Você está na página 1de 14

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA ${INFORMACAO_GENERICA}ª

VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE

${cliente_nomecompleto}, já cadastrado eletronicamente, vem com


o devido respeito perante Vossa Excelência, por meio de seus
procuradores, dizer e requerer o que segue:

Na presente ação se pleiteia a concessão de benefício assistencial à pessoa com


deficiência, que foi indeferido na esfera administrativa por equivocadamente entender o INSS
que o Requerente não satisfazia os requisitos constantes no artigo 20, §§ 2º e 10 da Lei
8.742/93.

Realiza a avaliação socioeconômica (Evento ${informacao_generica}) deu-se conta de


que o Autor preenche o requisito socioeconômico que enseja a concessão do BPC-LOAS. Nesse
seguimento, foi determinada a realização de perícia médica, que acabou por não analisar a
deficiência do Demandante, conforme se demonstrará a seguir:

DA PERÍCIA MÉDICA E A SUPERAÇÃO DO PARADIGMA DA DEFICIÊNCIA COMO


“INCAPACIDADE PARA O TRABALHO E PARA A VIDA INDEPENDENTE” PARA O NOVO
CONCEITO DE DEFICIÊNCIA

Da análise do Laudo de evento ${informacao_generica}, observa-se que o Perito indicou


que o Autor possui CID 10 H54.1 – Cegueira em um olho e visão subnormal em outro e CID 10
H52.0 – Hipermetropia. Nesse sentido, algumas considerações devem ser feitas quando ao
requisito da deficiência.

Sem delongas, Excelência, veja-se que o laudo pericial elaborado no presente feito é o
mesmo feito para os processos relativos aos benefícios por incapacidade, tendo o médico
perito analisado única e exclusivamente a incapacidade laboral do Autor. Ocorre que existe
uma clara diferença ontológica entre a DEFICIÊNCIA e a incapacidade laborativa.
Veja-se que a deficiência é conceituada pelo preâmbulo da Convenção Internacional
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (incorporada no direito brasileiro com status de
Emenda Constitucional), em sua alínea “e”, da seguinte forma:

e) Reconhecendo que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência


resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às
atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas
pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

E tendo sido recepcionada pelo ordenamento jurídico brasileiro com status de Emenda
Constitucional, como é sabido, todos os atos legislativos e judiciais tem de se conformar à tal
definição, aplicando-se uma interpretação conforme à Constituição. A fim de corroborar tal
posição, pede-se vênia para trazer à baila os apontamentos de Ingo Wolfgang Sarlet referentes
à Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência:

o caso das pessoas com deficiência tem sido central para a teoria e prática
do princípio da igualdade e dos direitos de igualdade, pois se trata de grupo
de pessoas particularmente vulnerável (em maior ou menor medida, a
depender da condição pessoal) [...], além da forte atenção dispensada ao
tema pelo direito internacional dos direitos humanos [...]. Além disso, o fato
de a Convenção ter sido aprovada [...] na forma do disposto no art. 5º, §
3º, da CF, de modo a se tratar de normativa equivalente a emenda
constitucional, assegura-lhe ainda maior relevância, pois torna cogente a
"releitura" de todo e qualquer norma infraconstitucional que tenha
relação com o tema, seja revogando normas incompatíveis [...]. De
qualquer modo, [...] a CF, fundada na dignidade da pessoa humana,
acertadamente se refere à pessoa portadora (hoje há de adotar-se a
designação pessoa com deficiência) de deficiência, ou seja, enfatiza-se a
condição primeira de pessoa, deixando-se de lado a mera referência aos
deficientes, fórmula felizmente superada [...]. As ações afirmativas
destinadas à integração das pessoas com deficiência não se limitam, ao
mundo do trabalho, abarcando um dever de inclusão (integração e
promoção) em todas as esferas da vida social, econômica, política e
cultural, o que também tem sido alvo das preocupações da CF [...]. A
mesma preocupação se verifica no âmbito do sistema internacional de
proteção dos direitos humanos, da legislação interna [...].[1]

Nesse sentido, observa-se que houve uma alteração da redação original do art. 20. §2º
da LOAS, com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15):

REDAÇÃO ORIGINAL:
2º Para efeitos de concessão deste benefício, a pessoa portadora de
deficiência é aquela incapacitada para o trabalho e para a vida
independente.

NOVA REDAÇÃO:

2oPara efeito de concessão do benefício de prestação continuada,


considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo
prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

Neste sentido, percebe-se que o legislador foi minucioso ao estabelecer no art. 3º,
inciso IV do referido diploma, a conceituação das diferentes espécies de barreiras que podem
atravancar a participação em igualdade de condições da pessoa com deficiência, veja-se:

Art. 3o Para fins de aplicação desta Lei, consideram-se:

IV - barreiras: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que


limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a
fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de
movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à
compreensão, à circulação com segurança, entre outros, classificadas em:

a) barreiras urbanísticas: as existentes nas vias e nos espaços públicos e


privados abertos ao público ou de uso coletivo;

b) barreiras arquitetônicas: as existentes nos edifícios públicos e privados;

c) barreiras nos transportes: as existentes nos sistemas e meios de


transportes;

d) barreiras nas comunicações e na informação: qualquer entrave,


obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a
expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por
intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação;

e) barreiras atitudinais: atitudes ou comportamentos que impeçam ou


prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade
de condições e oportunidades com as demais pessoas; (grifado)

f) barreiras tecnológicas: as que dificultam ou impedem o acesso da pessoa


com deficiência às tecnologias;

Logo, não mais se conceitua a deficiência que enseja o acesso ao BPC-LOAS como aquele
que incapacite a pessoa para a vida independente e para o trabalho, e sim aquele que possui
algum tipo de impedimento, que, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.
Em momento algum a norma condiciona o recebimento do benefício à demonstração da
incapacidade para o trabalho!

Aliás, segundo a Organização Mundial da Saúde a incapacidade é conceituada como


“qualquer redução ou falta (resultante de uma deficiência ou disfunção) da capacidade para
realizar uma atividade de maneira considerada normal para o ser humano, ou que esteja dentro
do espectro considerado normal”.[2]

Assim, fica evidente a diferença entre os dois conceitos, de maneira que a incapacidade
necessita da deficiência, e que esta impeça o regular exercício das atividades laborais,
enquanto que a deficiência não necessita da incapacidade para estar presente.

Para melhor compreensão, veja-se a seguinte ilustração:

Destarte, não se pode confundir deficiência (artigo 20, § 2º da LOAS) com


incapacidade laborativa, exigindo, para a configuração do direito, a demonstração da
“invalidez de longo prazo”. Isto, pois a consequência prática deste equívoco é a
denegação do benefício assistencial a um número expressivo de pessoas que têm
deficiência e vivem em condições de absoluta penúria e segregação social,
comprometendo as condições materiais básicas para seu sustento. Nesse sentido, a
partir da conjugação deste critério com o disposto no artigo 2º do Estatuto da Pessoa
com Deficiência, que trouxe contribuição à redação dada pelo artigo 1º do Pacto de
Nova Iorque, conclui-se que uma pessoa PODE TER DEFICIÊNCIA E, AINDA ASSIM, SER
CAPAZ DE TRABALHAR E DE MANTER UMA VIDA INDEPENDENTE. Se esta pessoa for
economicamente necessitada, lhe assiste direito ao Benefício Assistencial, conforme
previsão do artigo 203, V da CF/88.

Por óbvio, Excelência, o atual e constitucional conceito de deficiência não exclui do


acesso ao benefício àquelas pessoas que, embora deficientes, logram êxito em trabalhar ou
suportar as adversidades impostas em seu dia a dia. Interpretação diversa é deveras restritiva,
não contemplada pelo Pacto de Nova Iorque, tampouco pelo Estatuto da Pessoa com
deficiência, que em momento algum sugerem tal entendimento.

Nesse sentido, veja-se as considerações feitas pelo Eminente Desembargador Federal


Roger Raupp Rios por ocasião do julgamento da Apelação Cível nº 5006532-93.2014.4.04.7006:

Trata-se do modelo biopsicossocial da deficiência, cuja compreensão deve


partir de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico. Em
primeiro lugar, deve-se ter presente a dignidade humana (CR, art. 1º, III), os
direitos fundamentais da liberdade e da igualdade (art. 5º, caput), os
direitos fundamentais sociais à assistência social, à saúde, ao trabalho e à
previdência social (art. 6º), o fundamento da ordem econômica na
valorização do trabalho humano (art. 170), o primado do trabalho e os
objetivos do bem-estar e justiça sociais da ordem social (art. 193) e à
cobertura dos eventos de doença, invalidez e idade avançada (art. 201, I).

Arrolados os princípios pertinentes ao âmbito de proteção constitucional, o


próximo passo é compreender o que é incapacidade relacionada à
deficiência enquanto categoria jurídica, para o que é imprescindível
visualizá-la como fenômeno socialmente relevante que o direito destaca e
juridiciza.

Do mesmo modo que outros elementos da vida social juridicizados, os


diversos conceitos veiculados pelo direito referem-se a determinadas
realidades, cuja nomeação possibilita não-só sua percepção, como também
atua decisivamente em sua dinâmica no mundo das relações sociais
juridicizadas. Nessa medida, ao lidar com conceitos o jurista não pode fazê-
lo na fria assepsia da abstração alheia ao mundo, ambiente onde carne e
ossos habitam, em especial quando se persegue o significado de
incapacidade para a proteção constitucional previdenciária.

Com efeito, capacidade e incapacidade, eficiência e deficiência, segurança


e risco, são binômios que só ganham sentido a partir dos corpos inseridos
no mundo onde habitam. Mundo esse gestado pela relação complexa
entre as diversas esferas da vida pessoal, corporal, psíquica, social,
política, laboral e cultural, onde uma dimensão constrói a outra e é por ela
simultaneamente construída. Não há, de fato, existência humana fora do
tempo e do espaço socialmente construídos e vividos. Daí que saúde e
doença, capacidade e incapacidade, eficiência e deficiência só possam ser
corretamente compreendidos no tempo histórico, que é sempre e
necessariamente social.

Nesse quadro, não há conceituação juridicamente correta de incapacidade


e de deficiência senão mediante a consideração conjunta da dimensão
biomédica (aqui abrangendo também as avaliações psicológicas) e da
dimensão social, uma vez que a falta de uma dessas dimensões inviabiliza
no mundo concreto e na história onde tomam sentido e existência os
conceitos e as realidades da saúde, da doença e da capacidade para o
trabalho ou atividade habitual.

Na compreensão ora proposta afirma-se que não há possibilidade de


considerar que um diagnóstico biomédico, por si só, conclua pela
incapacidade ou deficiência, sem qualquer consideração social, como se
fosse possível imaginar que qualquer diagnóstico médico existisse fora de
determinado contexto histórico, onde inclusive a própria noção do que é
saúde e do que é doença é forjada. Essa dissociação entre a dimensão
biomédica e a social é rejeitada na compreensão ora exposta, inviabilizando
um método decisório onde haja duas etapas distintas e complementares.
No modelo integrado das dimensões biomédica e social o juízo não pode
separar tais dimensões.
No modelo integrado essa conclusão é resultante de uma avaliação onde as
duas dimensões estão presentes, indissoluvelmente relacionadas. Isso
porque o que seja "impossibilidade de desempenho" e até mesmo o que
seja "doentio" não são definições médicas separadas do mundo social. É na
vida em sociedade que se define o que é e quando há "impossibilidade de
desempenho com conseqüente incapacidade de ganho" e o que é "doentio"
ou "saudável".

[...]

Assentar um modelo integrado não significa colocar em questão todo e


qualquer diagnóstico médico conclusivo e, tantas vezes na prática,
indisputável quanto à incapacidade de alguém. Trata-se de explicitar que a
evidência da incapacidade medicamente atestada de alguém totalmente
imobilizado (por esclerose, por exemplo) produz-se porque está
(corretamente) implícito que, em tais circunstâncias presumidas ou
demonstradas, efetivamente tão elevado grau de imobilidade gera a
situação, para aquele indivíduo, social e historicamente situado, de
incapacidade como impossibilidade de desempenho para atividades que
garantam a subsistência.

Diante disto, não devem ser considerados apenas as questões biomédicas, pois estas
podem apontar para uma direção e a conjuntura macro e micro social apontarem para outra,
que torne a inclusão do indivíduo no corpo social dificultada em face da sua deficiência.

Aliás, fica o questionamento: QUEM IRÁ EMPREGAR UM PEDREIRO QUE POSSUI


CEGUEIRA EM UM OLHO E VISÃO SUBNORMAL EM OUTRO? Ainda mais considerando o atual
quadro econômico vivenciado pelos brasileiros?

Como se não bastasse, o próprio texto legal prevê a possibilidade dos beneficiários do
BPC de desenvolverem atividades não remuneradas, a fim de se inserirem na sociedade, o que
per se refuta totalmente a tese da incapacidade laboral, veja-se o que assevera o art. 21, §3º da
LOAS:

Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois)
anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.

[...]

3º O desenvolvimento das capacidades cognitivas, motoras ou


educacionais e a realização de atividades não remuneradas de habilitação
e reabilitação, entre outras, não constituem motivo de suspensão ou
cessação do benefício da pessoa com deficiência. (Incluído pela Lei nº
12.435, de 2011)
E veja-se que foram introduzidos novos parâmetros para avaliação do requisito de
deficiências. O Decreto nº 6.214/07, que regulamento o benefício de prestação continuada,
tratou de nortear a avaliação da deficiência do segurado, exigindo a observância da
Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde – CIF:

Art. 16. A concessão do benefício à pessoa com deficiência ficará sujeita à


avaliação da deficiência e do grau de impedimento, com base nos
princípios da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade
e Saúde - CIF, estabelecida pela Resolução da Organização Mundial da
Saúde no 54.21, aprovada pela 54a Assembleia Mundial da Saúde, em 22
de maio de 2001. (Redação dada pelo Decreto nº 7.617, de 2011)

[...]

2oA avaliação social considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais,


a avaliação médica considerará as deficiências nas funções e nas
estruturas do corpo, e ambas considerarão a limitação do desempenho de
atividades e a restrição da participação social, segundo suas
especificidades. (Redação dada pelo Decreto nº 7.617, de 2011)

5oA avaliação da deficiência e do grau de impedimento tem por


objetivo: (Incluído pelo Decreto nº 7.617, de 2011)

I - comprovar a existência de impedimentos de longo prazo de natureza


física, mental, intelectual ou sensorial; e (Incluído pelo Decreto nº
7.617, de 2011)

II - aferir o grau de restrição para a participação plena e efetiva da pessoa


com deficiência na sociedade, decorrente da interação dos impedimentos
a que se refere o inciso I com barreiras diversas. (Incluído pelo
Decreto nº 7.617, de 2011)

6oO benefício poderá ser concedido nos casos em que não seja possível
prever a duração dos impedimentos a que se refere o inciso I do § 5 o, mas
exista a possibilidade de que se estendam por longo prazo. (Incluído pelo
Decreto nº 7.617, de 2011) (grifos acrescidos)

Ademais, veja-se que a Turma Nacional de Uniformização já decidiu que para a


concessão do benefício assistencial devem ser observados os princípios da Classificação
Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde (CIF):

INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO – PREVIDENCIÁRIO – ASSISTÊNCIA SOCIAL –


CONCESSÃO DE BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (LOAS) – INCAPACIDADE
PARCIAL E DEFINITIVA – PORTADORA DE LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO –
DOENÇA AUTO IMUNE – NECESSIDADE DE AVERIGUAR AS CONDIÇÕES SOCIAIS
PARA CONCLUSÃO DA (IN)CAPACIDADE – RECURSO CONHECIDO E
PARCIALMENTE PROVIDO. Trata-se de agravo contra inadmissão de incidente de
uniformização nacional, suscitado pela parte autora, em face de acórdão de
Turma Recursal do Juizado Especial Federal da Seção Judiciária de Pernambuco.
Inadmitido o incidente pela Turma de origem, foi requerida, tempestivamente, a
submissão da admissibilidade à Presidência desta Turma Nacional nos termos do
art. 7º, VI do RI/TNU. A matéria ventilada e a ser verificada no presente caso é a
possibilidade de se conceder o benefício assistencial previsto na Lei Orgânica da
Assistência Social em casos de incapacidade parcial e definitiva, considerando as
condições pessoais e sócio-econômicas do beneficiário. A parte autora encontra-
se com 35 anos, é portadora de lúpus eritematoso sistêmico, uma doença auto
imune, tem o ensino fundamental incompleto, é lavadeira sem nunca ter
trabalhado com carteira assinada e, atualmente, quando sente poucas dores, faz
pequenos serviços como tal. Depende, para a sobrevivência, da pensão
alimentícia dos dois filhos menores e do Bolsa Família. O “prognóstico é
pessimista para a cura”. Ainda de acordo com o perito, “no momento a
pericianda é portadora de incapacidade parcial definitiva. Pode exercer atividades
que não exijam longas caminhadas, exposição ao sol e elevação de peso. Levando
em consideração o relativo nível de escolaridade, necessita de programa de
reabilitação profissional”. Não houve perícia social nem realização de audiência
para a colheita de provas testemunhais. Na contestação, o INSS se manifesta pela
improcedência do pedido declinado na exordial, pois “sendo a parte autora
apenas parcialmente incapaz, resta descaracterizado um dos requisitos do
amparo assistencial”. A Sentença de improcedência de 1º grau foi mantida pela
Turma Recursal, sob o argumento de que a parte autora não se enquadra no
conceito legal de pessoa portadora de deficiência para efeitos da obtenção de
benefício assistencial: “...entendo que a incapacidade parcial da autora não a
afasta do mercado de trabalho, eis que existem atividades que podem ser por ela
exercidas”, segundo o Magistrado sentenciante. Sustenta o Recorrente que “a
patologia da autora é suficiente para torná-la incapaz de prover seu sustento
dignamente”. Foram apresentadas as contrarrazões pela inadmissão. É o
relatório. [...] Ao adentrar no mérito, imperioso perquirir, em um primeiro
instante, o que seja incapacidade no habitat da legislação. Efetivando o estudo
pelo critério da interpretação sistemática, conclui-se que a incapacidade não
pode ser avaliada exclusivamente à luz da metodologia científica. Fatores
pessoais e sociais devem ser levados em consideração, outrossim. Há que se
perscrutar, considerando que a incapacidade laborativa impossibilita,
impreterivelmente, a mantença de uma vida independente, se há a
possibilidade real de reinserção do trabalhador no mercado de trabalho, no
caso concreto. Deve ser balizada, para tanto, a ocupação efetivamente
disponível para o autor, levando-se em conta, além da doença que lhe
acometeu, a idade, o grau de instrução, bem como, a época e local em que vive.
Como se trata do benefício da Lei Orgânica da Assistência Social, vejamos o que a
Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, estabelece: Art. 20. O benefício de
prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com
deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua
família. § 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras,
podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas. § 3o Considera-se incapaz de prover a
manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per
capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo A Lei n. 7.853/88, que
dispõe sobre a Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência, foi regulamentada pelo Decreto n. 3.298, que prescreve: Art. 3o Para
os efeitos deste Decreto, considera-se: III - incapacidade – uma redução efetiva e
acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de
equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa
portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao
seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.
Art. 4o É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas
seguintes categorias: I - deficiência física - alteração completa ou parcial de um
ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da
função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia,
monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia,
hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia
cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as
deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho
de funções; (Grifos nossos) No que concerne à definição de incapacidade para se
fazer jus ao benefício em questão, o Decreto nº. 6.214, de 26/09/07, ao
regulamentá-lo, firma, no seus artigos 4º e 16, o que é incapacidade e o grau a
ser considerado, in verbis: Art. 4o Para os fins do reconhecimento do direito ao
benefício, considera-se: III - incapacidade: fenômeno multidimensional que
abrange limitação do desempenho de atividade e restrição da participação, com
redução efetiva e acentuada da capacidade de inclusão social, em
correspondência à interação entre a pessoa com deficiência e seu ambiente físico
e social; .... Art. 16. A concessão do benefício à pessoa com deficiência ficará
sujeita à avaliação da deficiência e do grau de incapacidade, com base nos
princípios da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e
Saúde - CIF, estabelecida pela Resolução da Organização Mundial da Saúde no
54.21, aprovada pela 54ª Assembléia Mundial da Saúde, em 22 de maio de
2001. § 1o A avaliação da deficiência e do grau de incapacidade será composta de
avaliação médica e social. § 2o A avaliação médica da deficiência e do grau de
incapacidade considerará as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo, e
a avaliação social considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais, e ambas
considerarão a limitação do desempenho de atividades e a restrição da
participação social, segundo suas especificidades; (Grifos nossos) O
entendimento perfilhado por esta Corte, outrossim, é no sentido de que o
magistrado, ao analisar as provas dos autos sobre as quais formará sua
convicção, e deparando-se com laudos que atestem incapacidade parcial, deve
levar em consideração as condições pessoais da parte requerente para a
concessão de benefício assistencial. Malgrado não ser a incapacidade total e
definitiva, pode ser considerada como tal quando assim o permitirem as
circunstâncias sócio-econômicas do beneficiário, ou na medida em que este não
possuir condições financeiras de custear tratamento especializado, ou, mesmo,
se sua reinserção no seu ambiente de trabalho restar impossibilitado. Mesmo
porque o critério de totalidade não fora adotado pelo § 2º, do art. 20, da Lei
8.742/93, e um dos pressupostos para a manutenção do benefício assistencial é a
avaliação periódica a cada dois anos. A parcialidade da incapacidade, portanto,
não é óbice à sua concessão A respeito: PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL
NO AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA INADMISSÃO DE RECURSO ESPECIAL.
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO PELA
INCAPACIDADE PARCIAL DO SEGURADO. NÃO VINCULAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIA
SÓCIO-ECONÔMICA, PROFISSIONAL E CULTURAL FAVORÁVEL À CONCESSÃO DO
BENEFÍCIO. 1. Os pleitos previdenciários possuem relevante valor social de
proteção ao Trabalhador Rural Segurado da Previdência Social, devendo ser,
portanto, julgados sob tal orientação exegética. 2. Para a concessão de
aposentadoria por invalidez devem ser considerados outros aspectos relevantes,
além dos elencados no art. 42 da Lei 8.213/91, tais como, a condição sócio-
econômica, profissional e cultural do segurado. 3. Embora tenha o laudo pericial
concluído pela incapacidade parcial do segurado, o Magistrado não fica vinculado
à prova pericial, podendo decidir contrário a ela quando houver nos autos outros
elementos que assim o convençam, como no presente caso. 4. Em face das
limitações impostas pela avançada idade, bem como pelo baixo grau de
escolaridade, seria utopia defender a inserção do segurado no concorrido
mercado de trabalho, para iniciar uma nova atividade profissional, motivo pelo
faz jus à concessão de aposentadoria por invalidez. 5. Agravo Regimental do INSS
desprovido. (STJ – 5ª Turma - AgRg n° 1011387 – rel. Min. NAPOLEÃO NUNES
MAIA FILHO - DJE de 25/05/2009 – grifos nossos) Perfazendo a análise, a súmula
47 desta Corte, in verbis: Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o
trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a
concessão de aposentadoria por invalidez. E, como já dito, não obstante não
estar inteiramente dependente de outrem para se vestir, se alimentar, se
locomover e realizar as demais tarefas cotidianas, encontrando-se sem
capacidade uma pessoa de manter o próprio sustento por meio de atividade
laborativa, maquinalmente torna-se impossibilitada de manter uma vida
independente sem qualquer amparo ou caridade. Neste sentido, a Súmula 29
desta E. TNU parece estar. Confira-se: “Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei n.
8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não é só aquela que
impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita
de prover ao próprio sustento” A incapacidade, em suma, como estabelecido no
Decreto n. 6.214, de 26/09/2007, é um fenômeno multidimensional, que abrange
limitação do desempenho de atividade e restrição da participação, com redução
efetiva e acentuada da capacidade de inclusão social, em correspondência à
interação entre a pessoa com deficiência e seu ambiente físico e social e, por isso
mesmo, deve ser vista de forma ampla, abrangendo o mundo em que vive o
deficiente. Ou seja, não necessita decorrer, exclusivamente, de alguma regra
específica que indique esta ou aquela patologia, mas pode ser assim reconhecida
com lastro em análise mais ampla, atinente às condições sócio-econômicas,
profissionais, culturais e locais do interessado, a inviabilizar a vida laboral e
independente. Uma vez constatada a incapacidade parcial, destarte, devem ser
analisadas as condições pessoais do segurado, para fins de aferir se tal
incapacidade é total, especificamente para o exercício de suas atividades
habituais. Verifico que o Acórdão impugnado confirmou a sentença pelos seus
próprios fundamentos, que, por sua vez, limitou-se a reafirmar as conclusões do
perito judicial, abandonando a apreciação das condições pessoais e sócio
econômicas do Autor. Desta forma, deve ser anulado, de ofício, o Acórdão em
referência para que sejam apreciadas as condições pessoais da parte suscitante e
realizado novo julgamento, de acordo com a Questão de Ordem nº 20, a seguir
transcrita: “Se a Turma Nacional decidir que o incidente de uniformização deva
ser conhecido e provido no que toca a matéria de direito e se tal conclusão
importar na necessidade de exame de provas sobre matéria de fato, que foram
requeridas e não produzidas, ou foram produzidas e não apreciadas pelas
instâncias inferiores, a sentença ou acórdão da Turma Recursal deverá ser
anulado para que tais provas sejam produzidas ou apreciadas, ficando o juiz de 1º
grau e a respectiva Turma Recursal vinculados ao entendimento da Turma
Nacional sobre a matéria de direito.”(Aprovada na 6ª Sessão Ordinária da Turma
Nacional de Uniformização, do dia 14.08.2006). DJ DATA:11/09/2006 PG:00595
Pelo exposto, CONHEÇO do incidente de uniformização nacional suscitado pela
parte autora e DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, para anular o Acórdão
impugnado e determinar o retorno dos autos à Turma Recursal de origem com a
finalidade de promover a adequação do julgado com o entendimento da TNU, no
sentido de se realizar novo julgamento, procedendo à análise das condições
pessoais e sociais do beneficiário para constatação da incapacidade para fins de
concessão de benefício assistencial. (TNU, PEDILEF 05344825220094058300,
Relator JUIZ FEDERAL WILSON JOSÉ WITZEL, DOU 23/01/2015 PÁGINAS 68/160)

Aliás, não só a CIF merece observância para análise do requisito de deficiência para
acesso ao BPC-LOAS. Veja-se que a Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP Nº 1 DE
27.01.2014[3] criou o Índice De Funcionalidade Brasileiro Aplicado Para Fins De Classificação E
Concessão Da Aposentadoria Da Pessoa Com Deficiência (IF-BRA), visando fornecer o método
a ser utilizado a fim de se avaliar a deficiência do segurado. E saliente-se que o próprio INSS já
se adequou aos parâmetros do IF-BRA e do CIF na concessão administrativa dos BPC.

Assim, a fim de sintetizar a sistemática do novo paradigma de análise de deficiência para


acesso ao benefício assistencial, tem-se que: Em suma: o já utilizado CID-10 – segundo as
definição da OMS – visa proporcionar um diagnóstico de doenças, perturbações ou outras
condições de saúde, porém sob um viés estritamente biomédico, que devem ser
complementadas pela CIF, que realiza a (co)relação das doenças com a funcionalidade, e que
não engloba apenas questões ligadas à saúde, mas também fatores socioeconômicos, e que
juntas as informações sobre diagnóstico e sobre a funcionalidade e seus respectivos fatores
socioeconômicos fornecem, na visão de Bittencourt[4], uma imagem mais ampla e mais
significativa da saúde das pessoas na hora das tomadas de decisão. E neste sentido, o CID-10 e
o CIF devem ser averiguados por intermédio do íter procedimental do IF-BRA, pois é o método
científico escolhido pelo direito brasileiro para analisar os fatores clínicos e sociais dos que
necessitam do BPC.

Portanto, a partir da análise de todos os dispositivos acima, verifica-se que as próprias


normas regulamentadoras do benefício prelecionam que o critério a ser observado – quanto à
deficiência – é o grau de restrição para a participação plena e efetiva da pessoa com
deficiência na sociedade, não fazendo qualquer referência à incapacidade para o trabalho ou
para a vida independente!

Nessa senda, é perceptível a profunda modificação no enquadramento da pessoa com


deficiência, de maneira que a ultrapassada (e incompatível com a atual ordem constitucional)
definição de pessoa com deficiência, originalmente concebida pela Lei 8.742/93, merece dar
espaço à nova conceituação, dada pela Convenção Internacional Sobre os Direitos da Pessoa
com Deficiência e pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Destarte, considerando que não é necessário muito esforço para concluir que um
indivíduo com visão subnormal em um olho e cegueira em outro possui inúmeras
desigualdades latentes com relação aos demais indivíduos “sadios” da sociedade, é claro o
enquadramento no novo conceito de deficiência introduzido pela Convenção Internacional
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Assim, preenchido o requisito da deficiência, analisar-se-á brevemente o requisito


socioeconômico.

Do Requisito Socioeconômico

O laudo socioeconômico (evento xx) fez inconteste prova no sentido de que a parte
Autora vive em estado de necessidade, satisfazendo o requisito social atinente à concessão do
benefício pretendido.

Da análise do referido documento, observa-se que o grupo familiar é unicamente pelo


Autor e que a renda familiar total advém UNICAMENTE de ajudas de sua filha.

E veja-se que a situação é tão precária e desumana que o Autor está com a água
cortada e a luz parcelada! A própria assistente social relata a situação material do autor como
“muito precária”:

${informacao_generica}

E para ilustrar a situação penosa do Autor, veja-se o registro fotográfico (evento xx):

${informacao_generica}

Portanto, a partir das informações prestadas no laudo é “gritante” a situação de


hipossuficiência econômica no caso em tela, eis que a renda familiar é (claramente)
insuficiente para a mantença do Autor, de maneira que sequer cobre as despesas mensais
essenciais, NÃO sendo capaz de atender as suas necessidades mais elementares para a
manutenção de uma vida digna.
Logo, Excelência, evidente é a situação de risco e vulnerabilidade social vivenciada pelo
Autor, porquanto, a partir das considerações da Sra. Assistente Social constante no laudo
socioeconômico, e tendo em vista que a renda mensal do grupo familiar sequer é capaz de
cobrir os gastos essenciais à digna manutenção da sua subsistência, é cristalino que ele não
possui meios suficientes para garantir uma vida digna.

Assim, diante das peculiaridades do presente caso, é imperiosa a concessão do


benefício pleiteado, eis que a condição econômica evidenciada é claramente incapaz de
promover a subsistência do Demandante.

Feitas tais considerações, tem-se cabalmente demonstrado o cumprimento do requisito


socioeconômico, tornando imperativa a concessão do Benefício de Prestação Continuada,
porquanto é dever da Assistência Social prestar auxílio àqueles que dela virem a necessitar,
situação que se faz presente in casu.

Em respeito ao princípio da eventualidade, caso Vossa Excelência entendam que não


restou comprava a deficiência, requer-se subsidiariamente a realização de perícia médica nos
moldes estabelecidos pelo IF-BRA, devendo ser analisada a existência da deficiência (e não a
incapacidade como analisada no laudo médico até o momento produzido) com fundamento no
CID-10 conjugado com o CIF.

ISTO POSTO, requer a PROCEDÊNCIA dos pedidos que constam na exordial, sendo
concedido ao Autor o Benefício de Prestação Continuada, desde a DER – ${data_generica}.
Subsidiariamente, requer a realização de perícia médica nos moldes estabelecidos pelo IF-BRA,
devendo ser analisada a existência da deficiência com fundamento no CID-10 conjugado com o
CIF.

Nestes Termos;

Pede Deferimento.

, 06 de outubro de 2022.

BRISA GOMES RIBEIRO DO NASCIMENTO


43339BA
[2] JÚNIOR, M.H. Direito Previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.163.[1] SARLET, Ingo
Wolfgang. Igualdade como direito fundamental na Constituição Federal de 1988: aspectos
gerais e algumas aproximações ao caso das pessoas com deficiência. In: FERRAZ, Carolina
Valença et al. Manual dos direitos da pessoa com deficiência. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 90-
93.

[3] Disponível em: http://www.normaslegais.com.br/legislacao/portaria-Interm-agu-


mps-mf-sedh-mp-1-2014.htm

[4] BITTENCOURT, Andre Luiz Moro. Manual dos benefícios por incapacidade laboral e
deficiência. Curitiba: Alteridade, 2016, p. 338.

Você também pode gostar