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Exercícios Penal IV

Universidade Federal de Santa Catarina


Faculdade de Direito
Professor Dr. Marcel Mangili

Dirty Boulevard

Pedro lives out of the Wilshire Hotel


He looks out a window without glass
The walls are made of cardboard, newspapers on his feet
His father beats him 'cause he's too tired to beg
[...]
No one here dreams of being a doctor or a lawyer or anything
They dream of dealing on the dirty boulevard1

Lou Reed

Questão I

William Burroughs, o famigerado escritor da geração beatnik, matou a mulher em


uma brincadeira de mau gosto: ao modo de Guilherme Tell, ele colocou um copo sobre a
cabeça dela e, depois de tomar certa distância, disparou sua arma. Mas ele errou o alvo: o
seu tiro acabou acertando, em cheio, o rosto de Eva Vollmer.
Ambos estavam no México. Acusado de homicídio, Burroughs até foi preso. Graças,
porém, a um advogado com fortes contatos, ele deixou o presídio depois de poucos dias.
Pouca gente sabe disso – e aqui começa a parte ficcional de nosso caso... –, mas
Burroughs resolveu deixar a América do Norte após o incidente. Ele fez as malas e partiu,
então, para o Brasil.
Um inveterado consumidor de heroína, combustível para os seus escritos,
Burroughs teve de, aqui, financiar o seu vício por meio do tráfico ilícito de drogas. Em 15
de setembro de 2020, ele produziu, em um laboratório de fundo de quintal, 10 gramas de
cocaína, que, dividida em inúmeros papelotes, tratou de vender, três semanas mais tarde,
em uma boate de Florianópolis. As câmeras de segurança do lugar flagraram, contudo, o
momento em que o escritor entregava, em troca de R$ 200, dois gramas da droga a um
Youtuber.
Primário, de bons antecedentes e sem qualquer envolvimento pretérito com o crime
ou organização criminosa, Burroughs foi denunciado por tráfico ilícito de drogas e, tendo
sido ouvido antes das testemunhas durante a audiência de instrução e julgamento, acabou
sendo condenado a 10 anos de reclusão.
O juiz do caso considerou que Burroughs incorreu em duas das condutas previstas
no caput do artigo 33 da lei 11.343, tendo-lhe cominado 5 anos de reclusão por ter fabricado

1 Avenida Suja
Pedro vive no Wilshire Hotel
Ele olha pela janela sem vidro
As paredes são feitas de papelão, jornais em seus pés
Seu pai lhe bate, porque ele está cansado demais para pedir esmola
[...]
Ninguém por aqui sonha em ser doutor ou um advogado ou coisa alguma
Eles sonham em traficar na Avenida Suja
e outros 5 anos por ter comercializado a cocaína apreendida. O magistrado asseverou,
ainda, na sentença, que o tráfico constitui crime “muito grave” – daí ser necessária,
qualquer que seja a pena estipulada, a fixação do regime inicial fechado para o seu
cumprimento.
Vocês são estagiários na Defensoria Pública catarinense, que assumiu o caso dois
dias depois da prolação da sentença. Exponham, de modo fundamentado, as razões de
apelação de Burroughs em face da decisão que o condenou.

Questão II

A relação de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir passava por um momento


delicado quando ele, exercitando, como um genuíno existencialista, toda a sua liberdade,
resolveu deixar a França e vir para o Brasil.
À época, Sartre andava às voltas com remédios para tratar de sua insônia. E, de
modo imprudente, acabou, sob o efeito deles, atropelando uma estudante de Filosofia da
UFSC quando, a bordo de seu Peugeot, dirigia-se para um evento no CFH.
Denunciado pelo Ministério Público catarinense, o filósofo foi condenado a dois
anos de reclusão por ter incorrido na conduta descrita no § 2º do artigo 303 do Código de
Trânsito. Mas, asseverando estarem preenchidos todos os requisitos do caput e dos três
incisos do artigo 44 do Código Penal, o juiz do caso substituiu sua pena por uma multa.
Você é o promotor de justiça responsável pelo caso. Que teses você arguiria para
rebater a substituição determinada pelo juiz?

Questão III

Jean-Paul Sartre sempre foi conhecido por seus dotes filosóficos e literários. Poucos
sabem, porém, que, nas horas vagas, ele se dedicava ao estudo do Direito – “um fenômeno
cuja concretude não pode ser ignorada pelos filósofos”, afirmava.
Pois, depois de tê-lo procurado para tratar do caso envolvendo Simone de Beauvoir
e Sylvie Le Bon, ele aproveitou para lhe fazer a seguinte pergunta: é possível, segundo o
Supremo Tribunal Federal, a responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos
ambientais independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que
agia em seu nome? Quais são as normas que embasam a responsabilização da pessoa
jurídica em casos de crimes ambientais e quais são as penas previstas para elas?

Questão IV

Cansado de ser tido por um escritor maldito na França, Jean Genet mudou-se para
o Brasil. Aqui, porém, ele se envolveu em mais polêmicas. Por, sem eira nem beira, vagar
pelas ruas de Florianópolis com uma chave falsa em seu bolso, ele foi condenado, em 05 de
julho de 2019, por ter incorrido no tipo do artigo 25 do Decreto-lei 3688 – a lei das
contravenções penais. Ele acabou de cumprir sua pena em 05 de outubro de 2019.
Exatos três anos depois, Jean Genet foi condenado por uma tentativa de furto. Na
sentença, o juiz fixou sua pena base em um ano. Depois, em razão da condenação de 05 de
julho de 2019, elevou-a em um sexto. E, por fim, diminui-a em dois terços.
Você é o defensor de Jean Genet – que lhe perguntou se o juiz seguiu a lei brasileira
ao dosar a pena dele. O que você diria, de modo fundamentado, ao escritor francês?

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