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Desde a popularização do acesso à internet deparamos com a exposição

de ritualísticas de todas as religiões e cultos, sejam eles cristãos católicos


ou evangélicos, de matrizes africanas e outros. A abrangência das redes
permitiu que muitos religiosos estreitassem laços com outros praticantes
da mesma crença em qualquer região. Isso é muito positivo para
entendermos e qualificarmos nossas práticas elevando a forma que
enxergamos e vivemos no mundo.
Usar das redes sociais para refletirmos sobre nossas crenças e práticas
passa a ser muito rico e positivo, visto que as amalgamas das religiões e
cultos transformam alguns fundamentos e ritos de acordo com a realidade
de cada região.
Importante entender que o culto ao ancestral afro-indígena, por exemplo,
é uma prática que se configurou com influências diferentes, de acordo
com as especificidades de cada região brasileira, pois os nativos desta
terra, assim como os bantu são constituídos por vários povos com
semelhanças e diferenças culturais. Portanto, em cada região brasileira
que os povos bantu, que também são vários, mas que se misturaram nos
navios negreiros, chegaram conheceu povos nativos com culturas
específicas, originando cultos aos ancestrais bantu-indígenas com
características peculiares de cada região.
Isso faz com que o culto ancestral afro-indígena seja o ato de manter viva a
lembrança, formas de viver, feitos e ensinamentos dos próprios
antepassados escravizados africanos, que foi amalgamado com o culto
ancestral dos povos indígenas recebendo nomes diferentes em cada região
do Brasil, de acordo com a cultura daqueles que ali se uniram. No sul, por
exemplo, temos o batuque, no norte o Xangô e o Terecô, no nordeste
temos o Catimbó e no sudeste a Cabula; todos tendo o transe da
entidade/ancestral como base da conservação dessas culturas, que
manifestam para ensinar como realizar as curas através de unguentos,
chás, oferendas, sacudimentos e mudanças de comportamentos, tão
necessários para melhor viver.
Com a libertação dos escravizados e a vinda de negros forros de todo país
para o RJ, muito do que acontecia nos cultos ancestrais de outras regiões
passaram a formar um único culto, nomeado de Macumba Carioca,
abarcando muitas práticas do catolicismo popular, cultos nativos dos povos
bantu e indígena, assim como a inserção dos orixás, influenciados pela
cultura dos yorubás, que detinham conhecimento do islamismo. É a partir
dessa mistura de cultos que surge a Umbanda, prática da macumba
higienizada pela elite carioca.
Sabendo que a umbanda possui traços de várias práticas, sem perder a
essência de sua origem bantu-indígena, precisamos refletir melhor sobre a
necessidade de tornar exposto nossos rituais e culto, porque essa prática
nos expõe a julgamentos daqueles que não reconhecem a nossa cultura
justamente por viverem em regiões diferentes, logo possuem outras
vivências e certezas como absolutas.
Julgar como “marmotagem” um ritual do Terecô (culto ao ancestral da
região norte) sob a régua do Batuque (culto ao ancestral no sul) é, por
exemplo, além crueldade, uma grande falta de respeito as histórias,
culturas e tradições as quais tais crenças estão inseridas. Entender que
nem sempre o que está certo para um culto é completamente errado para
outro e que todos esses entendimentos é fruto do que chamamos de
diáspora e amalgamento de cultura e tradições que em muitos momentos
se fundiram para resistir contra aqueles que desejavam, a todo custo,
aniquilar a herança cultural desses povos. A internet, utilizada de forma
inadequada, infelizmente, vem reforçando justamente o contrário do que
nossos antepassados lutavam para conservar.
Refletir sobre a importância das fotos tiradas nos terreiros é qualificar a
função delas, que devem fazer parte de um acervo da comunidade, com o
objetivo de manter, conservar e proteger as práticas do culto oferecendo
uma valiosa herança aos que vierem depois, combatendo a deturpação do
mesmo, que é basicamente transmitido oralmente. Os registros são
materiais potentes para a valorização da umbanda e demais cultos
afrodiaspóricos, porém o que estamos construindo é um acervo para
pessoas que fazem de tudo para manter nossos cultos sob o crivo da
diabolização, alimentando os olhos venenosos e poluídos daqueles que
fazem de tudo para manter fraca e deturpada a nossa religião.
Entender que é preciso respeitar a origem e região onde se cultua o
ancestral é diferente de observarmos apropriações, cooptações e
deturpações nos cultos. Não adianta exigir que os cristãos fanáticos
respeitem nossa tradição e cultura quando nós não estamos fazendo isso
e, pelo contrário, criando materiais que comprovam tais ações, também
criticados pelos nossos. Impor respeito aos cristãos exige que a mudança
comece pelo umbandista, de qualquer vertente, deixando de compartilhar
tudo o que possa marginalizar nossos cultos que, geralmente são
criticados sem o menor conhecimento e pesquisa sobre o que aquele
recorte mostra.

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