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SE A BOA ESCOLA E A QUE REPROVA,

O BOM HOSPITAL É O QUE MATA minerações e ao trabalho braçal em

A
o abordarmos a questão da
avaliação do rendimento es- geral. Portanto, a educação era para
colar precisamos levar em muito poucos, sobretudo porque não
conta a cultura da reprova- se tinha a necessidade, dentro da visão
ção, aqui instalada desde os tempos da do colonizador, de se distribuir renda.
colonização, pelo fato dos colonizado- Passamos da colônia ao império e daí
res não necessitarem de cérebros pa- à república, permanecendo a mesma
ra levar a diante a colônia. Para tanto, mentalidade entre nossos governantes
bastava a força física. e entre as forças produtivas do país.
A tradição da reprovação era o ali- Para justificar tal estado de coisas o
cerce para a liberação da mão-de-obra comando do processo centrava-se nos
barata endereçada ao corte da cana, as currículos oficiais, sempre benefician-
do uma determinada classe social, Daí a resultante dos exames es- ve ser feito. Assim os alunos perdem
vez porque os menos favorecidos não colares serem verdadeiros concursos o sabor e não gostam das escolas,
são contemplados em função de suas e não a aferição do rendimento, so- perdendo-se muitos pelo meio do ca-
culturas de origem. Poucos, portan- bretudo dentro de uma característi- minho, atrapalhando o desenvolvi-
to, conseguiam atravessar um ensi- ca diagnostica que provoque mudan- mento do país através da permanên-
no voltado para um ambiente cul- ças futuras. cia da má distribuição de renda.
tural que estava relacionado a uma Cria-se, então, a idéia de uma Quando uma escola percebe que
minoria. escola verdadeiramente pesada, de as reprovações comprometem o seu
Tendo assimilado isso, o corpo conteúdos carregados, difíceis de se- nome e seu capital intangível por-
docente das escolas, formado nas rem suportados pelos alunos e, o pior que a boa escola deveria ser a que
universidades de mesma mentalida- de tudo, marcada de assuntos desne- ensinasse e o aluno aprendesse, tan-
de, ainda hoje reportam à educação cessários, desatualizados, diminuin- to quanto um bom hospital deveria
os mesmos estigmas e, se não en- do o papel importante do professor ser aquele que permitisse a maior
frentam uma mudança curricular como criador de situações de alta cura de seus pacientes, a situação se-
séria, terão sempre os mesmos pro- significação para os estudantes, em ria outra. Estariam mudados os con-
blemas, alegando, em nome da boa mero "piloto" de livro didático, o que ceitos de qualidade em educação. A
qualidade, leia-se currículo oficial, acarreta para o mestre uma grande eficácia deve ser avaliada pela convi-
que não poderão mandar adiante os frustração por ser a sua missão alta- vência, pela partilha, pela inclusão,
alunos que nada sabem. mente criativa. pela solidariedade e pela relação de
Alguns buscam a justificativa es- Centra-se, então, o trabalho escolar confiança entre educador e educan-
tatística, voltando-se para a curva de em currículos que saturam e tiram a do. O que faz perder a força desses
Gauss e, com essa análise concluem felicidade dos alunos, criando, no mo- itens certamente não será uma boa
ser natural e "normal" que sempre mento das avaliações um clima desa- educação porque seu perfil será ge-
existam alguns reprovados, sendo gradável e de oposição entre educador rador de excessiva competição no lu-
que, os poucos excessivamente bons e educando. Isto sentem os mestres gar da cooperação, produzirá mais
não são contemplados com especiais responsáveis quando chega o momen- excluídos e não partícipes dos bens
cuidados da escola. Assim sendo, to das semanas de provas, se as avalia- que o país é capaz de produzir.
busca-se o processo que leva à me- ções não ocorreram em processo. O que se propõe para transformar
diocridade, existindo até, em nossos Mas existem, por incrível que as escolas é que sejam lugares em que
dias, exames vestibulares que usam pareça, os que gostam de tudo is- exista a esperança. Nenhuma equipe
fórmulas estatísticas que beneficiam so, como se familiares escolhessem produz dentro da tristeza. A tristeza
os resultados médios e descartando um hospital com todas as caracte- é sinal da falta de esperança. A ca-
os pontos fortes dos alunos. rísticas constrangedoras para lá co- ra feia, a carranca, a mesma coisa.
Se submetêssemos os resultados locar seu ente querido, imaginando Somos alegres e felizes porque temos
aos crivos de ênfase nos pontos for- assim, salvar-lhe a vida. Como se o esperança e, por sua vez, a esperança
tes, não poderia subsistir tal proces- bom hospital fosse aquele que elimi- é fruto de uma crença, de uma fé for-
so. O método estatístico de classi- nasse a vida, porque, certas escolas, te e segura de que estamos criados e
ficação prioriza a mediocridade na eliminam a vontade de estudar, ma- em processo de criação, construindo
sua busca tecnicista de valores mé- tam os gênios, promovem os medío- este mundo para melhor; portanto,
dios em detrimento de genialidades cres ou, o que é muito pior, quando nossas mãos se estendem em sinal
em aspectos específicos. instadas a mudar, "mandam" para a de solidariedade e ajudam o cresci-
Usando esse sistema com o apoio série seguinte os que sabem e os que mento dos demais.
estatístico, o professor, por vezes, não sabem, exatamente para provar Numa visão de Einstein, nós fa-
não percebe que se os tempos fos- que o sistema seletivo e excludente é zemos parte do universo e, se cresce-
sem diferentes, os resultados pode- a solução. mos, o universo cresce conosco. Não
riam contrariar a curva em que ele Mesmo com a independência, estamos sozinhos, existem bilhões
se apoia. com o império e todas as repúblicas de seres humanos e viventes pulsan-
É por isso que professores e famílias nós permanecemos com mentalida- do conosco. Nossa esperança leva a
e até sistemas de educação acreditam de colonizadora em relação à avalia- crer que, na medida de nosso cres-
mais nas escolas que reprovam. Em tese, ção do rendimento escolar. cimento, há um crescimento propor-
são essas que conseguem que seus alu- As mudanças solicitadas ao siste- cional de toda a criação pela solida-
nos aprendam, dado que é "natural" pa- ma passam pelos conceitos de efici- riedade de todos os entes criados,
ra eles haver reprovação e o antinatural ência e eficácia. Hoje, mesmo sendo todas obras do Criador.
é ter os alunos aprovados. Quando todos muito boas, muitas escolas são efi-
"passam de ano" a estrutura social não cientes, porém, pouco eficazes, exa-
aceita o resultado como confiável. tamente porque não fazem o que de-

WERNECK, Hamilton. Se a boa escola é a que reprova, o bom hospital é o que mata. Gestão Educacional, Curitiba, ano 4, n. 47, p. 12-13, abr. 2009.

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