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Disciplina de Filosofia

11º Ano
Ano Letivo de 2023/2024

RENÉ DESCARTES

• DESCARTES: a resposta racionalista


• A Razão, fonte privilegiada de conhecimento
• A importância da dúvida no pensamento
cartesiano
• O método cartesiano – um método de
inspiração matemática
• As regras do método cartesiano
• As duas operações da Razão: a intuição e a
dedução
• Razões que justificam a dúvida metódica
• Características da dúvida cartesiana
• O percurso ou itinerário filosófico de Descartes
• Da dúvida à primeira verdade indubitável: o
Cogito (Cogito, ergo sum)
• Características do Cogito
O RACIONALISMO • O Critério de Verdade: a clareza e a distinção (a
Evidência)
de • O sujeito pensante: os diferentes tipos de
René DESCARTES ideias (adventícias, factícias e inatas)
• A Ideia de Ser Perfeito
• Provas da existência de Deus
• Deus e a sua importância no sistema
cartesiano (rejeição da hipótese do Deus
enganador e do Deus como Génio maligno)
• A Teoria do Erro
• Os três tipos de substâncias e os seus atributos
essenciais
• O fundacionalismo racionalista de Descartes
• Críticas a Descartes
•DESCARTES: a resposta racionalista

•A Razão, fonte privilegiada de conhecimento

Descartes foi um filósofo racionalista, uma vez que considerava a razão a fonte
principal do conhecimento, a fonte do conhecimento verdadeiro, caracterizado por ser
logicamente necessário e universalmente válido. Assim, atribuindo um grande valor à
razão, Descartes procurou também os fundamentos metafísicos do conhecimento. Só
encontrando esses fundamentos é que seria possível superar os argumentos dos céticos,
para os quais o conhecimento não é possível.

O objetivo do pensamento de Descartes é fazer uma profunda reforma do


conhecimento humano. Descartes não pode ser considerado um cético, pois acredita
que, no conjunto dos conhecimentos que constituía o saber da época, há sem dúvida
conhecimentos verdadeiros.
O problema é que estes não estão colocados por ordem, ou seja, não foram
descobertos de uma forma ordenada ou racional e estão assentes em alicerces frágeis,
porque as bases do sistema ou do edifício do saber são conhecimentos duvidosos ou
falsos.
As duas principais críticas ao saber do seu tempo são, que a este lhe falta ordenação
e fundamentação em bases sólidas.

•A importância da dúvida (metódica) no pensamento cartesiano

•O método cartesiano – um método de inspiração matemática

Descartes vai usar a dúvida como um instrumento metodológico, de forma a começar


tudo de novo, até encontrar um princípio que deve ser de tal forma evidente que o
pensamento não possa dele duvidar. Uma vez chegados a esse princípio indubitável,
teremos o alicerce ou a base que será o fundamento do sistema do saber que Descartes
pretende que seja firme, seguro e bem organizado. Dele dependerão todos os outros
conhecimentos, de modo que nada poderá ser conhecido sem ele.
Descartes vai considerar como absolutamente falso tudo o que for minimamente
duvidoso e vai considerar como sempre nos podendo enganar aquilo que alguma vez
nos tenha enganado.
Ao decidir-se duvidar, Descartes tem o cuidado de se demarcar claramente da atitude
cética para deixar bem clara a diferente natureza de ambas as atitudes de dúvida.
Enquanto os céticos “duvidam por duvidar”, permanecendo sempre na dúvida, todo o
propósito cartesiano consistia em abandonar um sistema do saber assente em alicerces

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pouco seguros e incertos para alcançar um saber assente em alicerces sólidos e
indubitáveis. Para Descartes, a dúvida assume as características de ser voluntária,
metódica e provisória. Ela não é um fim a que se chega e de onde não se sai, mas um
ponto de partida ou um ponto de passagem para a certeza, para o indubitável.
Uma vez que a razão é a origem do conhecimento verdadeiro (universal e necessário),
então as proposições da matemática assumem um caráter evidente. Com efeito, a sua
origem é exclusivamente racional. Por isso, talvez seja possível seguir um método
inspirado na matemática para a conquista da verdade.

•As regras do método cartesiano

O método cartesiano obedece a quatro regras – regra da evidência, regra da análise,


regra da síntese e regra da enumeração – que permitirão guiar a Razão, orientando
devidamente as duas operações racionais. Tais operações são:

- a intuição, que é um ato de apreensão direta e imediata de noções simples,


evidentes e indubitáveis. Nesta operação está presente a primeira regra do método, a
evidência, e é ela que nos dá a conhecer as primeiras verdades e os primeiros princípios
da ciência. Exemplos dessas certezas intuitivas são: “penso, logo existo”; Deus; as
verdades matemáticas.

- a dedução, que se refere ao encadeamento das intuições, envolvendo um


movimento do pensamento, desde os princípios evidentes até às consequências
necessárias. A dedução é a operação pela qual a razão conclui, de verdades já conhecidas
e consideradas indubitáveis, outras que lhes estão necessariamente subordinadas. A
dedução deve efetuar-se de acordo com as três últimas regras do método e traduz a
marcha progressiva e rigorosa do espírito que, partindo de verdades simples, procura
atingir outras mais complexas.

Existe uma relação entre as duas operações, na medida em que pela intuição
conhecemos o primeiro elo da cadeia, sendo o conhecimento dos outros, concluído
dedutivamente desse.

Por exemplo, intuímos facilmente que um quadrado é delimitado por quatro linhas e
que um triângulo o é apenas por três. A partir destes conhecimentos evidentes, podemos
deduzir consequências que serão logicamente necessárias.

A necessidade da existência de uma ordem entre os vários pensamentos radica no


facto de a sabedoria humana permanecer una e idêntica. A ela se reduzem todas as
ciências. Sendo assim, é necessário procurar os fundamentos das ciências.

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Descartes compara a filosofia a uma árvore: as raízes equivalem à metafísica, o tronco
à física e os ramos que saem deste tronco são todas as outras ciências, que se reduzem a
três principais – a medicina, a mecânica e a moral.

Descartes atribui, deste modo, grande importância à metafísica, dado que ela
constitui a raiz da filosofia, e é por ela que se deve começar. Assim, obedecendo às regras
do método, Descartes procede a uma investigação de caráter metafísico, a fim de
encontrar os princípios fundamentais do conhecimento humano.

•Razões que justificam a dúvida metódica

Descartes apresenta razões ou argumentos para justificar a sua atitude de dúvida.


Esses argumentos são fundamentalmente quatro:

a) A fragilidade dos sentidos e o facto de estes nos poderem frequentemente


enganar;

b) Os preconceitos e os juízos precipitados que formulámos na infância.

c) A dificuldade em distinguirmos o estado de vigília do estado do sono;

d) A hipótese do génio maligno ou do Deus enganador.

Quanto ao primeiro argumento, Descartes verifica que os sentidos são enganadores,


dado que já em alguma ocasião nos enganaram. Daí se depreender que nada nos garante
que não nos possam enganar outras vezes. Descartes parte do princípio de que os
conhecimentos que provêm dos sentidos são enganadores.

Quanto ao segundo argumento, Descartes considera que devemos duvidar de todos


os preconceitos e dos juízos que formulámos na infância.

Quanto ao terceiro argumento, Descartes considera que não estamos na posse de


um critério que nos permita discernir o sono da vigília. Há tantos sonhos que, enquanto
dormimos, nos parecem ser tão reais e, no fundo, não têm qualquer correspondência
com a realidade que, quem nos pode assegurar que alguns pensamentos que julgamos
ter enquanto acordados, não passem também eles de um sonho e, portanto, de uma
ilusão?

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Quanto ao quarto argumento, Descartes encontra também razões para duvidar no
facto de algumas pessoas já se terem enganado em demonstrações matemáticas (ainda
que Descartes considerasse, até então, o conhecimento matemático o modelo do saber
verdadeiro).
O argumento que vai abalar a confiança depositada nas noções matemáticas baseia-
se numa hipótese ou numa suposição – a hipótese do génio maligno ou do Deus
enganador.
Com o argumento do génio maligno, Descartes vai dar à dúvida uma dimensão
universal e metafísica. Note-se que, com os argumentos anteriores, Descartes não põe
em dúvida a existência das coisas, mas apenas a verdade do nosso conhecimento acerca
delas. Todo este quadro se modifica com a hipótese de existir um génio maligno ou
Deus enganador, na medida em que com ela se leva a dúvida às próprias evidências
matemáticas, pondo em causa não só o conhecimento das coisas, mas a sua própria
existência.

O argumento do génio maligno consiste em supor a hipótese da existência de um


Deus enganador muito poderoso e astuto (omnipotente e omnisciente) que põe todo o
seu poder em nos enganar, enganando-nos sempre, mesmo nas coisas mais evidentes.
Assim, eu posso pensar que o mundo existe, que existem as árvores, as pedras…; posso
pensar que possuo um corpo. Mas, o que é que me garante que não é o génio maligno
que me faz pensar todas estas coisas como existentes e reais, quando elas não passam
de armadilhas e de ilusões com as quais ele me engana? Penso e vejo com evidência que
um triângulo tem três ângulos, que 2+2=4. Mas, o que é que me garante que também
isso não são ilusões com as quais, mais uma vez, ele me engana? Como vemos, Descartes
leva a dúvida ao mais extremo da radicalidade.

Enquanto a hipótese de Deus nos poder enganar não estiver afastada, não poderemos
ter a certeza de que as mais elementares “verdades” matemáticas são realmente
verdadeiras nem poderemos estar cientes da existência das coisas.

De notar que, apesar da radicalidade e universalidade da dúvida cartesiana, essa


característica apenas se aplica ao domínio do conhecimento e não da ação. Quer isto
dizer, que a dúvida cartesiana é uma dúvida puramente teórica, aplicando-se apenas aos
domínios da filosofia e da ciência e nunca aos da moral, da religião e da política.

• Características da dúvida cartesiana

A dúvida cartesiana apresenta as seguintes características:

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• Metódica – ao contrário da dúvida cética, que é sistemática e definitiva, na medida
em que é um fim em si mesma, a dúvida cartesiana é um meio, é o processo ou método
de que o autor se serve para superar o ceticismo e encontrar a certeza, considerada como
a posse consciente da verdade.

• Voluntária – o exercício da dúvida é feito livremente, é um ato de liberdade do


espírito. Descartes duvida porque quer encontrar certezas indubitáveis e a dúvida é o
meio de que se serve para isso.

• Provisória – ao contrário da dos céticos, a dúvida apenas permanecerá enquanto


houver razões para duvidar. Descartes não fica prisioneiro da dúvida.

• Hiperbólica – a dúvida cartesiana não é uma simples suspensão dos juízos, mas
antes, a rejeição de tudo aquilo em que possa encontrar a mínima dúvida.

• Universal – a dúvida cartesiana aplica-se à totalidade do seu conhecimento acerca


da realidade, cuja existência é, ela mesma, duvidosa, exceto aquilo que tem a ver com o
domínio prático e do agir.

• Metafísica – a dúvida cartesiana não se limita ao plano do cognoscitivo, isto é, ao


plano do que se pode conhecer, pois ao recorrer à hipótese do génio maligno, duvida da
própria existência da realidade física exterior.

A dúvida tem, deste modo, uma função catártica, já que liberta o espírito dos erros
que o podem perturbar ao longo do processo de indagação da verdade. É necessário que
a razão, num processo marcado pela autonomia, alcance princípios evidentes,
universais. A dúvida é um exercício voluntário, permitindo que nos libertemos de
preconceitos e opiniões erróneas, a fim de ser possível reconstruir, com fundamentos
sólidos, o edifício do saber.

A hipótese do deus enganador parece condenar-nos a uma situação sem saída. A


possibilidade de que 2+2=4 seja uma proposição falsa parece não deixar espaço à
existência de qualquer conhecimento verdadeiro. Há, contudo, uma saída.

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•O percurso ou itinerário filosófico de Descartes

É com a intenção de encontrar o fundamento sólido e seguro do novo sistema do


saber, que Descartes inicia um percurso ou itinerário metafísico. Esse itinerário consta
de quatro momentos:

a) A dúvida

b) O cogito

c) Deus

d) O Mundo

•Da dúvida à primeira verdade indubitável: o Cogito (Cogito, ergo sum)

Com a hipótese do génio maligno Descartes leva a dúvida ao mais extremo da


realidade. Mas quando tudo parecia indicar que a dúvida levava Descartes a desembocar
no mais extremo, absoluto e irremediável ceticismo, eis que o autor encontra a primeira
certeza, uma certeza segura e inabalável: a sua existência como sujeito pensante –
“Penso, logo existo”.
Vejamos como:

•Duvidar é um ato que tem de ser exercido por alguém.

•Para duvidar é necessário que exista o sujeito que duvida, pois a dúvida é um ato
de pensamento que só é possível se existir um sujeito.

•Logo, a existência do sujeito que duvida é uma verdade indubitável.

Descartes vai fazer desta certeza inabalável – Penso, logo existo – o ponto de partida
absoluto da sua filosofia e a base de construção de um novo edifício do saber, agora
alicerçado em bases sólidas e seguras.

A proposição “Penso, logo existo” não é um silogismo, não é uma verdade dedutiva,
mas sim intuitiva, porque é uma apreensão direta e imediata do meu espírito. Isto é, a
existência não se conclui do pensamento, antes é apreendida em simultâneo com ele.
Daí o seu caráter verdadeiro e seguro, uma vez que se apresenta clara e distintamente –
para alguém pensar tem necessariamente de existir.

• Características do Cogito

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Através da afirmação clara e distinta da existência do cogito, Descartes afirma com
segurança a sua existência. Mas como existe Descartes? Como substância pensante (res
cogitans). Neste momento, não pode ainda afirmar a existência do mundo com os seus
múltiplos objetos que o compõem nem mesmo a existência do seu corpo. Tudo isto pode
não passar de ilusões com que o génio maligno o engane. A única coisa que, com
segurança, pode afirmar é a sua existência como ser pensante e apenas enquanto pensa,
pois se deixar de pensar por um momento que seja, poderá não ter a certeza que existe.
Ele é, portanto, uma substância cuja natureza se esgota no pensamento.
Neste momento, Descartes encontra-se numa posição de solipsismo. Se nada existir
a não ser o pensamento (eu pensante), o cogito vive uma situação de absoluta solidão,
fechado sobre si mesmo, isto é, de absoluto solipsismo.

•O Critério de Verdade: a clareza e a distinção (a Evidência)

O critério de verdade consiste na evidência, ou seja, na clareza e na distinção das


ideias. Assim, o conhecimento é evidente quando possui clareza e distinção. E quando é
que o conhecimento é claro e distinto?
A clareza diz respeito à presença da ideia ao espírito. A distinção significa separação
de uma ideia relativamente a outras, de tal modo que a ela não estejam associados
elementos que não lhe pertençam.
Enquanto primeira verdade, o cogito apresenta, afinal, a condição da dúvida
hiperbólica – uma vez que existir é a condição para se poder duvidar – e, ao mesmo
tempo, determina uma exceção à universalidade da dúvida – há pelo menos uma
realidade da qual não posso duvidar: a minha própria existência.
A apreensão intuitiva da existência mostra-nos como esta é indissociável do próprio
pensamento. Deste modo, a natureza do sujeito consiste no pensamento. Como escreve
Descartes, o sujeito é “uma coisa que pensa, quer dizer, que duvida, que afirma, que
nega, que conhece poucas coisas, que ignora muitas, que quer, que não quer, que
também imagina, e que sente”.
O pensamento refere-se, portanto, a toda a atividade consciente. Além disso, ele é
equivalente à alma, a qual é conhecida antes de tudo o resto e de forma bastante mais
fácil, ao contrário daquilo que os preconceitos nos costumam indicar.

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Mas a hipótese do deus enganador ainda não foi afastada. É necessário demonstrar
a existência de um deus que não nos engane, ou seja, de um deus que traga segurança e
seja garantia das verdades, afastando de vez qualquer ameaça do ceticismo.

•O sujeito pensante: os diferentes tipos de ideias (adventícias, factícias e inatas)

Apesar de evidente, o cogito não é suficiente para fundamentar o edifício do saber. A


certeza Penso, logo existo é uma certeza subjetiva. Não se consegue alcançar uma
efetiva fundamentação do conhecimento sem se descobrir o que se encontra na base do
pensamento e na origem da existência do sujeito pensante.
Partamos das ideias que estão presentes no sujeito. Elas possuem um conteúdo que
representa alguma coisa. Dessas ideias, umas serão adventícias, ou seja, têm origem na
experiência sensível (por exemplo, as ideias de barco, copo, cão, homem); outras são
factícias, ou seja, são fabricadas pela imaginação (por exemplo, as ideias de sereia,
centauro, dragão); por fim, há também as ideias inatas, isto é, ideias que são constitutivas
da própria razão (por exemplo, as ideias de pensamento e de existência, assim como as
várias ideias matemáticas).
As ideias inatas são claras e distintas, e podem ser caracterizadas como as “sementes
das ciências”, ou “verdades eternas”, “verdadeiras e imutáveis naturezas”, “essências
puramente inteligíveis e inteiramente independentes da perceção sensível…”.

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•A Ideia de Ser Perfeito
•Provas da existência de Deus

Entre as ideias inatas que possuímos encontra-se a noção de um ser omnisciente,


omnipotente e sumamente perfeito. A ideia de ser perfeito servirá de ponto de partida
para a investigação relativa à existência do ser divino. Descartes demonstra a existência
de Deus mediante três provas.
A primeira prova parte da constatação de que na ideia de ser perfeito estão
compreendidas todas as perfeições. A existência é uma dessas perfeições (é maior
perfeição existir do que não existir). Por consequência, Deus existe. O facto de existir é
inerente à essência de Deus, de tal modo que este ser não pode ser pensado como não-
existente. A sua existência apresenta um caráter necessário e eterno. Esta prova é
designada como argumento ontológico, sendo desenvolvida a priori, sem recurso à
causalidade ou à experiência.

A segunda prova, ou argumento da marca impressa, toma igualmente como ponto


de partida a ideia de ser perfeito. Podemos procurar a causa que faz com que essa ideia
se encontre em nós. Tal causa não pode ser o sujeito pensante. De facto, essa ideia
representa uma substância infinita. Nesse sentido, o sujeito pensante, sendo finito, não
é causa da realidade objetiva de tal ideia. O nada também não pode ser a sua causa, nem
qualquer ser imperfeito. A causa da ideia de Deus não é outro ser senão Deus. Com
efeito, Deus é uma realidade que possui todas as perfeições representadas na ideia de
ser perfeito. Concluindo, é ele o próprio ser perfeito e a causa originária da ideia de
perfeição.

A terceira prova baseia-se também no princípio da causalidade. O que agora se


procura saber é qual a causa da existência do ser pensante, que é um ser finito,
contingente, imperfeito. Essa causa não é o sujeito pensante. Se o fosse, com certeza que
ele se daria a si próprio as perfeições das quais possui uma ideia. Ora, isso não se verifica.
Por outro lado, e partindo do princípio de que a criação é uma ação contínua – já que
a natureza do tempo é descontínua, e nada garante ao sujeito pensante que existirá no
momento a seguir -, o sujeito finito apercebe-se de que não possui o poder de se
conservar no seu próprio ser. Tal só aconteceria se ele fosse a causa de si mesmo. Por
isso, o criador (e conservador) do ser imperfeito e finito, assim como de toda a
realidade, é Deus. Por sua vez, sendo perfeito, Deus não necessita de ser criado por
outro ser: ele é causa sui (é causa de si mesmo).

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•Deus e a sua importância no sistema cartesiano (rejeição da hipótese do Deus
enganador e do Deus como Génio maligno)

Assim, Deus, sendo perfeito, não é um ser enganador, pelo que nos encontramos
libertos da dimensão hiperbólica e mais corrosiva da dúvida. Deus é a garantia da
verdade objetiva das ideias claras e distintas. Sendo criador das verdades eternas, a
origem do ser e o fundamento da certeza, Deus garante a adequação entre o pensamento
evidente e a realidade, legitimando o valor da ciência e conferindo validade e objetividade
ao conhecimento. Deus é o fundamento do ser e do conhecimento.
Além disso, Deus é também infinito, a fonte do bem e da verdade; é omnipotente,
eterno, omnisciente e, embora sendo o criador do Universo, não é autor do mal, nem é
responsável pelos nossos erros.

•A Teoria do Erro

Relativamente ao erro, importa sublinhar que, se é verdade que na formação de juízos


o entendimento tem um papel fundamental, o certo é que a vontade se torna necessária
para darmos o consentimento aos juízos que o entendimento formula. Sendo livre, é ela
quem decide dar (ou não) o assentimento aos juízos. Erramos, por isso, quando se
verifica uma precipitação da vontade, quando usamos mal a nossa liberdade e damos
o consentimento a juízos que não são evidentes.

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•Os três tipos de substâncias e os seus atributos essenciais

No que se refere aos corpos, só o conceito de extensão (em comprimento, largura e


altura) nos fornece um conhecimento claro e distinto. Às qualidades objetivas (grandeza,
duração, figura, etc.) contrapõem-se as qualidades subjetivas (sabor, cheiro, cor, som,
etc.), que não estão presentes enquanto tais nos corpos.
Para Descartes, podemos, deste modo, ter ideias claras e distintas dos atributos
essenciais de três tipos de substâncias:

▪ a substância pensante (res cogitans), cujo atributo essencial é o


pensamento;
▪ a substância extensa (res extensa), cujo atributo essencial é a extensão;
▪ a substância divina (res divina), cujo atributo essencial é a perfeição, a qual se
identifica, em virtude da simplicidade divina, com os vários atributos de Deus:
omnipotência, omnisciência, suma bondade, etc.

O ser humano constitui, como tal, uma unidade de duas substâncias: a unidade da
alma (substância pensante) e do corpo (substância extensa) – dualismo alma-corpo
(dualismo cartesiano).

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• O fundacionalismo racionalista de Descartes

Descartes usou um método que lhe permitiu fundamentar o conhecimento humano.


As ideias fundamentais são inatas, opondo-se à diversidade empírica. O sujeito impõe-
se ao objeto através das noções que traz em si. A razão, desde que devidamente
orientada, é capaz de alcançar verdades universais, traduzidas no conhecimento claro
e distinto.

Assim, os princípios ou fundamentos do conhecimento resumem-se a algumas


verdades essenciais, que são ideias inatas, as únicas que dão a garantia de um
conhecimento claro e distinto (das quais se deduzirão as restantes verdades):

- a existência do pensamento (alma), traduzida no cogito;


- a existência de Deus, ser perfeito, com os atributos respetivos;
- a existência de corpos extensos em comprimento, largura e altura.

Deste modo, o fundamento do conhecimento encontra-se no Cogito, enquanto


crença básica ou fundacional e primeira verdade, e noutras ideias claras e distintas da
razão, obtidas de modo intuitivo.

Todavia, o fundamento último do conhecimento coincide com o fundamento de


toda a realidade. Esse fundamento é Deus. Deus não só não é responsável pelos nossos
erros – estes decorrem de um mau uso da liberdade -, como legitima o valor da ciência
e confere validade e objetividade ao conhecimento.
Ao servir-se da dúvida metódica, Descartes procurou combater o dogmatismo do
realismo ingénuo, assim como a submissão, sem exame, a qualquer tipo de autoridade.
Todavia, ao depositar grande confiança na razão e ao considerar ser possível alcançar a
certeza e a verdade, a sua filosofia acaba por se poder enquadrar no âmbito do
dogmatismo, opondo-se assim ao ceticismo de David Hume.

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• Críticas a Descartes

As principais críticas de que Descartes foi alvo referem-se ao problema do cogito, ao


facto de ter incorrido num argumento falacioso – argumento circular ou petição de
princípio, designado vulgarmente por círculo cartesiano e, finalmente, no que respeita ao
seu dualismo antropológico.

O problema do Cogito

Segundo alguns autores, Descartes apenas poderia intuído a existência do


pensamento e não de um eu pensante.
Mais correto seria dizer, por exemplo: “Há um pensamento que está a ter lugar” ou
“Existe pensamento”.

O círculo cartesiano

Descartes terá incorrido num argumento circular ou petição de princípio. É o facto de


raciocinarmos a partir da ideia clara e distinta que temos de Deus que nos irá garantir
que Deus existe. Mas é Deus que garante a verdade e a objetividade das ideias claras e
distintas (incluindo a própria ideia de Deus como ser perfeito).

O dualismo cartesiano (dualismo alma-corpo)

Sendo a alma uma substância distinta da substância corporal, é difícil explicar como se
dá a interação dessas substâncias.
Segundo Descartes, é na glândula pineal que ocorre essa interação, através dos
«espíritos animais». Mas estes são de carácter material, pelo que o problema da
interação das substâncias permanece.

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