não
configura abuso de autoridade.

13. 1. 2 - Dos Sujeitos do Crime


Onde o legislador busca definir quem pode figurar como sujeito ativo
(autor da conduta) nos crimes de abuso de autoridade, estendendo esse conceito as
32

situações semelhantes e equiparadas em que o indivíduo pode ser considerado para fins
da lei como agente público. Disponhe:
 Art. 2º É sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer agente público,
servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de
Território, compreendendo, mas não se limitando a:
 I - servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas;
 II - membros do Poder Legislativo;
 III - membros do Poder Executivo;
 IV - membros do Poder Judiciário;
 V - membros do Ministério Público;
 VI - membros dos tribunais ou conselhos de contas.
 Parágrafo único. Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele
que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição,
nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou
vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade abrangidos
pelo caput deste artigo.

13. 1. 3 - Dos Efeitos da Condenação


Que podem ser interpretados como espécie de pena acessória, onde as
consequências da sanção penal prevista nas penas cominadas nos crimes em espécie
podem são potencializadas através desses efeitos. Conforme preceitua abaixo:
 Art. 4º São efeitos da condenação:
 I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, devendo o
juiz, a requerimento do ofendido, fixar na sentença o valor mínimo para reparação
dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos por ele sofridos;
 II - a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo
período de 1 (um) a 5 (cinco) anos;
 III - a perda do cargo, do mandato ou da função pública.
 Parágrafo único. Os efeitos previstos nos incisos II e III do caput deste artigo são
condicionados à ocorrência de reincidência em crime de abuso de autoridade e
não são automáticos, devendo ser declarados motivadamente na sentença.
33

13. 1. 4 - Das Penas Restritivas de Direitos


Dispõe sobre a tipificação das penas restritivas de direito e a forma da
sua aplicabilidade pelo magistrado aos agentes que incidirem nas condutas de abuso de
autoridade. Afirma:
 Art. 5º As penas restritivas de direitos substitutivas das privativas de liberdade
previstas nesta Lei são:
 I - prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas;
 II - suspensão do exercício do cargo, da função ou do mandato, pelo prazo de 1
(um) a 6 (seis) meses, com a perda dos vencimentos e das vantagens;
 Parágrafo único - As penas restritivas de direitos podem ser aplicadas autônoma
ou cumulativamente.

13. 1. 5 - Das Sanções de Natureza Civil e Administrativa


Dispõe sobre a aplicabilidade das sanções nas distintas esferas que
implicam na vida do agente público e suas respectivas consequências. Assim, se
caracteriza:
 Art. 6º As penas previstas nesta Lei serão aplicadas independentemente das
sanções de natureza civil ou administrativa cabíveis.
 Parágrafo único - As notícias de crimes previstos nesta Lei que descreverem falta
funcional serão informadas à autoridade competente com vistas à apuração.
 Art. 7º As responsabilidades civil e administrativa são independentes da criminal,
não se podendo mais questionar sobre a existência ou a autoria do fato quando
essas questões tenham sido decididas no juízo criminal.
 Art. 8º Faz coisa julgada em âmbito cível, assim como no administrativo-
disciplinar, a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de
necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no
exercício regular de direito.

13. 1. 6 - Dos Crimes e das Penas


Nesse ponto serão tratados os crimes em espécie da nova lei de Abuso
de Autoridade, com enfoque aqueles que pela conduta prevista podem ser praticados por
policiais militares no exercício de suas atividades.Conforme:
34

Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave


ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a:
 I - exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública;
 II - submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei;
 III - produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro:
 Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena
cominada à violência.
 Resumo: O presente tipo penal tem a finalidade principal de coibir a exposição
imotivada da imagem do particular abordado pelo agente público, bem como,
que o particular seja constrangido a produzir prova contra si mesmo.
Art. 15. Constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em
razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar
sigilo:
 Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
 Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem prossegue com o interrogatório:
 I - de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio; ou
 II - de pessoa que tenha optado por ser assistida por advogado ou defensor
público, sem a presença de seu patrono.
 Resumo: O presente tipo penal tem a finalidade principal de coibir que o
particular abordado pelo agente público seja constrangido a revelar informação
resguardada por sigilo profissional.
Art. 16. Deixar de identificar-se ou identificar-se falsamente ao preso
por ocasião de sua captura ou quando deva fazê-lo durante sua detenção ou prisão:
 Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
 Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, como responsável por
interrogatório em sede de procedimento investigatório de infração penal, deixa
de identificar-se ao preso ou atribui a si mesmo falsa identidade, cargo ou
função.
 Resumo: O presente tipo penal tem a finalidade principal de coibir que o agente
público faça uso do anonimato na sua relação com o particular alvo das suas
ações desenvolvidas no âmbito do seu cargo, em especial, no momento da prisão
e em seu interrogatório.
35

Art. 18. Submeter o preso a interrogatório policial durante o período


de repouso noturno, salvo se capturado em flagrante delito ou se ele, devidamente
assistido, consentir em prestar declarações:
 Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
 Resumo: O presente tipo penal tem a finalidade principal de coibir que o agente
público submeta o preso a interrogatório no horário de repouso, ou ainda em
horário não convencional que dificulte a sua assistência.
Art. 20. Impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do
preso com seu advogado:
 Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
 Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem impede o preso, o réu solto ou o
investigado de entrevistar-se pessoal e reservadamente com seu advogado ou
defensor, por prazo razoável, antes de audiência judicial, e de sentar-se ao seu
lado e com ele comunicar-se durante a audiência, salvo no curso de
interrogatório ou no caso de audiência realizada por videoconferência.
 Resumo: O presente tipo penal tem a finalidade principal de resguardar o direito
do preso de ter entrevista com o seu advogado a fim de que esse profissional
possa lhe garantir a melhor assistência.
Art. 21. Manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço
de confinamento:
 Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
 Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem mantém, na mesma cela, criança
ou adolescente na companhia de maior de idade ou em ambiente inadequado,
observado o disposto na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da
Criança e do Adolescente).
 Resumo: O presente tipo penal tem a finalidade principal de coibir que presos
que por seu sexo ou idade que sejam considerados de grupos mais vulneráveis
sejam colocados na mesma cela ou ambiente que outros presos.
Art. 22. Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à
revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele
permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições
estabelecidas em lei:
 Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
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 § 1º Incorre na mesma pena, na forma prevista no caput deste artigo, quem:


 I - coage alguém, mediante violência ou grave ameaça, a franquear- lhe o acesso
a imóvel ou suas dependências;
 III - cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma
horas) ou antes das 5h (cinco horas).
 § 2º Não haverá crime se o ingresso for para prestar socorro, ou quando houver
fundados indícios que indiquem a necessidade do ingresso em razão de situação
de flagrante delito ou de desastre.
 Resumo: O presente tipo penal tem a finalidade principal de resguardar o direito
constitucional que prevê a casa como asilo inviolável, e, inobstante o tipo penal
já existente no Código Penal, no presente caso a pena é mais severa em razão do
sujeito ativo ser agente público.
Art. 23. Inovar artificiosamente, no curso de diligência, de
investigação ou de processo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de
eximir-se de responsabilidade ou de responsabilizar criminalmente alguém ou agravar-
lhe a responsabilidade:
 Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
 Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem pratica a conduta com o intuito
de:
 I - eximir-se de responsabilidade civil ou administrativa por excesso praticado
no curso de diligência;
 II - omitir dados ou informações ou divulgar dados ou informações incompletos
para desviar o curso da investigação, da diligência ou do processo.
 Resumo: O presente tipo penal tem a finalidade principal de coibir que o agente
público adultere o local de crime ou autos do processo com a finalidade de trazer
um desfecho diferente para a investigação da qual deveria se aferir caso a
conduta criminosa não houvesse sido cometida.
Art. 24. Constranger, sob violência ou grave ameaça, funcionário ou
empregado de instituição hospitalar pública ou privada a admitir para tratamento pessoa
cujo óbito já tenha ocorrido, com o fim de alterar local ou momento de crime,
prejudicando sua apuração:
 Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena
correspondente à violência.
37

 Resumo: O presente tipo penal tem a finalidade principal de coibir que o agente
público dolosamente constranja servidor da unidade hospitalar ou semelhante a
receber cadáver (indivíduo sabidamente morto) para o atendimento com o
pretexto de simular o socorrimento.
Art. 25. Proceder à obtenção de prova, em procedimento de
investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito:
 Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
 Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem faz uso de prova, em desfavor do
investigado ou fiscalizado, com prévio conhecimento de sua ilicitude.
 Resumo: O presente tipo penal tem a finalidade principal de criminalizar a
conduta do agente público que obtém ou faz uso no processo de prova adquirida
de forma ilícita.
Art. 33. Exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o
dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal:
 Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
 Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem se utiliza de cargo ou função
pública ou invoca a condição de agente público para se eximir de obrigação
legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido.
 Resumo: O presente tipo penal tem a finalidade principal de criminalizar a
conduta do agente público que contraria o princípio da legalidade insculpido no
texto constitucional (ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão em virtude de lei), bem como, daqueles que se utilizam do cargo
para benefício indevido.

13. 2 - O Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Do Artigo 43, da A Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a


vigorar acrescida do seguinte art. 7º-B:
Do Artigo 7º- B Constitui crime violar direito ou prerrogativa de
advogado previstos nos incisos II, III, IV e V do caput do art. 7º desta Lei:
 Pena - detenção, de 03 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
 Extrato do estatuto da OAB.
38

 II - a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus


instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e
telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia;
 III - comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem
procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em
estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis;
 IV - ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por
motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob
pena de nulidade e, nos demais casos, a comunicação expressa à seccional da
OAB;
 V - não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em
sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, e, na sua falta,
em prisão domiciliar;
 Resumo: O presente tipo penal tem a finalidade principal de criminalizar a
conduta do agente público que deixa de observar as prerrogativas dos membros da
advocacia no tocante ao exercício plena da sua função e na respectiva assistência
ao seu cliente, e para isso, protege situações que são elementares para manutenção
dessas prerrogativas.

13. 3 - Constrangimento Ilegal (artigo 146 do CPB)


Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois
de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer
o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
 Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
A CF/88 garante às pessoas a liberdade de fazer ou não fazer o que
bem lhes aprouver (art. 5º, II), desde que observados os limites da ordem jurídica pátria.
No delito em comento, o agente constrange, obriga ou coage uma pessoa a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa, empregando, para tanto, a violência ou grave ameaça.
Para exemplificar, é possível verificar as seguintes situações:
1) Exemplo: Obrigar uma pessoa a fazer algo:
 Policial determina para que uma pessoa passe a correr na via pública. Na
jurisprudência: ―Pratica crime de constrangimento ilegal o agente que,
empunhando arma, procura obrigar moças a entrarem em automóvel, para dar-
39

lhes, contra a vontade delas, uma carona‖. (TJSP. Tacrim-SP. Rel. Adauto
Suannes. RT 592/351).
2) Exemplo: Obrigar alguém a deixar de fazer algo:
 Policial impõe a uma pessoa que não fume em local sabidamente permitido. Ou
ainda, policial determina que um grupo de adultos não permaneça na esquina de
uma rua às 03:00h.
Observações: ―Constrangimento ilegal e tortura: Na Lei n. 9.455/97,
o art. 1º, inciso I, alínea ―b‖, passou a prever delito específico, que constitui prática de
tortura: constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe
sofrimento físico ou mental, para provocar ação ou omissão de natureza criminosa‖.
Há constrangimento ilegal se a violência ou grave ameaça é
empregada para evitar que uma pessoa realize um ato imoral (prostituição). Isso porque
o tipo penal fala em conduta ―não proibida por lei e não existe lei que proíba a venda do
corpo, apenas a exploração dela por outrem‖.

13. 4 - Violação de Domicílio (artigo 150 CPB)


Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a
vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:
 Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.
A norma penal tem por finalidade concretizar a previsão
constitucional de que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo
penetrar sem consentimento do morador (art. 5º, XI).
A violação de domicílio fica configurada quando, contra a vontade
expressa ou tácita do morador, o policial ingressa na residência ou permanece em casa
alheia ou em suas dependências. A permanência é fator indispensável para que se
verifique a ocorrência do delito.
Observações: Trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo
(art. 61 da Lei n° 9.099/1995), exigindo lavratura de termo circunstanciado, desde que
preenchidos os requisitos do art. 69 dessa lei.
Consentimento do morador: é a pessoa que tem a capacidade de
manifestar-se no sentido autorizar ou permitir o ingresso de alguém em sua ―casa‖. Aqui
não importa se ele é o proprietário, possuidor legítimo, arrendatário etc. Ademais,
havendo vários moradores, o esposo e a esposa são os titulares desse direito de
consentimento, em que prevalece a sua autoridade em relação à dos demais habitantes
40

da casa, mas é bom lembrar que os demais (filhos, netos, sobrinhos, empregador, etc.)
podem admitir ou excluir alguém nas dependências que lhes são destinadas, mas mesmo
assim, caso ocorra a discordância entre estas pessoas, prevalecerá a proibição dos
titulares de direito (esposo e esposa), assim caracterizando o ilícito penal, constante do
Art. 150 do CP.
Cabe salientar que não configura o delito de violação de domicílio a
entrada ou permanência em casa alheia desabitada, mas o crime de usurpação (art. 161
do CP). De outro lado, ―quando ausente os moradores, subsiste o crime de violação de
domicílio‖

13. 5 - Lei nº 9.455/1997 (Lei de Tortura)


Após a 2ª Guerra Mundial a comunidade internacional se mobilizou e
fez nascer um movimento de repúdio à prática da tortura, principalmente como
instrumento para se obter informações.
A CF/88, em seu art. 5º, inciso III, estabelece que ―ninguém será submetido a tortura
nem a tratamento desumano ou degradante‖.
Você deve lembrar que não existem direitos e nem garantias
absolutas, ou seja, juridicamente se trabalha com a relativização das liberdades públicas.
Até porque nem a vida é absoluta, na medida em que se tolera a legítima defesa para
ceifar esse bem jurídico de primeira grandeza. Ademais, em caso de guerra, o Brasil
admite, excepcionalmente, a pena de morte.
Na ordem infraconstitucional, em 1997 finalmente entrou em vigor
uma lei específica que trata da tortura, a Lei n° 9.455. Vale dizer, durante nove anos
punia- se a tortura com tipos penais comuns, homicídio, lesão, constrangimento ilegal,
abuso de autoridade, etc. Salvo no caso do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n°
8.069/1990), que previa uma tortura específica para proteger crianças e adolescentes,
conforme contido no art. 233, hoje revogado pela Lei n° 9.455/1977.
O art. 1º da Lei nº 9.455/1997 não traz a definição de tortura, apenas
elenca os comportamentos que configuram a prática da tortura:
 Art. 1º Constitui crime de tortura:
 I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe
sofrimento físico ou mental:
 com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de
terceira pessoa;
41

 para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;


 em razão de discriminação racial ou religiosa;
 II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de
violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de
aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
 Pena - reclusão, de dois a oito anos.
 § 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de
segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não
previsto em lei ou não resultante de medida legal.
 § 2º Aquele que se OMITE em face dessas condutas, quando tinha o dever de
evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.
 § 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de
reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis
anos.
 § 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço: I - se o crime é cometido por
agente público;
 II - se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência,
adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 10.741, de
2003)
 III - se o crime é cometido mediante sequestro.
 § 5º A condenação acarretará a PERDA do cargo, função ou emprego público e a
INTERDIÇÃO para seu exercício pelo DOBRO do prazo da pena aplicada.
 § 6º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.
 § 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o
cumprimento da pena em regime FECHADO.

13. 5. 1 - Tipos de Torturas


 Tortura prova: Constranger alguém, com emprego de violência ou grave
ameaça, causando- lhe sofrimento físico ou mental com o fim de obter
informação.
 Exemplo: policial que tortura o suspeito para confessar um crime. Ou ainda, o
policial que, mediante violência ou grave ameaça, causa sofrimento físico ou
mental para obter a confissão de um crime.
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 Tortura para ação criminosa: Alguém sendo torturado, com emprego de


violência ou grave ameaça, sofrendo consequências físicas e mentais para
provocar ação criminosa.
 Exemplo: réu que tortura a testemunha presencial para mentir em juízo.
Imaginem um acusado de homicídio que sabe quem é a testemunha presencial,
passa a torturá-la para que ela minta em juízo. Nesta situação há alguém
torturando uma pessoa, com emprego de violência ou grave ameaça, causando-
lhe sofrimento físico ou mental para provocar falso testemunho.
 Tortura preconceito: Alguém constrangendo outrem, com emprego de
violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental por
discriminação.
 Exemplo: A pessoa é torturada simplesmente por ser discriminada em razão da
sua raça ou da sua religião.
Observações: O crime de tortura se consuma com a provocação do
sofrimento físico ou mental, independentemente da finalidade visada.
A doutrina entende que, no caso do §1º, abrange o preso definitivo
(com condenação) e o provisório (flagrante, preventiva e temporária). Também abrange
o menor infrator sujeito à medida sócio educativa. Sujeito à medida de segurança,
inimputável ou semi-imputável, submetido a internação ou tratamento ambulatorial.
No inciso II do art. 1°, que traz a tortura-castigo, é importante que
fique evidenciado o intenso sofrimento físico ou mental causado na vítima. O delegado
tem que apurar a intensidade no seu inquérito. Caso contrário, fica configurado o crime
de maus tratos (CP, art. 136).
No § 1° a vítima do crime somente pode ser pessoa presa ou sujeita a
medida de segurança.
 Da Tortura omissão (art. 1º, § 2º): Você já ouviu falar de alguém que
presenciou tortura e nada fez? Você acredita que se o fato de não praticar
qualquer ato na tortura, somente presenciando, o agente estará imune à uma
responsabilização pela prática de tortura?
 O § 2° do art. 1° da Lei de Tortura define que ―Aquele que se omite em face
dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena
de detenção de um a quatro anos‖. Como se vê, o dispositivo em apreço traz dois
comportamentos omissivos.
43

 Omissão imprópria: Quando tinha o dever de evitar. Sujeito ativo: garante


(garantidor), o que tem o dever de evitar. Rol de garantes: pai, mãe, curador,
tutor, policial, médico, professor etc. Ex.: delegado percebe que um agente
criminoso está sendo levado para uma sala, onde será torturado, e nada faz.
Cuida-se de tortura omissão.
 Omissão própria: Nessa há o dever de apurar e a autoridade se omite, nada
fazendo. A tortura já aconteceu. O sujeito ativo é a autoridade que tem o dever
de apurar, mas não adota nenhuma providência, ficando inerte. O sujeito passivo
é qualquer pessoa.
 Efeitos da condenação da tortura (Art. 1º, § 5º): Você sabe o que acontece
com o profissional de segurança pública condenado por tortura?
 O § 5º do art. 1° define que ―A condenação acarretará a perda do cargo, função
ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da
pena aplicada‖. A Doutrina e a Jurisprudência majoritárias entendem que na Lei
9.455/1997 a perda do cargo é automática com a condenação, dispensada a
fundamentação na sentença (STJ, HC 92247).
44

14. BIBLIOGRAFIA

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BAYLEY, D. H. Padrões de Policiamento. São Paulo: Edusp, 2001.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. Vol. 1. 13ª Ed.
São Paulo: Saraiva, 2008.

BITTNER, Ergon. Aspectos do Trabalho Policial. São Paulo: Edusp, 2003. CAPEZ,
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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2011.
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