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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

FACULDADE DE DIREITO PROFESSOR JACY DE ASSIS

ALICE SANTOS PENNISI


VICTÓRIA MARIA CAVALINI DINIZ NEVES

Teoria da imputação objetiva de Roxin e Jakobs: uma análise comparativa

Uberlândia
2023
ALICE SANTOS PENNISI - 12221DIR026
VICTÓRIA MARIA CAVALINI DINIZ NEVES - 12221DIR028

Teoria da imputação objetiva de Roxin e Jakobs: uma análise comparativa

Trabalho monográfico desenvolvido e


apresentado à disciplina de Direito Penal 1,
ministrada pelo professor Fábio Guedes de Paula
Machado, no segundo período do curso de
Direito da Faculdade Federal de Uberlândia.

Uberlândia
2023
RESUMO

A Teoria da Imputação Objetiva é uma parte importante da Teoria do Delito e atualmente


encontra amplo público, assim como algumas críticas. Dois dos juristas mais famosos a pensar
essa teoria foram Claus Roxin e Günther Jakobs, cada um estudando-a por uma vertente
diferente do funcionalismo. Diante disso, o presente artigo seguirá o caminho da configuração
do ato ilícito até chegar as diferenciações nas teorias da imputação dos dois autores,
prosseguindo para algumas de suas críticas e exemplos de jurisprudência, tanto brasileira
quanto alemã. Por fim, após análise detalhada de ambas, será apresentada uma conclusão final
sobre a atualidade das duas teorias.
PALAVRAS-CHAVE: Risco permitido, princípio da confiança, proibição de regresso, risco
proibido, funcionalismo sistêmico, funcionalismo teleológico, resultado, capacidade da vítima.

RESUME

The Objetive Imputation Theory is an importante part of the Theory of Crime and currently
finds a big audience, as well as some criticismo. Two of the most famous jurists to think about
this theory were Claus Roxin and Günther Jakobs, each studying it from a diferente perpective
of functionalism. Given this, this article will follow the path of the configuration of the crime
until reaching the differentiations in the theories of imputation of the two authors, Moving on
to some critics and examples of jurisprudence, both Brazilian and German. Finally, after a
detailed analysis of both, a conclusion will be presented on the relevance of the two theories
for the social moment.
KEYWORDS: Permitted risk, principle of trust, prohibition of return, prohibited risk, systemic
functionaism, teleological functionalism, result, victim’s capacity.
SUMÁRIO

1. ESTRUTURA DO CRIME À IMPUTAÇÃO OBJETIVA ............................................ 6

1.1. O FATO TÍPICO .......................................................................................................... 6

1.1.1. Análise da Conduta no fato típico ........................................................................ 7

1.1.2. O Resultado .......................................................................................................... 7

1.1.3. O nexo causal........................................................................................................ 9

1.1.4. Tipicidade ........................................................................................................... 12

1.2. CULPABILIDADE .................................................................................................... 12

1.2.1. Teoria Normativa Pura........................................................................................ 13

1.3. ANTIJURIDICIDADE .............................................................................................. 16

2. IMPUTAÇÃO OBJETIVA ............................................................................................. 17

2.1. CONTEXTO HISTÓRICO ........................................................................................ 18

2.2. FUNCIONALISMO .................................................................................................. 21

3. A VISÃO MODERNA DA TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA POR ROXIN E


JAKOBS .................................................................................................................................. 22

3.1. TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA PARA CLAUS ROXIN ............................ 22

3.1.1. Teoria Bipartite ................................................................................................... 22

3.1.2. Acerca do Risco Proibido ................................................................................... 23

3.1.3. Resultado X Criação do Risco Proibido ............................................................. 24

3.1.4. Resultado do Fato X Alcance do Tipo Penal ...................................................... 24

3.1.5. Conclusão acerca dos pensamentos do autor ...................................................... 25

3.2. TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA PARA GÜNTHER JAKOBS ................... 26

3.2.1. Risco Permitido .................................................................................................. 26

3.2.2. Princípio da confiança ........................................................................................ 27

3.2.3. Acerca da proibição do regresso ......................................................................... 28

3.2.4. Capacidade e consentimento da vítima .............................................................. 29


4. CRÍTICAS A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA .............................................. 30

5. JURISPRUDÊNCIA ....................................................................................................... 32

6. ANÁLISE DAS DIFERENÇAS ..................................................................................... 34

6.1. COMPARAÇÃO DAS DIFERENÇAS IDEOLÓGICAS DE ROXIN E JAKOBS .. 34

7. CONCLUSÃO ................................................................................................................. 35

REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 35
1. ESTRUTURA DO CRIME À IMPUTAÇÃO OBJETIVA

Para compreender a teoria da imputação objetiva como deriva da tipicidade de uma


conduta, deve-se compreender primeiramente, de que modo a teoria do delito relaciona-se com
o crime e, especialmente, os aspectos íntimos da tipicidade de uma conduta, cabendo a esta
associação da imputação objetiva ou não. Ao que se entende, então, a análise do crime,
conceitua-se as teorias bi, tri ou até quadripartites do crime, teorias que englobam,
respectivamente, o fato típico, ilícito no primeiro, adicionando se a culpabilidade no segundo e
no terceiro engloba-se ainda a punibilidade. Observa-se na teoria do delito uma forte influência
da teoria tripartite para análise do delito perante analise dos neokantianas, finalistas e
funcionalistas sistêmicos como Gunther Jakobs1, dessa forma, tratar-se-á, nesse tópico
introdutório, sob enfoque dessa concepção, investigando como o ilícito e a culpa relacionam-
se a imputação objetiva e, principalmente, como a tipicidade está como base.

“Tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade estão de tal forma relacionadas


entre si que cada elemento posterior do delito pressupõe o anterior. A divisão
do delito em três aspectos, para fins de avaliação e valoração, facilita e
racionaliza a aplicação do direito, garantindo a segurança contra as
arbitrariedades e as contradições que frequentemente poderiam ocorrer. Essa
divisão tripartida da valoração permite a busca de um resultado final mais
adequado e mais justo.” 2

1.1. O FATO TÍPICO

O fato típico refere-se a análise material da conduta delituosa, assim, pode-se observar
a conduta, o nexo causal, o resultado e a tipicidade. Esses aspectos são extremamente relevantes
para a conceituação de uma conduta enquanto típica ou não. Vale ressaltar que o aspecto
material do fato típico diz respeito a sua análise enquanto fato delituoso infringente da norma,
isso significa dizer que o resultado naturalístico da conduta mostra ser imprescindível para essa
classificação consumada. A partir disso, pode-se diferenciar o resultado naturalístico do

1
O funcionalismo sistêmico defendido por Gunther Jakobs, sobre influencia das ideias sistêmicas sociais de
Luhmann é abordada de forma mais aprofundada e completa em na obra de Callegari e Linhares, ao demostrar
como se fundamenta o funcionalismo sistêmico.
CALLEGARI, André Luís; LINHARES, Raul Marques. Aproximações entre Niklas Luhamnn e Gunther
Jakobs: A Teoria dos Sistemas Sociais como base do Funcionalismo Penal de Jakobs. Revista de Estudos
Criminais 83, outubro/dezembro 2021.
2
1BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de direito penal. 24. ed., rev., ampl. e atual., 2. tiragem. São Paulo:
Saraiva, 2018, p.398.
resultado normativo, respectivamente referindo aos aspectos de necessária modificação efetiva
e ameaça ou lesão de bem jurídico relevante ao direito penal.3

1.1.1. Análise da Conduta no fato típico

Observado a isso, traça-se uma breve compreensão acerca da análise da conduta como
condição da tipicidade, uma vez que a conduta se refere ao comportamento da ação ou omissão
delituosa. A conduta é classificada internalizada sua intenção de fato, podendo ser conduta
dolosa ou culposa. Assim, demostrado os aspectos da conduta para o âmbito típico, formula-se
sua importância enquanto mediadora decisiva não só dessa esfera, mas também da esfera da
culpa e da licitude.

“O Direito Penal não se ocupa da atividade puramente psíquica. A conduta humana só


tem importância para o Direito Penal quando voluntária, consistente num movimento ou
abstenção de movimento corporal.”4 A partir das palavras de Damásio, é possível classificar as
condutas, compreendidas no fato típico, portanto, como condutas comissivas ou omissivas,
respectivamente, relativas à ação ou omissão que contrarie direito ou dever. A questão aqui
também abordada em relação a vontade, enquanto elemento essencial da conduta típica, é no
pensamento finalista da teoria do delito que possuem apontamentos condicionando a volição e
a consciência à conduta típica.5

1.1.2. O Resultado

O Resultado nada mais e que a consequência da conduta de um agente relacionado a sua


causa. E de se compreender, portanto, que o resultado, nessa esfera penal, deve ser,
imprescindivelmente, um resultado jurídico, ou seja, que fere bens de terceiro ou os coloca em
perigo, esclarecendo também que, para a interferência do âmbito penal no delito ocorrido, deve-

3
JESUS, Damásio E. de. Imputação Objetiva. 3 ed., 2 tir. São Paulo: Saraiva, 2008, p.4.
4
IDEM.
5
PACELLI, Eugênio. Manual de Direito Penal. 5ª. ed. São Paulo: Atlas, 2019. p. 272-273.
Pacelli discorre a respeito das palavras de Welzel enquanto defensor da análise do resultado do delito perante a
consciência e a volição, que caracteriza-se essencial para atribuição típica da conduta, uma vez que o
comprometimento da livre manifestação da vontade pode ser causa possível da exclusão da tipicidade.
se atender a relevância penal também. Todo crime e antecedido por resultado jurídico, sem
resultado jurídico inexiste crime. Entretanto, os resultados podem ser diferenciados quanto suas
expressões materiais (naturalísticos) ou apenas jurídicas (normativo).

1.1.2.1. Naturalístico X Normativo

É essencial evidenciar mais uma vez que todo crime e derivado de resultado jurídico,
também chamados de normativos, uma vez que o crime faz se de infração da norma, expondo
bens jurídicos a riscos e perigos, no entanto, nem todo crime tem resultado material, ou
naturalístico.

“A doutrina mais tradicional oferece uma classificação de crimes quanto ao


resultado natural. O resultado delitivo, assim como a ação, seria um fenômeno
físico, ontológico. Segundo esta, existem crimes materiais – que possuem
resultado lógica e cronologicamente destacado da conduta (por exemplo,
homicídio, furto) –, crimes formais ou de consumação antecipada – em que o
resultado natural existe, diverso da conduta, mas ambos têm lugar ao mesmo
tempo (por exemplo, ameaça, injúria verbal) – e, finalmente, crimes de mera
conduta – que não possuem resultado naturalístico (por exemplo, porte ilegal
de arma, violação de domicílio).”6
Como brevemente citado, para essa análise, é trivial a existência de um resultado
naturalístico, ou seja, aquele capaz de alterar materialmente ordens naturais e exteriores. Um
exemplo é o crime de homicídio, como seria possível atribuir a alguém o crime de assassinato
se não existiu falecimento da vítima em questão? “todo crime tem resultado jurídico porque
sempre agride um bem jurídico tutelado (...)quando não há resultado jurídico não existe crime”.7

O resultado naturalístico do delito de homicídio seria, tão somente, a morte do indivíduo


ameaçado por resultado direto de ação contra a vida deste. Entretanto, apesar de ser importante
o resultado naturalístico de uma conduta, não se exclui como crime a conduta que, embora não
tenha apresentado tais resultados, infringe as normas como os crimes de ameaça, por exemplo,
o crime de ameaça à vida.

6
BUSARO, Paulo César. Direito Penal. 5. Ed, v.1. São Paulo: Editora Atlas, 2020, p.450.
7
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1, parte geral: 24ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020,
p.317.
1.1.3. O nexo causal

O nexo causal talvez seja, para o tema aqui desenvolvido, um dos tópicos mais
importantes, assim como é para o fato típico. Por sua vez, o nexo causal é relacionado aos
fatores de causa e consequência, ou seja, observa-se a ação causadora de um resultado relevante.
Aqui não cabe englobar a causa como culposa ou dolosa, apenas concluir a conduta que causara
tal consequência. A partir de então, observa-se as demais motivações que levam a causa ser ou
não caracterizada como típica e, se sim, as características do delito. É importante reforçar que
o nexo causal não tem relação direta com o fato típico, isso requer dizer que, para a atribuição
do fato causador como um fato típico, é necessário que este atenda o nexo-causal físico,
normativo e concreto, respectivamente, havendo resultado refletido ao mundo externo e a culpa
referente ao agente causador do resultado, portanto, sem dolo não é possível configurar o fato
como típico.

1.1.3.1. As Teorias relacionadas a Causalidade

As Teorias de Causalidade buscam adaptar à realidade em relação entre causa e


resultado.

1.1.3.1.1. Teoria da equivalência dos antecedentes e método da eliminação

A Teoria da equivalência dos antecedentes, pelo próprio nome requer a atribuição de


relação entre antecedentes e resultado, isso pois, para essa teoria, será causa todo fato anterior
que, se inexistente, inexistiria resultado e, consequentemente, fato típico. Nesse ponto de vista
é fortemente considerado o conditio sine qua non8, em que a causa é indispensável para a
ocorrência do fato. A verificação dessa teoria foi reforçada pelo pensamento de Tyren ao
condicionar o método hipotético dos antecedentes causais que, submete a uma análise racional

8
O Conceito de sine qua non é “Condição sem a qual não. Indica circunstâncias indispensáveis à validade ou a
existência de um ato. Denominação da teoria da equivalência das causas, pela qual se considera causa (ou
concausa) do resultado delituoso qualquer fator (humano ou natural) que haja contribuído para a produção do
mesmo.” Disponível em: https://vademecumbrasil.com.br/palavra/conditio-sine-qua-non#google_vignette .
Acesso em 30 de outubro de 2023.
de um resultado submetido aos seus atos antecedentes que, se suprimido mentalmente e houver
eliminação do resultado reconhece-se como causa. Essa expressão do pensamento, de fato
revolucionou o sistema de imputação que, baseado na causa do ato típico provia soluções
jurídicas aos casos, um método adepto as investigações das ciências exatas de dedução lógica.
Entretanto, é um fato que essa teoria possui, no campo do desenvolvimento de pesquisas
jurídicas, vem sido refutada há tempos. A primeira reflexão abordada é a condição do regressus
ad infinitum, ou seja, a regressão infinita de ações causais de um fato. Seria possível atribuir
causalidade e, então, culpa aos pais do delinquente que, sem a geração de sua existência não
haveria crime?

Apesar de haver críticas sobre a teoria da equivalência dos antecedentes, ainda é uma
teoria muito recorrente na atualidade. No caso brasileiro, reconhece a teoria da equivalência
dos antecedentes expressa no artigo 13 do Código Penal: “O resultado, de que depende a
existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou
omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.”9

1.1.3.1.2. Teoria da causalidade adequada

A Teoria da Causalidade Adequada é fundamentada na relação de causa e resultado, a


adequação da teoria da equivalência considerando não somente a causa necessária para o
resultado, mas a causa adequada ao resultado, isto é, a causa ligada a conduta que se conforma
ao fato. Essa análise mostra mais pertinente à conduta do que a causa em si, uma vez que essa
adequação da causalidade tende fundamentar uma ideia de responsabilidade do agente, sem os
elementos de dolo ou culpa. “Causa, portanto, não será qualquer condição, como propõe a
teoria da condição, mas só aquela conduta que represente uma tendência geral à produção de
um resultado típico.”10

As críticas referentes a essa teoria englobam ao alto grau ideológico sem possuir efetiva
atuação prática no processo de análise da conduta e da responsabilidade do agente, uma vez que

9
BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro,
31 dez. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1980-1988/L7209.htm#art13 Acesso em: 31
de outubro de 2023.
10
TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 4 ed. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2019, p.274.
a teoria admite responsabilização sem considerar elementos plausíveis e seguros para o direito
penal.

1.1.3.1.3. Teoria da imputação objetiva

A Teoria da imputação objetiva, como parte das teorias da causalidade, mostra-se a mais
importante para o desenvolvimento do tema e para o contexto atual de imputação. Abordando
de forma geral, a Teoria da Imputação Objetiva engloba como limitadores da causa os aspectos
também abordados nas causas da Teoria de equivalência dos antecedentes e na Teoria da
causalidade adequada, isso porque não é possível afastar-se muito da ideia de um resultado
dependente de uma conduta causadora.11

A inovação contida na ideia da imputação objetiva deriva de uma análise crítica, não só
pautada no sine qua non, mas em um elemento subjetivo enquanto fator individual de
responsabilização. A imputação, deste modo, adquire caráter negativo ao considera que não se
trata de uma atribuição e sim restrição de responsabilidade sobre fato típico. “A unificação dos
critérios que fundamentam a responsabilidade – e, portanto, a construção de uma teoria geral
da imputação objetiva – encontra-se dificultada, segundo parte da doutrina, precisamente em
razão do método adotado para sua determinação.”12 A determinação que aqui é abordada, refere-
se ao método indutivo de um dos principais autores da Imputação Objetiva moderna, Claus
Roxin. O método indutivo da atribuição da teoria, desse modo, reforça a posição negativa ao
analisar as condições necessárias do caso concreto para que seja excluída a imputação objetiva.

Compreende-se, então, sob a luz da imputação objetiva além do nexo físico, que condiz
a relação de causa e efeito e o nexo normativo que condiz com os critérios subjetivos de
verificação de dolo ou culpa, também conhecido como “nexo da imputação”. O Nexo causal
normativo será imprescindível para compreender a base geral da Teoria da Imputação objetiva,
pois nele se apreende a análise da criação de um risco, proibido ou permitido, como base da
conduta criminosa13. Dessa forma, parte-se dos critérios para objeção da imputação objetiva,

11
IBIDEM. TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 4 ed. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2019
12
PRADO, Luis Regis. Curso de direito penal brasileiro. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
13
Em sua obra, Paulo de Tarso Sanseverino diz a respeito do nexo de imputação: “O nexo de imputação é o vínculo
que se estabelece entre determinado fato e sua atribuição a certa pessoa, podendo a imputação ser delitual (culpa
lato sensu) ou objetiva (risco)” (SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Princípio da reparação integral. São
Paulo: Saraiva, 2010, p.152).
além da análise material dos fatos, a relação entre risco e resultado, de forma a traçar, também,
o perfil analítico do risco criado, se permitido ou negativo. Assim, outros critérios mais
específicos para o desenvolvimento dessa teoria sobre a luz do pensamento de cada autor tomam
rumos diferentes à medida que concordam ou discordam sobre tais influências do risco e quais
suas características adequadas para a análise negativa à incidência de imputação objetiva.

1.1.4. Tipicidade

O último tópico a ser abordado no fato típico é a sua tipicidade. A tipicidade, por sua
vez, refere-se a reunião de todos os fatos analisados para a determinação de fato típico, portanto,
criminoso ou não.14

É fato que, assim como toda teoria incidente no campo da ciência jurídica, a tipicidade
admite diversos pensamentos em relação à sua função e sua diferenciação quanto à
antijuridicidade e culpabilidade, desse modo, há de se considerar o caso que mais servirá como
fundamento à teoria moderna da imputação aqui discorrida. Assim, o pensamento de Max Ernst
Mayer15, engloba a tipicidade como parte de um tipo indiciador a ilicitude do fato, trazendo ele
sobre a ideia de ratio cognoscendi, a ideia de relação direta entre ilicitude normativa e ilicitude
de fato, isso pois quando se é de fato comprovada ou excluída a ilicitude do fato na esfera da
antijuridicidade, o fato típico, assim classificado, permanece assim existente, uma vez que
refere-se à uma proposição do fato ilegal, baseando se nas analises de conduta, causa e normas.

1.2. CULPABILIDADE

A culpabilidade deve-se atribuir a um critério de juízo de reprovação sobre a conduta do


agente, isso pois ela é considerada uma mensuração do grau de culpa que o agente tem sobre
sua conduta delituosa. “Refere-se ao 'grau de culpabilidade' e não à culpabilidade. Assim, todos

14
“É típico o fato que se enquadra perfeitamente na descrição legal de um crime; é a reunião de todos os elementos
de um crime. É a concretização daquele fato abstratamente descrito como criminoso pela lei.” (Tipicidade.
Conselho Nacional do Ministério Público, 2015. Disponível em:
https://www.cnmp.mp.br/portal/institucional/476-glossario/7764-
tipicidade#:~:text=%C3%89%20t%C3%ADpico%20o%20fato%20que,descrito%20como%20criminoso%20pela
%20lei. Acesso em: 31 de outubro de 2023.
15
MAYER, Max E. Parte Geral do Direito Penal, 1915.
os culpáveis serão punidos, mas aqueles que tiverem um grau maior de culpabilidade receberão,
por justiça, uma sanção mais severa.”16

Ao que se incide na esfera da culpabilidade, tem-se a análise acentuada na relação entre


agente e conduta, uma vez que se deve considerar aspectos contextuais e subjetivos da situação
e do agente, respectivamente. O trecho do acordão a seguir esclarece a influência da
culpabilidade no meio jurídico, atualmente:

"No tocante à culpabilidade, a MM. Juíza agiu com acerto ao considerar que
os limites do tipo penal do roubo foram ultrapassados pelas lesões contusas
sofridas pela vítima e detalhadas pelo Laudo de Exame de Corpo Delito, as
quais resultaram em debilidade permanente em grau mínimo das funções
mastigatórias e fonética, além de dano estético, passíveis de correção cirúrgica
[...].”17
Há de se considerar, desse modo, que assim como as outras teorias do fato típico, a
culpabilidade possui evidente sua teoria da normatividade pura, desenvolvida por Hans
Welzel18, uma teoria que fundamenta o juízo de culpabilidade a condições de possibilidades e
de consciência livre.

1.2.1. Teoria Normativa Pura

A Teoria Normativa Pura, como previamente abordada, traz o juízo de culpabilidade


para as configurações da realidade individual da imputação, isso pois considera a
imputabilidade como um critério individual relativo a cada caso e a cada agente. Vale-se
ressaltar que apesar de ser um avanço a consideração individual, a teoria normativa ainda
admite muitas críticas referentes às análises padronizadas de consciência e exigibilidade.

Assim, para melhor compreender a relevância da Teoria Normativa Pura para um


contexto de imputação objetiva, considera-se os três requisitos de observação para aplicar a
culpabilidade ao sujeito.

16
CAPEZ, Fernando; PRADO, Stela. Código Penal Comentado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 141.
17
BRASIL. Terceira Turma Criminal. Acórdão nº 808727/2014. Supremo Tribunal de Justiça. Relator: Ministro
Jesuino Rissato. Sessão: 31/07/2014. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 de julho de 2014.
18
Welzel desenvolve sua teoria em sua obra original “Studien zum System des Strafrechts”
(Welzel, Hans. "Studien zum System des Strafrechts." Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschaft, vol. 58,
no. Jahresband, 1939.) Essas ideias também são expressas na obra traduzida por Luiz Regis Prado ( Welzel, Hans.
O novo sistema jurídico-penal: uma introdução à doutrina da ação finalista. Tradução, prefácio e notas: Luiz
Regis Prado. 4. ed., rev., atual. e ampl.. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015.)
“Vemos na culpabilidade, como critérios legais de reprovação do injusto ao
seu autor, dois núcleos temáticos que constituem árduos problemas jurídicos:
a possibilidade de compreensão da antijuridicidade e um certo âmbito de
autodeterminação do agente. Dito de outro modo: para reprovar uma conduta
ao seu autor (isto é, para que haja culpabilidade), requer-se que este tenha tido
a possiblidade exigível de compreender a antijuridicidade de sua conduta e
que tenha atuado dentro de um certo âmbito de autodeterminação mais ou
menos amplo, ou seja, que não tenha estado em uma pura escolha” 19.

1.2.1.1. Imputabilidade

A imputabilidade, dentro do âmbito de culpabilidade, refere-se à aplicação de sansão


penal em reflexo ao seu grau de culpa relativo ao delito. A imputabilidade, também é
considerada um critério de análise negativo, visto que seu objetivo é provar a inimputabilidade
do agente por meios concretos dos outros critérios da culpabilidade, como é o caso dos agentes
que possuem total inconsciência sobre seus atos.20

Ademais, nas palavras do jurista Guilherme Nucci, pode-se compreender que a


consciência considerada na análise do delito é um requisito que, se inexistente, pode excluir a
culpabilidade, compreendida também por outras esferas idealistas na teoria do delito como a
responsabilidade do sujeito, podendo também referir-se à inimputabilidade de um sujeito.

“Se o agente não possui aptidão para entender a diferença entre o certo e o
errado, não poderá pautar-se por tal compreensão e terminará, vez ou outra,
praticando um fato típico e antijurídico sem que possa por isso ser censurado,
isto é, sem que possa sofrer juízo de culpabilidade”21
A necessidade da intervenção de um critério que analise a possibilidade de se imputar a
um agente se dá por conta da proteção aos direitos de presunção à inocência e, mesmo, o
princípio da proporcionalidade, uma vez que seria totalmente equivocado a padronização da
imputação baseando-se unicamente ao gênero do caso, como se não fossem diferentes as
situações, o contexto, e a condição do agente em cada conduta criminosa.

A Teoria de Welzel, adepta a teoria finalista da ação, deslocou a investigação de culpa e


dolo para a investigação do tipo penal, cabendo, então, a culpabilidade investigar um juízo de
reprovação à conduta do agente. A imputabilidade, assim, faz se interligada ao potencial de

19
ZAFFARONI, Eugênio; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 607-608.
20
JESUS, Damásio de. Direito Penal: Parte Geral. 32ª Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p.196.
21
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial. 9. ed. rev., atual. e ampl.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p.241-242.
consciência da ilicitude, bem como a exigibilidade de conduta diversa, pois, a determinação da
imputabilidade deve considerar os aspectos subjetivos da ação e do sujeito.

O Brasil expressa a imputabilidade nos artigos 26, 27 e 28 do Código Penal, reconhece,


desse modo, a incapacidade de consciência da própria conduta inimputável, assim como prevê
em: “isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto
ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.”22 É válido compreender
também que, os demais artigos no Código Penal preveem a imputabilidade reduzida,
compreendendo a capacidade relativa do agente, considerando proporcionais as situações que
é claro visualizar um déficit na consciência do autor.

1.2.1.2. Potencial de Consciência da Ilicitude

De modo geral, então, os requisitos de análise da imputação, fica notório que o potencial
de consciência da ilicitude é essencial para atender fatores psicológicos. Assim, o esse potencial
é mensurado conforme a possibilidade de o agente alcançar conhecimento de ilicitude de sua
conduta e a condição do sujeito enquanto desconhecedor do ilícito aos olhos do direito penal.

“Não se trata de uma consciência técnico-jurídica, formal, mas da chamada


consciência profana do injusto, constituída do conhecimento da
antissocialidade, da imoralidade ou da lesividade de sua conduta. E, segundo
os penalistas, essa consciência provém das normas de cultura, dos princípios
morais e éticos, enfim, dos conhecimentos adquiridos na vida em
sociedade.”23

1.2.1.3. Exigibilidade de Conduta Diversa

A exigibilidade da conduta diversa trata-se do aspecto material da conduta, enquanto


suas possibilidades de atingir conduta diferente da ilícita, ou seja, a observação do contexto
como importante para caracterizá-la ilícita. Isso porque o Código Penal admite, em certas

22
BRASIL, op. cit.
23
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 17 ed. rev., ampl. e atual. de acordo
com a Lei n. 12.550, de 2011. – São Paulo: Saraiva, 2012, p.188.
situações, a adoção de certos riscos para que se possam zelar por bem jurídico relevante,
exposto nos artigos 24 e 2524, referentes ao Estado de Perigo ou Legítima Defesa.

É de se considerar que não se pode imputar pena a individuo que age sem poder de
conduta em conformidade a lei em situações de extrema necessidade, igualmente se, por
omissão falta ao dever em estado de perigo ou legítima defesa. Pois é nessa justificação que
está a importância de exigibilidade de outra conduta no âmbito da culpabilidade, a fim de
poupar ao injusto e responsabilidade o sujeito que nada pôde fazer diante de um ato ilícito.

Baseiam-se as críticas, no entanto, na aferição desse critério enquanto valorização de


um padrão médio de conduta exigível. Assim, essa média configura-se a verificação de uma
conduta social incidente na maioria das pessoas. “Todas as influências sociais, culturais,
incluindo econômicas que, de algum modo, limitam o espaço de sua liberdade e as vezes
influenciam diretamente na esfera da exigibilidade que possa relacionar-se a eles”.25

A Culpabilidade em relação à imputação objetiva faz-se compreender a imputação como


um contexto geral e à introdução ao objeto principal dessa teoria, visto que a criação de um
risco avaliada no âmbito da exigibilidade da conduta alternativa refere-se diretamente a
incidência das causas de justificação, compreendendo assim o risco permitido, essencial para a
Teoria da Imputação Objetiva abordada por Claus Roxin. Percebe-se, portanto, que o resultado
depende diretamente da criação expressa de risco juridicamente proibido que reflita um
resultado material típico.26

1.3. ANTIJURIDICIDADE

24
“Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não
provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas
circunstâncias, não era razoável exigir-se.
§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo
§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois
terços.
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta
agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.” (BRASIL, op. cit.)
25
Tradução livre, com base ao trecho original: "todas as infuencias sociales, culturales e incluso econòmicas que
de algún modo acotan su espacio de libertad y a veces influyen directamente en el grado de exigibilidad que pueda
tener respecto de ellos" (MARTÍNEZ, Milton Cairoli. La inexigibilidad de otra conducta. Una aproximación
desde la dogmática. In Direito Penal como crítica da pena: estudos em homenagem a Juarez Tavares por seu 70º
Aniversário em 2 de setembro de 2012. Organizadores: Luís Greco e Antônio Martins, Marcial Pons, 2012, p. 50-
51.)
26
JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal – Parte general. Tradução Miguel
Olmedo Cardenete. 5. ed. Granada: Comares, 2002. p. 258.
A antijuridicidade envolve a configuração de ato enquanto ilícito ou não, com isso, sua
análise envolve a condição de ato que contrarie o direito expresso e que o agente praticante
tivesse poder de agir conforme a norma. Compreende-se que a antijuridicidade é um campo que
influi em todos os outros da Teoria Tripartite, isso porque, não há motivos para se investigar
delito se não há conduta que cause ao menos dúvidas de contrariedade a lei.

É importante, desse modo, proceder a diferença entre o injusto, a ação típica e a


antijuridicidade. A antijuridicidade enquanto formal, condiz com a relação entre conduta
concreta ilícita ao proibido, ou seja, sem consideração as reprovações e proibições jurídica-
sociais, adentrando a esfera do típico. A antijuridicidade material, por sua vez, influi-se na esfera
do injusto, gerando uma contradição entre o ato contrário a ideia social de justiça.27

Importante compreender, pois, a relação da antijuridicidade aos riscos criados na análise


da Teoria da Imputação Objetiva, referindo-se ao ilícito justificado, no caso dos riscos
permitidos e ao ilícito proibido no caso do risco proibido.

2. IMPUTAÇÃO OBJETIVA

Após compreensão breve do tema e de conceitos que se mostram essenciais para a


estruturação dessa Teoria, bem como o conhecimento prévio do tema a fim de estimular análise
crítica aos principais autores da Teoria da Imputação Objetiva, é evidente que o retrocesso aos
autores iniciais do tema é, de mesma forma, importante. A contextualização de um precedente
histórico reforça que, como qualquer outra Teoria desenvolvida no plano das ciências jurídicas,
a evolução de ideias, como parte do ramo dogmático, mostra-se natural e indispensável para a
evolução de ideais em teorias modernas e adaptadas ao contexto social da realidade em que se
atua.

“Quase todas as teorias do delito até hoje construídas são


sistemas de elementos, isto é, elas dissecam o
comportamento delitivo em um número de diferentes
elementos (objetivos, subjetivos, normativos, descritivos
etc.), que são posicionados nos diversos estratos da
construção do crime, constituindo algo como um mosaico do
quadro legislativo do fato punível. Esta forma de proceder
acaba levando a que se voltem grandes esforços à questão

27
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. Vol 1. 15 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p.296-
297.
sobre que posicionamento no sistema do delito deve ocupar
esta ou aquela elementar do crime; pode-se descrever a
história da teoria do delito nas últimas décadas como uma
migração de elementares dos delitos entre diferentes andares
do sistema.”28

2.1. CONTEXTO HISTÓRICO

O desenvolvimento da imputação objetiva deu-se em um contexto geral do


desenvolvimento das Teorias do Delito, a imputação parte do delito como uma causa
impreterível do Tipo. Dessa forma, Hans Welzel, percursor da teoria finalista da ação,
apresentou a ideia de distanciar o dolo e a culpa da esfera de culpabilidade, para ser analisada
perante ao ato típico. A Teoria Finalista da ação estruturou todo um debate acerca da conduta
delituosa, visto que deu ênfase para a investigação da finalidade da ação, baseando-a na
consciência do agente para compreensão acerca do ato, provido de juízos de valor.

“A ação humana é exercício de atividade final. A ação é, portanto, um acontecimento


“final” e não somente “causal”. A ‘finalidade’ ou o caráter final da ação se baseia em que o
homem, graças ao seu saber causal, possa prever, dentro de certos limites, a consequências
possíveis de sua conduta, atribuindo, portanto, fins diversos e dirigir sua atividade conforme
um plano, à consequência de suas multas. Graças ao saber causal prévio pode dirigir seus
diversos atos de modo que oriente o suceder causal externo a um fim e o domine finalmente.
Atividade final é uma atividade dirigida conscientemente em função de um fim, mas é a
consequência da constelação de necessidades existente em cada momento. A finalidade é, por
isso, dita em forma gráfica, vidente e a causalidade cega.”29

Sobre influencia da Teoria Finalista da ação, surge então a teoria de equivalência dos
antecedentes e o método de eliminação hipotética por Tyren, já brevemente mencionado, essa
teoria baseou-se na Teoria Finalista da ação ao considerar as novas disposições fundamentais

28
GRECO, Rogério. Curso de direito penal parte geral. 13ª ed. Niterói: Impetus, 2011 apud ROXIN, Claus.
Política criminal e sistema jurídico-penal, p. 85-86.
29
Tradução livre, fundamentada no trecho original: “La acción humana es ejercicio de actividad final. La acción
es, por tanto, um acontecer ‘final’ y no solamente ‘causal’. La ‘finalidad’, o el carácter final de la acción, se basa
em que el hombre, gracias a su saber causal, pude prever, dentro de ciertos limites, las consecuencias posibles de
su conducta, assignares, por tanto, fines diversos y dirigir sua atividade, conforme a um plan, a la consecución de
estos fines. Gracias a su saber causal prévio puede dirigir sus deversos actos de modo que oridente el suceder
causal externos a un fin y lo domine finalmente. Actividad final es una atividad dirigida conscientemente en
función del fin, sino que es la resultante causa de la constelación de cusas existente en cada momento. La finalidade
es, por ello – dicho em forma gráfica – ‘vidente’, la causalidade ‘ciega’.” (WELZEL, Hans. El Nuevo Sistema
del Derecho Penal. Uma introducción a la doctrina de la acción finalista. Barcelona: Ariel. 1964. P. 25)
da teoria tripartite sugerida por Welzel, focando no nexo causal como imprescindível para a
vinculação da culpa ao resultado. Esse método bastou-se de uma aplicação dos métodos das
ciências exatas para se obter lógica concreta mediante método da eliminação hipotética, ou seja,
ao se excluir a provável causa e, consequentemente, desaparecer resultado, tem-se a causa
delituosa passível de imputação de culpa ao agente causador.

“O trabalho dogmático permanece ainda em seus inícios. Pois a tradicional


redução do tipo a uma causalidade, compreendida esta no sentido da teoria da
equivalência dos antecedentes, criou em primeiro lugar uma esfera de
responsabilidade sem fronteiras, que mesmo através de elementos como a
previsibilidade ou a evitabilidade ainda não foram limitadas de modo aceitável
do ponto de vista do Estado de Direito.”30
A crítica sobre essa teoria e o método de eliminação hipotético consideravam que a
consideração única do nexo causal para direcionar a imputação não corresponde a uma
adaptação válida para o direito penal, uma vez que a causa deve estar associada a vários aspectos
do agente e da conduta não só material, condições essenciais para qualificar, de fato, a
imputação do agente.

A vista das críticas direcionadas a teoria de equivalência dos antecedentes e o método


proposto por Tyren, surge a Teoria da Imputação Objetiva. O que era expresso nessa nova
proposição era o abandono de análise do nexo causal sobre aspecto meramente material,
engloba-se, aqui, portanto, a análise ao campo jurídico da relação norma e resultado. 31

É importante ressaltar que, apesar de debate recente, filósofos da antiguidade tais quais
Platão e Aristóteles demostraram, em suas obras, um vasto desenvolvimento sobre a imputação
enquanto consequência da vontade humana. Samuel Pufendorf, também teve notória
participação no desenvolvimento da teoria com suas concepções de imputação sobre a luz de
ideias da liberdade da ação enquanto vontade e consciência.32

Georg Hegel, trouxe para a teoria da imputação objetiva um importante aspecto


referente a responsabilidade e ao injusto da objetividade jurídica.

“a decisão jurídica de responsabilidade não pode limitar-se ao que se


considera conforme à sua razão própria, à apreciação subjetiva do justo
e injusto, do bem e do mal ou às exigências que se levantam para

30
ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Trad. bras. de Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar,
2000, p. 45
31
JESUS, Damásio. Imputação Objetiva. São Paulo: Saraiva, 2007, p.33.
32
PRADO, Luiz Régis e CARVALHO, Erika Mendes de, in Teorias da Imputação Objetiva do Resultado, São
Paulo, Ed. RT, 2002, p. 18. e MORALES, Diego Medina, Derecho y Libertad. La teoria de la imputabilidad em
Aristóteles. Cuadernos de Política Criminal, n. 55, p. 134. e WELZEL, Hans, La dottrina giusnaturalistica di
Samuel Pufendorf. Um contribut alla storia delle idee dei secoli XVII e XVIII, p. 119
satisfazer a sua opinião. No terreno da objetividade, o direito de
apreciação tanto vale para o lícito como para o ilícito, tais como se apresentam
no direito em vigor, e reduz-se ao sentido mais estreito da palavra:
conhecimento como fato de ser informado acerca do que é lícito e, por
conseguinte, obrigatório.”33
E para prosseguir-se para o desenrolar da Teoria da Imputação Objetiva ao que se tange
aspectos modernos, deve-se ressaltar os juristas Karl Larenz1 e Richard Honig respectivamente
responsáveis por propor critério de análise da consciência por intermédio da previsibilidade das
causas de um “homem médio” e da ideia de investigação do resultado como critério de
possibilidade na atuação ou não omissão do sujeito perante a norma jurídica. 34

Observa-se que as ideias de Karl Larenz produziram um efeito de remissão da finalidade


da ação e passa-se a valorizar a objetividade da ação enquanto relativos a conceito de pessoa
normativa, não mais natural.35

A ideia de Honig identifica não só mera análise de conduta, mas demostra a importância
de se atender a vontade e a possibilidade de ser capaz de compreender os efeitos jurídicos,
morais e sociais enquanto orientadora dos fins, que requer, de fato, compreender uma conduta
enquanto capacitada de imputação, isso pois, abandona-se aqui a causalidade como exclusiva
do ato imputável.

“(...) uma vez que o homem seja capaz de prever os efeitos de uma conduta
determinada, e uma vez que seja capaz, ademais, de produzir esses efeitos
mediante a conduta correspondente, ou de evitá-los mediante a conduta
contraposta, nessa medida alcançará a possibilidade de sua autoria (...)
enquanto ele seja “não apenas o primeiro desenrolar de uma cadeia de causas
e efeitos, senão seu princípio configurador”. Mas, precisamente por isso sua
conduta pode ser vista como manifestação de sua vontade, orientada a fins –
considerada também objetivamente, quer dizer, sem ter em conta aquilo que
ele queria de fato –. E dado que precisamente o intervir em todos os processos
da natureza conforme a um fim configura a essência da conduta humana, o
estar objetivamente movido por um fim é o critério para a imputação de um
resultado e, com isso, também para delimitá-lo do acontecer casual. Conforme
a isso, é imputável aquele resultado que pode ser concebido como proposto
como fim.”36

33
HEGEL, Georg. Princípios da Filosofia do Direito. Tradução: Orlando Vitorino. 1 ed. São Paulo: Martins Fontes,
1997, p.117.
34
GRECO, Luís. Imputação objetiva: uma introdução. In: Roxin, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no
direito penal. 3. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.16.
35
LARENZ, Karl. Hegels… cit. apud Greco, Luís. Introdução In: Roxin, Claus. Funcionalismo... p. 18.
36
HONIG, Richard. Causalidad e imputación objectiva. Trad. Marcelo A. Sancinetti In: Sancinetti, Marcelo A.
(comp.) Causalidad, riesgo e imputación. 100 años de contribuciones críticas sobre imputación objetiva y
subjetiva. Buenos Aires: Hammurabi, 2009, p. 115-116.
2.2. FUNCIONALISMO

Como previamente discutido a Teoria da equivalência dos antecedentes deu-se sobre um


viés de investigar a ação referindo se a sua finalidade no contexto social. Visto isso, é possível
compreender que a teoria moderna se diferencia da anteriormente criada justamente por sua
fundamentação não mais na teoria finalista da ação, mas agora sobre um olhar funcionalista.
Isso requer dizer que o sistema penal deve ser embasado por aspectos mais complexos que
refletem a relação de subjetividade e normatividade.37

“São retomados, portanto, todos os avanços imorredouros do neokantismo: a


construção teleológica de conceitos, a materialização das categorias do delito,
[...]. Os conceitos são submetidos à funcionalização, isto é, exige-se deles que
sejam capazes de desempenhar um papel acertado no sistema, alcançando
consequências justas e adequadas.” 38
O funcionalismo apresenta, dentro de sua esfera, diversas vertentes, dentre elas o
Funcionalismo Teleológico-Racional desenvolvida por Roxin e o Funcionalismo sistêmico,
desenvolvido por Jakobs sobre influência das ideias de Luhmann.

O Funcionalismo Teleológico-Racional defendido por Roxin inicia uma abordagem a


respeito da análise do delito quanto aos seus fins político-normativos, em outras palavras, Roxin
admite relação com as finalidades preventivas da pena, referindo-se também a um contexto de
responsabilização. Nas palavras de Luís Greco, a relação de responsabilidade e fins preventivos
da pena, na visão de Roxin “depende de dois dados, que devem adicionar-se ao injusto: a
culpabilidade do autor, e a necessidade preventiva de intervenção penal, que se extrai da lei.”39

O Funcionalismo Sistêmico defendido por Jakobs prioriza o entendimento do sistema


jurídico penal atrelado ao sistema social, baseando-se em suas concepções da Teoria dos
Sistemas de Luhmann40. Jakobs defende que o direito penal deve ser analisado sobre a luz das
comunicações das normas que preenchem uma função de garantir as expectativas geradas pelas
normas na sociedade, entendendo, desse modo, que o sistema jurídico está diretamente atrelado

37
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. Vol 1. 7. Ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2007, p.121.
38
GRECO, Luís. Introdução à dogmática funcionalista do delito – Em comemoração aos trinta anos de “Política
criminal e sistema jurídico-penal” de Roxin. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 8, n. 32, p.
211-283, out./dez. 2000, p.229.
39
IBIDEM, p.265.
40
O funcionalismo sistêmico defendido por Jakobs fundamenta-se nas obras de Luhmann a respeito dos sistemas
sociais (LUHMANN, Nicklas. Introdução à teoria dos sistemas. Petrópolis: Vozes, 2009.)
as esferas sociais. Assim, a visão de Jakobs reflete sobre o papel do direito penal de maneira
funcional, considerando as relações normativas de maneira complexada aos contextos sociais. 41

3. A VISÃO MODERNA DA TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA POR ROXIN E


JAKOBS

A imputação objetiva, antecedida por desenvolvimento dos pensamentos descritos


acima, iluminou a Teoria da Imputação Objetiva uma vez que, a luz dos juristas Claus Roxin e
Gunther Jakobs possibilitou a arguição da teoria da imputação por viés funcionalista,
valorizando a ideia da criação de um risco, associada a consciência e responsabilidade do
agente.42

A partir disso, cabe-se aprofundar as Teorias diante o olhar dos dois autores, a fim de
compreender suas diferenças de pensamento e de que forma contribui tais pensamentos e obras
para a atualidade.

3.1. TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA PARA CLAUS ROXIN

3.1.1. Teoria Bipartite

A teoria bipartite é aqui analisada por ser uma corrente adotada pelo funcionalismo
teleológico racional de Claus Roxin, diferenciando-se da teoria tripartite ao adotar associada a
teoria do delito o ato típico e a ilicitude, subordinando a culpabilidade como um juízo de valor
direcionado aos fins da pena.

“Culpabilidade é a reprovação da ordem jurídica em face de estar ligado o


homem a um fato típico e antijurídico. Reprovabilidade que vem recair sobre
o agente, ensinava Aníbal Bruno, porque a ele cumpria conformar a sua
conduta com o mandamento do ordenamento jurídico, porque tinha a
possibilidade de fazê-lo e não o fez, revelando no fato de não o ter feito uma
vontade contraria aquela obrigação, no comportamento se exprime uma
contradição entre a vontade do sujeito e a vontade da norma. Portanto a

41
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 8. Ed, v.1. São Paulo: Saraiva, 2003,
p.134.
42
PRADO, Luiz Régis e CARVALHO, Erika Mendes de, in Teorias da Imputação Objetiva do Resultado, São
Paulo, Ed. RT, 2002, p. 64.
culpabilidade não é requisito do crime, funcionando como condição de
imposição da pena.”43
Diferencia-se então, o injusto como critério de responsabilização do agente, tal
responsabilidade perante o delito direciona-se aos fins de prevenção positivo da pena.

3.1.2. Acerca do Risco Proibido

A análise enquanto um risco não permitido possui principal importância na visão do


autor perante a imputação, isso pois, o risco, seja ele permitido ou proibido, é inicialmente o
fator primordial para análise de conduta juridicamente proibida e um caminho para a imputação
do agente44. Compreende-se que para se obter um resultado ilícito e juridicamente proibido,
deve-se preceder um risco não permitido, ou seja, não amparado por causas de justificação. A
compreensão desse risco, deu lugar para o afastamento da visão única e exclusiva do nexo
causal ao criador do ilícito já que, nem sempre pode ser atribuído a causa de uma situação para
o resultado desta. Explica Roxin, em suas próprias palavras que não se pode culpar agente que,
sem previsão de resultado e atuando de forma lícita, causa indiretamente o resultado:

“Instigar alguém a uma viagem à Flórida, ainda que, em seu aspecto objetivo,
constitua a causa de uma morte, e, subjetivamente, tenha por finalidade a
morte da vítima, não pode sequer objetivamente constituir uma ação de
homicídio, porque tal conduta não criou um perigo de morte juridicamente
relevante e não elevou de modo mensurável o risco geral de vida.”45
Para isso, o autor explicita o fundamento no princípio de confiança para se atribuir ao
risco não permitido, nas palavras de Jesus, entende-se que as pessoas, dentro de uma sociedade,
agem conforme uma expectativa e responsabilidade social, no sentido de evitar danos aos
terceiros46

Essa ideia associa-se ao entendimento que a posição de expectativa normativa da


população faz com que os indivíduos esperem, de mesmo modo, uma ação recíproca dos outros
cidadãos enquanto submetidos as normas. Daí surge uma nova classificação de risco permitido,

43
JESUS, Damásio. Direito penal: parte geral, ed 36. São Paulo Saraiva. 2015, p.197.
44
ROXIN, Claus. Estudos de direito penal. Trad. de Luís Greco. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 102-
103.
45
IBIDEM, p.104.
46
JESUS, Damásio E. de. Imputação objetiva. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 46.
uma vez que, para Roxin, não se pode punir um indivíduo que, por sua consciência, admite
estar atuando licitamente.47

3.1.3. Resultado X Criação do Risco Proibido

Nesse critério de avaliação da conduta imputável, demostra-se essencial a análise não


somente do risco proibido, ou seja, analisando negativamente a classificação do risco criado
enquanto não permitido. Desse modo, preenche como critério a observância do risco enquanto
causador do resultado naturalístico, isto é, o próprio risco proibido responsável pelos resultados
ilícitos. A imputação, portanto, está estritamente relacionada com a consumação de um
resultado perante um risco proibido.48

3.1.4. Resultado do Fato X Alcance do Tipo Penal

Para finalizar o entendimento dos processos de imputação objetiva para Roxin, por fim,
compreende-se que o resultado atribuído ao risco proibido deve, por sua vez, está configurado
ao tipo penal, relacionado ao âmbito de proteção da norma. Em outras palavras, deve-se
compreender como dentro do tipo penal os riscos que as normas explicitamente expressam
quanto ao atendimento de um delito. Para explicação do alcance do tipo, Roxin cita um exemplo
a respeito da impossibilidade de responsabilização de ciclista que cria risco proibido ao não
acionar a lanterna e ocorre acidente com o segundo ciclista também condicionante a este risco.49
Percebe-se que, por mais que a conduta do primeiro ciclista poderia ter impedido o acidente, é
incondicionada o seu risco criado ao resultado , uma vez que o uso da lanterna faz se uma
questão de segurança individual e deve ser considerado que o segundo ciclista pôs se em risco
ao pedalar sem a devida cautela de si mesmo e assumindo os riscos tanto de si, quanto do outro
ciclista ao ter a consciência que este também provocava um risco.

“De todos os grupos de casos de falta de realização do risco não permitido,


como também se formula, a falta de ‘nexo de risco’ pode até dizer que o fim
da proteção da norma não abarca a forma específica de produção do resultado
(...) Só tenha consciência de que na realização do risco não permitido se trata

47
IBIDEM.
48
ROXIN, op.cit., p.375.
49
IBIDEM, p.377
sempre do fim da proteção da norma de cuidado limitadora do risco permitido
(...) e não há fim de proteção do tipo penal. Em troca, os casos propriamente
ditos de exclusão de imputação por parte do fundo de proteção do tipo são
aqueles em que a norma típica não abarca de antemão determinadas condutas
e consequências. Esses supostos são discutidos aqui a partir da perspectiva do
alcance do tipo”50

3.1.5. Conclusão acerca dos pensamentos do autor

Observa-se, então, sobre luz dos pensamentos de Roxin que a imputação deve ocorrer
de forma objetiva acerca de um fator imprescindível para a análise, a condição do risco. O risco,
como objeto principal está fundamentado na incidência de valores normativos, permitidos ou
não, imputáveis ou não, enquanto precedente de resultado ilícito. Isso significa dizer que o autor
substitui o foco à conduta do agente ao risco, entendendo como risco uma periculosidade
possível causadora de resultado delituoso. Assim, explicita-se que cabe a responsabilização de
agente sobre consequência de imputação a existência de um risco não permitido baseando se na
sua conexão ao resultado naturalístico e ao âmbito de proteção à norma.

“Neste sentido, é possível a adoção do pensamento de CLAUS ROXIN, ao


afirmar que a imputação objetiva vai além da atribuição do resultado
naturalístico à conduta, buscando estabelecer os requisitos para unir o
resultado jurídico (lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico) ao
comportamento do agente, com a aferição da violação do interesse tutelado
pela norma penal, o que pode ser aplicado tanto nos crimes materiais (com
resultado naturalístico), como nos formais e de mera conduta, os quais,
embora dispensem o resultado físico, possuem resultado normativo.”51
Importante salientar que, mesmo com a existência de um risco “apesar de serem causa
do resultado em sua forma concreta e de estarem abrangidas pela consciência do sujeito” 52 e
deve ser analisado de forma a compreender a conduta responsável ou não do delito, já que não
necessariamente o risco proibido criado impulsionou o resultado ou, nem sempre o risco
proibido atende a relevância necessária para se condicionar ao tipo penal. Assim, é visível que
também devem ser levados em consideração o aumento ou a diminuição de um risco, bem como
o desvio do nexo causal e por fim o contexto com relação ao risco em questão. Essas ideias

50
Grifo do autor (IBIDEM, p.378.)
51
SALGE, Cláudia Aparecida. A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E O NEXO DE CAUSALIDADE
NO DIREITO PENAL. Uberaba: Revista Jurídica UNIJUS, Universidade de Uberaba, Ministério Público do
Estado de Minas Gerais, p.35-48. Vol. 1, N.1, 1998, p.42.
52
ROXIN, op. cit., p.109.
buscam compreender o risco como causador do injusto e válido de responsabilização, aqui
substituído pelo juízo de culpabilidade.53

3.2. TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA PARA GÜNTHER JAKOBS

Em segunda parte, saindo de Roxin e entrando em Jakobs, esse irá tratar de um


funcionalismo, como citado anteriormente, sistêmico. Assim sendo, o funcionalismo sistêmico
é uma vertente do funcionalismo, tal qual o teleológico, nesse, porém Jakobs acredita na divisão
da sociedade como sistemas. Apesar da negativa do autor, que acredita que seu trabalho se
aproxima mais de Hegel, é evidente a forte influência da Teoria dos Sistemas de Luhmann, onde
a sociedade é dividida, também em sistemas, sendo cada um desses fechado e baseado em sua
própria função e código, sendo o Direito um sistema. Isso não significa, porém, que fossem
sistemas isolados, ou seja, não quer dizer que o Direito vai ser ditado pelo que acontece em seu
entorno, mas que com as estatísticas e dados dele vai poder criar suas regras para gerir seu
sistema. Essa forte influência de Luhmann também pode ser vista no princípio da confiança
estabelecido por Jakobs, já que, segundo o princípio de confiança pode se esperar que cada um
aja de acordo com seu papel social e na teoria de Luhmann cada sistema possui sua função e
espera-se que ajam de acordo com elas.54

Dessa forma, seguiremos explicando os pilares basais da teoria da imputação objetiva de


Jakobs, podendo observar com mais clareza as influências de Luhmann e o afastamento de
Welzel, de quem Jakobs foi discípulo.

3.2.1. Risco Permitido

Para Jakobs, o ser humano que vive em sociedade está constantemente exposto ao risco,
mesmo que de forma não intencional, como não é plausível esperar que cada pessoa se isole e
a vida em sociedade deixe de existir há a concepção do risco permitido. Dessa forma, o risco

53
IBIDEM, p.113-114.
54
IBIDEM: CALLEGARI, André Luís; LINHARES, Raul Marques. Aproximações entre Niklas Luhamnn e
Günther Jakobs: A Teoria dos Sistemas Sociais como base do Funcionalismo Penal de Jakobs. Revista de Estudos
Criminais 83, outubro/dezembro 2021.
permitido vai tratar de comportamentos sociais que, apesar de causarem certo nível de risco,
devem ser permitidos pois não podem ser evitados. Segundo o autor, a única função do direito
acerca do risco positivo é positivar aquilo que é socialmente aceito, só podendo ser considerado
risco permitido se aquele que pode ser prejudicado concordar com os critérios de
fundamentação pelos quais esse risco é aceito.55

Um dos meios utilizados para o cálculo do risco permitido é o balanceamento de custos


e benefícios, ou seja, indaga-se quais podem ser os custos de manter um risco como permitido
ou não e quais seus benefícios. Entretanto, Jakobs discorda desse critério de classificação ao
dizer que falta um critério válido de valoração para dar validez ao mesmo, uma forma que
permita identificar quais dos bens jurídicos em disputa é o mais valoroso e deve ser priorizado.56

Diretamente oposto ao risco permitido está o cuidado devido, isso significa dizer que,
apesar de alguns riscos serem autorizados, alguns cuidados também são necessários e exigidos
para a diminuição do próprio risco. Nesse sentido, tudo aquilo que o direito proíbe é,
inegavelmente, um risco não permitido que pode ser executado por dolo ou culpa, porém, não
basta agir de acordo com as regras negativas, é necessário entender que as regras positivas
também possuem limites. Isso é, mesmo que exista uma norma tornando determinado
comportamento lícito é necessária a observância do devido cuidado para não tornar esse mesmo
comportamento danoso, avaliando se a condição apresentada é ideal ou não.

3.2.2. Princípio da confiança

Acerca do princípio da confiança, esse foi primeiramente desenvolvido no âmbito de


direito voltado ao tráfego de carros e contava com três pilares principais, sendo eles, o dever de
contar com a conduta irresponsável de terceiros, a previsibilidade baseada na experiência geral
e as exigências e necessidades relativas à vida cotidiana e ao tráfego. Com o tempo, esse
princípio foi passado para outras áreas do direito e deixou-se de adotar a obrigação de contar

55
JAKOBS, Günter. La imputación objetiva em el derecho penal. Ad-Hoc: Argentina, 1996, p.43-44
56
IBIDEM. JAKOBS, Günter. La imputación objetiva em el derecho penal. Ad-Hoc: Argentina, 1996, p. 46
com a conduta irresponsável de terceiros, aceitando, então, que é esperado que todos ajam de
maneira prudente e ninguém pode ser responsabilizado pelo erro de terceiro.57

A partir disso, foi Jakobs quem elevou o princípio de confiança a pilar fundamental da
teoria da imputação, já em uma visão dogmática contemporânea. Nesse ponto, o princípio da
confiança se relaciona diretamente com papéis dentro da sociedade, assim, quando o sujeito vai
realizar uma atividade geradora de risco, mesmo que permitido, ele deve levar em consideração
o comportamento de todos que possam intervir nessa ação, podendo contar com a conduta
cuidadosa desses, orientando-se pelo papel de cada um na sociedade.58

A existência do princípio de confiança emana do próprio risco permitido já que, ao se


delimitar normas que ditam o proibido e o permitido, é possível confiar que o sujeito não vá se
desviar dessas normas. Dessa forma, aquele que age dentro do correto não precisa se preocupar
com as condutas de terceiros, podendo acreditar em sua incolumidade de acordo com o papel
de cada um.59

3.2.3. Acerca da proibição do regresso

A proibição de regresso se relaciona diretamente com a execução do ato, o delito


configura tudo aquilo que acontece no momento da ação, qualquer coisa antes disso é pré
delituosa e qualquer coisa após é pós delituosa. Nesse viés, a proibição de regresso estuda quais
elementos acessórios ao ato podem ser igualmente imputados de responsabilidade, admitindo
alguns panoramas principais, sendo dois deles livres de responsabilidade e dois em que ela é
presente, pela visão de Jakobs.60

Primeiro, um caso em que um terceiro supostamente envolvido nada tem a ver com a
ação delituosa, no exemplo usado pelo próprio Jakobs, se uma mulher diz a seu marido que,
caso ele se separe dela, irá lesar patrimônio de terceiro, se ela de fato cumprir a ameaça o marido
em nada pode ser considerado responsável. Em segundo, quando duas pessoas estão conectadas,
porém, apenas por uma prestação, sem qualquer tipo de risco especial; assim, se uma das partes

57
SCHMITT JÚNIOR, Leoberto Simão; SILVA, Pablo Rodrigo Alflen da. Princípio da confiança como
critério excludente de imputação objetiva no direito penal e seu emprego na jurisprudência do superior
tribunal de justiça. Revista CEJ, Brasília, 2021, p. 11.
58
JAKOBS, Günter. La imputación objetiva em el derecho penal. Ad-Hoc: Argentina, 1996, p. 53 - 57
59
IBIDEM. JAKOBS, Günter. La imputación objetiva em el derecho penal. Ad-Hoc: Argentina, 1996.
60
JAKOBS, Günter. La imputación objetiva em el derecho penal. Ad-Hoc: Argentina, 1996
usar desse benefício para cometer ato ilícito a segunda pessoa não pode alegar desconexão total
do autor, mas essa conexão não é, necessariamente delituosa. Em ambos os casos, mesmo que
segundo não participante possuísse conhecimento de futuro ato ilícito, não lhe cabe
responsabilidade de impedir tal ato.

Em terceiro lugar, estão as prestações com algum grau de perigo, nesses casos não se
pode afastar da pessoa que executou a prestação qualquer efeito delituoso que essa venha a ter
pois assumiu risco abstrato. Por último, o segundo caso apresentado em que há responsabilidade
vai falar de casos onde há indução ou cumplicidade no ato delituoso, são ações propriamente
desenhadas para ajudar no ato, poderiam não ser consideradas ilícitas de acordo com o
conhecimento e intenção do autor, entretanto, nesse ponto, se encontram como não aceitáveis
pela sociedade, é o caso, por exemplo de um motorista de fuga, se fosse apenas um taxista
aceitando uma corrida, coincidentemente no momento da fuga, não seria imputada a ele
nenhuma responsabilidade, considerando que não possuía conhecimento do ato ilícito anterior;
mas, como é um motorista especificamente esperando o autor para ajuda-lo, possuía
conhecimento e intenção, a esse pode ser imputada responsabilidade pelo delito. 61

Em suma, a proibição de regresso vai tratar da participação indireta de terceiros no ato


delituoso, partindo de qual é a responsabilidade daquele que poderia ter evitado o delito, se
tivesse vontade de fazê-lo, porém o fato não o ter, não significa que infringiu seu papel e
responsabilidades legais, uma omissão que não é delituosa por si só. Entretanto, a proibição e
regresso não exclui a comissão por omissão, ou seja, não anula dever de prestar ajuda em caso
de necessidade extrema, apenas estabelece parâmetros para o que se pode considerar
responsabilidade do sujeito. Além disso, chegando a tratar das situações de em que há
responsabilidade, não por meio do próprio delito, mas que tampouco pode ser excluído o dolo.

3.2.4. Capacidade e consentimento da vítima

Ao se referir a competência da vítima Jakobs se refere a atos lesivos que ocorrem por
culpa da própria vítima, ao se colocar em situação de perigo, ou quando o ato é mera ocorrência
do acaso. A situação de desgraça é considerada quando, apesar de lesar terceiro, o autor não
poderia agir de outra forma, o dano foi inevitável e não deve ser imputado ao autor. Enquanto

61
IBIDEM. JAKOBS, Günter. La imputación objetiva em el derecho penal. Ad-Hoc: Argentina, 1996
isso, a exposição da vítima ao perigo é interpretada como uma “lesividade do dever de
autocuidado”, a própria vítima da causa a consequência lesiva.62

No que tange ao consentimento, aceita-se que aquele que se colocou em situação de


risco deliberadamente, sabendo das prováveis consequências, deu consentimento para tal. Por
exemplo, aquele que participa de uma luta competitiva não pode posteriormente processar seu
oponente por qualquer tipo de lesão física, pois considera-se que, ciente do risco, a vítima
escolheu por assumi-lo, consentindo com quaisquer consequências futuras previsíveis do ato. 63

Vale destacar que Gimbernat elucida um problema, uma lacuna do direito, que pode ser
resolvida exatamente pela teoria de Jakobs sobre as competências e incumbências da vítima,
em suas palavras:

“Se o terceiro causar de forma imprudente e previsível os ferimentos da


vítima, por mais que ela tenha consciência do risco que corre, a afirmação de
que a norma que estabelece deveres de diligência não quer dizer os casos em
que a vítima também atua negligentemente, e que, consequentemente, fica
excluída a imputação objetiva do resultado, carece de qualquer tipo de
explicação razoável, já que em nenhum lugar está escrito, nem pode ser
deduzido de uma interpretação teleológica inexplicada e inexplicável, que a
responsabilidade por homicídio culposo ou lesão imprudente deve permanecer
restrito apenas aos casos em que a vítima se comportou com cuidado.”64

No que aqui importa, Gimbernat cita a ideia de Jakobs sobre o papel esperado de cada
um, explicitando que não pode se esperar de terceiro que se adapte a maior cuidado com a
vítima do que ela mesma teve. Dessa forma, em situações de conhecimento dos riscos, o
autocuidado é competência individual, usando da doutrina jurídica para suprimir essa lacuna.65

4. CRÍTICAS A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA

62
JAKOBS, Günter. La imputación objetiva em el derecho penal. Ad-Hoc: Argentina, 1996, p. 14 - 16
63
IBIDEM. JAKOBS, Günter. La imputación objetiva em el derecho penal. Ad-Hoc: Argentina, 1996, p. 33-
35.
64
Tradução livre, fundamentada no trecho original “Si el tercero causa imprudente y previsiblemente las lesiones
de la víctima, por mucho que ésta sea consciente del riesgo que corre, la afirmación apodíctica de que la norma
que establece deberes de diligência no quiere abarcar aquellos casos en los que la víctima asimismo actúa
de manera negligente, y que, en consecuencia, queda excluida la imputación objetiva del resultado, carece de
cualquier clase de explicación razonable, pues en ninguna parte está escrito, ni ello puede deducirse
tampoco de una inexplicada e inexplicable interpretación teleológica, que la responsabilidad por homicidio o
lesiones imprudentes deba quedar restringida sólo a aquellos casos en los que la víctima se ha comportado
cuidadosamente. (ORDEIG, Henrique Gimbernat. Imputacíon Objetiva: participacíon em una autopuesta em
peligro y heteropuesta em peligro consentida. 2 Ed. UNED, REVISTA DE DERECHO PENAL Y
CRIMINOLOGÍA. 2004, p. 80)
65
IDEM p. 81-83
Apesar do foco deste trabalho ser a imputação objetiva de Roxin e Jakobs a teoria apresenta
escopo tão grande e bem fundamentado que o trabalho se mostraria incompleto ao não abordar
críticas já feitas a mesma. Com o passar dos anos e o desenvolvimento da teoria do delito
diversos autores concentraram seus esforços em estudar e contribuir para a própria teoria da
imputação objetiva que, mesmo sendo amplamente aclamada, encontra críticas a sua forma e
metodologia, além de seu próprio conteúdo.

Para dar início então é possível citar o problema em torno da falta de sistemática na
organização da teoria da imputação objetiva por diferentes autores, avaliam os mesmos
critérios, porém de forma desordenada, o que é, nas palavras de Puppe66, um diagnóstico
alarmante para ciência penal da Alemanha. Além disso, incita debates sobre temas que não são
necessariamente respondidos pela teoria em questão, como por exemplo, quando a vítima se
coloca em perigo para salvar terceiro que estava em risco por conta do autor, questiona-se se
pode ser imputado esse autor ou deve-se considerar que a vítima lesou o dever de autocuidado.
Da mesma forma, quando o autor criou um risco não permitido, mas antes do resultado ouve o
interposto de uma terceira pessoal, um médico, se essa vítima vier a óbito qual dos agentes deve
ou não ser imputado.67

Outra crítica, tanto sobre a teoria de Roxin quanto a de Jakobs e chegando até Timpe,
discípulo do último, tem a ver com o estado de necessidade como forma de exclusão do ilícito68,
apesar do autor tratar especificamente do artigo 35 do código penal alemão, é possível abrir a
discussão a uma visão mais ampla. Para Roxin, o código é impreciso, porém o debate gira em
torno de, se alguém age em estado de necessidade este não deve ser punido por isso?

Segundo o fim preventivo da pena, o sujeito que age em estado de necessidade não
necessariamente apresenta um perigo para a sociedade e, portanto, não precisa ser
ressocializado, não cabendo pena de reclusão e, nem mesmo, medida de segurança. Entretanto,
quando o sujeito age em estado de necessidade e ainda assim apresenta um comportamento que

66
PUPPE, Ingeborb. El sistema de imputación objetiva. InDret, Universität Bonn, 2021, p. 592
67
IBIDEM, p. 593. PUPPE, Ingeborb. El sistema de imputación objetiva. InDret, Universität Bonn, 2021
68
CADENAS, R. Javier. EL FUNCIONALISMO EN DERECHO PENAL: LIBRO HOMENAJE AL
PROFESOR GÜNTHER JAKOBS. Tomo II. Panamericana Formas e Impresos S.A. Colômbia, 2023, p. 393
o mostra como perigoso para sociedade enquanto o faz, esse deveria ser submetido a medida de
segurança, apesar de ter atuado sobre causa de justificação.69

Jakobs e Timpe, ao explicar a mesma falha, se voltam para o caráter especial da situação e
a própria definição de estado de necessidade ao alegar que só poderia ser considerado como
causa de justificação quando não fosse causado pela própria vítima.

A origem do conflito não residiria no autor, mas sim, em caso de catástrofe


natural, produto do acaso, ou por consequência de falha de terceiro (...) não
seria da conta do autor, e para distanciar-se do fato pode se referir como
situação especial. Por outro lado, quando o próprio autor causou a situação
essa não poderia ser usada como situação especial para distanciá-lo do fato.70

5. JURISPRUDÊNCIA

Para além da teoria exclusivamente, cabe uma análise jurisprudencial de como a teoria da
imputação objetiva tem sido utilizada tanto no Brasil quanto no cenário mundial. Não vem
como surpresa que é uma das teorias mais em alta no atual momento histórico, por isso observar
como juristas ao redor do mundo lidam com cada uma de suas variações pode ser de grande
valor para seu entendimento.

Tal qual o próprio desenvolvimento da teoria de imputação objetiva começou a ser pensada
pelo viés do direito do trânsito existem alguns casos de jurisprudência brasileira que abordam
esse mesmo aspecto. A exemplo um caso em que o agente agiu em desconformidade com a
regra, criando um risco proibido, e acabou causando a morte da vítima ao dirigir embriagado e
acima do limite de velocidade sem justificação plausível, o fato da vítima não estar usando cinto
de segurança não foi suficiente para negar a imputação do agente.71

69
IBIDEM. CADENAS, R. Javier. EL FUNCIONALISMO EN DERECHO PENAL: LIBRO HOMENAJE
AL PROFESOR GÜNTHER JAKOBS. Tomo II. Panamericana Formas e Impresos S.A. Colômbia, 2023, p.
394-395.
70
Tradução livre do trecho original “El origen del conflicto no residiría en el autor sino que sería, en el
caso de catástrofe natural, producto de la casualidad, o si no consecuencia de falencias de terceros. La
presión psíquica del autor y la eventual disminución del injusto que pueda existir sólo producirían la
disculpa si el conflicto puede definirse como casualidad o atribuirse a un tercero. El estado de necesidad
no sería asunto del autor; para distanciarse del hecho podría remitirse a una situación especial. En
cambio, cuando el autor mismo ha provocado la situación de necesidad o se encuentra en una situación
jurídica especial, la situación especial ya sería asunto suyo y por ello no podría distanciarse del hecho.”
IBIDEM. CADENAS, R. Javier. EL FUNCIONALISMO EN DERECHO PENAL: LIBRO HOMENAJE AL
PROFESOR GÜNTHER JAKOBS. Tomo II. Panamericana Formas e Impresos S.A. Colômbia, 2023, p. 398 –
399.
71
STJ, quinta turma. Acòrdão; REsp 822517. DF. Diário da Justiça. Seção 1, 2007. p. 697
Outro exemplo de jurisprudência ligada a teoria da imputação objetiva tem relação com dois
casos muito parecidos, mas que foram decididos de forma diferente. Ambos apresentam o crime
de latrocínio, porém, no primeiro, considerou-se que o agente não criou um risco não permitido
ao bem jurídico vida, apenas contra o patrimônio, como não era possível prever o infarto da
vítima, houve parcial acolhimento a apelação criminal.72 Já no segundo caso, a vítima era um
idoso de 84 anos que também morreu por ataque cardíaco, esse, porém já apresentava doença
cardíaca e a autópsia indicou sinais de tortura, assim, mesmo que a defesa tenha recorrido a
imputação objetiva, não foi capaz de afastar a responsabilidade dos réus. 73

“Nem mesmo a teoria da imputação objetiva, mencionada pela zelosa Defesa,


conduziria a outra conclusão. Como se sabe, ‘para a teoria da imputação
objetiva, o resultado de uma conduta humana somente pode ser objetivamente
imputado a seu autor quando tenha criado a um bem jurídico uma situação de
risco juridicamente proibido’.74 Nos limites cognitivos possibilitados na via
do habeas corpus, parece evidente que ao dirigirem suas ações contra vítima
idosa (um senhor de 84 anos) e usarem de exacerbada violência os Pacientes
criaram, sim, um risco juridicamente proibido – conclusão contrária seria
impensável à luz do ordenamento jurídico brasileiro. Esse risco, concretizou-
se em um resultado típico previsto justamente no tipo imputado aos Réus.”75
Seguindo então para um caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça alemão é
possível apresentar o do paciente perigoso, onde um paciente internado em clínica psiquiátrica
já foi considerado extremamente perigoso e incapaz de ser tratado por diversos médicos e já
havia conseguido fugir da clínica por duas vezes. Os réus desse processo eram dois médicos do
lugar que permitiram que esse paciente saísse desacompanhado, situação em que ele usou para
duas senhoras e cometer diversos estupros. A partir disso, o tribunal de primeira instância
considerou que os médicos não tinham parte no crime cometido pelo paciente pois esse teria
conseguido sair mesmo sem permissão e, portanto, o resultado não estava diretamente ligado a
ação dos médicos.76

Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça alemão julgou que a existência de uma causa
hipotética não era o suficiente para isentar os médicos da responsabilidade, já que, ao levar em
conta o caso concreto apresentado o paciente só conseguiu cometer os crimes porque teve a

72
TJ-PR. Apelação Crime no 715279-2. 3ª Câmara Criminal. Relator: Des. Marques Cury. Dje: 16/12/2010
Disponível em: https://tjpr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19546826/apelacao-crime-acr-7152792-pr0715279-
2/inteiro-teor-104380163. Acesso em 2 de novembro de 2023.
73
STJ, sexta turma. Habeas Corpus Número 704718. Relatora: Min. Laurita Vaz. SP, 2021.
74
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: parte geral: art 1 a 120. 27 ed. São Paulo. Saraiva
Educação, 2021, p.161
75
IBIDEM. STJ, sexta turma. Habeas Corpus Número 704718. Relatora: Min. Laurita Vaz. SP, 2021.
76
PUPPE, Ingeborb. Estudos sobre imputação objetiva e subjetiva no direito penal. Tradução: Luís Greco,
Beatriz Corrêa Camargo, Wagner Marteleto Filho e Luiz Henrique Carvalheiro Rossetto. 1 ed. São Paulo:
Marcial Pons, 2019, p.20 - 21
permissão para sair, caso não houvesse permissão e esse paciente fugisse e cometesse os crimes
de qualquer forma outros agentes seriam responsabilizados pela falta de segurança do lugar, por
omissão de dever imprópria, mas como não foi o que aconteceu, se não houvesse a permissão
não seria possível explicar a saída, portanto os médicos carregam parte da responsabilidade pelo
crime.77

6. ANÁLISE DAS DIFERENÇAS

6.1. COMPARAÇÃO DAS DIFERENÇAS IDEOLÓGICAS DE ROXIN E JAKOBS

Dentre as diferenças mais relevantes de Roxin e Jakobs, para além das diferenças entre
o próprio funcionalismo teleológico de Roxin e o funcionalismo sistêmico de Roxin, é possível
citar que, enquanto Roxin busca a defesa dos bens jurídicos, se valendo da teoria da imputação
para tal. Enquanto para Jakobs o bem jurídico não é tema central de sua teoria, mas sim a
sociedade de forma geral, ele acredita que o direito penal deve ser usado para minimizar riscos
e garantir segurança jurídica através da punição dos delitos.

Também vale destacar que Roxin possui um ponto de vista mais prático, voltado para a
aplicação do direito nos casos concretos, uma função social do direito onde as leis penais devem
servir ao interesse social podendo e devendo ser alteradas para tal. Por sua vez, Jakobs acredita
em um ponto de vista mais teórico, onde o direito e a vida em geral são compostos por vários
sistemas e a função do direito penal é exatamente de proteger o próprio sistema jurídico.

Dentro da teoria da imputação objetiva, Roxin vai falar sobre um risco proibido
enquanto Jakobs da ênfase em um risco permitido, essa diferenciação é importante pois mostra
que, para Roxin, é necessário a execução de um risco proibido para que haja imputação, já para
Jakobs, qualquer ato fora dos riscos permitidos é passível de imputação, ao se analisar
exclusivamente a esfera do risco. Além disso, Roxin acrescenta que para ser imputável, esse
risco proibido tem que gerar um resultado, caso o resultado aconteça por meio de um tipo que

77
IBIDEM: PUPPE, Ingeborb. Estudos sobre imputação objetiva e subjetiva no direito penal. Tradução: Luís
Greco, Beatriz Corrêa Camargo, Wagner Marteleto Filho e Luiz Henrique Carvalheiro Rossetto. 1 ed. São Paulo:
Marcial Pons, 2019, p. 23 - 25
não está na norma ele também não é imputável. Jakobs trata, ainda, da acessoriedade no ato
ilícito, definindo formas diferentes onde há responsabilidade ou não.

7. CONCLUSÃO

Em finalização, o funcionalismo é a mais nova teoria do delito e tem ganhado cada vez
mais adeptos, principalmente a vertente levantada por Roxin, dirigida aos fins preventivos da
pena. Após analisar os critérios de imputação levantados por ambos os autores, conclui-se que
a teoria da imputação objetiva adotada por Roxin possui razão em ser a que conquista mais
seguidores, se mostrando, de fato a mais adequada para o contexto atual.

Em um cenário político mundial onde se debate cada vez mais os Diretos Humanos e
em um país, tal qual o Brasil, que já apresenta uma superlotação das penitenciárias, não cabe
aplicar o direito penal do inimigo, considerando que aquele que comete ato delituoso não é
necessariamente inimigo da sociedade, mas produto dessa. Uma teoria que avalie de forma mais
rigorosa aqueles que devem ser imputados, valendo-se do resultado e não apenas do ato em si
parece mais pertinente ao contexto da atualidade

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Tradução, prefácio e notas: Luiz Regis Prado. 4. ed., rev., atual. e ampl.. São Paulo, Revista dos
Tribunais, 2015

ZAFFARONI, Eugênio; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro:


Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 607-608.

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