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Autoras:
Edileuza Penha de Souza
Bárbara Oliveira Souza
1
INTRODUÇÃO
2
Brasília (UnB), constitui-se como um marco de preenchimento desse espaço. Dessa forma, a
modalidade a distância do curso de especialização e aperfeiçoamento do projeto, em
parceria com o Ministério da Saúde, no âmbito do Distrito Federal, tem por objetivo
sensibilizar e capacitar diferentes profissionais da saúde envolvidos com a população em
situação de rua.
Com este módulo, denominado “População em situação de rua e a questão racial: histórico
das políticas públicas de saúde da população em situação de rua no Distrito Federal, com
foco na população negra”, nosso objetivo principal é proporcionar a apropriação de
informações históricas para entender a importância dos direitos humanos e do combate ao
racismo no que se refere à situação da população de rua no Brasil e no Distrito Federal
atualmente. Visamos, ainda, compreender que a ausência das políticas públicas tem como
consequência o adoecimento e o genocídio da população negra.
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EIXO I
Com essa divisão, pretendemos que os/as cursistas possam compreender e recuperar parte
da história e da cultura afro-brasileira, apropriando-se de conhecimentos que, apesar de
historicamente negligenciados pelo Estado, constituem-se como direitos fundamentais para
a redução de danos no que se refere à saúde mental da população em situação de rua.
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No eixo I, “Conceito e origem da população em situação de rua”, contextualizamos o sistema
escravocrata e suas leis abolicionistas a partir do contexto de desamparo que levou à
formação de populações em situação de rua no Brasil. Já o eixo 2, “Políticas públicas de saúde
– racismo e saúde mental”, aborda as experiências do Distrito Federal e como o racismo se
consolida como ideologia responsável pelo adoecimento da população negra. Ao enfocar a
situação da população de rua no Distrito Federal, nosso objetivo é definir onde e como vivem
essas pessoas na capital do país e seu entorno e finalizar com as leis contemporâneas que,
de fato, têm amparado e garantido direitos às populações em situação de rua. O módulo
demarca o importante papel da sociedade organizada para a manutenção desses direitos,
bem como os principais desafios na conquista de políticas públicas específicas de saúde.
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EIXO 1 | CONCEITO E ORIGEM DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA
Essa definição, ainda que contemporânea, corresponde à aparição das primeiras pessoas em
situação de rua no Brasil. Nesse sentido, é necessário observar o cenário que origina a
população brasileira para que possamos compreender a origem da população de rua no
país.
1 SILVA, Maria Lúcia Lopes. Trabalho e população em situação de rua no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009.
2 Disponível em:
<http://www.mds.gov.br/webarquivos/legislacao/assistencia_social/decreto/decreto_7053.pdf>. Acesso em 11
de abril de 2019.
6
Em 1500, quando portugueses desembarcaram no Brasil, encontraram aqui uma população
originária de mais de cinco milhões de pessoas. O processo de colonização exterminou
grande parte dessa população, reduzindo-a às atuais oitocentos e noventa e seis mil e
novecentas pessoas, conforme dados do censo de 2010 (IBGE, 2010)3.
Apesar da insistência das autoridades em afirmar que os índios no Brasil não foram
escravizados, por terem contado com a proteção das missões jesuíticas e do conhecimento
do território brasileiro, é sabido que o modelo de exploração econômica adotado pelos
europeus não os poupou do processo de escravidão. Desse modo, o trabalho escravo
imposto aos indígenas foi uma causa de epidemias letais que contribuíram para a dizimação
de nações inteiras.
Dessa maneira, é importante ressaltar que, antes da invasão dos territórios indígenas pelos
portugueses, não havia abandono de pessoas. Os valores de comunalidade, de circularidade
e de ancestralidade desenvolveram e desenvolvem, nesses povos, um conjunto de cuidados
e proteções coletivas. Ao escravizar e dizimar os continentes africano e americano
simultaneamente, os europeus provocam a criação das primeiras populações em situação de
rua no Brasil.
Sinopse
Documentário sobre as rotinas de sobrevivência, o estilo
de vida e a cultura dos moradores de rua de São Paulo,
abordando temas como exclusão social, desemprego,
alcoolismo, loucura, religiosidade e, como sugere o
próprio título, o roubo da imagem dessas comunidades.
Promove-se, assim, uma discussão ética dos processos de
estetização da miséria.
Após assistir ao documentário, responda:
✓ Que personagem mais chamou a sua atenção?
✓ Por quê? Descreva um pouco essa personagem.
✓ O documentário apresentou alguma informação
nova para você? Qual?
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SEÇÃO 1 – SISTEMA ESCRAVOCRATA E FORMAÇÃO DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE
RUA
9
10
Introdução
Sequestrando-os do continente africano na condição de escravos, europeus — portugueses
foram pioneiros — tentaram reduzir africanos ao nível de coisas e de animais, inaugurando,
na história da humanidade, uma situação nunca vista 4 . Capturados, transportados e
mantidos em cativeiro sob condições de extrema violência e precariedade, os povos
africanos recorreram à luta de resistência em todos os processos de escravização.
4 A história da humanidade registra vários modelos de escravidão em todas as civilizações. No entanto, a escravidão
mercantil inaugura um processo de desumanização e violência nunca antes registrado na história.
5 FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
6 MOURA, Clóvis. Rebeliões na senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas. São Paulo: Ciências Humanas, 1981.
11
café; da lavra do ouro e diamantes à lapidação e fabricação de joias e ornamentos; dos
complexos afazeres domésticos à construção — todas as tarefas eram engendradas pela
força de trabalho escravizada.
Se todo e qualquer trabalho era realizado por pessoas escravizadas, as condições de vida e
trabalho dessas pessoas, nas fazendas e nas minas de ouro, eram as piores possíveis.
Explorados de todas as formas e cerceados de liberdade, a média de vida laboral dos/das
trabalhadores/as não ultrapassava quinze anos. Esse fato não era nenhum problema para os
portugueses colonizadores, pois a reposição de mão de obra era imensamente lucrativa. Há
diversos registros de que o comércio de escravizados foi o mais lucrativo para as colônias
europeias.
Ao contrário do que afirmou Gilberto Freyre (1933)7, que descreveu a escravidão no Brasil
como um paraíso de “bons senhores e escravos submissos”, é preciso entender que a
servidão de pessoas jamais será algo passivo ou harmônico. Se por quase quatro séculos
ocorreu a submissão de trabalhadores e trabalhadoras negros e negras a um regime de
crueldade e violência, essas pessoas lutaram e resistiram de todas as formas ao seu alcance,
pois, como afirma o historiador Clóvis Moura, “O mito do ‘bom senhor’ de Freyre é uma
tentativa no sentido de interpretar as contradições do escravismo como episódio natural,
algo extremamente condenável, porém que resultou na construção de uma identidade racial
notável” (MOURA, 1988, p. 18)8.
7 FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. 9ª ed. São Paulo: Global, 2012.
8 MOURA, Clóvis. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: Ática, 1988, p. 18.
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(depressão), assassinatos dos senhores escravocratas, a destruição das lavouras e plantações
foram apenas algumas das muitas experiências de resistência a que os negros e negras
recorreram ao longo de todo o período em que durou a escravidão. As atitudes de luta e
resistência também possibilitaram a manutenção da integridade, saúde mental e dignidade.
(...) o conceito de quilombo, tal como vem sendo utilizado, por prender-se a
um fato do passado (o confronto armado, direto, violento e espacialmente
9 FIABANI, Adelmir. Mato, palhoça e pilão: o quilombo, da escravidão às comunidades remanescentes [1532-2004].
São Paulo: Expressão Popular, 2005.
10 Ibidem.
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localizado — o refúgio), uma das possibilidades apenas de opor-se ao regime
escravocrata, conceito este enfatizado pelo senso comum como possibilidade
única, exatamente pela sua maior visibilidade, esquece e escamoteia toda
uma gama variada e matizada de situações sutis, mas concretas, que fizeram
face a esse processo injusto. (...) acaba por desviar nossa atenção de uma série
de outras situações de resistência, nas quais os negros exercem papéis que
não o de refugiado armado, tornado visível pela historiografia oficial, mas
outros papéis de um confronto relativizado, na sua aparência atenuado, em
relação à sociedade escravista ou recém-pós-escravista do Brasil do final do
século XIX e início do século passado. (ANJOS e SILVA, 2004, p. 29)11
11ANJOS, J.C.; SILVA, S.B. (org.). São Miguel e Rincão dos Martimianos: ancestralidade negra e
direitos territoriais. Porto Alegre: UFRGS, 2004.
14
Oficialmente, “abolicionismo” é um movimento que surgiu na Europa no final do século XVIII,
com o objetivo de pôr fim ao sistema de escravidão. No Brasil, o movimento abolicionista
iniciou tardiamente, na segunda metade do século XIX, sob a liderança dos brancos
considerados liberais. Apesar disso, havia abolicionistas de diversas classes sociais e posições
políticas, como republicanos, religiosos, intelectuais, ex-escravos e mulheres.
Apesar do forte estímulo libertário que foi crescendo na sociedade, o processo da abolição
no Brasil foi um processo de golpes contínuos implementados pela elite branca escravocrata
aos trabalhadores escravizados, no sentido, inclusive, de apresentar alguma satisfação aos
ingleses, que pressionavam o país a abolir do trabalho escravo. Exemplo disso foi a Lei
Eusébio de Queirós, de 1850, que determinava o fim do tráfico negreiro, assinada em razão
das pressões inglesas e do risco de guerra com a Inglaterra. No entanto, apesar do
compromisso assumido, os interesses econômicos mantiveram o sequestro de pessoas por
cerca de trinta anos após a assinatura da lei e o tráfego de pessoas escravizadas, em vez de
ser combatido, intensificou-se.
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Mais uma vez lançados à sua própria sorte, as pessoas “livres” em função da “extinção do
tráfico” tornaram-se a origem da população em situação de rua. Vale lembrar que, no mesmo
ano da Lei Eusébio de Queirós, é assinada também a Lei nº 601, de 18 de setembro, que vai
estabelecer as questões fundiárias. Essa lei, conhecida como Lei da Terra, impunha a compra
como a única forma de obter o direito à terra no Brasil. Sem trabalho e sem acesso à terra,
as ruas foram a solução encontrada para a falta de moradia das pessoas “libertas”.
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Da Lei do Ventre Livre às crianças abandonadas
Transcorridos mais de vinte anos após a assinatura da Lei Eusébio de Queirós, a Lei do Ventre
Livre (28 de setembro de 1871) propunha que crianças nascidas a partir de sua assinatura,
sendo filhas de mães escravizadas, tornariam-se livres. A perversa lei foi mais uma fachada
do cruel sistema escravocrata. A Lei nº 2.040, assinada pela Princesa Isabel, determinava o
seguinte:
Art. 1º – Os filhos de mulher escrava que nascerem no Império desde a data
desta lei serão considerados de condição livre.
12 Disponível em:
<https://www.google.com/search?q=Criança+em+situação+de+rua.+Foto+de+Tânia+Rego&tbm=isch&source=iu&
ictx=1&fir=nQdoKvB2cVh1AM%253A%252Cn55ZTGG5RqfgzM%252>.
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a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o
senhor da mãe terá opção, ou de receber do Estado a indenização de
600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos
completos. No primeiro caso, o Governo receberá o menor e lhe dará destino,
em conformidade da presente lei.
(...)
§ 6.º – Cessa a prestação dos serviços dos filhos das escravas antes do prazo
marcado no § 1° se por sentença do juízo criminal reconhecer-se que os
senhores das mães os maltratam, infligindo-lhes castigos excessivos.
§ 1.º – As ditas associações terão direito aos serviços gratuitos dos menores
até a idade de 21 anos completos, e poderão alugar esses serviços, mas serão
obrigadas:
(...)
(...)
(...)
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Nos dez artigos e trinta e quatro parágrafos, a Lei do Ventre Livre apresenta dubiedades que
favorecem unicamente os senhores de escravos como os beneficiados pela lei, uma vez que
as condições por ela determinadas impunham severas condições às mães e aos seus filhos e
filhas. Vale lembrar que é esse o momento inaugural da condição de crianças abandonadas
no Brasil. Ou seja, um dos efeitos da Lei do Ventre Livre foi incluir no cenário do país as
primeiras crianças em situação de rua, essas mesmas crianças de pele negra que somam
quase cinquenta mil meninos e meninas em situação de rua atualmente.
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Imagem 2 - Negros libertos em Porto Alegre em 1895. Foto de Herr Colembusch. Acervo Ronaldo Bastos13.
Há um provérbio africano que diz “quando morre um velho, morre com ele uma biblioteca”,
pois os anciãos são as pessoas que guardam conhecimentos em suas memórias. São pessoas
experientes e responsáveis, que demonstram condutas exemplares e aconselham os
membros de suas comunidades. Velhos e crianças são, no continente africano, as pessoas
que merecem mais cuidados. As crianças, porque representam o futuro; os velhos, porque
são os guardiães do passado. Aos velhos compete a tarefa de transmitir conhecimentos. Às
crianças, cumprir o papel da aprendizagem, tecendo o fio de continuidade, à medida que
vão aprendendo os mitos, os rituais e as histórias que são repassadas coletivamente. Esses
fios, porém, são totalmente rompidos com a escravização das pessoas.
A expectativa de vida entre os trabalhadores escravizados era muito baixa, de modo que a
Lei do Sexagenário, de 1885, que se apresentou na época com o propósito de “beneficiar”
os/as escravizados/as com mais de 60 anos, não representou nada menos do que o
13 Disponível em:
<https://www.google.com/search?tbm=isch&sa=1&ei=dUbPXNPeC5GG0AaB8K2oCA&q=velhos++negros+e+pobre
za&oq=velhos++negros+e+pobreza&gs_l=img.12...30707.32409>.
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abandono e o desamparo das pessoas mais velhas e doentes, configurando-se como mais
um dos exemplos de crueldade e violência dos brancos abolicionistas.
Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Docum
21
entos-Hist%C3%B3ricos-Brasileiros/lei-dos-
sexagenarios.html>.
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Lei Áurea e a fraude da abolição da escravatura
Imagem 314
Promulgada no dia 13 de maio de 1888, a Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel, “libertou”
cerca de setecentos mil trabalhadores que ainda viviam em situação de escravidão no país.
Registros históricos apontam que na época muitos escravizados já se encontravam
aquilombados, uma vez que nos anos que antecederam a assinatura da Lei Áurea inúmeras
ações de resistência ao sistema escravocrata implementaram rotas de fuga para as
comunidades quilombolas.
Em 1884, uma aguda crise na lavoura, agravada por reflexos da seca de 1877, resultou em
uma forte pressão popular para a libertação dos escravizados no Ceará, ecoando em outras
províncias, como Rio Grande do Sul, Amazonas, Goiás, Pará, Rio Grande do Norte, Piauí e
Paraná. Esse é apenas um exemplo das muitas ações de libertação dos trabalhadores
15 FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Globo, 2008.
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passaram a ocupar os empregos fixos. Aos ex-escravizados restavam os trabalhos pesados e
sem o menor prestígio. Nas cidades onde a imigração europeia foi menos intensa, os libertos
tiveram um pouco mais de oportunidades de trabalho. O fato é que a Lei Áurea ampliou as
desigualdades sociais e raciais no Brasil, sendo coroada como a lei da falsa abolição.
A assinatura da Lei Áurea, que supostamente apontava para acabar com o trabalho escravo
no Brasil, não passou de mais uma fraude, pois, como afirmou o poeta Paulo Molina: “13 de
maio... A princesa esqueceu de assinar nossa Carteira de Trabalho”. Elevou-se o número de
trabalhadores desempregados e desalojados, sem trabalho, sem moradia. Mais uma vez as
ruas das grandes cidades foram o amparo dessas pessoas que passaram a lutar por
sobrevivência e dignidade.
Se até então todo e qualquer trabalho no Brasil era exercido pelos trabalhadores
escravizados, a partir do dia 13 de maio de 1888 esses mesmos trabalhadores passaram a
ser considerados incapazes e indolentes pelos descendentes dos colonizadores e detentores
das posições de comando do país. Essa política racista não indenizou os trabalhadores
negros, tampouco lhes permitiu o direito à posse da terra e ao trabalho. O acesso à terra,
que lhes permitiria formar algum patrimônio e reconstituírem suas famílias, continuou a lhes
ser negado, consolidando o cenário de exclusão e discriminação que se perpetua nos dias
atuais.
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Imagem 4 - Moradores em situação de rua na região da Sete Portas, próximo à antiga Rodoviária. Foto:
Evandro Veiga/ Correio.16
Entender o contexto histórico das pessoas em situação de rua nos ajuda a compreender as
diferentes razões e realidades que levaram homens, mulheres, jovens e crianças a romperem
com suas famílias — são exceção as famílias que podemos encontrar vivendo nos espaços
da rua como meio de sobrevivência e moradia — e com a sociedade formal para se
De maneira geral, são das mais precárias as condições de vida das pessoas em situação de
rua, a maioria delas destituídas de documentação de identificação e vivendo em locais
degradados, sob viadutos, pontes e marquises, em edificações ou terrenos abandonados,
sucatas de automóveis e calçadas, entre outros. A condição de pobreza acarreta, em geral, a
falta de perspectivas e esperança dessas pessoas, que se tornam constantemente vulneráveis
à violência física e mental.
As mulheres que vivem em situação de rua são ainda mais vulneráveis e suas condições de
vida mais precárias, inclusive pelo contexto de preconceitos machistas e misóginos onde a
violência e a desigualdade de gênero e de direitos se tornam ainda mais visíveis (ROSA e
BRETAS, 2015)17. Sem falar que também são as mulheres que mais sofrem com a falta de
saneamento e higiene, como a inexistência de banheiros públicos limpos e confortáveis.
Portanto, para tratar desse fenômeno, é necessário construir uma pedagogia própria a
respeito das especificidades referentes às populações em situação de rua. Construir
17 ROSA, Anderson da Silva Rosa; BRÊTAS, Ana Cristina Passarella. Violence in the lives of homeless women in the
city of São Paulo, Brazil. Botucatu: Interface – Comunicação, saúde, educação, 2015.
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mudanças de organização social no Brasil enquanto luta de reconstrução de cidadania e
coletividade, laços esses destruídos pela escravidão.
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SEÇÃO 2 | BASE LEGAL DE APOIO À POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA
Imagem 518
Disque 100 – Disque Direitos Humanos: serviço utilizado para permitir que o
cidadão e a cidadã denunciem atos de violência.
Disque 136 – Disque Saúde: serviço de atendimento aos cidadãos e cidadãs que
utilizam o SUS. É um serviço de comunicação direta do usuário à Ouvidoria do SUS,
parte do Departamento de Ouvidoria-Geral do SUS (DOGES)/Ministério da Saúde
(MS).
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do documento o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), o
Ministério das Cidades (MC), o Ministério da Educação (MEC), o Ministério da Cultura (MinC),
o Ministério da Saúde (MS), o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o Ministério da
Justiça (MJ), a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) e a Defensoria Pública da
União (DPU), representando o Governo Federal, e também representantes do Movimento
Nacional de População de Rua (MNPR), Pastoral do Povo da Rua (PPR) e Colegiado Nacional
dos Gestores Municipais da Assistência Social (Congemas), representando a sociedade civil
organizada.
É importante ressaltar que esse documento foi uma ação após a realização da pesquisa
Caracterização da População em Situação de Rua, resultado da primeira Pesquisa Nacional
Censitária e por Amostragem da População em Situação de Rua, que ocorreu em 2007,
coordenada pelo MDS. Essa pesquisa aponta ser imprescindível apresentar as ações dos
diversos órgãos governamentais. Entretanto, entendemos que, apesar dessas ações, é
preciso também ressaltar a omissão e repressão que os moradores em situação de rua vêm
sofrendo com a atual política de governança.
Constitucionalmente, essas pessoas são consideradas cidadãs integrais, devendo, por direito,
ser contempladas com políticas públicas interdisciplinares e integrais, como descrito nas leis.
O amparo às múltiplas e diferentes pessoas que se encontram em situação de rua vem sendo
consolidado em função das ações dos movimentos sociais da sociedade civil organizada.
A Constituição Federal estabelece, no art. 5º, que “Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade”, como também determina, no art. 6º, que “são direitos sociais a educação, a
saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
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No que se refere aos direitos de crianças e adolescentes em situação de rua, observa-se que
a Constituição Federal estabelece que a família, a sociedade e o Estado são responsáveis pela
formação e estruturação dos seres humanos conforme dispõe o artigo 227:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
Estatuto do Idoso
A Lei n° 10.741, de 1º de outubro de 2003, constitui-se como Lei Orgânica do Estado
Brasileiro, no sentido de assegurar e regulamentar direitos às pessoas com idade igual ou
superior a sessenta anos, asseverando assim, proteção jurídica para gozar dos direitos
adquiridos.
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O estatuto tem 118 artigos que pormenorizam as garantias prioritárias das pessoas idosas,
direitos que vão desde aspectos relacionados a precedências até o direitos à liberdade e à
vida. O estatuto especifica, ainda, as funções das entidades governamentais e civis de
atendimento a essas pessoas, abordando saúde, educação, trabalho, cultura,
profissionalização, previdência social, habitação, esporte, lazer etc. e delimitando garantias
públicas e privadas, além de ações que podem responsabilizar o Estado e a sociedade por
crimes contra a pessoa idosa. Alguma dessas ações são:
a) Nas aposentadorias, reajuste dos benefícios na mesma data do reajuste do
salário mínimo, porém com percentual definido em regulamento; a idade
para requerer o salário mínimo estipulado pela Lei Orgânica da Assistência
Social – LOAS cai de sessenta e sete para sessenta e cinco anos;
b) Assegura desconto de, pelo menos, cinquenta por cento nas atividades
culturais, de lazer e esportivas, além da gratuidade nos transportes coletivos
públicos;
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f) Os currículos mínimos dos diversos níveis de ensino formal deverão prever
conteúdos voltados ao processo de envelhecimento, a fim de contribuir para
a eliminação do preconceito, sendo que o poder público deverá apoiar a
criação de universidade aberta para pessoas idosas e incentivar a publicação
de livros e periódicos em padrão editorial que facilite a leitura;
Com o ECA, o Brasil se compromete a eliminar o trabalho infantil até o de 2020, conforme
proposta da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Ademais, o ECA se configura como
um importante guia para garantir dignidade, cidadania, vida, liberdade, educação e saúde a
todas as crianças e adolescentes, respeitando integralmente os seus direitos.
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a temática das desigualdades raciais e definir ações de longo, médio e curto prazos, em todas
as esferas do governo e da sociedade civil, para o estabelecimento de direitos.
Desde a década de 1970, para destacar apenas a luta mais contemporânea, o marco na
história das conquistas dos negros brasileiros foi a Marcha Zumbi dos Palmares contra o
Racismo, pela Cidadania e a Vida, ocorrida em Brasília em 1995. Muito embora os anos de
1970 e 1980 tenham sido cruciais nas ações e histórias recentes do movimento social negro
brasileiro, na Marcha Zumbi constituiu-se o primeiro documento produzido pelo movimento
que apresentava a necessidade de implementar políticas públicas de promoção da igualdade
racial em todas as esferas.
37
À Lei nº 10.678, de criação da SEPPIR, seguiram-se os decretos nº 4.885 e nº 4.886, ambos
de 20 de novembro de 2003, que dispunham, respectivamente, sobre a composição,
estruturação, competências e funcionamento do Conselho Nacional de Políticas de
Igualdade Racial (CNPIR) e sobre a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial
(PNPIR), de modo que a criação da SEPPIR na estrutura do governo federal tem — ou, pelo
menos, teve — como propósito a formulação, a coordenação, o acompanhamento, a
avaliação e a execução de políticas para a promoção da igualdade racial.
Antes da SEPPIR, a Lei nº 10.639, de 2003 alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), com o propósito de incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira, estabelecendo diretrizes e
bases para a educação nacional.
Um dos últimos atos de caráter revisionista do governo Temer foi revogar a Lei nº 10.63919,
de 2003, a fim de retirar a pauta antirracista das instituições de ensino. No entanto, é
importante conhecer as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Isso é
necessário para que se possa entender o “perigo” do ensino da cultura negra nas escolas,
em que a população negra era, porventura, tratada como uma população de escravos e
pessoas sem história.
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Para Saber Mais
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana
Disponível em:
<http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-
content/uploads/2012/10/DCN-s-Educacao-das-
Relacoes-Etnico-Raciais.pdf>.
39
Para Saber Mais
Leia e conheça o Estatuto da Igualdade Racial.
Disponível em:
<https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/
496308/000898128.pdf?sequence=1>.
40
Políticas para as mulheres
“A taxa de homicídio de mulheres negras é o dobro da taxa das mulheres brancas,
isto na média nacional, pois existem estados onde a desigualdade racial é maior.
Além da questão da mulher indígena, que muitas vezes é ignorada na elaboração
destes índices, com justificativa no baixo volume das mortes desta população.
Quando calculamos a proporção dessas mortes para mulheres indígenas,
observamos que o índice vem aumentando, aproximando-se do das mulheres
negras, demonstrando que ser vítima de homicídios tem relação com as
desigualdades étnico-raciais.”
Jackeline Aparecida Ferreira Romio
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convívio social, acarretando a piora dos agravos de saúde. Desse modo, as políticas públicas
de saúde para as mulheres em situação de rua são uma forma de justiça social e
universalização de políticas públicas, no sentido de garantir o acesso aos direitos sociais para
todas as mulheres. Dada a precariedade dessas políticas, a falta de saúde e o agravamento
de doenças implicam alto índice de mortalidade dessas mulheres.
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Movimentos sociais e implementação de direitos
Historicamente, o Estado brasileiro convive com as pressões dos movimentos organizados e
dessas pressões nasce a implementação de direitos. O sociólogo Sales Augusto dos Santos,
ao abordar o surgimento de instituições governamentais e as pressões dos movimentos
negros organizados, descreve:
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Para muitos cientistas sociais brasileiros, as atuais reivindicações dos
movimentos sociais negros por políticas de promoção da igualdade racial em
todas as esferas da nossa sociedade, especialmente na educação e no
mercado de trabalho, nasceram num vácuo político-social, ou seja, de forma
espontânea. Mas a apresentação de propostas de políticas de promoção da
igualdade racial pelos movimentos negros e o rompimento com o discurso
do mito da democracia racial pelos dois últimos presidentes, FHC e Luiz Inácio
Lula da Silva, são resultados de pressões internas contra as supostas relações
harmoniosas entre os nossos grupos étnico-raciais. (SANTOS, 2010)20
Desse modo, os movimentos sociais têm sido responsáveis pela implementação de direitos.
No marco das ações específicas referentes aos direitos conquistados pela população em
situação de rua, podemos demarcar a promulgação da Constituição Federal como o primeiro
grande passo de conquista de cidadania. Entende-se, assim, que somente um governo
legitimamente democrático é capaz de promover e implementar valores que promovam a
igualdade de direitos.
20 SANTOS, Sales Augusto. Políticas públicas de promoção da igualdade racial: questão racial, mercado de trabalho e
justiça trabalhista. Rev. TST, Brasília, vol. 76, no 3, jul/set 2010. Disponível em:
<https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/18076/003_santos.pdf?sequence=4&isAllowed=y>.
Acesso em 30 de abril de 2019.
44
✓ 2004 - Ocorre a aprovação da Política Nacional de Assistência Social
(Resolução CNAS nº 145, de 15 de outubro de 2004), que estende a
proteção social a pessoas em situação de rua.
45
✓ 2007/2008 – Pesquisa Nacional da População em Situação de Rua.
Portaria MDS nº 381, de 12 de dezembro de 2006: cofinanciamento
de serviços continuados de acolhimento institucional para a
população em situação de rua, em municípios com mais de 250 mil
habitantes, e normativas sobre a atenção à população em situação
de rua.
46
Embora, tradicionalmente, as ações governamentais se configurassem como ações que
variam da omissão à repressão, passando por episódios de caridade, a sequência de
acontecimentos no período acima considerado, desde a promulgação da Constituição de
1988, contribuiu para potencializar as políticas de inclusão das populações em situação de
rua.
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