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Direito Da Família, Maria Do Carmo Medina
Direito Da Família, Maria Do Carmo Medina
passa parte da sua infância no Porto e cm > a Portugal cm 1938. ípleta os estudos secundários
e frequenta a ito, licenciando-se em 1948. nente nas lutas académicas pela democra- diversas
atividades culturais e políticas.
política depara-se com dificuldades de rofissáo e em abril de 1950 resolve vir para se em
Luanda, onde inicia a sua ativida- aís a primeira mulher a abrir escritório de
icia até 1976, efetuando julgamentos em bunais de Angola e recursos para as mais al-iciais,
sedeadas então em Portugal, e toma sora em quase todos os processos dos presos os e em
múltiplos recursos e petições junto oloniais.
lia.
CAPÍTULO I.°
INTRODUÇÃO
a sua autonomia
No âmbito do nosso estudo teremos que nos debruçar sobre o ramo de direito que regula e
disciplina as relações jurídicas familiares.
Estas relações jurídicas têm como alicerce um fenómeno social que é constituído pela família.
A família é em si um fenómeno natural inerente à sociedade humana. A socialização da pessoa
humana inicia-se na família.
Dentro do Direito de Família iremos ainda estudar determinadas situações de facto que, pela
sua importância, o legislador não pode ignorar, tais como a
união livre entre um homem e uma mulher à margem do casamento, denominada união
defacto. E também a separação de facto entre cônjuges que, embora unidos legalmente por
laços do matrimónio, cessam, à margem do divórcio, a convivência comum.
Delas se faz derivar importantes consequências de direito e há quem chame a este fenómeno
a juridicização das relações de facto.
O Direito de Família ou, se quisermos dizer, «os direitos de família» são em geral os direitos
que tutelam os interesses das pessoas que fazem parte da comunidade familiar. A família pode
assim ser definida como um grupo social relacionado entre si por obrigações e direitos
recíprocos.
O estado familiar é a situação subjetiva da pessoa dentro da família, como titular duma
pluralidade de direitos, poderes e deveres específicos.
O que é importante realçar é que, nesses sistemas, o Direito de Família consti¬tuía um ramo
autónomo do direito, destacado do direito civil. Autonomizava-se o direito de família em razão
do tipo específico das instituições jurídicas que ele regula, pelo que, nesses países, as leis de
família eram leis destacadas dos códigos civis.(1)
No entanto na Catalunha, Espanha, existe o Código de Família que foi autonomizado do Código
Civil espanhol. O Código de Família aprovado pela Lei n.° 9/1990 de 15 de julho com alterações
das leis n.° 3/2005 e n.° 10/2008.
Porque se vive numa época de profundas alterações em todo o mundo, no direito de família,
tem sido frequentemente usado o método de publicação de leis avulsas que atualizam
pontualmente importantes matérias de direito de família. No Chile foi publicada a Lei n.° 19
947, de 17 de maio de 2004, a Lei do Casamento Civil. Na República Popular da China vigora a
Lei do Casamento de 1980 que sofreu profunda revisão em 2001. Na Suécia foi aprovada a Lei
dos Conviventes, de 2003. Em França foi aprovada a Lei do Divórcio de 26 de maio de 2004,
que entrou em vigor em 1 de janeiro 2005.
Em Moçambique foi publicada a Lei n.° 10/2004 de 25 de agosto que aprovou a Lei da Família
e que veio revogar o respetivo Título do Código Civil. Na África do Sul foi aprovada a Lei da
União Civil que entrou em vigor em novembro de 2006 e que foi a primeira lei no continente
africano a reconhecer efeitos à união entre pessoas do mesmo sexo. A Lei 54/2006 da Itália,
veio alterar o Código Civil na matéria relativa ao exercício da autoridade paternal por pais
separados, estabelecendo e regulando o exercício da autoridade paternal de forma conjunta.
Na Suíça foi aprovada a Lei do Partenariado Registado, que passou a vigorar a partir de 1 de
janeiro de 2007, aplicável a uniões entre pessoas do mesmo sexo. A Noruega aprovou a Lei do
Casamento em junho de 2008 que entrou em vigor em janeiro de 2009 e que permite
casamento formal entre pessoas de sexo diferente ou do mesmo sexo.
Em Portugal foi publicada a Lei n.° 61/2008 de 31 de outubro que veio alterar o regime jurídico
do divórcio, fazendo-o por via da alteração das disposições do Código Civil e completando-as
com alterações ao Código de Processo Civil e do Registo Civil. No ano de 2009 foram alteradas
disposições relativas ao estabelecimento da filiação, Lei n.° 14/2009 e relativas ao casamento
Lei n.° 29/2009, de 29 de junho, que passou a permitir o casamento entre pessoas do mesmo
sexo. Mais recentemente, a Lei n.° 2/2011 de 15 de março, veio estabelecer o precedimento a
seguir no registo civil para se alterar a mudança de sexo c de nome próprio.
Importa reconhecer que o direito de família está proíúndamente imbricado com questões que
se prendem com a sociologia e a antropologia e que estudam as bases do comportamento
humano no meio social e em que se estrutura o direito costumeiro.
Acontece com frequência haver um desajuste entre o conteúdo da norma jurídicae a prática
social, porque muitas vezes o peso das tradições leva à exploração e à opressão dentro da
família e ao desrespeito dos princípios defendidos por lei e ao uso abusivo de direitos. Mas
também é certo que o conhecimento, por cada pessoa, dos seus próprios direitos permite que
mais facilmente se reivindique o seu exercício e a sua aplicação subjetiva.
Por isso as reformas no campo do direito de família têm um indiscutível impacto no meio
social e atuam como agente promotor do progresso da própria sociedade. O direito de família
confere um verdadeiro poder de intervenção pela via legal, alterando comportamentos
anteriores que deixaram de ser protegidos
por lei.
Muitas vezes as normas do direito de família são, na sua essência, normas de conteúdo ético-
jurídico que definem o tipo ideal das relações familiares. Este ramo do direito não pode, por
conseguinte, ser encarado de forma passiva como a reprodução, a nível jurídico, de uma
realidade social. Ele deve antes traduzir- -se num meio de atuação nas estruturas sociais,
visando em concreto um novo comportamento e um novo relacionamento entre os membros
da família.
O estudo do direito de família exige que tenhamos, antes de mais, uma noção do que é a
família. É um conceito que não pode ser entendido de forma dogmática, porque ele está em
correlação com a própria realidade económica, cultural e social das diferentes sociedades
humanas.
Temos a família extensa ou a grande família estabelecida com base no parentesco. É a família
parental formada por um largo conjunto de pessoas, unidas por uma ascendência comum,
ligadas por fortes laços de solidariedade e com uma comunidade de interesses económicos.
Numa fase posterior, a família é caraterizada pela poligamia praticada pelo homem, tendo
como contrapartida a exigência de uma rigorosa fidelidade por parte da mulher. No entanto, a
poligamia é em regra praticada pelos elementos masculinos que detêm o poder: «A poligamia
é um privilégio dos ricos e dos poderosos... a massa do povo é monógama».(4)
Neste tipo de sociedade a mulher está subordinada ao marido e nos meios rurais a família
constitui uma unidade de produção em que cabe às mulheres executar os trabalhos agrícolas e
os serviços domésticos de manutenção do agregado familiar, como o transporte de lenha e
água, a preparação dos alimentos, os cuidados com os filhos, etc.. Nela os laços matrimoniais
não são indissolúveis.
Diferente é a sociedade familiar do tipo patriarcal que se baseia no poder exclusivo do homem,
o patriarca, e se carateriza pela organização de um grupo de pessoas, livres e não livres,
submetidas ao poder paterno de um chefe.
Este tipo de família aparece-nos retratado nos tempos bíblicos do Antigo Testamento, na
Roma antiga, na China dos mandarins e no mundo muçulmano em geral. Nela coexistiam os
escravos e os membros da família, como filhos, netos, e respetivas mulheres e outros
parentes, subordinados ao domínio paterno.
Aparece depois a família monogâmica ainda assente no predomínio do homem. Ela tem por
fim a procriação da prole, salvaguardando a paternidade indiscutível dos filhos por parte do
marido e tendo em vista a transmissão da propriedade e da posse dos bens dentro da família.
A família monogâmica carateriza-se pela maior solidez dos laços familiares, passando a vigorar
o princípio da indissolubilidade do matrimónio, salvo em casos excecionais, em que se
possibilita o repúdio da mulher pelo marido. A monogamia não impede que o homem pratique
o heterismo, ou seja, as relações sexuais fora do casamento, prática que é muitas vezes
aprovada pelo costume c pela lei. Apesar disso, a mulher atingiu no casamento monogâmico
uma posição mais elevada. O casamento permitiu, assim, a transmissão da propriedade
privada dentro da família, consolidando o poder da burguesia.
Interessa apontar alguns dos carateres predominantes nos diversos tipos de organismos
familiares que se encontram no nosso continente, com especial relevo para a sua zona austral.
Os primitivos habitantes desta parte sul de África, os povos San, indevidamente designados
como bosquímanos, caraterizam-se por uma organização coletiva do poder e pelas relações
conjugais baseadas na monogamia/5*
Nos povos Bantos predomina a vida sedentária apoiada na atividade agrícola e na criação de
gado. Nestes povos negro-africanos a ideia de família é entendida nos seus fundamentos e
estruturas, tendo em conta as próprias relações que ligam o homem à terra. Esta é explorada
coletivamente pela família.
As relações de produção estão intimamente relacionadas com as relações familiares e estas
determinam o direito dos indivíduos sobre o solo e os seus produtos e os seus direitos e
obrigações de receber, dar e cooperar, como membros integrados no grupo familiar. As
relações de parentesco funcionam como relações de produção.
É nesta linha de pensamento que se enquadra o casamento, que se traduz numa aliança de
grupo a grupo e não de indivíduo a indivíduo. É uma aliança de grupos domésticos e não entre
grupos de filiação. A autoridade paternal não é forçosamente exercida pelo progenitor mas
pelo chefe da família.
A responsabilidade pelo cumprimento das obrigações e pelos demais negócios jurídicos vai
recair sobre o grupo familiar e não sobre o indivíduo unicamente a título pessoal. À mulher
não é, em regra, reconhecida capacidade jurídica para ser processada e responsabilizada sem a
assistência do representante legal.
Pelo casamento, o marido adquire sobre a pessoa da mulher verdadeiros direitos in rem, pois
se alguém a mata, a agride, ou com ela pratica adultério, atribui-se ao marido o direito de
exigir uma indemnização. Mas se for o marido a maltratar a mulher ou a causar-lhe a morte,
são os parentes da mulher que têm o direito a ser indemnizados.
Reconhece-se que o direito costumeiro tem um elaborado sistema de normas e princípios que
se referem às questões do noivado, cerimónia do casamento, relações entre pais e filhos,
conflitos conjugais, direito sucessório, etc.. O direito a alimentos, a adoção e as relações de
afinidade vigoram dentro da família com regras próprias. O direito de família é, pois, o mais
desenvolvido nas comunidades africanas.
É, pois, um conceito de família de âmbito mais restrito, composta por um homem e uma
mulher, formando uma comunidade de vida, unidos com estabilidade e a sua prole comum.
Embora no presente exista restrição à extensão da família ora reduzida à família nuclear, ou
pequena família em sentido estrito, não se lhe retira a sua grande importância social. É- lhe
atribuída atividade de grande relevo, pois é considerada o núcleo básico do tecido da
sociedade, e nela se encontram confundidos interesses de natureza pessoal e social.
Numa forma mais reduzida de unidade familiar deparamo-nos hoje, em número cada vez
maior, com a família monoparental, composta tão somente por um único progenitor, o pai ou
a mãe, e pelos respetivos filhos. Tal ocorre no caso das mães solteiras, dos pais separados,
divorciados ou viúvos que vivem com os filhos.
Embora a pequena família moderna tenha perdido o seu valor económico, ela não deixa de ter
grande relevância no aspeto cultural, pois é nela que, de geração em geração, se vão
transmitindo, de pais para filhos, os valores culturais. Pela criação, instrução e educação dos
novos membros da família vão-se transmitindo o ensino da língua, os conhecimentos
adquiridos pelas gerações mais velhas, os hábitos de vivência, que formam a essência de cada
povo.
Postergou-se o conceito retrógrado de que a família conjugal devia ser estabelecida sob o
poder autoritário do marido sobre a mulher, consubstanciado na tutela marital, que
acarretava para a mulher uma verdadeira capitis diminutio.
Também deixou de se acatar o princípio segundo o qual, nas relações paternais, devia
prevalecer o poder do pai sobre os filhos, subalternizando a mãe.
É hoje aceite um novo conceito de família conjugal que não necessita da preponderância de
um «chefe», antes é baseada na liberdade e na individualidade dos dois cônjuges e na
convivência solidária dos seus membros. Substitui-se a família estruturada na hierarquia pela
família estruturada na diarquia (de marido e mulher) e baseada no consenso de ambos. Ao
marido e à mulher são atribuídos direitos e deveres estruturados em igualdade, à luz da
verdade essencial de que a dignidade humana é a mesma para o homem e para a mulher.
Da mesma forma se altera a visão das relações entre pais e filhos que se entendem dever ser
exercidas com autoridade mas sem autoritarismo.
A lei deve abster-se de indicar qual o papel da mulher no seio da família, pois quando tal
acontece é para a colocar numa posição de subalternidade. Hoje a tendência é para
reconhecer que não basta a simples enunciação do princípios da igualdade de direitos, sendo
necessário obviar para que permaneçam as existentes desigualdades que se evidenciam em
todos os aspetos da vida política, social e económica, com desvantagem para a mulher.
É assim aceite o princípio da paridade que se propõe ir mais além, e transitoria¬mente vai
promover as denominadas «ações positivas», que gradualmente vão assegurando uma efetiva
paridade, ou seja uma futura igualdade, entre homem e mulher em todos os campos da vida
em sociedade.
Institui-se a adoção que deve sempre salvaguardar o interesse do menor adotado; carateriza-
se a tutela como instituto do direito público cujo fim em vista é a melhor proteção do menor
desprovido de proteção familiar. Em todos estes casos o Estado, através dos seus órgãos
judiciais e de assistência social, tem poderes para intervir nas relações intra-familiares, caso a
forma como são exercidos pelos titulares dos respetivos direitos, prejudique a criança.
f) Princípio da proteção do Estado à família. Pela relevância que a célula familiar tem na
sociedade, ela merece especial proteção por parte do Estado.
Tudo isto procura preservar os vínculos familiares e a estabilidade social. No topo das questões
ligadas à família está a política demográfica de cada Estado que passa ou por incrementar o
planeamento familiar com vista ao controlo do crescimento da população ou pelo contrário,
incentivar o seu aumento atribuindo abonos e prémios às famílias numerosas.
Pode ainda o Estado conceder créditos aos jovens para terminarem a sua formação
profissional, ou ainda créditos aos jovens casais para aquisição de residência por meio de
abonos reembolsáveis. As medidas de natureza social ou patrimonial que o Estado pode tomar
são múltiplas e dependem do seu próprio estágio de desenvolvimento e da sua capacidade
económica.
Atualmente nota-se a tendência duma maior intervenção do Estado nas relações familiares,
visando não só a solução consensual dos conflitos familiares, como ainda a proteção dos
membros mais débeis da família, e sobretudo intervindo na defesa dos direitos da criança
quando se mostre que os titulares da autoridade paternal não estão a exercê-los de acordo
com a lei.
Em muitos aspetos deixou-se para trás o conceito de que a vida familiar era um reduto da
privacidade do cidadão, entendendo-se que há outros valores mais elevados que devem ser
protegidos. Há quem refira este fenómeno como a «desfuncionalização da família em virtude
da sociedade e do Estado terem assumido algumas das suas funções tradicionais, tais como a
função educativa, de assistência e de segurança. »(13)
Além disso o Estado não pode ficar indiferente perante o desagregar da célula familiar e a
rutura dos laços complexos que unem os membros da família pelo que em situações de crise,
deve procurar solucionar os conflitos e assim garantir uma maior estabilidade familiar que se
vai refletir na própria sociedade em si.
Neste campo, a atividade dos órgãos judiciais especializados (como os Tribunais de Família) e
dos órgãos para-judiciais (como os órgãos de mediação, de consulta familiar, centros de
diagnóstico, assistência social à família e outros) pode ter importante papel na prevenção e
solução dos conflitos familiares.
Entre nós, a Lei do Sistema Unificado de Justiça, aprovada pela Lei n.° 18/88, institui nos
Tribunais Provinciais as Salas de Família, com a competência que lhes é atribuída pelo art. 32.°:
«1. Compete à Sala de Família preparar e julgar os processos relativos à constituição, anulação,
alteração e dissolução das relaçõesjurídicas familiares e os respeitantes ao exercício de direitos
e deveres familiares, salvo os que por lei estejam afetos aos órgão do registo civil 2. Em
matéria de família o Tribunal Provincial não tem alçada.»
Entende-se como tribunal de competência especializada aquele que aprecia questões dentro
de determinada área do conhecimento jurídico com qualidade técnica específica. A relevância
dada às relações familiares é evidenciada pela instituição de tribunais de competência
especializada para apreciar os respetivos litígios.
De igual modo sobressai o facto de nas ações familiares a atuação do juiz ser acentuadamente
de intervenção direta na recolha da prova, podendo promover
ohciosamcntc atos judiciais que considere necessários para alcançar a verdade material, como
vem previsto no art. 7.° da Lei n.° 1/88.
Por outro lado o Procurador da República tem poderes de largo alcance nas ações familiares
que versem sobre os direitos da criança, devendo obrigatoriamente intervir em todas as ações
relativa a menores. A nova Lei Orgânica da Procuradoria Geral da República, Lei n.° 22/12 de
14 de agosto (D.R. n.° 156) integra o Ministério Público, com magistrados e estatuto próprio.
Ao Ministério Público é atribuída extensa competência no seu art.° 36.° e na alínea a),
coonferindo-lhe a representação do Estado, dos menores, incapazes, incertos e ausentes.
O Ministério Público tem a seu cargo a defesa dos direitos do menor de forma quer
preventiva quer repressiva, sendo-lhe ainda atribuída legitimidade para a propositura de
diversas ações em representação do menor. Como oportunamente veremos, estes poderes
vêm hoje igualmente consagrados na competência atribuída ao Ministério Público no art.
186.°, alínea b), da Constituição.
0 direito de família está interligado a outros ramos de direito e as suas normas vão aí
repercutir-se. A ligação mais próxima é com o direito sucessório, cujas normas da sucessão
legítima lhe estão diretamente coorelacionadas.
A Lei da Pessoa com Deficiência, lei n.° 21/12 de 30 de julho (D.R. n.° 145) cujo âmbito de
aplicação é extensivo a toda a pessoa portadora de deficiência congénita ou adquirida, foi
igualmente aprovada. No seu art.° 10.° estabelece que compete ao Estado adoptar medidas
que proporcionem à família de pessoa com deficiência medidas que proporcionem a sua plena
participação e no art.° 16.° determina que o Estado tome medidas para conciliar a atividade
profissional do
deficiente com a vida familiar e bem assim dos familiares do deficiente com a respetiva
atividade profissional.
De igual modo, no direito penal vamos encontrar normas sancionadoras que têm origem na
violação de deveres familiares ou em condutas criminosas na prática de atos de natureza
familiar. O direito penal insere especificamente os denominados «crimes contra a família» que
punem as condutas que de forma grave violam deveres familiares.
A Lei contra a Violência Doméstica, Lei n.° 25/11 de 14dejulho(D.R.n.° 133) pune os factos
ocorridos no meio familiar ou outro, e criminaliza diversos tipos de violência sexual,
patrimonial, psicológica, verbal e física, o abandono familiar e condutas como a prática de
casamento com menores de 14 anos ou incapazes/15)
CAPÍTULO 2.°
Foi primeiramente a Reforma Parcial da Lei Constitucional (aprovada pela Lei n.° 12/91) e
depois a Lei Constitucional aprovada pela Lei n.° 23/92 que vieram consagrar os princípios
fundamentais respeitantes à família e à criança nos seus artigos 29°, 30° e 31°.
O art. 29.°, n.° 1 desta Lei reconheceu que à família, como núcleo da organização da
sociedade, deve ser dada especial proteção por parte do Estado, quer ela se fimde em
casamento quer em união de facto.
Ao Estado é atribuída a obrigação de permitir aos seus cidadãos uma vida familiar normal. A
Lei garante expressamente a igualdade de direitos entre o homem e a mulher, conferindo-lhes
os mesmos direitos e deveres no seio da família — art. 29.°, n.° 2. À família em colaboração
com o Estado, foi atribuída a obrigação de proteger e educar as crianças e jovens — art. 29.°,
n.° 3. O art. 30. conferiu à criança absoluta prioridade e foi dada a garantia da sua proteção
pela família, pelo Estado e pela sociedade. O art. 31.» consagrou o direito dos jovens à
efetivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais, a ser promovido pelo Estado pela
família e pela própria sociedade.
A atual Constituição no seu art. 35.° refere-se à família, ao casamento e filiação, o art. 80.° à
infância e o art. 81.° à juventude, como teremos ocasião de ver a propósito dos diversos
institutos.
O direito à vida familiar, ou seja, o direito à integração da criança na família desde o seu
nascimento, é consagrado como um direito fundamental.
É considerado como direito elementar de todo o ser humano, o direito de constituir família,
seja sob a forma de casamento seja por simples união de facto, de forma livre e consciente, e o
direito de, dentro da família, desenvolver a sua personalidade e as suas capacidades.
Os organismos internacionais, com especial relevância para a Organização das Nações Unidas,
têm contribuído de forma decisiva, nas últimas décadas, para a transformação dos princípios
norteadores do direito de família no sentido duma maior consagração do direitos da pessoa
humana e da elevação da sua dignidade, promovendo maior justiça social.
Esta nova conceção do direito de família está ela mesma intrinsecamente ligada aos princípios
fundamentais do direito à liberdade e do direito à igualdade inerentes à pessoa humana e que
se repercutem no seio da estrutura familiar, postergando estruturas familiares que se
traduziam em situações profundamente discriminatórias entre os membros da família. Desde
logo optou-se por dar primazia aos direitos que assistem à pessoa humana como tal, sobre os
direitos de certos membros da família que recaiam sobre os integrantes do seu grupo familiar.
A Carta das Nações Unidas proclamou, no seu Preâmbulo, a fé nos direitos humanos e a
igualdade de direitos entre homem e mulher, como princípio universal.
Por sua vez, a magna carta dos direitos humanos, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 10 de
dezembro de 1948, consagra, em relação à família (art. 16.°):
«1. A partir da idade núbil, homens e mulheres têm o direito de casar e de constituir família...
Têm direitos iguais quanto ao casamento, durante ele e no caso da sua dissolução.
2.0 casamento não pode ser celebrado sem o livre epleno consentimento dos futuros esposos.
Esta norma além de consagrar o direito fundamental de constituir família, impõe como regra a
igualdade de direitos e deveres do homem e da mulher no casamento e vem opor-se ao
casamento forçado, muito comum em sociedades tradicionais, celebrado em idades
prematuras dos futuros esposos e imposto sem ou contra a vontade dos nubentes, que é
ajustado entre as famílias, selando o futuro do casal e em regra impedindo a jovem mulher de
prosseguir na sua formação escolar e profissional, reduzindo-a para sempre, a uma situação de
dependência.
O Pacto Internacional Relativo aos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, aprovado pelas
Nações Unidas em 16 de dezembro de 1996, reconhece no seu art. 10.° que:
«1. Uma proteção e uma assistência mais amplas possíveis serão proporcionadas à família que
é o núcleo natural e fundamental da sociedade, particularmente com vista à sua formação e
no tempo durante o qual ela tem responsabilidade de criar e educar os filhos. O casamento
deve ser livremente consentido pelos futuros esposos.
2. Uma proteção especial deve ser dada às mães durante um tempo razoável antes e
depois do nascimento das crianças (...).
Além do apoio que os Estados devem dar à família e de se reafirmar o direito à liberdade de
casar, consagra-se neste artigo o dever do Estado proteger a educação das crianças, sem
discriminação em razão do nascimento e de proteger a mulher durante a gravidez.
São normas cuja importância não é demais realçar e que incidem sobre os institutos familiares
estruturantes que adiante estudaremos.
d) (...) enquanto pais, seja qual for o seu estado civil, para (decidir) as questões relativas
aos seusfilhos, e (...)
f) (Os mesmos direitos) em matéria de tutela, curatela, guarda e adoção das crianças (...)
Esta Convenção estatui sobre as diversas formas de que se reveste a discriminação contra a
mulher e ao focalizar as relações no seio da família vai impondo que elas sejam combatidas e
ilegalizadas nos diversos sistemas jurídicos e para tal impõe novos princípios e regras
obrigatórios.
A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, aprovada pela Orga¬nização da Unidade
Africana em 1981 e ratificada pela Resolução da Assembleia do Povo n.° 1/91, consagra o seu
art. 18.° à família.
«ARTIGO 18.°
Enaltcce-se o valor cultural da família sem embargo da obrigação dos Estados porem fim a
todas as formas de discriminação contra a mulher e de protegerem os direitos da criança.
«Art. 7.°
Art. 8.°
Art. 9.°
1. (...) a garantir que a criança não é separada de seus pais contra vontade destes (...) sem
prejuízo de decisão judicial.»
A Carta Africana dos Direitos e do Bem Estar da Criança aprovada em 1990 e ratificada por
Angola em abril de 1992, determina o seguinte:
«Art. 18.°
3. Nenhuma criança pode ser privada de meios para a sua manutenção em razão do
estatuto matrimonial dos seus pais.
Art. 19.°
1. Qualquer criança tem direito à proteção e aos cuidados de seus pais e se possível
residir com eles (...) salvo se autoridade judiciária decidir (...) que essa separação é no próprio
interesse da criança.
2. Qualquer criança separada de um dos pais ou dos dois, tem direito a manter
regularmente relações pessoais e contatos diretos com ambos os pais.»
A nível da organização regional Comunidade para o Desenvolvimento dos Países da África
Austral (SADC) de que Angola é membro, foi adotado em 17 de agosto de 2008 e aprovada
pela Resolução n.° 30/10 de 6 de setembro da Assembleia Nacional, o Protocolo sobre o
Género e Desenvolvimento que contém normas sobre Casamento e Direitos da Família (art.
8.°) Direitos de Viuvez das Mulheres e dos Homens (art. 10.°) e Crianças do Sexo Feminino e
Masculino (art. 11.°).0)
a) nenhuma pessoa com idade inferior a 18 anos contraia casamento, salvo disposição
em contrário expressa na lei, atendendo sempre ao melhor interesse e bem-estar da criança.
d) enquanto durar o seu casamento, as partes tenham direitos e deveres recíprocos para
com os seus filhos, sempre no supremo interesse destes.
a) tenham direitos e deveres recíprocos para com os seus filhos, sempre no superior
interesse destes;
Trata-se de matéria de conteúdo muito atualizado que é dirigido cspeci- ficamente contra
situações sociais que a nível das relações familiares destes países da África Austral se mantêm
e que sáo francamente atentórias dos princípios estruturantes dos direitos humanos.
ARTIGO 10.°
d) a viúva tenha acesso a emprego e a outras oportunidades para que possa prestar um
contributo significativo à sociedade;
f) a viúva tenha direito de voltar a casar-se com qualquer outra pessoa de sua escolha; e
2. Os Estados Partes deverão adotar medidas legislativas para assegurar que os viúvos
gozem dos mesmos direitos que as viúvas nos termos do n.° 1 do presente artigo.
ARTIGO 11.°
c) assegurando que as meninas gozem dos mesmos direitos que os meninos e sejam
protegidas de atitudes e práticas culturais danosas, em conformidade com a Convenção das
Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e a Carta Africana sobre os Direitos e o Bem-Estar
da Criança;
2. Os Estados Partes deverão adotar medidas legislativas e outras para assegurar que os
meninos gozem dos mesmos direitos que as meninas nos termos do n.° 1 do presente artigo.
Aliás por força do preceito consagrado no art. 26.°, n.° 2, da Constituição os «preceitos
constitucionais e relativos aos direitos fundamentais e legais devem ser interpretados e
integrados» de acordo com os princípios a que nos referimos.
Importa reter que pelo disposto no art. 21.°, n.° 3, da Lei Constitucional, se consideravam
como vigentes na ordem jurídica interna os princípios dos instrumentos internacionais de que
Angola fazia parte «ainda que não sejam invocados pelas partes».
Hoje em dia este princípio vem reproduzido no art. 26.°, n.° 3, da Constituição, que em matéria
de direitos fundamentais manda aplicar «os instrumentos internacionais ainda que não sejam
invocados pelas partes ».
Em matéria de direito de família Angola não tem até ao presente celebrado acordos nem de
âmbito bilateral, regional ou internacional, sem embargo do facto de existirem múltiplos laços
familiares entre cidadãos angolanos e doutras nacionalidades.
A única exceção foi a do Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre Angola e Portugal
celebrado em 30 de agosto de 1995, que incide sobre o «Reconhecimento e Execução de
Decisões Relativas a Obrigações Alimentares» a que nos referiremos a propósito do instituto
dos alimentos.
Pela Resolução n.° 27/10 de 6 de setembro foi ratificada a Convenção sobre a transferência de
pessoas condenadas; pela Resolução n.° 28/10 da mesma
O significativo aumento das relações familiares entre cidadãos de diversos países não só
dentro dos diversos continentes mas a nível de todo o globo, têm tornado urgente que os
estados envolvidos tracem normas legais que protejam os seus cidadãos e estabeleçam regras
de procedimento.
Os Estados compreendem que cada vez mais se torna necessário regular de forma harmoniosa
as relações familiares que se estabelecem entre cidadãos de nacionalidades diferentes.
O principal trabalho neste campo tem sido desenvolvido pela Conferência Diplomática de Haia,
a cuja iniciativa se deve a adoção de importantes convenções em matéria de direito de família.
Desde já indicamos como de grande alcance internacional foi a aprovação da Convenção sobre
os Aspetos Civis do Rapto Internacional da Criança, (1980). Esta Convenção incide sobre a
subtração internacional de menores, ou seja sobre sequestro de menores que são retirados do
seu local de residência habitual onde estão à guarda de pessoa física ou jurídica, que sobre
eles exercia um legítimo direito de custódia e são levados para fora do país à sua revelia. A
mesma convenção aplica-se igualmente quando o menor não é devolvido ao seu lugar de
residência habitual após ter saído do país para que o titular do direito de visita o tenha em sua
companhia. Tem especial incidência nos casos cada vez mais frequentes,
de casais mistos, de distintas nacionalidades, que após a separação disputam entre si a posse
de filhos nascidos da sua união. As autoridades dos Estados parte desta Convenção cooperam
entre si no sentido duma imediata comunicação do traslado ilícito do menor ou da sua
retenção ilícita, para que ele seja devolvido ao seu local de residência e entregue à pessoa que
legitimamente tem a sua guarda. Esta Convenção tem tido grande sucesso na sua aplicação
prática e procura pôr fim a situações dramáticas de abrupta separação de menores do seu
meio normal familiar.
A Convenção sobre a Proteção da Criança e a Cooperação em matéria de Adoção Internacional
(1993) tem tido do mesmo modo, grande relevância em matéria de adoção internacional, para
a proteção administrativa e judicial da criança que é levada para fora do seu país de origem
para o país do adotante e igualmente para impedir que a adoção oculte um negócio financeiro
subjacente, ou propicie o tráfico internacional de crianças.
Angola não é membro desta organização internacional mas aderiu a esta Convenção pela
Resolução n.° 54/12 de 14 de dezembro de 2012 do (D.R. da Assembleia Nacional n.° 239), que
aliás têm vindo a revelar-se de grande efetividade prática em delicadas questões familiares.
Também ao nível da Organização dos Estados Americanos têm sido adotadas diversas
convenções sobre os direitos humanos e o direito de família, tais como a «Convenção
lnteramericana sobre Obrigações Alimentares», aprovada em Montevidéu em 1989, e a
«Convenção lnteramericana sobre o Regresso Internacional de Menores», que trazem medidas
de grande alcance em matéria de obrigação alimentar devida a menores e sobre o exercício da
autoridade paternal no caso de os respetivos titulares viverem em estados diferentes.
Não temos conhecimento de que, sob a égide da Organização de Unidade Africana, tenha sido
aprovada qualquer convenção em matéria de direito de família. Salvo o Acordo Bilateral acima
referido e que incide sobre a matéria muito restrita da obrigação de alimentos, pois não
abrange sequer o direito de guarda dos filhos e pese embora a existência de vínculos familiares
com países
como Portugal, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe integrantes da Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa (CPLP), não foi adotada qualquer convenção comum a esses Estados em
matéria de direito de família.
Igualmente ao nível da Comunidade dos Países da África Austral (SADC) países vizinhos entre
cujos nacionais são criadas relações familiares, ainda se não obteve qualquer instrumento
internacional para a resolução das questões que se põem nessas relações entre os cidadãos
dos diferentes Estados da região, o que, dado o seu estreitamento se vai tornando cada vez
mais necessário.
CAPÍTULO 3.0
ANGOLANO
Era assim aplicado um duplo sistema legal, pois os primeiros, os cidadãos de pleno direito,
estavam sujeitos às normas de direito escrito privado no que concerne ao direito de família,
enquanto que os segundos, os indígenas, regiam-se pelo direito costumeiro, limitado embora
pelos princípios fundamentais do sistema
jundico vigente. A verdade, porém, é que no período colonial os princípios de ordem pública
vigentes incidiam principalmente sobre a proteção dos interesses políticos e económicos do
colonizador e, tanto quanto as estruturas familiares não colidissem com aqueles interesses,
foram mantidas intatas, tal como ocorreu com a poligamia, o casamento sem o consentimento
da mulher, etc..
O primeiro Código Civil, conhecido por Código de Seabra, publicado em 1867 e tornado
extensivo às colónias em 1869, mandava já, relativamente a Angola, ressalvar os usos e
costumes das regedorias, além de mandar aplicar transitoriamente legislação especial.
Abolido o vergonhoso sistema do indigenato em 1961, fruto aliás do deflagrar da luta armada
de libertação nacional, foi no entanto mantida a dualidade de estatutos de direito pessoal, que
se passaram a designar como Estatuto do Direito Escrito e Estatuto dos Usos e Costumes
Locais.(5
Entretanto, foi celebrada entre Portugal e a Santa Sé uma Concordata (Maio de 1940), que
trouxe importantes alterações em matéria de direito de família, designadamente quanto à
validade do casamento canónico, à renúncia ao direito ao divórcio e à atribuição do
conhecimento das causas relativas à nulidade do casamento católico aos tribunais
eclesiásticos.
A Concordata só entrou em vigor nas antigas colónias cerca de seis anos depois, pelo Decreto
n.° 35 461, de 22 de janeiro de 1946, mas com diversas adaptações/ *
O segundo Código Civil Português, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 47 344, entrou em vigor
nas antigas colónias por força da Portaria n.° 22 869, a partir de 1 de janeiro de 1968. O seu
Título IV é dedicado exclusivamente ao direito de família e nele se espelham as conceções
retrógradas das relações jurídicas familiares, quer no campo das relações matrimoniais (em
que é reconhecido o poder marital do marido sobre a mulher, o poder exclusivo deste como
administrador dos bens do casal), quer no campo das relações de filiação, discriminando os
filhos legítimos dos ilegítimos (com importantes restrições para estes últimos no campo dos
direitos pessoais e sucessórios) e atribuindo ao pai, nas relações paterno-filiais, poderes
prevalecentes, aparecendo a mãe como mera conselheira/ '
Toda esta matéria foi profundamente reformulada em Portugal depois do 25 de abril, com a
publicação do Decreto-Lei n.° 496/77, fruto das transformações políticas e económicas
operadas naquele país, que afastaram os anteriores princípios discriminatórios. Aliás o direito
português tem sofrido constante alterações, modernizando-se nos seus conceitos e
procedimentos, com profundas alterações designadamente em matéria de direito de família.
Aliás, por via do preceituado no art. 84.° dessa Lei, que norteava quanto à legislação vigente
vinda do sistema jurídico colonial, tinha que se entender como revogada toda a legislação que
contrariasse o processo revolucionário angolano.
No entanto, no campo do direito de família foram publicadas uma série de leis de relevante
importância que, em questões fundamentais, vieram alterar a legislação colonial naquilo que
se mostrava mais antagónico à nova realidade angolana.
1 — Lei n.° 53/76, de 2 de julho, que afastou a aplicação das normas da Concordata,
permitindo a dissolução dos casamentos católicos celebrados em Angola ou entre angolanos;
autorizou a conversão da separação de pessoas e bens em divórcio e aditou novos
fundamentos ao pedido de divórcio.
2 — Lei n.° 10/77, de 9 de abril, que equiparou os direitos e deveres de todos os filhos
em relação a seus pais, qualquer que seja o estado civil destes, proibiu qualquer referência à
qualidade de filho legítimo ou ilegítimo e decretou a abolição do termo «incógnito»
relativamente à situação de paternidade ou de maternidade. Continha ainda normas quanto à
composição do nome e do registo civil dos cidadãos.
4 — Lei n.° 7/80, de 27 de agosto (Lei da Adoção e Colocação de Menores), que revogou
todo o Título IV do Livro IV do Código Civil (arts. 1973.° a 2003.°), respeitante à matéria da
adoção.
5 — Lei n.° 10/85, de 10 de outubro, sobre a composição do nome, que alterou o art. l.°
da Lei n.° 10/77.
6 — Lei n.° 11/85, de 28 de outubro, que aprovou a Lei do Ato do Casamento e que
concedeu unicamente validade aos casamentos celebrados perante os órgãos do registo civil.
No rigor da lei, os casamentos canónicos só deixaram de ter validade a partir da publicação
desta lei, mas vinha sendo prática de há anos não serem celebrados casamentos canónicos
sem a prévia celebração do casamento civil. Continha ainda normas sobre o processo de
casamento, simplificando-as, e revogou diversos artigos do Código Civil.
7 — Decreto n.° 14/86 de 2 de agosto (Diário da República, n.° 61), que veio
regulamentar a Lei n.° 10/85 e que aprovou o Regulamento do Ato do Casamento, revogando
diversas disposições do Código do Registo Civil. Este Decreto continua ainda em vigor, mesmo
após a publicação do Código de Família, que trouxe algumas alterações à Lei n.° 11/85, pelo
que carece de ser devidamente adaptado.
Há ainda que ter em conta que permanecem parcialmente em vigor alguns diplomas vindos do
ordenamento jurídico colonial, que não foram expressamente revogados.
O Código do Registo Civil, aprovado após as reformas introduzidas pelo Código Civil, foi
publicado pelo Decreto-Lei n.° 47 678, de 5 de maio de 1967 e
foi tomado extensivo às ex-colónias pela Portaria n.° 23 101 (.Boletim Oficial de 30-12-1967,7.®
suplemento). Nessa portaria indicava-se que o código vigoraria como lei subsidiária, até que
fosse publicada lei do registo civil própria, o que, porém, nunca chegou a acontecer.
Depois da Independência, em matéria de registo civil foram publicados alguns diplomas que
visavam facilitar a prática de certos atos de registo civil, sendo o mais relevante o Decreto n.°
91/81, de 25 de novembro, sobre o registo de angolanos nascidos no estrangeiro e sobre a
justificação de óbito.
0 Estatuto de Assistência Jurisdicional aos Menores, aprovado pelo Decreto n.° 417/71,
de 29 de setembro, que definia a jurisdição de menores no domínio da prevenção criminal e
das providências cíveis aplicáveis no âmbito do direito familiar, foi profundamente alterado
pela publicação do Código da Família e parcialmente revogado pelo Código de Processo do
Julgado de Menores aprovado pelo Decreto n.° 6/03 de 28 de janeiro que no seu art. 86.®
dispõe: «Fica revogado o Decreto n.0 417/71 de 21 de setembro, exceto quanto às disposições
respeitantes aos processos cíveis que ainda estejam em vigor (...)». Este diploma contem ainda
normas vigentes em matéria de processo relativa ao direito das relações paterno filiais.
Mais recentemente foi publicado o Decreto n.® 31/07 de 14 de maio a que adiante nos
referiremos.
a) Antecedentes Históricos
A Assembleia do Povo foi institucionalizada em 1980 e logo nos seus primeiros trabalhos este
órgão supremo do poder do Estado, reconheceu a necessidade imperiosa de proceder a uma
revisão de fundo em matéria de direito de família, a despeito das dificuldades que tal tarefa
representava para um país com limitados recursos técnico-jurídicos.
Surgiu assim a Resolução da Assembleia do Povo n.° 2/82, de 12 de fevereiro, que decidiu
mandar proceder:
1 — Lei n.° 53/76, de 2 de julho, que afastou a aplicação das normas da Concordata,
permitindo a dissolução dos casamentos católicos celebrados em Angola ou entre angolanos;
autorizou a conversão da separação de pessoas e bens em divórcio e aditou novos
fundamentos ao pedido de divórcio.
2 — Lei n.° 10/77, de 9 de abril, que equiparou os direitos e deveres de todos os filhos
em relação a seus pais, qualquer que seja o estado civil destes, proibiu qualquer referência à
qualidade de filho legítimo ou ilegítimo e decretou a abolição do termo «incógnito»
relativamente à situação de paternidade ou de maternidade. Continha ainda normas quanto à
composição do nome e do registo civil dos cidadãos.
3 — Lei n.° 9/78, de 26 de maio, com as respetivas retificações publicadas em 29 de
julho de 1978, que versava sobre o divórcio por mútuo consentimento e revogou os arts.
1786.° a 1788.° do Código Civil e os arts. 1419.° a 1424.° do Código do Processo Civil.
4 — Lei n.° 7/80, de 27 de agosto (Lei da Adoção e Colocação de Menores), que revogou
todo o Título IV do Livro IV do Código Civil (arts. 1973.° a 2003.°), respeitante à matéria da
adoção.
5 — Lei n.° 10/85, de 10 de outubro, sobre a composição do nome, que alterou o art. l.°
da Lei n.° 10/77.
6 — Lei n.° 11 /85, de 28 de outubro, que aprovou a Lei do Ato do Casamento e que
concedeu unicamente validade aos casamentos celebrados perante os órgãos do registo civil.
No rigor da lei, os casamentos canónicos só deixaram de ter validade a partir da publicação
desta lei, mas vinha sendo prática de há anos não serem celebrados casamentos canónicos
sem a prévia celebração do casamento civil. Continha ainda normas sobre o processo de
casamento, simplificando-as, e revogou diversos artigos do Código Civil.
7 — Decreto n.° 14/86 de 2 de agosto (.Diário da República, n.° 61), que veio
regulamentar a Lei n.° 10/85 c que aprovou o Regulamento do Ato do Casamento, revogando
diversas disposições do Código do Registo Civil. Este Decreto continua ainda em vigor, mesmo
após a publicação do Código de Família, que trouxe algumas alterações à Lei n.° 11/85, pelo
que carece de ser devidamente adaptado.
Há ainda que ter em conta que permanecem parcialmente cm vigor alguns diplomas vindos do
ordenamento jurídico colonial, que não foram expressamente revogados.
O Código do Registo Civil, aprovado após as reformas introduzidas pelo Código Civil, foi
publicado pelo Decreto-Lei n.° 47 678, de 5 de maio de 1967 e
foi tornado extensivo às ex-colónias pela Portaria n.° 23 101 (.Boletim Oficial de 30-12-1967,7.°
suplemento). Nessa portaria indicava-se que o código vigoraria como lei subsidiária, até que
fosse publicada lei do registo civil própria, o que, porém, nunca chegou a acontecer.
Depois da Independência, em matéria de registo civil foram publicados alguns diplomas que
visavam facilitar a prática de certos atos de registo civil, sendo o mais relevante o Decreto n.°
91/81, de 25 de novembro, sobre o registo de angolanos nascidos no estrangeiro e sobre a
justificação de óbito.
0 Estatuto de Assistência Jurisdicional aos Menores, aprovado pelo Decreto n.° 417/71,
de 29 de setembro, que definia a jurisdição de menores no domínio da prevenção criminal e
das providências cíveis aplicáveis no âmbito do direito familiar, foi profundamente alterado
pela publicação do Código da Família e parcialmente revogado pelo Código de Processo do
Julgado de Menores aprovado pelo Decreto n.° 6/03 de 28 de janeiro que no seu art. 86.°
dispõe: «Fica revogado o Decreto n.0 417/71 de 21 de setembro, exceto quanto às disposições
respeitantes aos processos cíveis que ainda estejam em vigor (...)». Este diploma contem ainda
normas vigentes em matéria de processo relativa ao direito das relações paterno filiais.
Mais recentemente foi publicado o Decreto n.° 31/07 de 14 de maio a que adiante nos
referiremos.
a) Antecedentes Históricos
A Assembleia do Povo foi institucionalizada em 1980 e logo nos seus primeiros trabalhos este
órgão supremo do poder do Estado, reconheceu a necessidade imperiosa de proceder a uma
revisão de fundo em matéria de direito de família, a despeito das dificuldades que tal tarefa
representava para um país com limitados recursos técnico-jurídicos.
Surgiu assim a Resolução da Assembleia do Povo n.° 2/82, de 12 de fevereiro, que decidiu
mandar proceder:
Entretanto, no ano seguinte, pela Resolução n.° 1 /83, de 18 de março, a Assembleia do Povo
concluiu que «pelos trabalhos apresentados se pode constatar que a comparticipação definida
não é a mais desejável, não só porque impede uma visão de conjunto mas também porque (...)
iria dificultar a sua aplicação» e, consequentemente, decidiu que até ao fim do l.° trimestre de
1983 se elaborasse um projeto global de Lei de Família.
Por um lado, ele veio integrar num só diploma o conjunto das normas deste ramo de direito,
com todos os benefícios que derivam da codificação das leis.
Note-se que não se trata da codificação de normas de direito já existentes, de uma simples
compilação de leis anteriores, mas antes da formulação de um novo direito baseado em novos
princípios, orientados para uma visão criadora de novas regras de conduta que, por sua vez,
irão exercer uma influência determinante no meio social.
Como vem expresso no Preâmbulo do Código de Família, procurou-se, através dele, contribuir
para um novo relacionamento familiar livre da opressão e da discriminação. Ele visou
estabelecer um novo tipo de relações no grupo familiar, orientado no sentido da solidariedade
e da assistência recíproca entre os seus membros e, simultaneamente, no respeito pela
individualidade e dignidade pessoal de cada um deles.
Uma vez elaborado o Projeto de lei de Código de Família, foi apresentado à Sessão da
Assembleia do Povo que teve lugar em junho de 1984 e, em razão
da importância desse diploma na vida dos cidadãos, foi então decidido que o mesmo fosse
submetido à consulta popular, no âmbito da previsão legal contida no art. 45.° do respetivo
Regimento.
A consulta popular processou-se em todo o País, tendo o projeto sido discutido nas diversas
Comissões da Assembleia do Povo, dos Assuntos Constitucionais e Jurídicos, da Educação,
Ciência e Cultura, nas Assembleias Populares Provinciais, nas estruturas da organização
partidária, nas organizações de massas como a Oma e a Unta e nas organizações sociais como
UEA (União dos Escritores Angolanos), a AEES (Associação dos Estudantes de Ensino Superior)
e outras.
Consta do Relatório final: «em nenhumas das discussões foram postos em causa os princípios
fundamentais que presidem ao projeto. Pelo contrário, vários são os relatórios que saúdam a
elaboração do projeto, que permite adequar o direito de família aos princípios políticos que
regem o nosso processo revolucionário, salvaguardando as realidades concretas do nosso
país».w
A Lei n.° 1/88, que aprova o Código de Família, contém normas de natureza transitória e outras
de natureza processual.
Convém atentar no conteúdo do Preâmbulo, pois ele traça algumas linhas mestras que
alicerçam as novas instituições do direito de família: «O novo código insere-se no combate de
toda a humanidade progressista contra o obscurantismo (...)» e deve entender-se «como meio
real da emancipação política, económica e social dos trabalhadores angolanos>>.
No Preâmbulo vêm enunciadas as suas linhas orientadoras, tais como a proteção de todos os
filhos nascidos ou não do casamento dos pais; o da divisão justa das tarefas e
responsabilidades no seio da família; a igualdade do homem e da mulher em todas as relações
familiares; a abolição da validade do casamento canónico; o novo conceito de casamento com
maior relevância para os seus aspetos pessoais do que para os patrimoniais; a possibilidade da
legalização das uniões de facto; a nova conceção da dissolução do casamento por divórcio; a
garantia do direito ao estabelecimento da filiação; a simplificação dos mecanismos da tutela; o
reforço da obrigatoriedade da prestação de alimentos, mormente quando destinados a
menores, etc..
A Lei n.° 1/88 contém ainda normas sobre a sua aplicação no tempo (art. 3.°); sobre a
contagem de prazos de natureza substantiva (art. 4.°); sobre a concessão de um novo prazo
para a propositura da ação de impugnação da paternidade do marido da mãe (art. 5.°).
Os arts. 6.° e 7.° contêm normas de natureza processual de grande interesse prático, pois
mandam aplicar a todas as ações de natureza familiar a forma do processo especial de
jurisdição voluntária do art. 1409.° do Código de Processo Civil, o qual, por sua vez, remete
para as normas processuais dos arts. 302.° a 304.°, referentes aos incidentes da instância. O
art. 7.° abre ao juiz um largo poder de intervenção processual, alterando a posição do julgador
de uma posição meramente dispositiva para uma posição de intervenção na recolha da prova.
O escopo do tribunal será o de obter a descoberta da verdade material, de forma a poder
decidir o objeto da lide de uma forma justa e de acordo com a realidade dos factos.
Compreende-se tal posição ao ter-se em conta que no direito de família estão em jogo não só
interesses pessoais mas também interesses sociais. Estas alterações
só são aplicáveis em segundo plano, pois o próprio Código de Família inclui normas dc
natureza processual em diversos dos seus Títulos.
Por outro lado, estava-se na expetativa de que se procedesse a reformas na lei processual civil
vigente, de forma a simplificá-la e a torná-la mais consentânea com a nossa realidade e
também com as exigências de celeridade do mundo moderno, o que infelizmente até ao
momento não aconteceu.
Adotou-se transitoriamente esta via para permitir maior intervenção do juiz no desenrolar do
processo, procurando-se tornar este menos formal.
No art. 8.° vem transposta a matéria que vinha consignada nos artigos 3o, 4o e 5o da Lei n.°
53/76 sobre o pedido de conversão em divórcio da separação de pessoas e bens, normas estas
que foram mantidas com caráter transitório, para a hipótese, pouco provável, de algum
interessado não ter entretanto exercido aquele direito desde a data da publicação da lei.
O art. 9.° veio confirmar a obrigatoriedade do registo civil de todos os atos mencionados nos
diplomas pertinentes, designadamente no Código do Registo Civil. Os atos sujeitos a registo
obrigatório vêm enunciados no art. l.° do citado Código. A publicação do Código de Família
tomou necessária a adaptação das normas do registo civil ao novo diploma, com especial
relevância em questões como a união de facto, a filiação, a adoção e outras.
E, embora tenha sido elaborado um projeto sobre tal matéria em 1993, o certo é que ele não
chegou a ser publicado, como o não foi ainda a adaptação do Regulamento do Ato do
Casamento às normas do Código de Família.
Adiante veremos a importância das normas do registo civil e como elas se refletem sobre a
prova da titularidade do estado civil das pessoas.
O art. 10.° refere-se à revogação tácita da legislação anterior com conteúdo contrário ao da
nova lei e bem assim à revogação expressa de outros textos legais, em especial das normas do
Código Civil, bem como das diversas leis publicadas após a Independência Nacional.
O conteúdo destas últimas leis foi, aliás, no essencial, integrado nos diversos títulos do novo
Código de Família fazendo parte dos respetivos institutos.
Do Código Civil vigente foram revogados o art. 86.° do Livro I sobre o domicílio legal da mulher
casada, os arts. 143.°, 144. e 146.° sobre a tutela, e a totalidade do Livro IV sobre o direito de
família.
As novas normas contidas no Código tornam urgente a necessidade de alterar outros ramos de
direito. As normas de direito das sucessões carecem de ser adaptadas aos novos conceitos
contidos no Código de Família, designadamente o da unidade do conceito dc filiação, o de
adoção como forma de parentesco, os direitos sucessórios na união de facto, etc..
código.
— Princípios fundamentais
— Constituição da família
— Casamento
— União de facto
— Adoção
— Tutela
— Alimentos
O Título II tem 3 capítulos: o das disposições gerais sobre as fontes das relações jurídicas
familiares, o do parentesco por laços de sangue, o da afinidade e do conselho de família.
0 Título III, que é o mais extenso, compõe-se de 5 capítulos: o das disposições gerais, que inclui
o conceito de casamento, a ineficácia da promessa de casamento, a capacidade matrimonial; o
da celebração do casamento; o dos efeitos do casamento; o da anulabilidade do casamento e
o da dissolução do casamento.
O Título IV refere-se à união de facto e tem 3 capítulos: o das disposições gerais com o
conceito de união de facto e seus pressupostos legais, o do reconhecimento por mútuo acordo
c o do reconhecimento em caso de morte ou rutura.
O Título V tem 3 capítulos: o primeiro sobre os direitos e deveres entre pais e filhos; o segundo
sobre o exercício da autoridade paternal c o terceiro sobre o estabelecimento da filiação.
O Título VI abre com o capítulo que contém os princípios gerais da adoção, vindo depois o que
contém as formas da adoção e o que se refere ao processo de adoção.
O Título VII contém 4 capítulos: o que contém as disposições gerais e se refere aos sujeitos e
fins da tutela; o da constituição da tutela; o do exercício da tutela e o do termo da tutela.
O Título VIII, concernente aos alimentos, define no seu capítulo I o respetivo conceito e os
sujeitos ativos e passivos da obrigação alimentar, a forma da sua
O Título I, «Dos princípios fundamentais», contém normas que, pelo seu alcance e importância
normativa, se podem equipar a verdadeiras normas de natureza constitucional.
Os princípios básicos enunciados neste Título I vão servir de estrutura e nortear todas as
demais normas contidas no Código.
1) Especial obrigação do Estado de proteção à família, pela sua importância como núcleo
fundamental da organização da sociedade, promovendo o direito à instrução, ao trabalho, ao
repouso e a seguros sociais.
de ideias supra-jurídicas, como os conceitos de boa-fé e de má-fé, para decidir de questões tão
importantes como a dos efeitos do casamento anulado (cfr. art. 72.° do Código de Família). Na
fundamentação do pedido de divórcio litigioso menciona-se que deve ser invocada causa grave
ou duradoura (art. 97.°) que comprometa a vida em comum dos cônjuges. Nas questões que
têm a ver com a situação dos menores, como seja a dos direitos e deveres paternais,
menciona-se que eles devem ser exercidos no interesse e em beneficio dos filhos e da
sociedade (art. 127.°, n.° 2). Nas decisões sobre o exercício da autoridade paternal, o tribunal
deverá sempre ter em conta o beneficio e o interesse do menor e a sua adequada inserção no
meio social (art. 160.°). Nos requisitos legais para o adotante impostos no art. 199.°, n.° 1,
alínea b) menciona-se que ele tem que possuir idoneidade moral e bom comportamento
social, especialmente nas relações familiares. Na nomeação do tutor, o tribunal terá em conta
os interesses do menor e da sociedade (art. 233.°, n.° 1).
A vigência da lei, prolongando-se no tempo, torna necessário que se ajuste a decisão à nova
realidade concreta subjacente à norma jurídica. A integração dos factos à previsão da norma
legal nem sempre é uniforme e depende da conceção que a dado momento a sociedade tem
sobre determinados valores e até pode acontecer que em simultâneo, se confrontem sobre as
mesmas questões posiçõesadversas.
É no momento em que a norma vai ser aplicada que se vai delimitar para aquele caso em
concreto, a forma como se integra o conceito genérico.
O facto de coexistirem no mesmo país diversas etnias com usos e costumes diferentes, embora
possa ser positivo sob o ponto de vista da riqueza cultural, pode, por outro lado, ser usado
como elemento desagregador do novo Estado, suscetível de fazer reavivar o tribalismo,
travando o processo necessário à coesão política da nação.
Também a unidade legislativa, como é óbvio, põe fim à discriminação entre dois tipos de
cidadãos dentro do mesmo país que se verificava na ordem jurídica colonial, que contrapunha
o estatuto de direito pessoal regulado pelo direito escrito e o estatuto pessoal do direito
costumeiro.
É certo que diversos Estados adotam sistemas de pluralismo jurídico ou seja, admitem que
vigorem dois ou mais sistemas jurídicos diferentes e que eles se apliquem diferentemente aos
diversos grupos étnicos que coabitam dentro do território do respetivo Estado. Este sistema
era predominantemente aceite nas colónias britânicas que previa em simultâneo a vigência
em matéria de direito de família e sucessões, das leis inglesas, das normas do direito indiano e
do direito costumeiro das populações indígenas.
Esta não é a orientação política do Estado angolano que já se afirmava «como de caráter
unitário e laico» pela Lei Constitucional, art. 4.°, n.° 2, alínea e).
O princípio de que Angola é um estado unitário vem reafirmado na Constituição, no seu art. 8.°
«Angola é um Estado unitário que respeita, na sua organização, os princípios da autonomia dos
órgãos do poder local e da desconcentração e descentralização administrativas, nos termos da
Constituição e da lei».
Sendo certo que a unidade legislativa, como é óbvio, põe fim à discriminação entre dois tipos
de cidadãos dentro do mesmo país que se verificava na ordem jurídica colonial, e contrapunha
o estatuto de direito pessoal regulado pelo direito escrito e o estatuto pessoal do direito
costumeiro.
No entanto, o pluralismo jurídico é hoje aceite como uma realidade do direito angolano na
recente opinião dos analistas. Entende-se que as alterações a nível político e social que se
operaram no país, permitem a coexistência de pluralismos jurídicos no Estado que na sua
essência é um Estado heterogénio.
Esta redação é distinta da que vinha prevista no Anteprojeto de Constituição que não chegou a
ir por diante, de além de não ser contrário à Constituição, tampouco «ser contrário á lei». No
referido Anteprojeto da República de Angola de 2004, posteriormente abandonado, previa-se
no seu art. 6.°: «É reconhecida a validade do costume que não seja contrário à Constituição
nem à lei vigente».
É certo que o direito costumeiro permanece a vigorar em Angola pois é indesmentível a sua
força e persistência não só pelas suas raízes culturais entranha¬das nas comunidades, mas
ainda em razão dos privilégios que ele outorga a certos membros da família que dos mesmos
não querem abdicar.
«No que respeita ao pluralismo jurídico a primeira característica é a sua enorme riqueza e
complexidade. A riqueza reside no facto de sociologicamente vigorarem em Angola e
Moçambique várias ordens jurídicas e sistemas de justiça.
Quanto ao pluralismo jurídico, cuja relação geral não unívoca com a democra¬cia ficou feita, a
reflexão diz respeito aos múltiplos mecanismos de resolver conflitos que analisámos na cidade
de Luanda. »
Em contrapartida, não foram acolhidos outros usos e costumes não conci¬liáveis com
princípios fundamentais consagrados na lei constitucional ou em convenções ou pactos
internacionais que Angola subscreveu que, em última análise, têm a ver com os direitos
fundamentais da pessoa humana.
«Em última análise os atos que o direito não impõe nem proíbe, e que são por isso irrelevantes
para ele, ficam abandonados à disponibilidade das partes, que podem assim escolher entre
vários comportamentos (...)».
Por sua vez o constitucionalista Carlos Feijó aborda diretamente o reconheci¬mento e validade
do costume e sustenta que de acordo com o art.° 7.° da Constituição:
«A primeira ideia que ressalta é a de que a validade e força jurídica do costume são
reconhecidos pela Constituição (...) a segunda ideia imediata que ressalta do preceito é a de
que a validade e força do costume não dependem da sua conformidade com a lei (...). Só
merece tutela do Estado se não contrariarem a Constituição e não atentarem contra a
dignidade da pessoa humana.»
Põe-se, porém, a questão melindrosa e delicada de saber como apreender e atender ao direito
de família costumeiro, e em que medida é compatível com os princípios fundamentais do
ordenamento jurídico vigente. Acresce a falta de recolha documental do teor do direito
costumeiro que é diversificado nas diversas etnias do País.
Para que se possa falar em costume como fonte de direito, é necessário, como é sabido, que
se verifiquem simultaneamente os seguintes requisitos:
A propósito das questões do dote e do alembamento, que são explicáveis sob o ponto de vista
histórico e cultural mas que se traduzem em práticas discrimina¬tórias contra a mulher, o
Presidente da República sublinhou que elas não podiam ser eliminadas de um dia para o outro
pela simples publicação de um decreto.
Reconhece-se que só com a evolução global da sociedade e com novas condições sociais serão
alteradas ou eliminadas as tradições que não se coadunem com os novos parâmetros do
desenvolvimento e do progresso.
mento a nível dos órgãos do Estado, designadamente dos Tribunais. A regra geral é, como
sabemos, a da aplicação da lei escrita de caráter geral e de cumprimento obrigatório para
todos os cidadãos. Pode aceitar-se, no entanto, que o costume seja aplicável, em certas
condições, a título integrativo, ou seja, em complemento da lei. O costume será porém
aplicável nas comunidades sujeitas às autoridades tradicionais, quando não contrariem
princípios constitucionais.
Neste aspeto específico há que ter em conta o que vem disposto na Lei n.° 18/88, de 31 de
dezembro — Lei do Sistema Unificado de Justiça, no que se refere à competência dos Tribunais
Municipais, pois nele vamos encontrar a possibilidade legal de aplicação do direito costumeiro
pelos órgãos juridicionais.
A alínea d) do art. 38.° desta Lei dispõe que compete aos Tribunais Populares Municipais
«Preparar e julgar as questões cíveis, seja qual for o seu valor, quando as partes estiverem de
acordo com a aplicação exclusiva de usos e costumes não codificados, sempre que a lei o
permita.»
Desta disposição pode retirar-se o seguinte quanto aos limites da aplicação do direito
costumeiro, seja qual for o ramo do direito em causa, desde que englobado na designação
genérica de causa cível:
O estudo do direito costumeiro assume, sem dúvida, importância por duas razões
fundamentais: por um lado, possibilita o conhecimento aprofundado do comportamento social
de um determinado povo; por outro lado, proporciona o enriquecimento que pode advir de
alguns dos seus princípios.
De qualquer forma, em matéria de direito de família, o direito costumeiro não pode, por si só,
ser considerado como norma jurídica com poder normativo e vin¬culativo obrigatório. Ele
pode vigorar de facto entre grupos nacionais, na medida em que tal for aceite tacitamente
pelos membros de determinado agregado social. Mas os princípios constitucionais são iguais
para todos os cidadãos e o seu cumprimento só pode ser exigido coercivamente dos órgãos do
Estado com competência legal para tal.
Desde que não integrado na norma constitucional, o direito costumeiro no geral só pode
interessar aos juristas e aos tribunais, como órgãos de aplicação do direito, como situações de
facto subjacentes ao comportamento humano, e nesse aspeto a sua importância real é
indiscutível.
Não se deve nunca perder de vista, porém, que a sua importância está circuns¬crita a este
aspeto, não sendo admissível que uma norma do direito costumeiro se sobreponha, ou, menos
ainda, contrarie uma norma constitucional.
Considera-se inaceitável que dentro do mesmo Estado funcionem duas ordens jurídicas
distintas uma reconhecendo e proclamando os direitos humanos fundamentais aos seus
cidadãos e outra que consagre a sua discriminação e a supressão dos seus direitos. Neste
sentido podemos citar alguns dos mais distintos doutrinários do direito africano.
Assim, Kéba M’Baye reconhece que nos países saídos da situação colonial se verificava a
coexistência de duas comunidades (uma europeia, outra africana), com dois estatutos
diferentes (um moderno, outro tradicional), «mas a distinção entre os cidadãos e os indígenas
não é mais possível em razão da igualdade de todos perante a lei, pelo que é de tentar criar
um direito unificado, aplicável ao conjunto dos nacionais, qualquer que seja a sua origem, as
suas crenças e os seus estatutos anteriores. >>
Também Guy Kouassigan, no seu estudo sobre direito de família na África negra francófona,
vem afirmar que «a elaboração de um novo direito de família aparece como uma necessidade
imposta pelos imperativos do desenvolvimento económico. Trata-se de uma verdadeira
revolução, que deve substituir por um direito criador do futuro tanto quanto possível com a
codificação dos costumes que opõem a sua imutabilidade às necessidades de mudança.» E
conclui dizendo: «o progresso é na verdade o aprofundamento de si próprio (...) é necessário
que se reaproprie do seu mundo revalorizando os seus valores e os seus conceitos e que
elimine o que não se prestar à sua restruturação (...) como por exemplo a deturpação do dote
costumeiro ou do consentimento para casamento, trata-se de dados que perderam o seu
fundamento tradicional e que não se inserem no movimento de transformação. »
direitos costumeiros. Para estes últimos não será certamente de um momento para o outro
que se desvanecerá a suapraxis baseada em crenças íntimas e práticas centenárias. Importa
não perder de vista que em muitos países do continente africano continua a vigorar, em
matéria de direito de família, parte do direito costumeiro (havendo até tribunais próprios para
conhecer das questões afetas a tal matéria), e que é em si diferente do direito escrito, o qual,
em muitos casos, é ainda o direito colonial, ou seja o direito francês na África dita ffancófona e
o direito inglês na África dita anglófona.
Podemos citar a República dos Camarões, que é um estado composto por cerca de 250 grupos
étnicos, onde vigoram em simultâneo as leis francesas e inglesas e as diversas regras do direito
costumeiro.
Ao analisar a textura da sociedade africana no período colonial sob domínio inglês, Martin
Chanok observa que o direito costumeiro não se limita a simples regras de comportamento de
uma comunidade, mas é uma forma de manter a ordem e as relações de poder. Mais adiante
acrescenta que nas antigas colónias britânicas a lei costumeira era aceite como a congruência
de interesses entre os homens mais velhos da comunidade e os administradores britânicos.
Conclui afirmando: «Não desejo que me compreendam como subestimando a necessidade da
intervenção do estado no direito de família, com um papel vital no reverter de iniquidades
estabelecidas e na proteção dos dependentes. Em África, como em muitos outros lugares, a
vida é vivida fora da lei e envolve valores e padrões de comportamento que são diferentes dos
que vêm enquadrados no sistema legal».
(...) O sistema é na verdade um legado do passado (...). Ou vai a sociedade sul- africana
estabelecer uma nova sociedade baseada num sistema de direito de família geral moderno,
baseado em valores da dignidade humana, da igualdade, do não racismo e do não —
sexismo?»
Para concluir, entendemos que o direito costumeiro ou tradicional só poderá ser reconhecido
e aceite com força vinculativa de norma de direito se for livremente aceite pelo cidadão e
desde que a sua aceitação esteja em área da disponibilidade das partes.
Ele terá forçosamente que ser rejeitado quando o seu conteúdo viole princípios constitucionais
ou internacionais, como sejam o da liberdade e igualdade de todos os cidadãos perante a lei,
ou o do mútuo consentimento para a celebração do casamento.
No direito de família os negócios jurídicos familiares, como adiante melhor veremos, podem
derivar de simples factos naturais, ou consistir ou em atos unilaterais, pois se precludem numa
declaração de um só declarante, ou em atos bilaterais, que se concluem com o acordo de duas
vontades.
Como factos naturais temos a procriação e o nascimento com vida que vai dar origem ao mais
importante vínculo familiar — a filiação, como adiante veremos, e a morte que só por si faz
extinguir os vínculos familiares.
A regra é que, pela importância dos atos jurídicos familiares, que vão gerar situações de
caráter duradouro, a lei prescreva uma forma solene para a sua prática, como se verá. Definido
o que se deve entender por negócios jurídicos familiares, podemos agora ver quais são as suas
fontes, ou seja, quais são os factos jurídicos dos quais eles derivam. São fontes dos negócios
jurídicos familiares os factos ou
atos jurídicos dos quais derivam os vínculos familiares previstos na lei, ou seja, os que
constituem a família.
É interessante comparar as fontes dos negócios jurídicos familiares, tal como vinham previstas
no Código Civil, com as que constam do Código de Família.
O Código Civil, no art. 1576.°, que iniciava o Título IV, referente ao Direito da Família,
estabelecia como fontes das relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a
afinidade e a adoção.
Já o art. 7.° do Código de Família diz que «são fontes das relações familiares o parentesco, o
casamento, a união de facto e a afinidade». E logo a seguir o art. 8.° explicita que «o
parentesco estabelece-se por laços de sangue e por adoção».
0 parentesco tem origem derivada da própria causa natural e biológica da filiação pois
estabelece-se sempre tendo por base uma ou mais relações de filiação. Por seu lado, também
teremos ocasião de estudar que a adoção constitui entre o adotante e o adotado um vínculo
idêntico ao da filiação, mas já não por razões biológicas tendo como origem uma sentença
proferida em processo de adoção, que em razão do efeitos que produz, o Código de Família o
englobou dentro do mesmo instituto do parentesco, que passou a abranger o parentesco por
laços de sangue e o parentesco por adoção.
Ao lado do parentesco surge, como fonte de relações jurídicas familiares, o casamento, o qual
é considerado por muitos dos doutrinários que estudam o direito de família como a única
fonte com dignidade para gerar relações familia-res, sendo as demais dele derivadas. Segundo
este ponto de vista, só através do casamento se constituem relações legítimas entre o cônjuge
e os seus parentes, ascendentes e descendentes, sendo as relações familiares constituídas à
margem do casamento simples relações ilegítimas ou para-familiares.
É evidente que este não é o ponto de vista do Código de Família, que teve em conta o facto de
na sociedade angolana ter muito mais relevância o vínculo do parentesco baseado na filiação
do que o do casamento formalizado. Daí que se tenha indicado que, além do casamento, a
união de facto constitui também uma das fontes das relações familiares.
A união de facto carece, porém, de ser reconhecida para que lhe possa ser atribuída a
plenitude dos efeitos previstos na lei, o que não significa que a união que não possa ser
reconhecida seja totalmente postergada por lei.
Por fim, a afinidade que deriva do ato do casamento e liga o cônjuge aos parentes do outro
cônjuge também constitui fonte de relações familiares, embora de muito menor alcance.
CAPÍTULO 4.0
NATUREZA JURÍDICA
DO DIREITO DE FAMÍLIA
Interessa apontar alguns aspetos de caráter geral que percorrem o direito de família e que
evidenciam a existência do próprio interesse familiar, ligado não só à célula familiar, mas
também a cada um dos membros que a compõem.
São traços gerais do direito de família que caraterizam este ramo de direito e ajudam à sua
compreensão, mas que admitem, no entanto, áreas diferenciadas e exceções, pelo que não
devem ser encarados de forma monolítica e de valor absoluto.
O grupo familiar, porém, não tem a natureza de pessoa jurídica, não sendo, portanto, titular
de direitos e deveres de forma autónoma. E isto porque o interesse juridicamente tutelado é o
interesse de cada membro da família e não o do grupo familiar em si.
Diz-se que o direito de família é um direito de grupo porque, tal como o direito do trabalho e o
direito cooperativo, se desenvolve dentro de um grupo restrito e porque, em primeiro plano,
regula as relações dos membros desse grupo social.
dem os direitos da mulher em relação ao marido, e o mesmo ocorre nas demais relações,
entre pais e filhos, entre parentes, etc..
Dentro das relações de grupo podem caraterizar-se como direitos de natureza relativa,
recíproca e intercorrente, que se desenvolvem entre os membros da família e estão baseados
no princípio de solidariedade.
Os direitos familiares são, na sua maior parte, verdadeiros poderes funcionais, porque devem
ser exercidos de acordo com a função social que a lei lhes assinala. Diga-se, aliás, que esta
conceção do exercício do direito de acordo com a sua íunção legal é, por alguns juristas,
tornada extensiva ao próprio direito civil, não sendo assim, considerada como específica do
direito de família.
0 fim em vista do qual o direito é exercido tem que ser aquele que é permitido por lei, sob
pena de abuso do direito.
Prova de que o direito de família não deve ser considerado como pertencendo ao direito civil é
a forma como o Estado intervém na defesa dos interesses desse importante organismo social.
Com efeito, os institutos de direito de família são regulados na sua generalidade por normas
inderrogáveis, de natureza imperativa.
As normas relativas ao instituto do casamento, à sua dissolução por divórcio, à filiação, às
relações de parentesco, à adoção, à tutela etc., não podem ser derrogadas ou substituídas por
outras estabelecidas por acordo entre as partes.
Esta caraterística do direito de família evidencia o predomínio do caráter público deste direito
e mostra também a inconsistência da divisão bipartida do direito em direito público e direito
privado.
Podem citar-se o casamento e a adoção, que dependem, para a sua constituição, de uma
declaração de vontade inicial, seja do nubente ou do adotante.
Na constituição do vínculo da filiação, a vontade do progenitor não intervém, pois ele deriva
do facto natural de procriação. Há diversas vias legais que levam ao estabelecimento desse
vínculo, independentemente da via da declaração de vontade pelo próprio progenitor.
Mas os efeitos do casamento, da adoção, da tutela, etc., são os que a lei estatui, o mesmo
acontecendo com a escolha do regime matrimonial de bens que, a partir da celebração do
casamento, já não pode ser substituído por outro. O mesmo acontece com o consentimento
para o reconhecimento da união de facto, ou do divórcio por consentimento mútuo, cujos
efeitos vêm definidos na lei, não podendo ser objeto de disposição por vontade das partes.
Diz-se ainda que os direitos familiares são de oponibilidade absoluta porque o respetivo titular
pode opô-los erga omnes, isto é, os seus direitos podem ser invocados, quer em relação à
pessoa, membro de família, com a qual se estabelece o vínculo intercorrente, quer em relação
a qualquer terceiro, fora do grupo familiar. São direitos estatuídos por lei e como tal oponíveis
a todos.
Uma das caraterísticas essenciais do direito de família é precisamente o facto de ser um direito
eminentemente pessoal. É atribuído a alguém na sua qualidade concreta e no seu próprio
interesse, tanto moral como material. Os direitos familiares são, no fundo, direitos essenciais
da pessoa.
Têm que ser exercidos pelo seu titular de forma estritamente pessoal e exclusiva. Mesmo
quando, em certos casos, a lei permite que uma das partes seja representada num negócio
jurídico, a vontade expressa no negócio jurídico é a do
mandante e não a do mandatário. No casamento, por exemplo, é sempre a vontade expressa
pelo representado que é juridicamente relevante, e não a do mandatário: como veremos, este
atua como um simples «núncio», pois o mandante tem que identificar a pessoa do outro
nubente. A lei não admite um mandato genérico para a celebração de quaJquer negócio
jurídico familiar.
No caso de incapacidade, esta pode ser suprida pelo representante, mas quando a lei exige o
consentimento, este é dado pelo incapaz, embora autorizado pelo representante.
E isto porque elas não têm como objeto relações jurídicas patrimoniais.
O direito de alimentos, como também veremos, embora possa ter como objeto uma prestação
de valor pecuniário, não é uma relação de conteúdo patrimonial, pois tem como objeto
imediato a sobrevivência da pessoa beneficiada por eles.
Da sua natureza eminentemente pessoal deriva, como consequência, o facto de serem direitos
indisponíveis, que não podem ser cedidos ou transmitidos a outrem por vontade das partes.
Os direitos de família são intransmissíveis quer inter vivos ou mortis causa, pois extinguem-se
com a morte do respetivo titular. Excecionalmente, a lei permite que alguns «direitos de ação»
se transmitampost mortem a certos herdeiros.
Isso sucede designadamente com a ação de anulação de casamento por falta ou vício da
vontade (art. 68.°, n.° 1), que tem que ser intentada pelo cônjuge. Mas, caso o autor venha a
falecer na pendência da causa, pode esta ser prosseguida pelos parentes em linha reta ou
pelos seus herdeiros. No caso de impugnação da declaração de filiação feita por outrem que
não o próprio progenitor, se ocorrer o falecimento deste podem os herdeiros impugnar a
declaração por via judicial — art. 189.°. Também nas ações de reconhecimento da união de
facto, em caso da morte, o direito transmite-se aos herdeiros — art. 123.°, alínea b).
Acresce ainda que não são direitos que possam estar sujeitos a condição ou a termo, o que
impede que a aceitação dos efeitos legais esteja dependente da
verificação de determinado facto ou que esses efeitos perdurem apenas durante determinado
prazo fixado por uma ou ambas partes.
Ninguém pode pôr condições, como por exemplo fazer depender o estabelecimento da
paternidade da circunstância de o filho ser deste ou daquele sexo, ou de ter determinados
atributos físicos ou intelectuais. Ninguém pode casar a prazo, declarando que, findo
determinado período de tempo, o casamento se considera findo.
Pela sua própria essência, são ainda, em regra, direitos irrenunciáveis, pois a lei não consente
que os seus titulares a eles renunciem, dado que, ao atribuí-los, a lei teve em vista um
interesse mais amplo do que o próprio interesse individual. São também em regra direitos
inalienáveis e imprescritíveis.
Isto vai ter relevância em relação às denominadas «ações de estado», que são ações cujas
decisões se vão repercutir no estado civil das pessoas e que produzem efeitos em relação a
terceiros — art. 674.° do Código do Processo Civil. Podemos indicar como ações de estado as
ações de divórcio, de anulação de casamento, de reconhecimento da união de facto, as de
estabelecimento judicial de filiação, as de impugnação de filiação, de adoção, que são ações
constitutivas de direitos.
Como elas versam sobre direitos pessoais e indisponíveis, estão sujeitas a um regime
processual específico.
O art. 299.° do Código do Processo Civil não permite a confissão, desistência ou transação,
quando a ação respeite a direitos de natureza indisponível. No seu n.° 2 permite a livre
desistência nas ações de divórcio e separação de pessoas e bens, pois, como veremos, estamos
perante uma faculdade legal cujo titular pode ou não querer exercer.
A confissão dos factos invocados pelas partes não é permitida quando a vontade das partes for
ineficaz para produzir o efeito jurídico que pela ação se pretende obter — art. 485.°, alínea c),
do Código do Processo Civil. É porém de ter em conta que é possível a confissão quando o
facto jurídico em causa transcenda o âmbito da vontade das partes.
Como veremos, nas ações para o estabelecimento de filiação seja do vínculo da maternidade
ou da paternidade, e que sejam propostas contra o próprio progenitor, este pode vir aceitar ou
por outras palavras «confessar» o facto. E isto porque o lacto jurídico em que se baseia o
vínculo da filiação é o da procriação c do nascimento com vida do filho e não depende da
vontade do progenitor.
Aliás no direito francês admite-se a confissão no processo de divórcio, que configura uma das
formas de dissolução do casamento, pois o mútuo acordo pode levar à dissolução do
casamento.
Temos ainda que atender ao facto de que a natureza da indisponibiiidade do direito de família
se reflete na impossibilidade da renúncia ao direito em si, mas não impede que o titular do
direito regule os respetivos litígios familiares por via da conciliação ou recorrendo a processo
de mediação preventiva ou no decorrer do processo judicial.
Tal não significa que as partes não possam através de convénios regular os seus próprios
direitos estabelecendo regras que estabeleçam acordos em situações de conflito. Esses
acordos têm a natureza jurídica de pactos e podem ser feitos extrajudicialmente e
apresentados em tribunal ou feitos diretamente em tribunal. Se o acordo ou pacto disser
respeito a filhos menores terão obrigatoriamente que ser sujeitos a homologação do tribunal
com prévia audição do Procurador da República.
São por natureza indivisíveis, pois não podem ser usados parcialmente: o seu titular não pode
usufruir de uma parte desses direitos e dispensar outra.
Há, no entanto, certos direitos no âmbito do direito de família, como o direito ao divórcio, o
direito a alimentos, que a lei consente que seja o titular a decidir, em concreto, se quer exercê-
los ou não. O titular é quem pode pedir ou não, que seja decretado o divórcio ou que o
obrigado seja ou não condenado a satisfazer a prestação alimentícia.
Mas o direito em si não é afetado, dado que o que a lei proíbe é que alguém possa renunciar
ao direito que em concreto lhe é conferido por lei. Esta regra conhece uma exceção, que
respeita ao instituto da adoção, por via da qual o progenitor natural, ao dar o seu
consentimento à constituição do vínculo de adoção entre adotante e adotado, vai fazer cessar
o vínculo da filiação natural.
Da caraterística de direito de natureza pessoal resulta, por fim, o facto de os direitos de família
serem de natureza imprescritível, pois o direito não se extingue pelo facto do decurso do
tempo. Mas existe a caducidade relativamente ao direito de intentar determinadas ações
familiares, como a ação de divórcio, a ação de anulação de casamento, a ação de
reconhecimento de união de facto, etc..
O Código de Família aceita o princípio da natureza formal deste ramo do direito. Podemos citar
como exemplificativos deste princípio os que se referem à obrigatoriedade da intervenção do
tribunal nas ações do divórcio litigioso (arts. 97.° e ss.), nas ações de anulação de casamento
(art. 66.° e ss.), na constituição do vínculo da adoção (art. 212.° e ss.), na ação de tutela — art.
224.°.
Os órgãos do registo civil são chamados a intervir, entre outros atos, na celebração do ato de
casamento (art. 33.°), na declaração de filiação, que pode também ser feita perante o notário
ou tribunal — art. 175.°.
A enumeração legal dos institutos é assim de natureza taxativa e só os que estão previstos na
lei de família podem como tal ser reconhecidos. É o que acontece com o casamento, o
divórcio, a filiação, a adoção, etc.. A lei não consente que as partes criem institutos familiares
por via contratual ou outra.
Alguns direitos de família são suscetíveis de posse, o que se traduz na detenção em concreto e
no exercício dos correspondentes direitos e deveres próprios de certa situação familiar. Com
especial relevância surge a posse de estado defilho, que consiste, como veremos, em alguém
aparecer como sendo tratado e considerado como filho de certa pessoa. E também a posse de
estado de casado, quando, por exemplo, homem e mulher vivam como se casados fossem e
como tal sejam reputados nas suas relações sociais, embora não haja registo de casamento.
Fala-se em posse de estado quando se verifica que alguém está no exercício das prerrogativas
de uma determinada situação familiar. A posse de direito de família constitui, no entanto,
mera presunção legal da titularidade do direito respetivo.
As relações de família são, por sua própria natureza, de caráter duradouro, delas resultando
situações jurídicas estáveis e permanentes a que se chama estados.
O status familiae, ou o estado civil, é caracterizado pela situação jurídica de cada pessoa em
relação a determinado grupo familiar em que se insere.
O estado civilé, pois, uma situação jurídica complexa e duradoura, e é formado por um
conjunto de direitos, deveres, faculdades, etc., relativos a uma determinada pessoa enquanto
membro da comunidade familiar.
Os direitos pessoais familiares persistem enquanto dura a situação objetiva que lhes serve de
suporte. Assim, eles só se extinguem ou alteram por causas previstas na lei. Por exemplo: a
morte do cônjuge ou o divórcio dissolvem o casamento.
Os direitos pessoais e os direitos familiares, pela importância social que têm na vida de cada
cidadão e da sociedade em geral, estão sujeitos a um regime especial de registo que se
denomina o registo civil.
0 registo civil toma públicos os factos pertinentes à identificação de cada cidadão e bem assim
ao seu estado familiar. Estão portanto sujeitos a registo os factos que originam, constituem, ou
modificam o estado jurídico familiar. Cabe assim ao registo civil coligir e tornar público os
dados fundamentais da vida de cada cidadão do País, como seja o nascimento, o casamento,
os outros factos decorrentes da vida familiar, como o divórcio, o estabelecimento da filiação, a
inibição da autoridade paternal, a adoção, a tutela e a morte. É portanto pela via do registo
civil que se prova a idade, elemento integrador dos direitos civis e políticos, ou seja a
capacidade civil e eleitoral e se faz o recenseamento militar. Ele deve também servir para o
Estado fazer a estatística da sua população permitindo uma melhor planificação económica.
É pelo registo civil que se prova a condição de cidadão, por outras palavras, o registo civil
contem em si a prova da cidadania, da condição de cidadão angolano.
Na apreciação dos termos nacionalidade e cidadania há quem entenda que eles se não
confundem.(2)
Como regra o registo civil é obrigatório e consiste no único meio de prova dos factos sujeitos a
registo. Sem nos alongarmos na apreciação destas questões poderemos adiantar que
infelizmente por razões históricas e culturais, o registo civil em Angola sofre de debilidades
estruturais e não tem cumprido as atribuições que a lei lhe confere.
Para substituir a falta de registo civil, recorre-se com frequência à prova dos factos por via de
testemunhos, geralmente das autoridades tradicionais, que não se revestem de precisão ou
mesmo de veracidade. São por demais conhecidas as dificuldades que têm advindo da falta de
segurança do sistema de registo civil.
O art. 9.° da Lei n.° 1/88 mantem a obrigatoriedade do registo de todos os atos previstos nas
leis do registo civil e subsidiariamente no Código do Registo Civil em vigor. O acesso às
certidões dos atos do registo civil é, em regra, livre, mas as certidões de cópia integral estão
sujeitas a restrições. '
Os direitos familiares, pelo seu caráter estável e duradouro, estão obrigatoria¬mente sujeitos a
registo. O art. l.° do Código do Registo Civil define quais os factos que constituem objeto do
registo civil, havendo ainda a acrescer os que importam a sua modificação ou extinção/ *
Porque são factos que se vão refletir na vida pessoal e familiar do cidadão, devem ser objeto
de registo obrigatório.
O registo civil destina-se a fazer prova dos atos sujeitos ao registo obrigatório. Segundo a lei,
na falta de registo, a prova só poderá ser feita por outro meio que conste das ações de estado
ou de registo civil — art. 4.° do Código de Registo CiviP*.
Como veremos diversos artigos do Código de Família reiteram este princípio: o art. 38.°, n.° 1,
quanto ao ato de casamento e o art. 162.°, n.° 1, quanto ao estabelecimento da filiação.
— o processo de divórcio por mútuo acordo que já lhe era atribuído pela Lei n.° 9/78 de
26 de maio, em certas condições;
A prova dos factos constantes do registo quando derivem de enunciações feitas pelo
declarantes e não comprovadas diretamente pelo oficial do registo civil podem ser objeto de
prova em contrário, nos termos normais do direito.
0 registo civil está entre nós institucionalizado como função dos órgãos do Estado de âmbito
nacional. O seu fortalecimento e integração em todo o território nacional é de importância
vital para consolidação das próprias estruturas do Estado.
Aponta ainda alguma doutrina o facto de os direitos pessoais de família serem direitos de
garantia frágil ou resultarem de normas de juridicização de preceitos morais fracamente
coercíveis. A violação dos direitos impostos por lei fica muitas
qualquer outra, a não ser nas ações de estado c nas ações de registo. 2. Os factos
comprovados pelo registo não podem ser impugnados em juízo, sem que seja pedido o
cancelamento ou a retificação dos assentos e averbamentos que lhes correspondem.»
Já outros sistemas jurídicos aceitavam o pedido de indemnização por danos morais no caso de
faltas familiares graves, devendo o pedido ser formulado em simultâneo com o pedido de
divórcio.
No direito português está previsto esse direito, na nova redação do art. 1792.° do Código Civil,
que lhe foi dada pela Lei n.° 61/2008 de 31 de outubro.
No entanto há certas violações dos deveres familiares que, pela sua gravidade, constituem
ilícito penal. Tanto assim é que os códigos penais tipificam crimes, denominados crimes contra
a família, tais como o crime de bigamia, o da subtração de menores, o da não prestação de
assistência moral e material à família, a violação grosseira dos deveres paternais, etc..
A Lei n.° 2 053, de 22 de março de 1952 (Lei do Abandono da Família), pune a não prestação
alimentar ao menor ou ao cônjuge, a falta de assistência económica e moral a filhos menores e
ao cônjuge, o abandono do domicílio conjugal, desde que preenchidas as demais condições
especificadas no diploma. O certo é que essa lei se mostrou quase totalmente inoperante e
despida de valor coativo.
A própria legislação penal em matéria de violação ilícita dos deveres familiares tem evoluído
de forma sensível. O Código Penal Português, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 48/95, de 15 de
março, previa como crimes contra a família o crime de bigamia (art. 247.°), o de falsificação de
estado civil (art. 248.°), o de subtração de menor (art. 249.°), e o de violação da obrigação de
alimentos (art. 250.°). A Lei n.° 59/2007 de 4 de setembro veio ainda punir a violência intra-
familiar autonomizando a par dos maus tratos, o crime de violência doméstica.
O crime de adultério, por exemplo, deixou de ser punido na maior parte das legislações penais,
sendo certo que, em regra, o adultério da mulher era punido com muito mais severidade do
que o do homem.
Em compensação, alterou-se a lei, prevendo-se que o crime de violação possa existir entre
marido e mulher. Hoje procura-se proteger os membros mais débeis da família, dar maior
eficácia ao combate aos crimes ligados à violência doméstica e à falta de assistência material
que põem em causa a própria subsistência das pessoas que compõem a família.
0 Anteprojeto do Código Penal relativamente ao crime contra a liberdade sexual pune como
agressão sexual todo o ato sexual realizado por meio de violência., coação ou colocação da
vitima em situação de inconsciência ou de impossibilidade de poder resistir — artigos I68°e
169°.
Prevê ainda especificamente Crimes contra a Família, que abrangem os crimes contra o
Casamento, o Estado Civil e a Filiação e contra Outros Bens Jurídicos Familiares, como o
Abandono Material, a Subtração ou Recusa de Entrega de Menor, a Divulgação de Falsa
Paternidade — artigos 221° a 232°.
A Lei contra a Violência Doméstica, Lei n.° 25/11 de 14 de julho a que atrás nos referimos
pune, entre outros, factos ocorridos no meio familiar.
Quando não constitua um ilícito penal, a violação dos deveres familiares pode conferir ao
titular do direito ofendido a faculdade do exercício de direitos. É o caso do direito a pedir
divórcio por violação dos deveres conjugais por parte do outro cônjuge. No caso de violação
dos deveres paternais, o Ministério Público ou o outro representante legal do menor podem
vir pedir a inibição da autoridade paternal relativamente a quem a esteja a exercer.
No referido Anteprojeto do Código Penal prevê-se como pena acessória para os crimes da
natureza sexual a decretação da inibição da autoridade paternal do agente do crime — art.
187.°.
CAPÍTULO 5.0
O PARENTESCO
[26] Noção
O parentesco é o vínculo que une duas pessoas, em consequência de uma delas descender da
outra ou de ambas procederem de ascendente comum.
No Código de Família, o conceito de parentesco por laços de sangue vem contido no seu art.
9.°, nos termos do qual «parentesco por laços de sangue é o vínculo que liga duas pessoas por
virtude de uma descender da outra ou de ambas descenderem de progenitor comum».
Tem, pois, como causa o facto biológico de alguém descender de outrem ou entre ambos
existir um comum ascendente. Tal como a generalidade dos direitos de família, o parentesco é
uma relação intercorrente entre duas pessoas que, neste caso, estão ligadas por laços de
sangue.
O conceito de parentesco é, pois, baseado, em regra, em laços carnais ou de sangue, mas não
quer dizer que ele seja assim uniformemente aceite por todos os povos, pois em algumas
estruturas familiares não são só os laços de sangue que estabelecem as relações de
parentesco.
Basta lembrar que no direito romano a família de tipo patriarcal era agnática, pois era
constituída pelos membros submetidos à patria potes tas, mesmo que não ligados entre si por
laços de sangue.
Há assim quem distinga entre a agnatio, que é o vínculo que se estabelece pela subordinação
comum dos membros da família ao respetivo chefe, e a cognatio, que é o vínculo de
parentesco baseado na comunidade de sangue. Quando se dá prevalência aos laços de
parentesco temos a família linhagem; se se atende mais aos laços de aliança, temos afamília
lar, mais restrita. Estes dois conceitos de parentesco podem aparecer nas sociedades
tradicionais africanas, nas quais, em certos casos, a mulher é considerada como membro da
família, embora não estando ligada por laços de sangue ao marido e seus parentes.
a) Linhas de Parentesco
0 conceito de parentesco do Código de Família é o mesmo que consta do Código Civil no seu
art. 1578.°, mas o Código de Família nâo consente qualquer tipo de discriminação entre
«parentesco ilegítimo» e «parentesco legítimo», ao invés do que fazia o Código Civil. Dentro
do ponto de vista que era defendido por este Código, o parentesco legítimo era aquele que
derivava de pessoas unidas pelo casamento e o parentesco natural era o que advinha de
pessoas não unidas pelo casamento. Nas linhas de parentesco distingue-se entre a linha
paterna e a linha materna que identificam a ascendência pelo lado do pai e a ascendência pelo
lado da mãe. Em certos sistemas de parentesco predomina ou uma ou outra linha de
parentesco, mas o Código de família não faz qualquer discriminação.
O grau de parentesco costuma ser classificado consoante as suas linhas e pelos seus graus.
As linhas de parentesco são classificadas no art. 11.°, n.° 1 do Código de Família, da seguinte
forma:
a) linha reta ou estirpe, que liga as pessoas que descendem uma da outra;
comum.
A linha reta liga, pois, entre si, as pessoas que descendem uma da outra ou seja a estirpe. A
estirpe é um tronco comum de pessoas que têm um ascendente comum.
Quando se considere a linha reta do ascendente para o descendente, ou seja, do avô para o
pai e para o filho, temos a linha reta descendente\ se caminharmos em sentido inverso, a
partir do descendente, ou seja filho, pai e avô, temos a linha reta ascendente — art. 11.°, n.° 2
do Código de Família, tal como fazia o art. 1580.° do Código Civil.
Relativamente aos irmãos é que pode haver simultaneamente a mesma ascendência paterna e
materna e temos os irmãos germanos ou bilaterais.
Mas se os irmãos têm unicamente o mesmo pai, já são consanguíneos e se têm somente a
mesma mãe são irmãos uterinos, sendo uns e outros irmãos unilaterais.
Tomando como ponto de partida X-EGO, temos os seus ascendentes em linha reta materna e
os seus ascendentes pela linha paterna.
Os primeiros são a mãe, os dois avós maternos, os quatros bisavós maternos e os oitos trisavós
maternos. Os da linha paterna são o pai, os dois avós paternos, os quatros bisavós paternos e
oitos trisavós paternos. Na linha reta descendente temos dois filhos, quatro netos e oito
bisnetos. Na nossa ascendência o número de ascendentes aumenta em progressão aritmética:
2,4, 8,16,32, etc. na l.a, 2.a,
O ascendente comum é A, que teve um filho B e uma filha B\ que são parentes em 2.° grau,
parentes na linha colateral, ou seja, irmãos. B é o pai de C e B* é a mãe de C\ Na segunda
geração temos os tios e os sobrinhos, ou seja B é tio de C’ e C é sobrinha de B. B\ por sua vez, é
tia de C e C é sobrinho de B\ Entre si, C e C são primos. Tio e sobrinho são parentes no 3.° grau
da linha colateral. C e C\ sendo primos, são parentes em 4.° grau na linha colateral. O filho de C
é D e a filha de C\ que é D’, são, respetivamente, sobrinhos-netos de B e B\ que são seus tios-
avós, parentes no 4.° grau da linha colateral, e são primos de C e C\ parentes no 5.° grau da
linha colateral e, entre si, são parentes no 6.° grau da linha colateral, que é o limite legal do
parentesco estabelecido no art. 13.° do Código de Família.
A - PROGENITOR COMUM
Relativamente a C, C’ e C”, temos que eles são entre si irmãos germanos ou bilaterais. Já em
relação a X e X’, eles são unicamente irmãos pelo lado do pai, ou seja, irmãos consanguíneos.
E, em relação a Y* e Y”, C, C’ e C” são irmãos pelo lado de sua mãe, ou seja, irmãos uterinos.
Qualquer destes são, entre si, irmãos unilaterais.
Assim e exemplificando:
— A e X tiveram os filhos X e X’, que são, relativamente aC,Ce C”, irmãos consanguíneos.
É de notar que X* e X” não têm qualquer vínculo de parentesco com Y* e Y” por não terem
entre si qualquer progenitor comum.
b) Graus de parentesco
0 parentesco é medido por graus, e é tanto mais próximo quanto menos são os graus de
parentesco que há entre dois parentes.
A lei define a forma do cômputo dos graus de parentesco, partindo aliás de uma base natural
de contagem das diversas gerações.
O art. 1581.°, n.° 1 do Código Civil explicava como se fazia o cômputo dos graus, dizendo:
«Entre parentes na linha reta, há tantos graus quantas as pessoas que formam a linha de
parentesco, excluindo o progenitor.»
O n.° 2 do art. 1581.° dizia que na linha colateral se contavam os graus pela mesma forma,
subindo por um dos ramos e descendo pelo outro, mas sem contar o progenitor comum.
0 Código de Família faz por igual forma a contagem dos graus de parentesco, embora no art.
10.° se fale de gerações e não em pessoas que compõem a linha de parentesco.
Aplicando estes conceitos, veremos que a contagem dos graus de parentesco se faz contando
as gerações entre as pessoas em causa, ou contando os parentes incluídos na linha de
parentesco e excluindo o progenitor comum, consoante se trate de linha reta ou linha
colateral.
Assim, entre o pai e um filho há um grau de parentesco; entre avô e neto, dois
Na linha colateral, temos os irmãos como parentes em 2.° grau; tio e sobrinho, parentes em 3.°
grau; os primos filhos dos irmãos, parentes em 4.° grau e os filhos
A lei civil impõe limites ao parentesco na linha colateral, já que, na linha reta, o parentesco não
qualquer limite.
Assim dispunha o art. 1582.° do Código Civil, ao dizer que, salvo disposições de lei em
contrário, os efeitos do parentesco produziam-se em qualquer grau da linha reta e até ao
sexto grau da linha colateral.
Na linha reta não há limites de parentesco, pois eles resultam do facto natural do termo da
longevidade humana, que não permite que coexistam vivas mais de três e raramente quatro
gerações.
O direito canónico faz a contagem dos graus de parentesco de uma forma diferente, contando
só o número de gerações entre o ascendente comum e os parentes em causa. Segundo este
critério, os irmãos são parentes em l.° grau; os primos co-irmãos, parentes em 2.° grau; os
primos segundos, parentes em 3.° grau, etc.. Havendo dois ramos de extensão diferente,
conta-se o mais extenso, como o parentesco entre tio e sobrinho, que é do 2.° grau.
Verifica-se que estes efeitos tendem, cada vez mais, nas diversas legislações, a produzir-se
entre parentes de graus mais próximos, pois a família extensa vai perdendo a sua importância
social e, restringindo-se o círculo familiar, vai ganhando maior relevo a família restrita.
a) Efeito sucessório
A classe dos sucessíveis vem ordenada de forma escalonada, de acordo com a ordem e a
proximidade do grau de parentesco.
O art. 249.°, n.° 1 do Código de Família dispõe sobre quem está obrigado a prestar alimentos
ao menor, mencionando em primeiro lugar os pais e adotantes e depois os outros
ascendentes, irmãos maiores, e tios e o padrasto ou madrasta, o que significa que a obrigação
de alimentos a um menor se estende até ao 3.° grau da linha colateral e a um afim, como
veremos.
Entre maiores, a obrigação vem regulada no n.° 2 do art. 249.° e estabelece-se entre cônjuge
ou ex-cônjuge, descendentes ou adotados e irmãos, ou seja, na linha colateral a obrigação
estende-se só até aos parentes do 2.° grau.
c) Impedimento matrimonial
0 parentesco produz ainda efeitos no campo do direito matrimonial, pois pode constituir
impedimento matrimonial.
O art. 26.° proíbe o casamento entre parentes ou afins na linha reta na sua alínea a), e o
casamento entre parentes do 2.° grau da linha colateral na sua alínea b). Os atuais artigos 25°
e 26° do Código de Família foram reformulados na sua redação após a consulta popular
efetuada sobre o projeto do Código para tornar mais compreensível o seu conteúdo. No corpo
destes artigos definc-se agora o próprio conceito de impedimento matrimonial absoluto c
relativo.
A redação do art. 26.°, alínea b) também foi alterada, pois onde antes se mencionavam os
«irmãos naturais ou adotivos» passou a dizer-se «parentes no segundo grau da linha
colateral», o que, por força do que já vem estatuído no art. 8.°, tem precisamente o mesmo
alcance.
Esta questão foi objeto de controvérsia aquando da consulta popular do projeto do Código de
Família.
Tal tipo de união seria considerada incestuosa em diversas áreas do direito costumeiro no
nosso País.
Não obstante, essa posição não prevaleceu, porque se concluiu que não seria necessário
proibir tal tipo de casamento quando fosse o próprio direito costumeiro a rejeitá-lo.
O casamento entre tia e sobrinho ou tio e sobrinha poderá, pois, ocorrer entre nubentes que
não sigam as normas predominantes do direito tradicional, pelo que a proibição não foi
introduzida no Código de Família como impedimento matrimonial.
Também veremos que o parentesco tem relevância no exercício de certas funções de natureza
familiar, como a de membro do conselho de família (art. 17.°, n.°s 1 e 2), ou a de tutor de
menor ou interdito (arts. 233.° e 235.°).
A função de membro do conselho de família é atribuída aos parentes das partes no processo e
a tutela cabe em primeiro lugar, de forma genérica, aos parentes do tutelado.
De igual modo podem os herdeiros propor certas ações de estado, como a do reconhecimento
da união de facto por morte de um dos companheiros (art. 123.°, b)) e de impugnação de
declaração de filiação (art. 189.°), e os parentes na linha reta têm o direito de prosseguir na
ação de anulação de casamento (art. 68.°, n.° 1).
e) Impedimentos e inabilidades
O parentesco impede, por outro lado, o exercício, em determinados casos, das funções de
alguém que nelas está investido. Pode fundamentar o impedimento do Juiz, no caso do art.
122.°, n.° 1, alíneas b) e d) do Código de Processo Civil, que se referem cônjuge aos parentes
ou afins na linha reta ou no 2a grau da linha colateral ou ser causa de dedução de suspeição
com os fundamentos do art. 127.°, n.° 1, alíneas a) que se refere ao cônjuge e aos parentes e
afins na linha reta até ao 4o grau da linha colateral e d) que se refere ao cônjuge e aos
parentes ou afins na linha reta, do mesmo Código, nos casos aí especificados.
O Código de Processo Civil, no seu art. 618.°, alínea b), define quais são as inabilidades legais,
por motivo de ordem moral, para depor como testemunha, mencionando os descendentes e
os ascendentes.
0 Código de Processo Penal tem normas proibindo certos parentes de serem testemunhas (art.
216.°, n.° 3) e proíbe as perguntas sobre certos factos aos parentes, afins e cônjuges (artigo
218°). O art. 125.° do Código de Processo Civil torna extensivos aos representantes do
Ministério Público e aos funcionários judiciais os artigos do Código de Processo Civil que
regulam os impedimentos e suspciçóes dos juízes.
O vínculo do parentesco tem também relevância no campo do direito penal, pois, nos casos
em que existe parentesco entre o réu e a vítima, tal facto pode constituir circunstância
agravante, como no caso do crime de parricídio, que prevê a qualidade de ascendente da
vítima como circunstância qualificativa do homicídio — art. 355.° do Código Penal. No
Anteprojeto do Código Penal o art. 136.°, alínea a) pune como homicídio qualificado aquele
que for cometido contra ascendente, descendente, adotante ou adotado ou parente até ao
3ograu da linha colateral.
Quando o agente tenha agido em desafronta de parente, essa circunstância é tida em conta
para a atenuação da culpa — art. 39.°, n.° 13 do Código Penal.
O parentesco tem igualmente relevância no direito do arrendamento, pois o Dec. n.° 43 525,
de 7 de março de 1961, reconhece o direito à transmissão do arrendamento, por morte do
arrendatário, para o cônjuge, descendentes c ascendentes, nas condições fixadas no art. 76.°.
CAPÍTULO 6.°
A AFINIDADE
O vínculo de afinidade, segundo a lei, é aquele que liga cada um dos cônjuges aos parentes do
outro cônjuge. É o vínculo que deriva da aliança entre marido e mulher e que se estende à
família do outro cônjuge. Não advém de laços de sangue mas do casamento.
É, assim, um vínculo pessoal que liga uma pessoa a todos os parentes do respetivo cônjuge.
O art. 14.° do Código de Família diz: «Os parentes de um dos cônjuges são afins do outro
cônjuge».
A afinidade inicia-se com o casamento e só produz efeitos a partir da sua celebração. Ao
contrário do que acontece, por exemplo, com o estabelecimento da filiação, não tem efeitos
retroativos.
A afinidade não advém do facto natural da procriação e tem como causa o ato jurídico do
casamento, constituindo-se em relação a um parentesco alheio, ou seja, ao parentesco do
outro cônjuge. Mas como a afinidade não gera afinidade já não liga o cônjuge aos afins do
outro cônjuge.
O art. 15.° do Código de Família diz precisamente que a afinidade se determina pelas mesmas
linhas e graus que definem o parentesco por laços de sangue. Idêntico teor quanto às linhas e
graus de afinidade vinha consagrado no art. 1585.° do Código Civil.
ss
Vínculo da Afinidade
(ENTEADO)
Figura 4 — Afinidade
B é filha de C e D.
B é irmã de B\ B” e B”\
B é mãe de F.
A é genro de C e D que, por sua vez, são, respetivamente, seu sogro e sogra, sendo estes seus
afins no l.° grau da linha reta, a qual é ascendente em relação a A e descendente em relação a
C e D.
A é cunhado de B, B’ e B”, que, por isso, são seus afins no segundo grau da linha colateral.
A é padrasto de F, o qual é enteado de A, ou seja: A e F são afins no 1.° grau da linha reta,
descendente em relação a A e ascendente em relação a F.
acrescentando-se «por afinidade» para expressar que o vínculo não está estabelecido por
laços de sangue.
Como se explicitou, a afinidade não se estabelece com os afins do cônjuge mas tão só com
parentes do próprio cônjuge.
Tal conceito estrito da afinidade não é aquele que predominou no passado e que ainda
predomina na sociedade tradicional africana, em que o casamento vai estabelecer vínculos de
aliança entre os próprios familiares de ambos os cônjuges.
A afinidade, tal como é reconhecida na lei vigente, restringe-se, pois, ao vínculo que une os
cônjuges aos parentes do outro cônjuge, mas não se estabelece entre os parentes de um dos
cônjuges e os parentes do outro, nem se estende aos seus afins. Assim, os irmãos de um dos
cônjuges são cunhados do outro cônjuge, mas já os cônjuges dos irmãos não são seus afins. E
igualmente os irmãos de um cônjuge são cunhados do outro cônjuge, mas não têm qualquer
vínculo com os irmãos dele.
Da mesma forma, se algum dos cônjuges tiver filhos de anteriores matrimónios, estes filhos
não são afins entre si, e por isso nada impede que venham a contrair matrimónio.
De igual modo, a união de facto que não chegou a ser reconhecida não é causa de constituição
do vínculo da afinidade.
Segundo o Código de Família, a afinidade também tem relevância para o exercício de certos
cargos de natureza familiar, como o de membro do conselho de família (art. 17.°, n.° 1), o
cargo de tutor do menor (art. 233.°, n.° 2).
Também o vínculo de afinidade em linha reta impede que alguém seja chamado a depor como
testemunha nas causas cíveis em que os seus afins sejam parte, e, nos processos de natureza
criminal, o impedimento abrange também os afins em 2.° grau, ou seja, os cunhados.
O vínculo de afinidade está dependente do próprio casamento do qual ele deriva, e segundo a
conceção de que o casamento válido devia perdurar em princípio por toda a vida dos cônjuges,
entendia-se que a afinidade devia prevalecer depois da dissolução do casamento.
A orientação de que o vínculo da afinidade perdurava mesmo depois da dissolução por morte
ou por divórcio do casamento é a consagrada no art. 1585.° do Código Civil Esta é a posição
adotada por outras legislações, como o direito civil francês, italiano e espanhol.
O teor da proposta do projeto era o seguinte: «Salvo para o efeito de constituir impedimento
matrimonial, a afinidade cessa nos casos de dissolução do casamento por divórcio e ainda nos
casos de dissolução por morte quando o cônjuge sobrevivo contraia novas núpcias».
Mas, após a discussão popular do projeto do Código de Família, prevaleceu a opinião de que a
afinidade devia continuar em todos os casos após a dissolução do casamento, fosse ela por
morte ou por divórcio.
A razão fundamental foi a do receio de que a dissolução do vínculo pudesse vir a afetar as
relações entre os afins do cônjuge e os filhos havidos durante o casamento, ou seja, avós e tios
relativamente aos descendentes do cônjuge que faleceu ou se divorciou.
pois o vínculo de parentesco com os menores não é afetado pelo divórcio dos pais, o projeto
foi alterado, dispondo o art. 15.°, n.° 2.° do Código de Família que: «A afinidade não cessa pela
dissolução do casamento». No entanto assinala-se que na recente reforma do direito de
família português o correspondente art. 1585.° do Código Civil foi alterado e afinidade só não
cessa pela dissolução de casamento por morte.
Em qualquer caso, é preciso ter em conta que a dissolução do casamento faz com que os
parentes do ex-cônjuge que surjam após a dissolução já não sejam afins do outro cônjuge.
Por exemplo, os filhos do outro cônjuge tidos antes do casamento, ou os filhos nascidos de
terceira pessoa durante a vigência do casamento são enteados do cônjuge. Mas os que
nascerem depois de declarado o divórcio, já o não são.
CONSELHO DE FAMÍLIA
O novo Código de Família veio dar especial relevo ao Conselho de Família, que surge como
órgão coadjuvante das funções judiciais, chamado a intervir nas diversas ações relativas às
relações jurídicas familiares.
É sabida a importância que nas relações familiares tem a intervenção dos membros da família
de uma e de outra parte, para resolver os litígios que se deparam na vida familiar. São as
chamadas «reuniões de família», que são convocadas para apreciação e deliberação sobre
questões e dissídios que surgem nas relações entre membros da comunidade familiar.
Normalmente são chamados a intervir os elementos mais idosos ou os considerados mais
idóneos pelos demais familiares.
Partiu-se da ideia de que os membros da família são os que, em princípio, melhor devem
conhecer os problemas e os factos que se processam no seu seio, suas causas e possíveis
efeitos e que, por isso, serão quem melhor poderá informar e dar parecer ao tribunal sobre as
questões submetidas a julgamento.
O Conselho de Família deve, por conseguinte, intervir nas ações em que se discute a
constituição, modificação ou extinção das relações familiares. Por esse motivo, as normas que
se lhe referem vêm inseridas no Capítulo IV do Título II, «Constituição da Família».
O projeto do Código de Família referia-se ao Conselho de Família em dois únicos artigos. Após
a conclusão da discussão popular e em razão da importância que se reconheceu ter este novo
órgão nas ações familiares, foram introduzidas novas disposições legais, que ampliaram a sua
intervenção e vieram regular a forma
Quis-se deste modo sublinhar que as questões familiares nem sempre são do foro
exclusivamente pessoal das partes envolvidas e que elas se repercutem no meio social em que
as partes se inserem.
No Código Civil os poderes atribuídos ao Conselho de Família eram muito restritos e previam-
se unicamente no instituto da tutela, nos arts. 1951.° e seguintes. O Conselho de Família era
constituído unicamente por dois vogais e pelo representante do Ministério Público, que a ele
presidia.
Outro alcance é dado no Código de Família à intervenção deste órgão como coadjuvante da
administração da justiça, pois a sua participação junto do tribunal vai desde logo permitir que
sejam esclarecidas as questões que estão na base dos litígios existentes, dando ao Juiz uma
versão dos factos muito mais próxima da realidade do que aquela que se pode obter através
dos depoimentos de testemunhas.
a) Natureza consultiva
As deliberações do Conselho de Família não têm, assim, caráter executivo mas meramente
opinativo, pois, como a sua designação de conselho indica, trata-se de um corpo pluripessoal
que dá o seu parecer sobre a causa em apreciação, mas que não pode decidir a questão.
No entanto, dada a composição do próprio órgão, a deliberação que vier a ser tomada,
mormente no caso de ser tomada por unanimidade, terá indiscutível peso na apreciação que o
tribunal fizer da causa.
O tribunal não está, porém, adstrito ao parecer do Conselho de Família, pois, de acordo com os
princípios que regem a função jurisdicional, o Juiz só tem que
decidir de acordo com a sua convição íntima, a partir de todos os elementos de facto
constantes dos autos e segundo os preceitos da lei a que deve obediência.
Não obstante, se o tribunal entender ser de afastar o parecer do Conselho de Família, deverá
justificar os motivos que o levaram a não o aceitar; deverá ainda o tribunal expressar-se sobre
o grau de isenção e imparcialidade que tiver sido evidenciado pelos membros do Conselho de
Família ao pronunciarem-se sobre as questões postas à sua apreciação.
O Conselho de Família é constituído por quatro membros. Dispõe o Código de Família no art.
17.°, n.° 1 que «O Conselho de Família é constituído por quatro pessoas que não sejam parte
na ação.»
Quer-se assim dizer que os membros que compuserem o Conselho de Família não devem ter
qualquer interesse direto na decisão do caso.
A escolha deve ser feita seguindo esta ordem de prioridade: em primeiro lugar os parentes,
preferindo os de grau mais próximo, depois o cônjuge e os afins.
Quando não for possível integrar qualquer destes familiares, poderão então ser chamados a
fazer parte do Conselho de Família pessoas que convivam com as partes, ou seja, das suas
relações sociais.
Para intervir na ação pendente os membros do Conselho de Família devem ter residência na
área de jurisdição do tribunal. É que pode acontecer que as pessoas da família das partes
residam fora dessa área de jurisdição do tribunal ou até fora do País. Neste caso, a lei permite
que o Conselho de Família seja integrado por pessoas que, muito embora não façam parte do
grupo familiar, pertençam ao círculo de relações das partes.
O art. 17.°, n.° 2 impõe a regra da representação equitativa dos membros do Conselho de
Família, por forma a garantir um justo equilíbrio no seu funcionamento.
Deste modo, se se tratar de ações em que sejam partes marido e mulher ou companheiros de
união de facto, o Conselho de Família será constituído:
— por dois membros da linha paterna e dois membros da linha materna do filho.
Nas demais ações, designadamente de alimentos fora dos casos atrás apontados, por dois
membros da família de cada uma das partes, segundo a mesma ordem de precedência. 0 que
se pretende é que as duas famílias, tendo como referência o homem e a mulher, o filho ou
interdito ou ambas as partes, tendo em conta a sua ascendência paterna e materna ou as
respetivas famílias, estejam representadas em igualdade de condições.
Em princípio, a parte que pretenda que o Conselho de Família intervenha na ação deve indicar
quais os membros que, pelo seu lado, o devem integrar, identificando-os na petição inicial,
devendo a outra parte proceder de igual modo na sua contestação.
Se a parte que tenha o dever de indicar os membros do Conselho de Família o não fizer, o
tribunal poderá fixar às partes um prazo para o fazerem e, caso tal não seja acatado, será o
próprio tribunal a nomeá-los, depois de recolhidas as necessárias informações. Permite ainda a
lei que o tribunal, procedendo de forma idêntica, substitua os membros do Conselho de
Família quando necessário.
É desta forma que o art. 18.° do Código de Família regula a indicação dos membros do
Conselho de Família.
c) Funcionamento
Uma vez constituído o Conselho de Família, devem os seus membros, quando forem chamados
a intervir no tribunal, prestar juramento perante o Juiz, comprometendo-se a desempenhar
fielmente as suas funções.
Entendemos ser aplicável o disposto nos arts. 559.°, 593.° e 635.°, n.° 1, Código do Processo
Civil, que mandam prestar juramento a todos os que intervêm em tribunal, mormente aos
peritos que juram desempenhar fielmente as suas funções. São funções de aconselhamento
judicial que lhe é atribuído por lei e que se reveste de toda a relevância na decisão da causa.
Ao serem chamados a desempenhar tão importante papel, «encargo que lhes é confiado», e a
opinar sobre o conflito em apreço do qual resultam efeitos decisivos para as partes e até para
terceiros, os membros do Conselho de Família devem pôr acima de tudo a verdade e a justiça e
desempenhar o cargo de boa fé, procedendo com isenção e com espírito de neutralidade, de
forma a ajudar o
O Conselho de Família só poderá reunir quando estiverem presentes pelo menos um membro
indicado por cada parte, e deve tomar as suas deliberações por unanimidade. Quando tal não
for possível, a decisão será tomada por maioria dos seus membros — art. 19.°, n.° 1.
Quando não for possível obter uma deliberação, por não se conseguir maioria, deve o tribunal
mandar constar da ata o conteúdo das opiniões expressas, por forma sucinta — assim o
determina o n.° 2 do art. 18.° do Código de Família.
Admite-se deste modo que cada membro do Conselho de Família possa expressar
individualmente o seu parecer, no caso de não ser possível obter-se uma deliberação que
vincule o órgão.
Noutras ações, a lei indica que o Conselho de Família poderá vir a intervir facultativamente,
seja por iniciativa das partes, seja por iniciativa do próprio tribunal, quando o considere útil
para a decisão da causa.
Convém, porém, ter em atenção que, por força do art. lé.°, n.° 2 do Código de Família, a
intervenção facultativa do Conselho de Família depende não só do facto de as partes tal
requererem mas ainda do tribunal entender que o pedido é pertinente.
A intervenção do Conselho de Família fica, pois, nestes casos, sujeita ao prudente arbítrio do
julgador.
c) na escolha do nome do filho no caso de desacordo dos pais — art. 133.°, n.° 2;
a) nas ações de divórcio, quando for útil à conciliação dos cônjuges — art. 105.°, n.° 3;
c) em todas as demais ações familiares, segundo a regra geral do art. 16.°, n.°l
A FILIAÇÃO
A filiação é a relação jurídica que se estabelece entre cada pessoa e os seus progeni¬tores.
Como os demais direitos familiares, é de natureza intercorrente e recíproca e estabelece-se
entre alguém e aquele homem e aquela mulher que o conceberam.
A filiação constitui, por isso, o primeiro elo, certamente o mais profundo, entre todos os que
constituem as relações de parentesco.
A situação jurídica do filho constitui um estado familiar que assume importância fundamental
dentro das relações de família. É nas relações de filiação que se manifesta com maior relevo o
princípio de solidariedade e cooperação que deve prevalecer entre os membros da família de
grau mais próximo, ou seja, entre pais e filhos.
O n.° 2 do art. 127.° do Código de Família explicita que: « Os direitos e deveres paternais
devem ser exercidos em beneficio dosfilhos e da sociedade».
Estamos perante verdadeiros poderes funcionais que são atribuídos ao respetivo titular mas
de que não é este o beneficiário.
da sua vida, a saúde e o normal desenvolvimento e mais ainda a sua defesa quanto ao aspeto
da sua formação moral, inteletual e profissional. Por isso o Estado dá uma especial atenção ao
modo como são exercidos os direitos e os deveres paternais, impedindo que eles assumam
formas antissociais que prejudiquem a criança e a própria sociedade onde ela vive.
Podemos dizer que o Estado controla a forma como os pais exercem os seus direitos e deveres
funcionais, chamando o tribunal a intervir quando eles são exercidos contra os interesses dos
filhos ou quando os pais os maltratam física ou inteletualmente, ou são negligentes no seu
exercício, abandonando-os e não lhes prestando a devida proteção e assistência.
Tal como consta da Lei do Julgado de Menores aprovada pela Lei n.° 9/96, de 19 de abril e do
Decreto n.° 6/03, de 28 de janeiro que aprovou o código de Processo de Julgado de Menores e
legislação complementar, o Estado através dos seus órgãos judiciais e de assistência deve
proteção social à criança.
Os direitos dos menores merecem pois, especial proteção por parte de todos os órgãos
estatais com competência para intervir nos assuntos que a eles dizem respeito, tal como os
Tribunais, a Procuradoria da República, as Conservatórias do Registo Civil, os organismos de
assistência, etc., constituindo uma área em que está em causa o interesse público.
O papel dos pais na criação e educação dos filhos é considerado de primordial importância,
tendo sempre em conta que os pais têm o dever de o exercer no interesse da sociedade em
geral, colaborando com as escolas e as instituições sociais de apoio à infância e à juventude na
formação das crianças e dos jovens.
Podemos definir o instituto jurídico de filiação como o conjunto de normas que estabelece
essa relação específica entre pais e filhos, bem como as que definem os direitos e deveres
recíprocos entre uns e outros.
A palavra filiação vem do termo latino filliatio, que tem a sua raiz na palavra fillius, da qual
derivou «filho».
A situação jurídica de filho é assim um estado familiar de caráter permanente, situação essa
que, vista em sentido inverso, corresponde à situação jurídica de pai e de mãe respetivamente.
A filiação é, pois, o vínculo jurídico que liga o filho a cada um dos seus progenitores.
A relação jurídica de filiação desdobra-se em dois vínculos, o que se estabelece entre o filho e
o pai e o que se estabelece entre o filho e a mãe.
Ao falar-se de filiação pensa-se em geral na filiação natural biológica. Mas no nosso sistema
jurídico ela abrange igualmente a filiação adotiva.
Esta molda-se, aliás, precisamente nos termos em que se processa a filiação natural, com a
diferença de o vínculo de adoção ter como causa a sua declaração por sentença constitutiva do
vínculo.
No direito de filiação estão abrangidas as relações entre pais e filhos, em regra a partir do
nascimento dos filhos, mas com maior relevância durante a sua menoridade, abrangendo o
chamado direito dos menores e o complexo de direitos e deveres que constituem a autoridade
paternal.
Essas relações prolongam-se sob forma diferente após a maioridade dos filhos e permanecem
em regra durante a vida de uns e de outros.
A relação jurídica de filiação tem como causa o facto natural da procriação e não está
dependente do estado de casado ou não casado do pai e da mãe. Veremos que, quando os
pais estão unidos pelo casamento, a lei faz presumir o vínculo de paternidade em relação ao
marido da mãe.
A base da filiação é essencialmente biológica. Mas, porque nem sempre se vai determinar
diretamente a filiação biológica, a lei socorre-se de determinados critérios legais para o seu
estabelecimento.
O Código de Família afastou desta forma o sistema segundo o qual a filiação se estabelece por
reconhecimento do progenitor (pai ou mãe), que seria um ato voluntário deste e por si só
constitutivo de direito.
No Código Civil anterior este ato era designado por «perfilhação». É agora aceite o sistema de
filiação assente no facto natural da procriação, com repercussão jurídica da filiação biológica.
O estabelecimento da filiação não depende, porém, da vontade do progenitor, pois ele pode
verificar-se por via de presunções legais, por via da declaração do progenitor, ou de terceira
pessoa, ou ainda advir de uma decisão judicial que a reconheça.
Para que os pais assumam a plenitude dos seus direitos e cumpram os seus deveres para com
os filhos, o Estado tem todo o interesse em que seja estabelecida a filiação, quer em relação
ao pai, quer em relação à mãe.
A Convenção sobre os Direitos da Criança no seu art. 7.°, n.° 1, consagra: «A criança será
registada imediatamente após o seu nascimento e terá direito desde o momento em que
nasce a um nome, a uma nacionalidade e, na medida do possível, a conhecer os seus pais e a
ser cuidada por eles.»
Este artigo consagra afinal o direito à identidade que assiste a cada ser humano, distinguindo
cada pessoa de todas as outras.
Este direito vem corroborado no art. 8.° da mesma Convenção que obriga a «respeitar o
direito da criança de preservar a sua identidade, inclusive a nacio¬nalidade, o nome eas
relaçõesfamiliares.»
Por sua vez a Carta Africana dos Direitos e Bem Estar da Criança no seu art. 6.° assegura que a
criança tem «direito ao nome, o direito ao registo e o direito a uma nacionalidade.»
O Decreto n.° 31/07, de 14 de maio, veio no seu art. l.° determinar «Agratuitidade do registo
de nascimento e de óbito para a primeira infância (...) e na atribuição do bilhete de identidade
a menores na faixa etária prevista no artigo 7.°». Este diploma veio tomar gratuito o registo de
nascimento efetuado dos 0 aos 5 anos de idade e a concessão gratuita do bilhete de
identidade aos menores dos 8 aos 11 anos de idade.
O conceito de filiação hoje corrente como vimos, não é o que existia anterior¬mente e que
contrapunha os filhos legítimos (que advinham do casamento dos pais) aos filhos ilegítimos ou
filhos naturais, estes muitas vezes considerados como filhos nascidos do pecado, os filhos
bastardos.
Hoje aceita-se que a família tanto pode ser constituída com base no casamento, como na
união de facto, no parentesco com base nos laços de sangue, ou na adoção, não havendo lugar
à discriminação entre os seus membros em razão da sua proveniência. Assim, todos os filhos
têm, em relação aos pais, iguais direitos e deveres, independentemente da existência ou não
de vínculo matrimonial.
Aliás o atrás citado art. 35.° da Constituição veio no seu n.° 5 dispor: « Osfilhos são iguais no
seio da família, sendo proibida a sua discriminação e a utilização de qualquer designação
discriminatória relativa à filiação.»
Os pais têm, em relação aos seus filhos nascidos dentro ou fora do casamento, iguais direitos e
deveres e o Código de Família já consagrara no seu art. 128.° a igualdade dos filhos, dispondo:
«Osfilhos têm iguais direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres para com os pais, estejam
estes unidos ou não pelo casamento.»
Para o que agora nos interessa, e que é o estabelecimento do vínculo jurídico da filiação,
importa desde já aceitar que a filiação pode advir, além da forma normal da conjugação carnal
entre um homem e uma mulher, e de outras formas englobadas na designação genérica de
«procriação medicamente assistida ».
É evidente que as diversas situações que foram descritas exigem um condicio¬nalismo legal
que as regulem, bem como um suporte de princípios éticos em que se baseiem e que variam
consoante as convições aceites pelas diferentes comunidades humanas.
No caso das mães portadoras importa definir se o filho deve ser atribuído à mulher que deu o
óvulo ou àquela que suportou todo o processo de gestação e em cujo útero ele se desenvolveu
sucessivamente até ao nascimento. No caso de acordo prévio com a mãe portadora sobre a
entrega final do filho à mulher que deu o óvulo e em cujo interesse se baseou a gravidez, como
classificar esse acordo e qual a sua validade?
Princípios éticos e jurídicos, tais como o do anonimato dos doadores, da gratuitidade das
doações com proibição de venda de materiais genéticos, impres- cindibilidade do
consentimento dos diversos intervenientes nos procedimentos usados, são já geralmente
aceites. Definir quais os limites a pôr ao direito à procriação que assiste a cada ser humano, e
se o mesmo deve estar condicionado ao facto do progenitor ser heterossexual ou
homossexual, têm sido objeto de acesas controvérsias.
Questiona-se se o direito à procriação deve ou não ser considerado como um direito humano
fundamental, se deverá ser limitado ao condicionalismo económico-social do genitor. Por
outras palavras, como exigir tanto da futura mãe como do futuro pai uma maternidade e uma
paternidade consciente, tendo como prioritário o interesse da criança ?
Não temos ainda no direito angolano nenhuma legislação sobre toda esta complexa e
controversa matéria e o Código de Família faz só uma breve alusão à inseminação artificial que
ocorre dentro do casamento, dizendo no art. 192.°, n.° 2 que: « O marido da mãe não pode
impugnar a paternidade do filho concebido por inseminação artificial, à qual tenha prestado
consentimento».
Pressupõe-se, neste caso, que tenha havido doação de esperma por terceiro que não o
marido, o que se costuma designar por procriação heteróloga, por vir dum dador que não o
marido.
Dada a omissão do nosso sistema jurídico relativo à procriação medicamente assistida, o que
não significa que cidadãos angolanos a ela não recorram, teremos decerto que nos socorrer de
normas integradoras para preencher o vazio legal.
Em relação à titularidade substancial da filiação, a lei aponta critérios legais que vão auxiliar a
definir como se estabelece a filiação. Esses critérios variam consoante se trata de estabelecer o
vínculo da maternidade ou o vínculo da paternidade e ainda consoante se está perante filho
nascido do casamento ou fora do casamento.
Examinando as respetivas células com núcleo, o ADN (definido como uma macro molécula
complexa contida nas células de cada pessoa, mais precisamente no núcleo celular) determina-
se seja a identidade de cada indivíduo seja as dos respetivos progenitores.
O gene é uma unidade na cadeia do ADN, o qual é a molécula dentro do núcleo de cada célula.
Em termos muito simples, temos que cada ser humano tem em cada célula um núcleo que
contém 23 pares de cromossomas que constituem o genoma. Por exames específicos pode
adiantar-se, com uma margem de erro praticamente nula, quem é o pai biológico e a mãe
biológica de cada ser humano.
Havia pois uma diversidade de situações, que tinham então a sua raiz na incapacidade de
determinação biológica da paternidade e que costumava ser sintetizada, embora com
manifesto exagero, na expressão latina mater semper est certa, pater nunquam.
A mãe pode ser certa e por isso se fixa a regra segundo a qual o estabelecimento da
maternidade deriva do facto do parto.
A prova da identidade da pessoa que nasceu pode fazer-se, na normalidade dos casos, pela
posse de estado de filho em relação à mãe.
Há conceitos legais que têm que ser tidos em conta e que eram de capital importância para
entendimento desta matéria, mostrando-se hoje com muito menor relevância.
Uma das mais importantes, no âmbito do direito da família, é a posse de estado de filho.
A posse de estado de filho significa que este está a usufruir, de facto, da situação de filho,
estando na titularidade dos direitos e deveres que dessa posse derivam. A posse de estado
corresponde a uma situação material e aparente da situação de filho. O conteúdo da posse de
estado de filho, segundo os antigos comentadores, pode desdobrar-se em três aspetos
distintos e complementares: nomen, tratactus et fama.
O nome {nomen) significa que o filho usa o nome de família do pai ou da mãe, evidenciando a
sua integração na família e ainda simultaneamente que este, ao dirigir-se aos seus
progenitores, lhes chama respetivamente pai ou mãe, recebendo destes o nome de filho.
Ayk/tfrf (/£;»*) abrange a reputação que o filho tem junto do público em geral, e
especialmente junto dos familiares da mãe ou do pai e respetivo meio social, da sua situação
de filho. É o reconhecimento da situação de filho como tal, pela família e pela sociedade.
Para ser relevante, a posse de estado deve satisfazer determinados requisitos legais. Ela deve
ser contínua (isto é, prolongar-se no tempo sem interrupções) e deve ser constante. Ela deve,
em princípio, nascer no momento do nascimento do filho e prosseguir no tempo, de forma
pacífica e não equívoca.
A posse de estado de filho é um conceito que vai ser aplicado quer no esta¬belecimento do
vínculo da maternidade, quer no da paternidade. Para o estabe¬lecimento da paternidade ele
tem ainda maior relevância por constituir um índice preferencial da filiação biológica.
Como ainda veremos, ela vai ter relevância na questão da paternidade do marido em relação
aos filhos nascidos de mulher casada, e ainda como presunção geral da paternidade, no caso
dos filhos nascidos fora do casamento dos pais.
O art. 169.° do Código de Família define o conceito de posse de estado dizendo: «Dá-se por
estabelecida a posse de estado quando ofilho seja tido e tratado como tal pelo progenitor e
assim seja considerado pelafamília deste e pelas pessoas do seu meio social.»
O período legal de conceção é determinado em termos latos pela lei. Comprovado que o
pretenso pai manteve, com a mãe do filho, relações sexuais com caráter de continuidade
durante o referido período, faz-se derivar desse facto a presunção legal de que ele é
efetivamente o pai. Essa presunção legal funciona
quer no caso de casamento dos pais, quer no caso de simples união de facto, mesmo que não
reconhecida. Trata-se de uma presunção júris tantum, suscetível de ser afastada mediante
prova em contrário.
Para se fixar o período legal da conceção tem que se ter em conta, como ponto da partida, o
facto certo e determinado que é a data do nascimento do filho. Vai então contar-se
retroativamente, a partir da data de nascimento, um período imediatamente anterior de 300
dias.
O art. 166.° do Código de Família define este conceito e assume que a conceção do filho se
verifica nos primeiros 120 dias dos 300 que precederem o seu nascimento. Em termos gerais,
prevê-se que o tempo de gestação do ser humano se confine entre o mínimo de 6 meses e o
máximo de 10 meses.
a) não se conta o dia em que o nascimento ocorreu, como é regra do art. 279.°, alínea b)
do Código Civil, regra esta que é aplicável a todas as contagens de prazos fixados na lei por
força do art. 296.° do mesmo Código;
b) faz-se a contagem retroativa de 300 dias sobre a data do nascimento e vai assim fixar-
se o limite máximo de gestação do filho;
c) contam-se, a partir da data assim encontrada, 120 dias para diante, fixando-se o limite
mínimo de gestação, que não poderá ser inferior a 180 dias.
O período legal em que a conceção do filho se pode ter operado é, assim, todo o período dos
primeiros 120 dias que vão dos300aos 180 dias anteriores ao nascimento. Admite-se que a
fecundação se possa ter produzido em um dia qualquer desse período, o que vai fazer
funcionar a presunção de paternidade, que se pressupõe ter operado ornni meliore momento
dentro desse período de tempo.
Vejamos como exemplo o caso de uma criança nascida no dia 1 de dezembro de um ano não
bissexto. Para determinarmos qual o período legal da sua conceção, teremos que encontrar
qual o 300.° dia anterior ao seu nascimento, não contando o dia em que ele ocorreu.
O período máximo de conceção, ou seja, os trezentos dias, vai retroativamente cair no dia 4 de
fevereiro anterior. Contam-se então 120 dias para a frente dessa data e encontra-se o dia 2 de
junho. O período legal de conceção, neste caso, é aquele que decorreu entre os dias 4 de
fevereiro e 2 de junho inclusive.
Este período de tempo não é de natureza rígida, e costuma ser fixado tendo em conta o
interesse do filho, admitindo que a conceção pode ter decorrido dentro de todo esse período.
É possível, em concreto, fixar a data provável de conceção, através da determinação do
período em que se processaram as relações sexuais de que poderia ter decorrido a
fecundaçào.(3)
Ao fixar o período legal de conceção, o legislador teve em vista que o tempo normal de
gestação do feto humano é, no mínimo, de 180 dias, cerca de seis meses, e, no máximo, de
300 dias, cerca de 10 meses. Excecionalmente, admite-se que o período de gestação possa ser
inferior a 6 meses ou prolongar-se além dos 300 dias, podendo, segundo alguns, atingir os 302
ou 310 dias.
Se tal acontecer, terá que ser o interessado (o filho ou qualquer terceiro legitimamente
interessado) a fazer a prova de que a conceção ocorreu fora desse período. É o que dispõe o
n.° 2 do art. 166.° do Código de Família. Dá-se aqui a inversão do ónus da prova e o tribunal, de
acordo com a prova que for produzida, poderá fixar a data provável da conceção fora do
período legai.
A fixação da data provável da conceção pode ser pedida em ação específica proposta para esse
efeito, ou suscitada como questão de facto essencial em ação que vise o estabelecimento ou
impugnação de paternidade, quer para concluir que ela se deve dar como provada, quer para a
afastar no caso concreto.
No caso de haver casamento dos pais a filiação estabelece-se por presunção legal.
O casamento dos pais constitui a forma legal de constituição da família. Por isso mesmo, a lei
faz derivar dele, em relação ao marido e à mulher, simultaneamente,
(5) Guilherme de Oliveira, Critério Jurídico da Paternidade, p. 321. Coimbra, 1983: «A idade
gestacional (...) diminuindo o período legal de conceção para um espaço de tempo relevante
muito menor e conseguindo provar que a coabitação entre a mãe e o réu se verificou nessa
altura, o autor acrescenta nitidamente o valor causal da coabitação provada relativamcnte ao
nascimento(...).»
o estabelecimento da filiação no que toca aos filhos concebidos e nascidos na constância do
casamento.
É esta a regra que vem contida no art. 163.° do Código de Família.: «0 esta-belecimento da
filiação do filho concebido e nascido na constância do casamento, mesmo que seja anulado,
resulta relativamente a ambos os pais do facto do nasci¬mento, salvo os casos previstos nesta
lei.» O facto de o casamento poder vir a ser anulado não altera os efeitos jurídicos que ele
produz em relação aos filhos.
A regra da atribuição da paternidade dos filhos nascidos de mulher casada ao respetivo marido
tem as mais profundas raízes históricas e é comum a todos os sistemas jurídicos. É o princípio
do favor legitimitatis que visa proteger a prole nascida de mulher casada e nascida e concebida
na constância do casamento. A presunção legal de que o marido é o pai vinha já expressa no
direito romano que assim se expressava: pater is est quem nuptiae demonstrant.
Tal princípio radica no facto de que a vida matrimonial entre o marido e a mulher estabelece
entre ambos a plena comunhão de vida subjacente à própria substância material do
casamento.
A mulher casada deve manter relações sexuais com o seu marido, cumprindo o débito
conjugal, sendo certo ainda que ela está adstrita ao dever de fidelidade. Dessa dupla situação
deriva a regra legal da qual se infere que a paternidade dos filhos nascidos de mulher casada
deve atribuir-se ao marido da mãe, uma vez que é de admitir a exclusividade das relações
mantidas entre os cônjuges.
O dever de fidelidade da mulher ao marido faz derivar ope legis a regra legal de que o marido é
o pai dos filhos que nascem já na constância do casamento.
Esta regra geral só admite exceção quando não estiver estabelecida a posse de estado de filho
entre este e o marido da mãe.
Nos sistemas jurídicos que aceitam a classificação da filiação em filiação legítima e ilegítima,
entende-se que a filiação legítima é indivisível, porque, estabelecida a maternidade da mulher
casada, fica estabelecida a paternidade do marido desta, pois ninguém pode ser filho legítimo
de uma mulher unida pelo casamento a determinado homem sem que seja este homem o pai.
Ou, a contrario, se o marido não for o pai, o filho será forçosamente ilegítimo. Se a presunção
de paternidade do marido tiver que ser afastada, o filho deixará de ter o estatuto de filho
legítimo para estar ligado à mãe por um vínculo de filiação natural.
Em Angola como já vimos, a distinção entre filiação legítima e ilegítima deixou de ter
relevância, muito embora a existência do casamento entre os pais vá fazer derivar, por força
da lei, o vínculo de paternidade em relação ao marido da mãe. É a proteção do filho que se
tem em mente ao ser estabelecida a regra contida no art. 163.° do Código de Família.
De acordo com o conteúdo deste art. 163.°, é preciso distinguir entre o filho concebido e o
ülho nascido na constância do casamento.
Interessa agora invocar o conceito de período legal de conceção para melhor se aplicarem as
previsões deste art. 163.°.
Considera-se concebido dentro do período do casamento o filho que nascer a partir de 180.°
dia após a celebração do ato do casamento. Isto porque se deve ter em conta que o período
mínimo de gestação fixado na lei é de 180 dias.
O filho que nascer antes de decorridos 180 dias após a data do casamento (digamos, dentro
dos 179 primeiros dias posteriores ao casamento) considera-se concebido antes do
casamento. O nascimento durante vigência do casamento, a partir do 180.° dia posterior à
celebração do casamento, confere ao filho o pleno direito à atribuição do vínculo de
maternidade e paternidade em relação a ambos os cônjuges.
Considera-se ainda concebido durante o casamento o filho que venha a nascer até 300 dias
após a dissolução ou anulação do casamento.
Se a dissolução do casamento se tiver operado por morte do marido, os 300 dias contam-se a
partir do dia seguinte à data do seu falecimento.
Se o casamento se tiver dissolvido por divórcio já pode ser entendido que não é a data da
dissolução do casamento por sentença transitada em julgado que servirá para fixar o período
de 300 dias.
Em princípio, a contagem dos 300 dias deve ser feita a partir da data do trânsito em julgado da
sentença, de acordo com o art. 81.°, n.° 1 do Código de Família. Mas podem os efeitos pessoais
do casamento cessar antes de declarada a sua dissolução quando for fixado na sentença o fim
da coabitação. No caso de divórcio por mútuo acordo, o divórcio provisório proferido aquando
da conferência dos cônjuges, faz suspender o dever de coabitação dos cônjuges — art. 94.° do
Código de Família.
No caso do divórcio litigioso, pode qualquer dos cônjuges pedir que seja fixada na sentença
que declare o divórcio, a data do fim da coabitação e pedir que cessem, a partir dessa data, os
efeitos do casamento. É o que vem consignado no n.° 2 do citado art. 81.°. O que é
fundamental em cada caso, é determinar se durante o período legal de conceção o casal
estava ou não separado de facto.
o vínculo formal do casamento, ele de facto deixou de existir por ter cessado a plena
comunhão de vida.
O filho que nasça até 300 dias após a cessação da coabitação beneficia da presunção da
paternidade do marido da mãe. Esta regra, como já vincámos, é suscetível de ser afastada por
prova em contrário que possa demonstrar perante
0 tribunal que a gestação em concreto durou mais ou menos tempo, através de exames
periciais efetuados após o nascimento do filho.
Também a mulher poderá usar de meios de prova tendentes a demonstrar que, mesmo após a
cessação da coabitação, voltou a manter relações sexuais com o marido. Neste último caso,
deixará de funcionar a presunção legal de paternidade do marido da mãe, invertendo-se o
ónus da prova, cabendo à mulher fazer a prova da paternidade do marido. Estes princípios são
aplicáveis mutatis mutandis ao casamento que for anulado por sentença transitada em
julgado.
Considera-se concebido antes do casamento dos pais o filho que nascer até aos primeiros 179
dias posteriores ao casamento. Suponhamos que o filho nasceu em
Qualquer destas situações é hoje muito frequente. Muitas vezes, o facto de a mulher se
encontrar grávida antes do casamento leva a apressar o casamento para que o filho nasça
depois do casamento dos pais. Os filhos concebidos ou nascidos antes do casamento estavam,
segundo o critério do Código Civil, na situação de filhos ilegítimos. O casamento dos pais
operava a legitimação dos filhos. Os efeitos da legitimação, consignados no art. 1875.° o
Código Civil, eram os de conferir ao filho o estado e o título de filho legítimo.
O Código de Família trata desta matéria no seu art. 164.°, englobando na mesma disposição o
caso de a conceção ou o nascimento do filho se ter operado antes da celebração do
casamento.
Esta disposição já não tem em vista, como é óbvio, conferir aos filhos conce¬bidos ou nascidos
antes do casamento o estatuto de filho legítimo, que não tem hoje qualquer acolhimento
legal.
Com eia visa-se o acolhimento de uma situação muito generalizada de existência de filhos cuja
proteção se pretende assegurar, pois simplifica a forma do estabelecimento da sua filiação em
relação a ambos os pais, se este, por qualquer razão, ainda se não tiver operado. Assim,
permite-se que, por declaração efetuada no processo preliminar de casamento, os cônjuges
mencionem se existem filhos já concebidos, no caso filhos nascituros ou filhos já nascidos
anteriormente a essa data.
Se tal declaração for feita, o Conservador do Registo Civil deverá lavrar, concomitantemente
com o assento do casamento, o assento ou assentos de nascimento respeitantes aos filhos.
Isto no caso de os respetivos assentos de nascimento não terem sido lavrados, pois, se eles já
existirem, será averbada a sua filiação em relação a um ou a ambos os cônjuges consoante
tenha ou não sido já estabelecida a filiação em relação a ambos os pais.
Tem aqui plena aplicação o disposto no Regulamento do Ato de Casamento (o Decreto n.°
14/86), que obriga os nubentes a declararem se têm ou não filhos nascidos antes da
celebração do casamento (art. 3.°, n.° 2, alínea e)). Tendo em conta que existe muitas vezes
negligência por parte dos pais em proceder aos registo dos filhos, esta via permite, de forma
expedita e simplificada, obter a declaração que leva ao estabelecimento da filiação do filho em
relação a ambos os progenitores, caso tal se não tenha verificado antes.
Esta questão irá ser abordada a propósito da não existência de impedimento meramente
impediente designado como «prazo intemupcial» podemos porém explicitar qual a razão de
ser da disposição legal contida no art. 165.° do Código de Família.
Pode acontecer que uma mulher casada dissolva o seu casamento e vá contrair novo
casamento antes de decorridos 300 dias sobre a data da dissolução do casamento anterior.
Pode até dar-se o caso de uma mulher já casada vir a contrair segundo casamento sem estar
dissolvido o casamento anterior, ou seja, em situação de bigamia. Em tais situações,
deparamo-nos com conflitos de presunção de paternidade.
Ora, dentro da regra prescrita no art. 163.° em conjugação com a do art. 166.°, n.° 1, ambos do
Código de Família, os filhos nascidos até 300 dias após a dissolução do casamento presumem-
se filhos do marido da mãe. Mas se a mãe tiver contraído novo casamento logo a seguir à
dissolução do anterior casamento, dado que o Código de Família não instituiu nenhum prazo
intemupcial, pode haver dupla presunção de paternidade.
De acordo com o conceito de período legal de conceção que interessa para definir o que deve
entender-se por «filho concebido durante o casamento», se a mulher vier a contrair novo
casamento e se o filho nascer depois de 180 dias após a celebração do segundo casamento e
dentro dos 300 dias posteriores à data da dissolução do casamento anterior, vão entrar em
conflito duas presunções de paternidade, em relação a esse filho, a do primeiro marido e a do
segundo marido.
No caso de o segundo casamento ter sido realizado sem ter sido dissolvido o casamento
anterior, estaremos perante um casamento que está ferido de vício insanável por falta de
capacidade matrimonial da nubente. Mas, ainda que o casamento seja anulado, esse facto não
altera a presunção de paternidade em relação ao segundo marido. Como veremos em relação
aos efeitos do casamento anulado, estão salvaguardados, pelas disposições dos artigos 71.°,
n.° 3 e 163.° do Código de Família, os direitos dos filhos dele nascidos.
Daí que, por força destas disposições legais, possa vir a verificar-se conflito de presunções de
paternidade. Para resolver tal conflito deve ter-se em conta o que dispõe o art. 165.° do
Código de Família. Esta disposição contém a presunção legal de que, neste caso, a paternidade
seja atribuída ao segundo marido e não ao primeiro, e isto por uma questão de realismo, uma
vez que o relacionamento com o marido do último casamento deve ser aquele que, com mais
probabilidade, levou à fecundação.
Embora o art. 165.° do Código de Família não o diga expressamente, tem que se entender que
a presunção da paternidade do segundo marido é uma presunção juris tantum e como tal
pode ser afastada em ação própria de impugnação. Nessa ação de impugnação poderá intervir
quem nela tiver legítimo interesse, ou seja, o filho, representado pelo Ministério Público ou
por si próprio, quando maior, e o primeiro ou o segundo marido, para afastarem ou
reivindicarem a paternidade do filho.
Quando os pais não estão unidos pelo casamento, a lei não faz operar, relativa¬mente a eles, o
estabelecimento do vínculo de paternidade pelo facto do nasci¬mento, pelo que há que
operar o seu estabelecimento por via de presunções legais, quando tal for o caso em concreto.
a) Vínculo da maternidade
O art. 167.° do Código de Família contém a regra geral segundo a qual o estabe¬lecimento da
maternidade resulta, em qualquer caso, do facto do nascimento, como já foi mencionado.
Há, pois, que provar que uma mulher deu à luz determinado filho, bem como a identidade do
filho. Por nascimento deve entender-se a separação completa e com vida do feto do ventre
materno.
Se o feto se separa sem vida do ventre materno é um nado-morto, que não chega a ter
personalidade jurídica. A prova da identidade do fi lho faz-se, na generalidade dos casos, pela
posse de estado de filho, consubstanciada no tratamento próprio de filho que a mãe lhe
dispensa. Mas, na falta de posse de estado, essa prova pode ser por outros meios (prova
documental, por testemunhas, pericial etc.).
A falsa declaração sobre a existência de um parto por uma mulher que não tenha dado à luz,
constitui uma infração penal, o crime de suposição de parto, previsto no art. 340.° do Código
Penal. A falsa indicação de nascimento ou morte de filho é igualmente punida criminalmente,
nos termos do art. 341.° desse Código.41
ARTIGO 340.°
1. A mulher que sem ter parido, der o parto alheio como seu, ou que tendo parido filho vivo ou
morto, o substituir por outro, será condenada a prisão maior de 2 a 8 anos.
§ Io. A mesma pena será imposta ao marido, que for sabedor e consentir.
ARTIGO 341.°
Será punida com prisão maior de 2 a 8 anos e com multa a falsa declaração dos pais dum
infante, feita com o consentimento ou sem consentimento deles, perante autoridade
competente e com o fim de prejudicar o direito de alguém, e bem assim a falsa declaração
feita perante a mesma autoridade e com o mesmo fim, do nascimento ou morte de um infante
que nunca existiu.
ARTIGO 226.°
1. Quem declarar no registo civil nascimento inexistente é punido com pena de prisão de
1 a 3 anos ou com pena de multa de 120 a 360 dias.
2. Se a declaração for feita com a intenção de prejudicar outra pessoa a pena é de prisão
de 2 a 6 anos de prisão.
ARTIGO 227.°
(Parto suposto)
Quem der parto alheio como seu é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
A disposição do art. 167.° é bem clara ao dizer que o estabelecimento se opera, em qualquer
caso, pelo facto do nascimento, e isto tem o alcance de fazer produzir o efeito jurídico do
estabelecimento do vínculo, independentemente do facto de a mãe ter ou não idade núbil.
Mesmo que a mãe não tenha idade núbil, a maternidade considera-se estabelecida porque ela
não depende da vontade do progenitor, antes deriva do facto jurídico do nascimento.
b) Vínculo da paternidade
A lei estabelece dois casos de presunção da paternidade, mesmo que não haja casamento
entre a mãe e o pretenso pai.
Essas regras de presunção da paternidade vem expressas no art. 168.° do Código de Família,
que usa uma forma menos conclusiva do que aquela que consta do art. 167.° respeitante ao
estabelecimento da maternidade.
Diz o art. 168.° que a paternidade «pode resultar», expressão que indica uma simples
presunção legal, a admissão da possibilidade de que assim seja, e que o legislador quis acolher
na lei.
Trata-se de uma presunção ope legis, que a lei formula em benefício da atribuição da
paternidade aos filhos nascidos de pais não casados. Estamos perante uma disposição
inovadora que não constava do sistema jurídico anteriormente vigente. Esta disposição do
Código de Família visa fazer funcionar o beneficio da presunção legal de paternidade em duas
situações muito comuns entre nós e que em princípio devem levar a que se considere como
estabelecida a paternidade.
Em qualquer destes casos, o filho ou quem o represente, tem apenas que fazer a prova de que
se encontra na posse de estado de filho, ou que a sua mãe viveu em união de facto com aquele
que pretende ser o seu pai, durante o período legal da conceção.
Para aplicação do disposto no art. 168.°, alínea b), basta que tenha havido a situação de união
de facto durante o período legal da conceção. Não é necessário que a união de facto tenha
sido objeto de reconhecimento nem sequer se exige que reuna os pressuposto legais para que
se possa operar o seu reconhecimento.
O alcance deste art. 168.° é precisamente o de permitir que beneficiem da presunção legal de
paternidade em relação ao companheiro da mãe os filhos
nascidos de todas as uniões de facto existentes no nosso país, incluindo as uniões poligâmicâs,
que não poderão ser objeto de reconhecimento.
A força destas presunções legais não é, porém, de molde a impedir que o pretenso pai as
possa afastar e venha negar a sua paternidade. Simplesmente, se ele o quiser fazer, terá que
ser ele a provar que não é o pai.
A posse de estado de filho só pode ser afastada se o pretenso pai provar que, por razão
decisiva e convincente, veio a retirar ao filho o tratamento que lhe dispensava nessa
qualidade. Ou seja, o pai é que terá de provar o facto que alterou a situação anterior em que
considerava o filho como seu e que levou a modificar a titularidade da posse de estado de filho
que lhe atribuía.
No caso de presunção derivada de união de facto, será igualmente o pretenso pai que terá de
provar que a mãe manteve relações sexuais com outro homem durante o período legal de
conceção, ou que a união de facto se não verificou durante esse mesmo período, ou existia
impossibilidade física de o filho ser por si gerado.
Na verdade, quando os pais estão casados, podem e devem vir declarar o nascimento do filho,
podendo até ser só um deles a faze-lo. A declaração, nos termos do Código do Registo Civil,
que se aplica subsidiariamente, é obrigatória para os pais e até para terceiras pessoas
mencionadas na lei. Como declaração que é feita por um cidadão perante uma autoridade
pública, o funcionário do Registo Civil, ela está sujeita às regras de direito penal no caso de
falsidade.
ARTIGO 22.°
exercício das funções, identidade, estado, ou outra qualidade a que a lei atribua efeitos
Distingue o Código de Família entre a declaração feita pelo progenitor e a declaração feita por
terceiros. Esta declaração só se toma definitiva decorrido o prazo para impugnação, sendo que
o impugnante poderá ser, consoante os casos, ou a pessoa indicada como progenitor ou o
marido da mãe.
O pai ou a mãe têm o direito de declarar a sua situação para assumirem a titularidade
substancial do vínculo de paternidade ou de maternidade.
No caso de o filho nascer de mulher casada, já se não permite, a não ser a título excecional,
como adiante veremos, que outro homem que não o marido, venha declarar a sua
paternidade.
O outro caso dá-se quando se constitui o vínculo de adoção, entre o filho e outrem, que
assuma a posição jurídica de adotante.
Como veremos ao estudar o instituto da adoção, ele faz nascer entre o adotado e o adotante
uma situação legal em tudo idêntica àquela que une o filho ao pai ou à mãe natural.
Ora, se for adotada uma criança em relação à qual não estivesse estabelecido o vínculo de
paternidade ou de maternidade, a lei não consente que, depois de constituída a adoção, venha
o progenitor natural declarar que é pai ou mãe do adotado (art. 202.° do Código de Família).
No caso de os pais não serem casados, a declaração de paternidade ou de maternidade pode
ser feita em conjunto por ambos, ou separadamente. Uma declaração não depende da outra e
qualquer delas pode, indiferentemente, ser feita em primeiro lugar.
Tal não acontece em diversas legislações que, no caso de os pais não serem casados, não
permitem que seja feita em primeiro lugar a declaração de paternidade, nem que ela seja feita
separadamente pelo pai, sem a mãe dar o seu consentimento à declaração.
Entre nós, entendeu-se que essas restrições iriam prejudicar a situação do filho e por isso se
não faz depender a declaração de paternidade, por parte de quem se considera progenitor
natural, de qualquer condição de consentimento da mãe.
§ Io. A pena será de prisão até 1 ano quando as declarações se destinem a ser exaradas
em documento oficial.
$2°. Se a falsidade a que se referem o corpo do artigo e o § Io tiver sido cometida por
mãe e pelo pai e ainda por terceira pessoa. Mas a declaração por terceiro está sujeita a
determinadas condições legais e não tem valor definitivo, salvo se não for impugnada.
Quando a declaração de filiação é feita pelo progenitor, seja este o pai ou a mãe, tem uma
natureza jurídica própria e produz efeitos jurídicos específicos, distintos da declaração feita
por terceiros.
A declaração de filiação que o Código Civil designava como «perfilhação» tinha uma natureza
jurídica diferente daquela que ora está consagrada no Código de Família. Este não a considera
já como um ato unilateral de reconhecimento e de atribuição do vínculo da maternidade ou da
paternidade, pois não é através dele que o vínculo de filiação se constitui.
Na conceção do Código de Família, pode considerar-se a declaração feita pelo progenitor como
um ato jurídico voluntário e pessoal, mas não um negócio jurídico, dado que não é constitutivo
de direitos e os efeitos que ele produz não são determinados pelo próprio declarante, dado
que vêm estatuídos na lei. É uma declaração de ciência emitida pelo progenitor, «uma
declaração com a natureza jurídica de uma confissão». Ela faz fé do convencimento do
declarante quanto à maternidade ou paternidade que for declarada. Pode assim dizer-se que
estamos perante um ato jurídico stricto sensu.
A declaração produz efeitos retroativos pois estes vão ter início à data em que se operou o
nascimento, data em que se iniciou a relação jurídica de filiação.
É um ato pessoal, pois só pode ser levado a cabo pelo próprio ou por terceiro que seja
constituído como procurador com poderes especiais para o ato. É ainda um ato voluntário, que
deve dimanar da vontade livre e esclarecida da pessoa que emite a declaração. Se houver vício
na declaração por erro essencial, coação ou falsidade, a declaração pode ser anulada.
Uma vez operada a declaração, esta é de natureza irrevogável, pelo que não pode ser retirada
pelo declarante, como consta do art. 173.° do Código de Família. Pressupõe a lei que se trata
de uma confissão exata e feita de acordo com a verdade dos factos.
O art. 170.° do Código de Família refere-se ao estabelecimento da filiação operado por via de
declaração no caso em que se não verifiquem quaisquer das circunstâncias previstas nos
artigos anteriores, ou quando for de afastar a presunção de paternidade prevista na lei.
O art. 175.° do Código de Família estabelece as formas legais de que deve revestir-se a
declaração:
b) declaração perante o tribunal, que deverá ser reduzida a termo, de acordo com o
estatuído no art. 7.°, n.° 2 da Lei n.° 1/88, que aprovou o Código de Família;
A declaração do progenitor perante o funcionário do registo civil constitui a via mais comum
de reconhecimento do vínculo que o liga ao filho, e tanto pode constar do assento do
nascimento como ser feita posteriormente.
A declaração feita perante o tribunal pressupõe, como é óbvio, que esteja proposta em juízo a
pertinente ação para o estabelecimento da filiação.
Se a parte contra quem foi proposta a ação na qualidade de pretenso progenitor, aceitar a
imputação de maternidade ou paternidade que lhe é atribuída, o juiz da causa deverá mandar
exarar nos autos um termo do qual conste não só a identificação do progenitor como a do filho
e no qual seja recebida formalmente a declaração de filiação.
A declaração feita perante o notário pode constar de documento autêntico (como escritura
pública ou testamento) ou documento autenticado cujo conteúdo vise expressamente essa
declaração.
Tem-se discutido na doutrina se a declaração de filiação feita em testamento perderá a sua
validade no caso de o testamento ser revogado. O Código de Família não aborda
expressamente essa questão, mas, dada a forma como está redigido o art. 175.°, entendemos
que, se for válido o testamento quanto à capacidade do testador e à forma usada, e desde que
a emissão de vontade esteja isenta de vício, a declaração feita sobre a filiação constante desse
documento autêntico mantém plena torça para o estabelecimento do respetivo vínculo.
Em súmula podemos concluir que a declaração de filiação é um ato pessoal, voluntário, formal
e irrevogável.
Ocorre com frequência que, aquando da celebração de casamento de um homem com uma
mulher que já tem um filho anterior relativamente ao qual não foi ainda estabelecida a
paternidade, o marido, mesmo não sendo o pai natural, faz a declaração de ser ele o pai
natural, em declaração contrária à verdade, e com a cumplicidade da mãe.
A capacidade para emitir a declaração vem estatuída no art. 174.° do Código de Família, que
permite que ela seja feita por quem tenha a idade mínima para contrair casamento. São, por
conseguinte, capazes de fazer a declaração a mulher com mais de 15 anos de idade e o homem
com mais de 16 anos, em conformidade com o disposto na alínea a) do art. 174.° do mesmo
Código.
No caso de incapacidade do progenitor, a declaração deve ser suprida nos termos gerais de
direito, como prevê a alínea b) do mesmo do art. 174.°. Trata-se, porém, de ato de natureza
estritamente pessoal, pelo que a declaração provém sempre do próprio progenitor, ainda que
ele seja menor ou incapaz.
A declaração de maternidade pode ser estabelecida pela própria mãe a todo o tempo (art.
171.°, n.° 1 do Código de Família) e a declaração de paternidade pode ser estabelecido pelo pai
a todo o tempo (art. 172.°, n.° 1 do mesmo Código). Permite ainda a lei a declaração de
paternidade em relação ao filho nascituro, desde que identificada a pessoa da mãe (art. 176.°).
Esta possibilidade de fazer a declaração a todo o tempo tem que ser, porém, compreendida
dentro dos termos legais, pois, além do caso da constituição do vínculo da adoção, que já
mencionámos atrás, há ainda outra restrição que vem prevista no art. 177.°, n.° 2, em relação
a filho maior, pois neste caso a declaração não poderá ser feita sem o consentimento do filho.
Entende-se que se o progenitor não cumpriu o seu dever de declaração da sua qualidade de
pai ou de mãe, até à maioridade do filho, ou seja na fase da infância e juventude quando ela
era mais necessária, este deve ser ouvido sobre tal declaração, e, de acordo com o seu
interesse, vir ou não a prestar o seu consentimento a tal ato.
Se, entretanto, o filho houver falecido e tiver deixado descendentes, serão estes, por si ou
pelos seus representantes legais, que deverão prestar o consentimento — art. 177.°, n.° 2, já
citado. As razões para tal condicionalismo legal são as mesmas do n.° 1, pois entendeu-se que
se transmite aos herdeiros do filho falecido o direito de consentir ou não na declaração. Se o
filho já tiver falecido sem deixar descendentes, deve entender-se que a declaração já não pode
ser emitida porque já não há quem preste consentimento.
No caso de filiação incestuosa a que se refere o art. 183.° do Código de Família, ambas as
declarações podem ser emitidas, mas a que for feita em segundo lugar será considerada
secreta. A filiação incestuosa é que resulta do facto de pai e mãe
Não obstante, fica a permanecer, segundo o n.° 2 do art. 183.°, a obrigatoriedade da prestação
de alimentos do segundo progenitor em relação ao filho, sendo ainda a filiação relevante para
a constituição de impedimento matrimonial.
O Código de Família veio permitir que a declaração seja feita, em determinadas condições
legais, por terceira pessoa que não o progenitor.
Com o alargamento a terceiros da possibilidade de fazer tal declaração teve-se em mente levar
a que seja possível o estabelecimento da filiação em um maior número de casos.
Dado, porém, o melindre que pode advir de declaração feita por terceiro, o Código de Família
concede, em contrapartida, a mais ampla possibilidade de impugnação à pessoa que tiver sido
indigitada como progenitor e que não vier a aceitar tal imputação. Não obstante, se o
progenitor tiver conhecimento da declaração de maternidade ou de paternidade que lhe for
atribuída e não a impugnar no prazo legal, a declaração torna-se plenamente eficaz,
produzindo os mesmos efeitos legais atribuídos à declaração feita pelo próprio progenitor.
a) que seja feita por terceiro que tenha conhecimento do facto do nascimento;
A notificação deverá ser operada pelo Conservador do Registo Civil segundo a forma prescrita
na lei, podendo a pretensa mãe impugná-la ou não.
Rdativamente à declaração de paternidade, ela só poderá ser feita por outra pessoa se esta for
a própria mãe do filho. Trata-se de uma disposição de caráter verdadeiramente inovador. Por
via de tal permissão legai, faculta a lei que seja a mulher que deu à luz o filho que venha fazer
a declaração, atribuindo a paternidade a quem ela entende ser o pai natural.
Esta declaração feita pela mãe do filho está sujeita a condicionalismo legal mais rigoroso e
pode ser livremente impugnada pelo pretenso pai.
O art. 172.°, n.° 2 do Código de Família fixa as seguintes condições para que possa ser
declarada a paternidade do filho por terceiro:
Previne-se desta forma a obrigatoriedade de a pessoa indicada como pretenso pai vir a ter
conhecimento da atribuição de paternidade que lhe é feita e restringe-se a legitimidade para
fazer a declaração à própria mãe, encurtando-se para um ano o prazo dentro do qual a
declaração pode ser feita. Grave é a responsabilidade que impende sobre a mãe do filho, pois,
ao fazer tal declaração, ela sabe que poderá vir a ser impugnada pelo interessado, o que leva à
posterior necessidade de fazer prova do facto por via judicial.
Qualquer destas declarações feitas por terceiro que não o progenitor não têm a força
afirmativa do facto que é atribuída à declaração do próprio progenitor, pois é permitida a
impugnação pelo pretenso progenitor por simples declaração de oposição.
O art. 178.° do Código de Família permite, sem restrições, que a declaração de filiação feita por
terceiro seja impugnada, impondo só um limite de prazo para tal. A impugnação deverá ser
deduzida dentro do prazo de um ano após a pessoa indicada como progenitor ter tido dela
conhecimento, mas não poderá ser feita pela via do registo civil após decorridos 5 anos sobre
a data em que tenha sido lavrado o ato de registo.
Dá-se como assente que se a pessoa indicada como progenitor não impugnou, junto da
Conservatória do Registo Civil, a qualidade que lhe foi atribuída por terceiro, de pai ou de mãe,
é porque dá a sua anuência e aceita a declaração feita.
Se tiverem decorridos 5 anos após a declaração no registo, por uma questão de estabilidade da
situação do filho, que deve ser protegida, já a declaração de impugnação não poderá ser feita
junto dos órgãos do Registo Civil, como já referimos.
Não obstante, a última parte do art. 178.° é bem clara, quando salvaguarda que, quer no caso
de ter decorrido um ano sobre a data do conhecimento da declaração, quer no caso de terem
decorrido 5 anos sobre a data em que for lavrado o ato de registo, o pretenso progenitor que
quiser afastar o vínculo de paternidade ou de maternidade, poderá sempre recorrer à
impugnação por via judicial.
Tendo em conta certas condições excecionais em que uma mulher, embora formalmente
casada com determinado homem, tenha na realidade encetado vida marital com outro,
permite a lei o estabelecimento da verdadeira paternidade do filho de acordo com o vínculo
natural.
Instituíram-se regras de natureza excecional, que permitem, dentro de certas condições, quer
à mulher casada, quer àquele que se considere como progenitor natural, fazer a declaração
contrária à presunção de paternidade do marido.
Saliente-se que idêntica faculdade não é conferida ao marido, o qual, se pretender afastar a
presunção da sua paternidade em relação a filho nascido da mulher com quem for casado, terá
obrigatoriamente que recorrer a ação de impugnação de paternidade.
Foram, pois, razões de natureza pragmática que levaram a admitir que, inde¬pendentemente
da propositura de ação judicial, como acontece na generalidade dos sistemas jurídicos, se
permitisse à mulher casada ou ao progenitor natural
afastar, por simples declaração, uma presunção legal com a força daquela que deriva da
regrapater is est quem nuptiae demonstrant.
Trata-se dum processo que deve correr na Conservatória do Registo Civil e que permitirá repor
a verdadeira identidade do genitor, afastando uma atribuição legal de paternidade coberta
pelo vínculo do casamento.
Há, porém, que ter em conta que existe um apertado condicionalismo legal a ser observado
para que a declaração seja válida.
Só tem legitimidade para fazer a declaração a mulher casada e o progenitor natural, de acordo
com o que dispõem o n.° 1 do art. 180.° e o n.° 1 do art. 181.°.
A primeira condição (a não existência de posse de estado entre o filho e o marido da mãe) é de
natureza substancial e de caráter decisivo, pois deve assentar numa situação real e concreta
de que o declarante tem que ter conhecimento, e que não pode falsear, sob pena de
responsabilidade (civil e criminal) por falsas declarações.
Se o marido reconhecer e tratar o filho como tal, e se, portanto, se tiver estabelecido entre
ambos a posse de estado, já a declaração do afastamento da sua paternidade não poderá ser
feita nem pela mulher nem por aquele que se considere progenitor natural.
Neste caso, o legislador optou por dar preferência à estabilidade das relações íamiliarese
designadamente àpatemidade social, postergando a possível paternidade biológica ou natural.
Na verdade, se o marido da mãe considerar o filho como seu e por essa via estiver
estabelecida a sua paternidade, esta só poderá ser afastada através de ação própria, que é
ação de impugnação da paternidade do marido.
Por fim, a última condição para que a declaração se possa tornar eficaz consiste no facto de,
uma vez efetivada a notificação pessoalmente ao marido, este a não venha impugnar no prazo
legal, que a lei fixa em 1 ano, tanto no n.° 2 do art. 180.° como no n.° 2 do art. 181.°.
O silêncio do notificado durante todo o prazo conferido por lei para a impugnação é
entendido, por via de presunção legal, como comprovativo da sua concordância com a
declaração feita sobre o afastamento da sua paternidade em
relação ao filho nascido de mulher com quem está ainda unido pelo matrimónio.
O art. 182.° do Código de Família atribui exclusivamente ao marido a legiti¬midade para fazer a
impugnação e define a forma que esta deve revestir.
A forma da declaração é a mesma que vem prevista no art. 179.°, relativa à impugnação de
declaração feita por terceiro que não o progenitor.
Ou seja, admite-se que o marido impugnante use de qualquer forma de impu¬gnação oral ou
escrita, sendo necessário apenas que o funcionário do registo civil se certifique da identidade
do impugnante. Havendo oposição à declaração pelo marido, a lei considera inexistente a
declaração feita pela mãe ou por quem se considere progenitor natural, averbando-se
oficiosamente ao registo de nascimento do filho a paternidade do marido da mãe.
Se tal ocorrer, vai de novo aplicar-se a previsão legal que obriga a que a presunção da
paternidade estabelecida em relação ao marido da mãe só possa ser afastada por via de ação
de impugnação judicial. Ou seja terá que ser no foro, que se terá que averiguar qual a
verdadeira filiação paterna do filho.
A tendência na doutrina, hoje em dia é para considerar que os dois tipos de ações não devem
estar sujeitas a qualquer prazo de caducidade ou de prescrição, pois têm a ver com a
salvaguarda dum direito fundamental da pessoa humana, o direito à identidade própria de
cada indivíduo. Domina assim na doutrina que as normas que limitam no tempo a propositura
destas ações devem ser consideradas como feridas de inconstitucionalidade.
Por um lado interessa defender o interesse do filho em conhecer a sua verdadeira progenitura,
mas por outro lado interessa também defender a estabilidade sócio- -afetivas em que
assentam as relações familiares.^
(?1 Guilherme de Oliveira — obra citada, p. 465: «É necessário organizar um regime que se
abra à verdade biológica e que dê um ensejo para cada indivíduo descobrir o seu lugar no
sistema dc parentesco; mas a certeza e a segurança também são valores de organização
social.»
b) ao filho, por si próprio ou pelo seu representante legal enquanto for menor ou por
quem for designado como seu curador especial para o efeito no caso de incapacidade.
A ação proposta pelo filho pode ser proposta sem limite de prazo, e independen¬temente do
facto de o Ministério Público ter decaído na ação por si proposta — art. 186.°.
A ação pode ter como fundamento de facto a existência de presunções legais (como a posse
de estado de filho, a união de facto entre a mãe e o pretenso pai, a promessa de casamento,
escrito do progenitor, simples relações de amantismo, etc.), porque a lei não especifica
qualquer fundamento específico. A causa de pedir só pode ser o facto natural da procriação do
qual a filiação deriva automaticamente.
0 Conselho de Família pode ser chamado a intervir, quer por decisão oficiosa do tribunal, quer
a pedido de qualquer das partes, segundo dispõe o art. 195.° do Código de Família «Nas ações
de filiação deve o Tribunal oficiosamente ou a pedido das partes, sempre que o julgue
conveniente, ouvir o Conselho de Família.»
E compreende-se bem como, neste tipo de ações, pode ser proveitosa a sua intervenção,
elucidando o Tribunal sobre a real situação do filho e os pretensos progenitores. Quanto aos
meios de prova, o art. 196.° expressamente abre a mais ampla disponibilidade de investigação,
consignando: « Pode o Tribunal nas ações de filiação, socorrer-se de todos os meios de prova e
designadamente:
Quer isto dizer que desde a confissão, à declaração por depoimento de parte de pessoas
impedidas de intervir como testemunhas, prova testemunhal, documen¬tos, gravações,
fotografias e exames médico-forenses, tudo poderá ser levado a tribunal como meio de prova.
Aplica-se o princípio de liberdade de prova.
Aliás hoje em dia para salvaguarda do direito à identidade, considerado como direito
fundamental da pessoa humana, a aceitação de todos os meios de prova nestas ações é
considerado como meio legítimo e inalienável do filho.
— Provas históricas.
— Provas imuno-genéticas.
Até há poucos anos, a prova pericial usada nas ações de estabelecimento de filiação (que no
Código Civil eram denominados ações de investigação de maternidade ou paternidade) eram
sobretudo os exames médicos forenses de natureza hematológica.
Os exames podem incidir sobre a pessoa da pretensa mãe, do pretenso do pai e do filho e
podem ter como objetivo apenas questões de natureza médica, biológica ou antropométrica.
Questões como a determinação de impotênciagenerandi ou coendi por parte do homem, ou a
impotência concipendi por parte da mulher, podem pôr-se no caso de falsa atribuição de
paternidade ou de maternidade.
Nas ações para o estabelecimento da paternidade era usado como meio de defesa do
«investigado» a denominada exceptioplurium concubentium\ alegava- -se o facto de a mãe do
filho se não ter mantido com estrita fidelidade durante o período de relacionamento com o
pretenso pai. Hoje não é aceitável tal alegação, que não deve considerar-se como uma
verdadeira exceção no sentido processual, que por si só possa tornar a ação improcedente.
Se for feita a prova de que a mãe do filho manteve relações sexuais durante o período legal de
conceção com o pretenso pai e com outros homens, a determinação da paternidade será mais
difícil, mas dependerá de meios de prova mais convincentes para o juiz formular a sua decisão.
Havia, pois, que determinar os respetivos grupos sanguíneos da mãe, do pretenso pai e do
filho, para se apurar se este podia ou não ser filho de ambos, pois as caraterísticas do filho têm
obrigatoriamente que derivar da combinação das dos dois progenitores.
Através de um de cada vez maior número de sistemas classificativos utilizados, foi-se tornando
possível excluir, cada vez com maior rigor, a atribuição de maternidade ou paternidade, sendo
esta úJtima a que em regra, é objeto do maior número de casos levados às instâncias judiciais.
Eram, em suma, por via exames de natureza negativa, que se podia concluir pela
impossibilidade de A ser pai de B, ou pela possibilidade da A ser pai de B.
Mas atualmente a situação inverteu-se e de provas negativas passou a ser possível obter uma
resposta positiva à questão colocada.
No estado atual da ciência genética e através do conhecimento do ADN(8) de cada ser vivo é
possível determinar o elo da hereditariedade.
A primeira que é de índole processual, tem a ver se será de prever que nas ações para a
determinação de filiação será de instituir uma fase preliminar de admissibilidade do pedido,
em que a pessoa indigitada como progenitor possa desde logo vir requerer o exame ao ADN
dos intervenientes na ação. Tal procedimento pode ser legitimado quando da parte de quem é
demandado possa haver dúvidas, justificadas ou não, sobre se é de atribuir a qualidade de seu
filho ao demandante e obter uma certeza prática de que existe ou não, o vínculo de
maternidade ou paternidade.
Para a efetuação do exame é em regra necessário que na pessoa física do demandado seja
efetuada uma recolha ou de saliva ou de sangue, sendo que normalmente esse tipo de exame
é efetuado em organismos públicos apetrechados para o efeito. Ora a questão que mais
controvérsia tem gerado, prende-se com a definição legal sobre se o Juiz da causa pode ou não
ordenar a obrigatoriedade do pretenso progenitor, se sujeitar ao exame para determinação do
ADN mesmo que seja contra a sua vontade.
Confrontam-se neste caso dois direitos fundamentais de que são titulares as partes em litígio,
por parte do pretenso progenitor o direito à liberdade e inte¬gridade física ao fornecer os
elementos de recolha. Por parte do filho o direito à sua identidade e a conhecer os seus pais.
Segundo um ponto de vista, o demandado não será obrigado a submeter-se ao exame e não
poderão ser usados meios coativos que a tal o obriguem. Porém, quando se entende que o
exame não pode ser imposto coercivamente jurisprudência quase uniforme, tem vindo a
considerar que nestes casos o juiz da causa se entender que é injustificada a recusa do
demandado em se submeter ao
exame, pode tirar desse comportamento as suas ilações para concluir em desfavor do
demandado.
Mas em posição oposta vem sendo sustentado que o exame ao ADN deve poder ser imposto
coercivamente ao demandado mesmo contra sua vontade. Em primeiro lugar pelo facto da
recolha de material a ser feita (um pouco de saliva ou de sangue) não atingir o examinado na
sua integridade física e que está em proporção com o fim a que se destina que é o direito à
identidade pessoal do demandante que é um direito fundamental que assiste a todo o ser
humano consagrado quer constitucionalmente quer intemacionalmente, atinente ao seu
status de filho.
O art. 162.°, n.° 1, do Código de Família diz que o estabelecimento da filiação se prova pelo ato
lavrado no órgão do registo civil. Tal vem previsto no Código do Registo Civil, art. 1 °: «
Constituem objeto do registo civil os seguintes factos: (...) b) Afiliação». Como atrás vimos, a
prova dos factos sujeitos a registo «(...) só pode ser feita pelos meios previstos neste Código»
— art. 5.°.
0 assento de nascimento é um ato administrativo que não tem natureza constitutiva. Nele é
recebida uma declaração produzida por uma ou duas pessoas que intervêm no ato. Essa
declaração, como vimos, pode ser feita por um progenitor, pelos dois progenitores
simultaneamente, ou até por terceira pessoa. Neste assento, uma autoridade pública lavra um
ato administrativo do nascimento de uma pessoa, por via do recebimento de uma declaração,
ato declarativo que se não confunde com ela.
0 funcionário do registo civil recebe a declaração do facto do nascimento a qual se for feita por
quem se declare progenitor produz simultaneamente os efeitos já atrás descritos quanto ao
nascimento e quanto ao vínculo de filiação e recolhe ainda os demais elementos de
identificação referentes à pessoa que nasceu.
A obrigatoriedade do registo para prova de filiação faz com que não se possa invocar perante
terceiros a situação jurídica de filho sem o título formal de filiação. Há quem entenda que o
registo constitui uma verdadeira condição de atendibilidade da filiação.
Em 1998 decorreu, com âmbito nacional, uma campanha para o Registo Civil gratuito das
crianças angolanas até à idade de 17 anos, com o objetivo de suprir a situação difícil criada
pela falta ou desaparecimento do registo de muitos milhares de crianças em resultado da
guerra, da deslocação em massa das populações e ainda da prática generalizada do
comportamento da não prestação da declaração atempada dos nascimentos aos órgãos do
Registo Civil.
Há, porém, que ter em conta que as declarações de paternidade e de maternidade feitas
nesses assentos de nascimento por outrem que não os progenitores e não confirmadas por
estes, servem exclusivamente como elementos de «identificação
pessoal», de acordo com o art. 4.° do Decreto Executivo do Ministério da Justiça n.° 3/98 de 16
de janeiro.
Uma vez operado o estabelecimento da filiação, este vai ter efeitos retroativos à data do
nascimento, como vem estabelecido de forma expressa no art. 162.°, n.° 2 do Código de
Família.
Ao filho é deferido o status de filho ex tunc, pois a causa jurídica da filiação deriva do facto
natural da procriação e do nascimento com vida. Sendo assim, uma vez verificada a
maternidade e a paternidade, a relação jurídica entre o filho e os seus progenitores considera-
se iniciada a partir do momento do seu nascimento.
b) Vínculo paterno-filial
Deste vínculo de filiação deriva ainda, ipso facto, o estabelecimento dos demais vínculos
familiares de parentesco e de afinidade com os respetivos parentes e afins de ambos os
progenitores, por via materna e paterna.
c) Direito ao nome
O filho tem direito ao uso dos apelidos do pai e da mãe, como vem estabelecido no art. 133.°,
n.° 1 do Código de Família.
Está em vigor a Lei n.° 10/85, de 19 de outubro, que regula a Composição do Nome e que veio
revogar a Lei n.° 10/77, de 30 de abril, permitindo uma maior flexibilidade na escolha do nome
próprio e dos nomes da família ou apelidos. Quanto aos nomes próprios, pelo menos um deles
deverá ser em língua nacional ou em língua portuguesa (art. l.°, n.° 3), podendo ir até dois
vocábulos.
Os apelidos deverão obrigatoriamente pertencer à família paterna ou materna (art. 1.°, n.° 5) e
poderão ir até três vocábulos. A ordem da atribuição dos apelidos não vem prevista na lei, mas
segundo o uso predominante entre nós, o apelido paterno aparece em último lugar.
A escolha do nome próprio dever ser feita por acordo entre o pai e a mãe. Na falta de acordo,
o nome será escolhido pelo tribunal, ouvido o Conselho
Desta sorte, privilegiava-se o pai em relação à mãe quanto à escolha do nome do filho,
situação que veio a ser alterada com a entrada em vigor do Código de Família, que póe os
progenitores em situação de igualdade em relação a todos os direitos e deveres relacionados
com o filho.
Este preceito que é discriminatório em relação aos direitos da mãe, deve ser considerado
como ferido de inconstitucionalidade à luz do preceituado no art. 35.°, n.° 3, da Constituição e
art. 127.°, n.° 1, do Código de Família.
d) Direito à nacionalidade
A Lei de Nacionalidade em vigor Lei n.° 1 /05 de 1 de julho prevê no artigo 9.°: «l.£ cidadão
angolano de origem:
É uma lei muito abrangente dentro do critério da transmissão da nacionali¬dade por via
hereditária, privilegiando a qualidade de cidadão de qualquer dos progenitores.
Nas relações de direito internacional privado a lei aplicável deve ser a lei nacional do filho no
momento do nascimento.
Devem considerar-se revogados os artigos 56.°, n.° 2, 57.°, n.° 2 e 58.° do Código Civil que
contêm matéria discriminatória em relação à mãe por privi¬legiarem a lei nacional do pai e
que portanto devem ser considerados como feridos de inconstitucionalidade.
A Lei n.° 7/04 de 15 de outubro, Lei de Bases de Proteção Social, dispõe: «Artigo. 6.°: Estão
vinculados à Proteção Social Obrigatória na condição de dependentes do segurado: (...) b)
Osfilhos menores de 18 anos de idade ou inválidos, bem como os filhos dos 18 aos 25 anos de
idade com frequência universitária de acordo com as disposições legais vigentes no domínio
das prestações.»
O art. 6.° do Decreto n.° 38/08, de 19 de junho, que regulamentou esta Lei, dispõe: «Estão
vinculados à Proteção Social Obrigatória na condição de dependentes do segurado: b) Osfilhos
menores de 18 anos de idade ou inválidos, bem como os filhos dos 18 aos 25 anos de idade
com frequência universitária de acordo com as disposições legais vigentes no domínio das
prestações.»
O Decreto Presidencial n.° 8/11 de 7 de janeiro de 2011 regulamenta o art. 18.° da Lei n.° 7/04
de 15 de outubro e constitui os seguintes subsídios inseridos no art. l.° do Regime Jurídico das
Prestações Familiares:
— Subsídio de maternidade;
— Subsídio de aleitamento;
— Abono de família;
— Subsídio de funeral.
Os três primeiros subsídios são atribuídos respetivamente à mulher trabalhadora, aos filhos
dos segurados desde o nascimento até aos 36 meses de vida, aos descendentes dos
trabalhadores e dos pensionistas de velhice a partir dos 3 anos até aos 14 anos de idade e o
último subsídio aos descendentes do segurado e ao cônjuge do segurado e do pensionista de
velhice do falecido — art. 3.°.
CAPÍTULO 9.0
AUTORIDADE PATERNAL
E SEU EXERCÍCIO
No Código Civil, a expressão legal usada era «poder paternal», significando que era um poder
especialmente exercido pelo pai, o qual era o elemento hierarquicamente superior dentro da
família, quer em relação à mulher quer em relação aos filhos. À mãe era atribuída uma posição
secundária de mera conselheira nos assuntos que dissessem respeito aos filhos.
Direito de Família
Jigo dc Família adota a expressão «autoridade paternal», procurando ir a igualdade dos pais e
indicar que ela deve ser exercida com base no ie ambos os pais.
tureza funcional, pois é atribuída ao pai e à mãe, não no seu próprio tas como se diz no art.
127.°, n.° 2, do Código de Família: « Os deveres itemais devem ser exercidos no interesse dos
filhos e da sociedade.» Os es estão vinculados à finalidade legal prevista na lei e não detêm um
jetivo.
oder dever, um ojficium, um munus, que não é exercido sobre o filho filho.®
cicio pelos pais, no seu próprio interesse, da autoridade paternal, do o interesse do filho,
constitui abuso de direito e deve obrigar à D dos órgãos de educação e de assistência, da
Procuradoria da República mais, em defesa do menor. Dado o superior interesse de defesa dos
cnores, a autoridade paternal é, na generalidade dos sistemas so a v igilância e controlo da
sociedade e dos órgãos do Estado, a os Pa!s nao se mostram à altura de educar os seus filhos,
poderá ser
d°—- **
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direitos da Criança dispõe no seu art. l.° que «(...)
considera-se criança todo 0 ser humano com menos de 18anos de idade».
O art. 134.°, n.° 1, do Código de Família explicita que a autoridade paternal é exercida durante
a menoridade do filho.
Ela perdura durante todo esse período da vida do filho e só pode extinguir-se por duas causas,
como dispõe o n.° 2 do citado art. 134.°:
— a morte do progenitor;
A morte é um facto natural que põe fim às relações familiares de natureza pessoal. A
constituição do vínculo de adoção vai criar um novo vínculo de filiação entre adotante e
adotado e como tal vai fazer cessar o vínculo de filiação naturah Os pais são, porém, chamados
a dar o seu consentimento à adoção art. 202. ^
Código de Família.
Por sua vez os deveres dos filhos para com os pais vêm expressos no art.
«Os filhos devem respeito, cuidados e assistência aos pais». São deveres e permanente
extensivos a toda a relação paterno-filial quer durante a meno ^ como depois da maioridade.
Com vista à prossecução dos fins para cuja realização se atribui a autoridade paternal, a lei
prevê o dever de obediência dos filhos em relação a seus pais. É estatuído no art. 137.° do
Código de Família o princípio genérico de que os filhos devem obediência aos pais. A lei
estabelece, porém, as linhas orientadoras desse dever, pois no art. 137.°,n.°l menciona que:
«Osfilhos menores devem obediência à legítima autoridade paternal», o que quer enfatizar
que essa autoridade tem que ser exercida dentro da finalidade legal para a qual é atribuída (o
interesse do menor), pois se o não for toma-se ilegítima e como tal não há que pedir ao filho
obediência.
A reforma constitucional introduzida pela Lei n.° 23/92, de 16 de setembro, previa no art. 30.°,
n.° 2, que o Estado promovesse o desenvolvimento harmonioso da personalidade das crianças
e dos jovens; e o art. 31.° vinha explicitamente consagrar o princípio de que o Estado, a família
e a sociedade deviam promover o desenvolvimento harmonioso da personalidade dos jovens e
das crianças.
No art. 80.° (Infância) da atual Constituição vem consagrado no n.° 2: «As políticas públicas no
domínio da família, da educação e da saúde devem salvaguardar o princípio do superior
interesse da criança como forma de garantir o seu pleno desenvolvimento físico, psíquico e
cultural».
Aliás, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança no seu art. 12.°, n.° 1, já
confere à criança «(...) o direito de expressar as suas opiniões livremente sobre todos os
assuntos relacionados com a criança (...)» e no n.° 2 o de expressar livremente a sua opinião
em todos os assuntos que lhe digam respeito em «(...) processojudicial ou administrativo (...) »
e «<? direito a que as suas opiniões sejam tidas em conta, de acordo com a sua idade e
maturidade».
O conteúdo de natureza pessoal da autoridade paternal vem expresso no art. 135.° do Código
de Família, segundo o qual «Incumbe aos pais a guarda, a vigilância e
0 sustento dos filhos menores e a prestação de cuidados com a sua saúde e educação ».
1 — Poder-dever de guarda
Este poder-dever envolve, na sua materialidade, o encargo direto do filho pelos pais e está
ligado, portanto, à própria pessoa física do filho. O dever da guarda ou custódia é da maior
relevância e pode dizer-se que dele derivam os demais direitos e deveres paternais. Este
direito vem hoje de novo consagrado no art.0 9.° da Lei sobre a Proteção Integral da Criança
(Lei n.° 25/12 de 22 de agosto de 2012,
D. R. n.° 162). Os pais devem manter os filhos em convivência direta consigo, protegendo-
os na sua integridade física e moral e integrando-os no seu agregado familiar em vivência
comum.
Por via do poder-dever de guarda, os pais estão investidos no direito de fixar o domicílio do
filho menor. O domicílio do menor é, em regra, o do seu representante legal, como prevê o
art. 85.°, n.° 1, do Código Civil.
A retirada dos filhos menores da residência dos pais sem o seu consentimento constitui ilícito
penal que pode ser tipificado na forma de subtração de menores
O Anteprojeto do Código PenaJ prevê no art. 231.° o crime de Subtração ou recusa de entrega
de menor.
Os pais podem pedir a intervenção de meios policiais para a entrega do filho que for
ilicitamente retirado da sua guarda.
Inversamente, a lei não permite que os pais afastem os seus filhos menores da residência
familiar, seja por meio de expulsão ou de qualquer outro meio violento ou fraudulento. O art.
18.° da Lei do Julgado de Menores, Lei n.° 9/96, de 19 de abril, carateriza a violação do dever
de proteção social ao menor e engloba na sua alínea b) como violadora desse dever: «A ordem
de saída do menor da residência familiar nào autorizada pelo Julgado de Menores, por parte
dos pais, tutores ou qualquer pessoa que tenha o menor a seu cargo.»
O abandono dos filhos constitui igualmente um ilícito penal, sendo uma das formas do crime
de abandono de família.'
Os pais podem, no entanto, delegar os seus poderes em terceira pessoa, colocando o filho em
colégio, em casa de parente, ou instituição social, desde que seja idónea a entidade a quem o
menor é entregue.
2 — Poder-dever de vigilância
O poder-dever de vigilância atribui aos pais o dever de velarem pela integridade física e moral
dos filhos, afastando-os dos perigos que os possam atingir na sua própria pessoa ou na sua
formação moral. Os pais devem proteger o filho na sua integridade física, não permitindo que
ele seja exposto a perigos dos quais, em razão da sua menoridade, não esteja apto a defender-
se, impedindo que sofra lesões ou que a sua vida corra algum risco.
No aspeto moral, devem velar sobre as relações do filho, impedindo que ele conviva e
acompanhe pessoas moralmente mal formadas que possam incutir-lhe vícios ou
comportamentos censuráveis. Os pais têm o direito de fiscalizar as relações sociais dos filhos.
Este direito ter que ser exercido no interesse do filho e não deve estar submetido a caprichos
ou malquerenças dos pais. Se os pais impedirem a relacionamento com os avós ou outros
parentes próximos do menor, como irmãos, tios e primos, o tribunal pode ser chamado a
intervir, se essa proibição tiver caráter abusivo e for injustificada.
Nele está também englobado o controlo sobre a vida privada do filho e a difusão da sua
imagem ou de relatos de índole pessoal.
Do dever de vigilância resulta ainda para os pais a obrigação de impedirem que o filho pratique
atos lesivos dos direitos de outrem, sendo no geral responsáveis pelos atos cometidos pelo
filho. O art. 491.° do Código Civil responsabiliza os pais relativamente aos danos causados a
terceiros por filho menor, naturalmente incapaz, quando não tenham exercido de forma
diligente o seu dever de vigilância.
É a própria lei que estabelece a presunção de culpa in vigilando, atribuindo aos pais ou a quem
os substitui, o dever de reparar os danos causados por condutas de natureza dolosa ou
meramente culposa dos filhos menores.
A Lei do Julgado de Menores, atrás citada, veio abranger na sua jurisdição art. 3.° « b) os pais,
tutores, ou quem tenha o menor a seu cargo, nos casos previstos na
presente lei». Os pais estão obrigados a coadjuvar a ação do Julgado de Menores e a fazer
cumprir as decisões que forem tomadas relativamente a seus filhos.
De acordo com o art. 50.° do Código de Processo do Julgado de Menores, aprovado pelo
Decreto n.° 6/03 de 28 de janeiro, se «Durante a execução das medidas decretadas ao
menores se verificar o seu incumprimento por parte dos pais, tutores ou da pessoa que tenha
o menor a seu cargo, será mandado extrair certidão dos autos para procedimento de
contravenção por violação do dever de proteção social, caso a conduta não integre infração
mais grave.»
O Código Aduaneiro aprovado pelo Decreto-Lei n.° 5/06, de 4 de outubro, no seu art. 175.°, n.°
1, responsabiliza os pais pelas infrações fiscais e aduaneiras cometidas pelos filhos/"
O quantitativo desta obrigação varia consoante a situação económica e social dos pais, pois ao
filho deve ser assegurado um nível de vida idêntico aos dos seus progenitores e proporcional
aos rendimentos destes. Os alimentos não devem, pois, restringir-se ao quantitativo
necessário à mera subsistência do alimentado.
ARTIGO 175.°
1. Os pais ou representantes legais dos menores são responsáveis pelas infrações fiscais c
Entendemos estar fora dos poderes dos pais autorizar que o filho menor seja objeto de
esterilização ou que seja doador de um órgão a terceira pessoa dado o caráter de mutilação
física de tais intervenções.
4 — Poder-dever de educação
O fim primordial da autoridade paternal é a formação do filho menor, que em primeiro plano
incumbe ao pai e à mãe. O art. 130.° do Código de Família, já citado, considera «a formação
moral e a preparação profissional dos filhos como cidadãos válidos e socialmente úteis» como
o fim social mais relevante da autoridade paternal (n.° 2).
O poder-dever de educação dos filhos está em consonância com as capacidades e recursos dos
pais, como menciona o n.° 3 do art. 130.°, o que implica que quanto mais elevado for o nível
de vida dos pais, maior quantitativo estes devem proporcionar aos filhos para a sua formação
e para a sua educação.
O direito da criança à educação vem consagrado no art. 28.° da Convenção dos Direitos da
Criança.;8)
No esforço de educação do filho, o pai e mãe devem colaborar com os organismos do Estado
vocacionados para a educação e assistência do menor, dado que a importância e
complexidade da tarefa não permitem que sejam só os pais a levá-la a cabo. Mas por outro
lado, os pais não podem relegar para esses órgãos do Estado essas tarefas fundamentais.
Os pais podem escolher a educação do filho e orientá-lo nas suas opções escolares e
profissionais. O dever de educação engloba, assim, o dever de propor¬cionar instrução ao
menor, obrigando à matrícula dos filhos em idade escolar em estabelecimento de ensino e ao
cumprimento da obrigação de frequentar a escola. Devem ser sancionados os pais que
impeçam o filho de frequentar a escola, ou que sejam negligentes na forma como
acompanham o filho em idade escolar.
A educação do filho envolve também a sua integração gradual na execução de tarefas na vida
cotidiana do lar, de acordo com os hábitos de vida de cada povo, como forma de
aprendizagem e transmissão de valores culturais.
A aplicação de castigos corporais pelos pais, parentes ou professores, ou outros, devem ser
sempre considerados ilícitos. Efetivamente apartir de um novo conceito de violência
doméstica, aprovado pela Lei n.° 25/11 de 14 de julho, estão interditos todos os atos
praticados no seio da família, nas escolas, instituições que envolvam todo o tipo de violência
seja ela física, verbal ou psicológica.
O direito de correção sempre que envolva violência é punido criminalmente, pois prejudica o
menor, na sua integridade física ou psíquica.
Se, por outro lado, os filhos se mostrarem de difícil correção ou com especial vocação para
prática de condutas antissociais, os pais podem requerer ao tribunal a imposição de medidas
de correção que poderão ir até ao internamento cm instituições educativas ou de assistência
apropriadas, como vem hoje consagrado no art. 14.°, alínea c), da Lei do Julgado de Menores
(Lei n.° 9/96, de 9 de abril), que prevê a aplicação da medidas de proteção social ao menor
«que se mostre gravemente inadaptado à disciplina da família e da comunidade».
No exercício desse direito os pais têm o dever de diligência, como impõe o art. 144.°, n.° 1, do
Código de Família.
Essa administração está dirigida para a conservação e frutificação normal dos bens do menor,
aproveitando os frutos e rendimentos que os mesmos produzem, sem alterar a sua estrutura e
substância. Os atos a praticar devem ter como objetivo a gestão e conservação do património,
são pois atos de administração ordinária.
O direito à administração dos bens envolve o direito ao usufruto legal dos bens dos filhos (art.
143.° do Código de Família). Entende-se, por via desta atribuição, que os pais custeiem as
despesas necessárias com os alimentos dos filhos e, se excedentes houver, eles revertam a
favor dos pais como compensação dos encargos da administração. No atual Código Civil
Português os rendimentos do filho devem ser aplicados no seu próprio sustento e em
necessidades do agregado familiar.
O direito ao usufruto dos pais não pode porem ser alienado ou onerado pelo próprio ou em
execução movida por terceiros.
Relacionado com o direito ao usufruto, está o disposto na última parte do n.° 1 do art. 144.° do
Código de Família, segundo o qual os pais «não são obrigados a prestar contas da sua
administração dos bens dosfilhos».
Na prática, seria difícil impor aos pais o dever de prestar contas dos rendimentos dos bens dos
filhos, uma vez que todos vivem em economia comum e tendo em conta o princípio da
solidariedade que rege as relações familiares.
Essa decisão tem que ser tomada pelo tribunal, no âmbito das medidas de inibição da
autoridade paternal que adiante estudaremos.
A administração legal dos bens dos filhos pode, porém, em certos casos, não pertencer aos
pais. É o que se verifica, de acordo com o previsto no art. 142.° do Código de Família, quando
se trate:
No primeiro caso, encontram-se os bens que tenham sido doados ou deixados a título
sucessório ao menor, com a condição de não ficarem sob a administração dos pais, ou com a
condição de se destinarem a um fim específico da vida do menor, como seja o seguir
determinada carreira profissional, uma vocação artística, etc..
Neste caso, o autor da doação ou da herança pode indicar como administrador um terceiro
que não qualquer um dos pais.
No segundo caso, a lei prevê que seja o próprio menor a auferir rendimentos com o produto
do seu trabalho, permitindo que seja ele a administrar o montante por si auferido.
A legislação laborai angolana permite a prestação de trabalho por conta de outrem ao menor
que tenha completado 14 anos de idade.
Já era assim na Lei Geral do Trabalho (aprovada pela Lei n.° 6/81, de 24 de agosto), cujo art.
160.° permitia a admissão ao trabalho de menores que tivessem completado 14 anos de idade,
prevendo o art. 161.° a validade da relação jurídica laborai estabelecida com menores dos 14
anos aos 18 anos, desde que autorizada pelo representante legal.
Hoje, a Lei n.° 2/2000, de 11 de fevereiro, permite igualmente a celebração por escrito do
contrato de trabalho, desde que o menor faça a prova de que completou 14 anos de idade;
para a validade do contrato é necessária a autorização expressa de quem represente o menor
ou a autorização tácita, caso o menor tiver completado os 16 anos — art. 282.°.
A lei não abrange o trabalho dito «doméstico» que o menor efetua a título permanente, a
maior parte das vezes sem qualquer tipo de remuneração.
O menor que trabalhe por conta de outrem e aufira o seu próprio salário tem direito a dispor
da sua remuneração.
Mas se viver em economia comum com seus pais, deve contribuir para as despesas comuns
que constituem os encargos normais do agregado familiar.
A administração legal dos bens dos filhos é, porém, de natureza restrita, pois é exercida dentro
dos limites da denominada administração ordinária, destinada à conservação dos bens e à sua
frutificação normal. Os atos que extravasem estes limites só podem ser praticados com
autorização do tribunal.
Estão sujeitos à autorização judicial os atos mencionados no art. 141.° e que são:
— repúdio de heranças;
Todos estes atos, que estão fora dos parâmetros da administração normal dos bens, têm que
ser especificadamente autorizados, caso por caso, peio tribunal, que, dadas as circunstâncias,
deverá ponderar se o negócio jurídico posto à sua apreciação é patrimonialmente benéfico
para o menor.
Após a adoção na sociedade angolana da chamada «economia de mercado» tem-se posto com
acuidade a questão de saber se é ou não necessária a autorização do tribunal para os pais
criarem sociedades comerciais de capital com os filhos menores, ou fazerem com que eles
intervenham nas sociedades recém-constituídas.
Não se trata do caso de o filho menor receber, a título sucessório, quotas sociais de sociedades
comerciais, mas do aparecimento exnovo do menor como detentor de uma quota social ou
ação de uma sociedade que anteriormente não existia.
Esta não era orientação da nossa jurisprudência, que entendeu estar abrangido nos poderes
de representação dos filhos atribuídos aos pais, o da aquisição pelos menores de quotas em
sociedade por quotas de responsabilidade limitada .
Dado que não se tratava de alienação ou oneração de bens havidos anterior¬mente pelo
menor, mas na realidade de uma doação indireta de valores feita pelo
progenitor, entendeu-se que esse ato estava fora da previsão legal do art. 141.° do
Código de Família.
Esta doutrina perfilhada pela nossa jurisprudência, à face da lei então vigen¬te, tem que ser
revista em razão da entrada em vigor da Lei das Sociedades
O art. 76.°, n.° 1, desta lei estipula que os fundadores, gerentes ou adminis¬tradores da
sociedade respondem solidariamente para com a sociedade pela inexatidão e deficiência de
quaisquer declarações que tenham prestado para a sua constituição. E o n.° 3 desse artigo faz
responder os sócios fundadores pelos danos que causem à sociedade. Acresce que o art. 78.°
dessa lei, estatui que a responsabilidade dos sócios fundadores, gerentes e administradores é
de natureza solidária, ficando vedada qualquer cláusula que exclua ou limite essa
responsabilidade que por força do art. 79.° será declarada nula.
Na verdade, como já vimos, os poderes de administração legal dos bens do filho menor é no
essencial dirigida para os atos de administração ordinária e por conseguinte, destinada à sua
conservação e frutificação normal, não podendo envolver atos dos quais possa advir
responsabilidade pessoal imputável ao menor.
Pelo atual dispositivo da lei, entendemos que a constituição duma nova sociedade comercial,
em que o menor entre como sócio fundador, nem tam¬pouco poderá ser enquadrada como
ato de administração extraordinária cuja autorização possa ser dada pelo tribunal, como vem
previsto no art. 141.° do Código de Família.
Por maioria de razão é também de afastar poder um menor ser investido em qualquer cargo
social na qualidade de gerente ou administrador, para os quais a mesma Lei n.° 1/04 exige que
as pessoas investidas tenham plena capacidade de agir. O menor poderá ser sócio não
fundador unicamente em sociedade de capital.
através do seu representante legal, pois são funções atribuídas em razão da pessoa escolhida
para a gerência e não podem ser objeto de delegação.
Em consequência, passam a estar sujeitos a autorização judicial quaisquer atos que envolvam
alienação ou oneração de quotas sociais ou alteração do pacto social. Mas cabem nos atos da
administração ordinária, os poderes dos pais de representarem os filhos nos atos que
decorram da vida normal da sociedade, como a aprovação de contas, recebimento de
dividendos e lucros, eleição de órgãos sociais, etc..
Os atos de administração praticados pelos pais dentro ou fora dos seus poderes de
administração e que sejam lesivos dos interesses dos filhos podem ser anulados — art. 145.°
do Código de Família.
A anulação pode ser pedida pelo Ministério Público durante a menoridade do filho. E o próprio
filho pode vir pedir a anulação do ato dentro do prazo de um ano após ter atingido a
maioridade.
Além de que, como já apontámos, os pais podem ser responsabilizados pelos atos que,
intencionalmente ou com grave negligência, pratiquem em prejuízo dos filhos (art. 144.°, n.°
2). Aos pais que administrem indevidamente os bens do filho, violando os seus deveres para
com este, fazendo um uso abusivo dos seus poderes, pode ser retirado o poder legal de gestão
dos bens dos menores, procedendo-se à remoção dos seus poderes de administração.
A remoção da administração é uma sanção contra a gestão inapropriada dos progenitores que
redunde na lesão dos interesses económicos do filho, seja por incapacidade dos pais, seja por
apropriação ou dissipação indevida dos bens daquele.
Em contrapartida, os atos feridos de invalidade, por não terem sido devidamente autorizados
pelo tribunal, podem ser validados nos termos do art. 146.° do referido Código.
Pode ocorrer que determinado ato tenha sido benéfico para o património do filho,
justificando-se que seja suprido o vício na sua celebração. A validação pode ser feita a pedido
dos pais durante a menoridade do filho ou pelo próprio filho após ter atingido a maioridade,
não impondo a lei de família um prazo para o pedido.
Quando o filho atinja a maioridade os pais devem fazer-lhe a entrega dos bens que estejam na
sua administração remetendo-os à sua posse.
Como corolário da autoridade paternal, a lei confere aos pais o poder da representação legal
dos menores.
O art. 138.° do Código de Família atribui aos pais «opoder-dever de represen¬tação dos filhos
em todos os atos e negócios jurídicos salvo os de natureza estritamente pessoal».
Na verdade, estando a autoridade paternal dividida em diarquia entre o pai e a mãe é a eles
que, em caso de coabitação, cabe a representação comum do filho menor (art. 139.°, n.° 1 do
Código de Família).
Para estes atos normais do dia a dia do menor seria prejudicial que fosse necessário chamar os
dois progenitores a intervir, dificultando os necessários procedimentos para resolver cada
caso.
Quando estiver em causa uma questão de natureza grave ou de caráter excecional (como, por
exemplo, a escolha de profissão, continuação de formação profissional, autorização para o
menor ser submetido a uma intervenção cirúrgica, a saída do menor do país por longo tempo,
etc.) já é necessário que ambos os pais sejam chamados a representar o menor.
Do poder de representação dos pais estão excluídos os atos de natureza estritamente pessoal
(art. 138.° do Código de Família) c os atos de natureza patrimonial sujeitos a autorização
judicial (art. 141.° do mesmo Código).
Os atos de natureza estritamente pessoal são aqueles que estão ligados à própria vontade e
consciência do menor, titular do direito, e em que é essa vontade própria que tem de ser
expressa.
A audição do menor constitui «uma das consequências mais importantes do princípio favor filii
que o julgador deve ter em conta como elemento relevante da sua decisão.»
De realçar que a Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança, de 1996, no
seu art. 3.° dispõe:
Os filhos, mesmo quando maiores, estão, porém, adstritos a certos deveres específicos,
próprios da qualidade de filho, em relação a seus pais.
São eles, como atrás vimos, os deveres de respeito, cuidados e assistência, como prescreve o
já citado art. 132.° do Código de Família.
Vemos que a lei, num vínculo familiar tão próximo como o da filiação, exige, em primeiro
lugar, o respeito dos filhos em relação aos pais.
O dever de cuidados implica o dever de ajuda e desvelo dos filhos pela pessoa dos pais e o
dever de assistência de prestação moral e material. Tal como acontece nas relações entre os
cônjuges, a lei impõe que os filhos prestem assistência de natureza moral e material aos pais.‘l)
Esta traduz-se na obrigação de alimentos, consignada no art. 249.°, n.° 2, alínea b) do Código
de Família, que obriga os descendentes à prestação de alimentos aos seus ascendentes.
O exercício da autoridade paternal pertence, em primeiro plano, ao pai e à mãe como fruto de
um direito natural. Não obstante, é necessário que esteja estabelecido o vínculo da filiação em
relação a ambos para existir a titularidade do direito ao seu exercício.
No nosso sistema jurídico, e porque foi afastado o conceito de filho de mãe ou pai
«ilegítimos», a autoridade paternal é exercida consoante entre eles existe ou não coabitação.
Deste modo, há que ter em conta o facto concreto de estarem na titularidade dos seus direitos
de progenitores, ou seja se está ou não estabelecido o vínculo da filiação em relação a cada
progenitor, independentemente de estes estarem ou não unidos pelo casamento.
Nas relações entre pais e filhos teve um considerável impacte a nova perspetiva do direito que
se tem acentuado nas últimas duas décadas e que passou a encarar a criança (abrangendo a
infância e a adolescência) como titular de direitos que lhe são diretamente atribuídos.
Em vez de dar predominância aos direitos dos pais sobre os filhos menores, iniciou-se uma
importante inversão de perspetiva e passou a centrar-se a atenção nos direitos da criança em
relação aos seus pais. Para a questão do exercício da autoridade paternal que agora
apreciamos, é fundamental o direito do filho a ter pai e mãe e a manter, sejam quais forem as
circunstâncias de cada caso, o relacionamento normal com ambos os progenitores. Entende-se
que é benéfico
(n) Francisco Rivero Hernandez. «Relaciones Personales entre Abuelos y Nictos en las Familias
Reconstituidas», in Lex Familioe — Revista Portuguesa de Direito de Família,, pp. 36-37: «Los
abuelos y la família extensa, cn general, ofrcccn un cspacio de socializacion idóneo que
favorece un desarroilo individual y social adecuado. Los abuelos, en la sociedad atual,
desenpenam un importante papel de socializacion respecto a sus nictos.»
Este princípio vem consagrado no art. 9.° da Convenção sobre os Direitos da Criança, que
protege a criança assegurando que ela « não seja separada de seus pais», salvo as exceções
exempiificativas de ser a criança «objeto de negligência ou maus tratos por parte dos pais» ou
quando estes vivam separados. Mas quando tal acontecer deverá ser respeitado o direito da
criança de manter «relações pessoais e contato direto com ambos os pais de modo regular»,
salvo se tal for contrário ao superior interesse da criança.
É também esta orientação partilhada pelo Código de Família, que não privilegia, nas relações
com os filhos, nem o pai nem a mãe, não discriminando estes consoante se trata de família
matrimonial ou natural, e atribuindo aos filhos o direito de convivência com ambos os
progenitores em perfeito equilíbrio e paridade.
O exercício da autoridade paternal em conjunto vem assegurado quando o pai e a mãe vivam
em coabitação, ou seja, desde que vivam como marido e mulher debaixo do mesmo teto.
Ambos exercem em plenitude a autoridade paternal.
Para o nosso direito é irrelevante saber qual dos progenitores estabeleceu primeiro o seu
respetivo vínculo de filiação em relação ao filho, pois, uma vez este estabelecido, derivam em
pleno todos os efeitos das relações paternais e filiais.
O art. 139.°, n.° 1 do Código de Família dispõe que a autoridade paternal será exercida
conjuntamente pelo pai e pela mãe, em caso de coabitação, estatuindo assim o modelo real de
família nuclear composta pelo pai, mãe e filhos menores, que constituem o cerne da estrutura
familiar.
Como vimos, existe a presunção de que cada um deles está a agir com o consentimento
expresso ou tácito do outro progenitor e de acordo com a sua vontade, que se mantém desde
que exista boa fé nas relações entre os progenitores e entre estes e terceiros. Perante
terceiros de boa fé, quando o pai ou a mãe do filho menor praticam um ato em nome deste,
presume-se que o ato foi acordado entre ambos os pais.
obtido não possa haver entre ambos graves desinteligências e que o acordo só venha a ser
possível depois de longas discussões e concessões recíprocas.
No caso de não ser possível obter-se o entendimento entre os pais, não prevalecerá a
autoridade de nenhum deles e a questão será posta à apreciação do tribunal.
Ao contrário do que anteriormente acontecia, o tribunal pode ser chamado a dirimir conflitos
entre os pais, mesmo vivendo estes em comum. Antes prevalecia a vontade do pai, como
chefe de família; agora não prevalece a vontade do pai sobre a da mãe nem a desta sobre a
daquele. Hoje o art. 140.°, n.° 1, do Código de Família estabelece que, no caso de desacordo
dos pais, incumbe ao tribunal a decisão. É de pressupor que sejam de natureza grave e de
relevância para a vida do filho as questões submetidas ao tribunal para decisão.
Neste caso, estando o filho menor a coabitar com o casal e embora ele seja filho só de um
deles e de uma terceira pessoa, o equilíbrio e a harmonia do agregado familiar impõem que
não seja adotada uma postura de neutralidade ou afastamento por parte daquele que não é o
pai (ou a mãe) natural do menor.
É preciso, porém, ter em conta que isto não significa que seja atribuída a titularidade do direito
ao exercício da autoridade paternal ao cônjuge que não for pai (ou mãe), pois esta só é
atribuída em razão de filiação natural ou adotiva.
O exercício exclusivo por parte da mãe, no caso de morte do pai, não era aceite no Código Civil
de Seabra: a mãe tinha que ser coadjuvada por um conselho de tutela. Tampouco ocorre no
direito tradicional africano, em que a autoridade paternal é, em regra, exercida por um
membro masculino da família.
Existem ainda outros casos de exercício único da autoridade paternal previstos no n.° 2 do art.
147 do Código de Família e que são a ausência, incapacidade ou impossibilidade por parte de
um deles. Estamos perante situações que retiram ao progenitor a possibilidade de exercer a
autoridade paternal, seja por razões de facto, seja por razões de direito. Se cessar a causa
temporária do impedimento, pode ser readquirido o exercício da autoridade paternal.
[56] Exercício da autoridade paternal em separado a) Regime dijuntivo
O exercício da autoridade paternal em separado resulta do fim da coabitação dos pais. A título
de exemplo, o art. 148.° do Código de Família menciona que isso pode ocorrer no caso de
separação de facto, de anulação de casamento ou de divórcio dos pais.
O fim da coabitação nem sempre é fácil de determinar, pois esta, como situação de facto que
é, pode interromper-se e ser retomada uma e mais vezes, ou até ser mantida tão só em razão
da existência dos filhos comuns.
Operada que seja a separação de facto dos progenitores, ela vai repercutir-se sobre a pessoa
do filho menor, que, em princípio, terá que ficar entregue à guarda de um dos progenitores. A
separação de facto dos pais não vai atingir a titularidade do direito dos pais à autoridade
paternal. Eles continuam a ter os direitos que lhes são atribuídos em razão do vínculo de
filiação existente. Mas vai ter efeitos, sem dúvida, quanto à forma como esse exercício se vai
realizar em concreto.
Uma das mais profundas transformações operadas no atual direito de família incide
precisamente no relacionamento entre o filho e os pais após a separação destes.
Esta situação tinha perniciosos reflexos na vida emocional do filho e na sua formação, sendo
que por parte do pai se verificava muitas vezes uma fuga ao cumprimento das suas obrigações
paternais, não satisfazendo a pensão de alimentos c cortando o relacionamento com o filho.
Daí que atualmente se procure inverter tal procedimento, tendo em vista que o fàcto de os
pais viverem em separado não deve afetar os respetivos direitos e deveres paterno-filiais.
Teve influência nesta nova maneira de ver o facto de se ter deixado de conside¬rar o divórcio
como uma sanção para a má conduta de um dos cônjuges, com o inerente castigo que envolvia
a «perda» dos filhos para o cônjuge declarado «culpado».
A nova visão do divórcio como resultado de uma situação objetiva de rutura do vínculo
conjugal, desdramatizou a situação anterior, tomando o interesse do filho e o seu normal
desenvolvimento como ponto fulcral a ter em conta.
Para dirimir os conflitos familiares lança-se mão, cada vez mais, de formas de mediação que
visam tomar possível que sejam os próprios pais a encontrar acordos que beneficiem todas as
partes envolvidas.
Acresce ainda que cada vez mais ganha relevância, a questão de saber como se vai processar o
exercício da autoridade paternal em separado, quando o pai e a mãe são nacionais de
diferentes estados ou têm residência permanente em diferentes estados, o que acarreta para
um dos pais a perda mais ou menos efetiva de manter as relações pessoais com o filho.
Estas obrigações devem ficar repartidas entre os dois progenitores, e o progenitor a quem o
filho não for entregue conserva o direito de visita, que se consubstancia no direito a ter o filho
na sua convivência durante determinados períodos de tempo.
Entende-se que, ao determinar qual é o superior interesse da criança, o tribunal deve decidir
qual dos pais é mais capaz de promover e assegurar o seu bem-estar físico, moral, emocional e
espiritual...
— o amor, afeição e outros laços emocionais que existem entre os pais e o filho e a sua
compatibilidade com o filho;
O art. 149.° do Código de Família diz que ao progenitor a quem for atribuído o exercício da
autoridade paternal vai caber em especial o exercício dos direitos e deveres para com o filho.
O outro progenitor terá em regra a obrigação de prestação de alimentos, como indica a parte
final do art. 149.°.
Já o art. 150.° explicita que o progenitor a quem não for atribuído esse exercício, mantém o
direito às relações pessoais com o filho, devendo cooperar na sua formação e acompanhar o
exercício da autoridade paternal por parte do outro.
Arredou-se a expressão direito de fiscalização e adotou-se o termo cooperar para deixar claro
que o exercício da autoridade paternal pelo outro progenitor não se limita a uma espécie de
<direito de vigiar >.
Com estes princípios procurou-se alterar a situação prevalecente no Código Civil, que era
omisso quanto a questão tão importante. Procurou-se salvaguardar, com a maior latitude
possível, os direitos e deveres do progenitor a quem o filho não for entregue, de forma a que
ele se não sinta afastado do filho, criando uma situação de perda e amputação no
relacionamento recíproco.
Ao mencionar-se na lei que o progenitor tem o direito a manter as relações pessoais com filho
quis-se enfatizar que o relacionamento do menor com o pai ou a mãe, com quem ele não
coabite, deve manter-se tão normal e tão próximo quanto possível, de forma que a vivência
humana entre ambos não seja atingida.
O progenitor que não conviva com o filho, terá o direito a visitas, a contatos telefónicos, à
correspondência, a indagar da sua situação de saúde ou a saber da sua vida escolar, etc.
Manterá assim o direito a ter o filho junto de si e a comunicar com ele quando estiver longe.
Além disso, cabe-lhe cooperar plenamente, dentro das suas capacidades e possibilidades, na
formação e educação do filho, pois, mesmo vivendo em separado, deverá exercer o fim último
da autoridade paternal. Ambos os pais deverão, no interesse do filho, acompanhar sempre a
evolução da vida do menor.
Ganha cada vez mais relevância a questão que se prende dos direitos de convivência de outros
parentes próximos, como avós e irmãos no caso de famílias destruturadas, como a de pais
separados ou porque se divorciaram ou porque não chegaram a estabelecer comunhão de
vida. Nestes casos a tendência vai no sentido de reconhecer estes parentes como titulares de
direito a manter relações pessoais com a criança.
No Código de Família da Catalunha o direito dos avós a manterem relações pessoais com os
netos, salvo a existência de justa causa que o impeça, vem reconhecido no art. 135.°, n.° 2, o
mesmo acontecendo em diversos sistemas legais europeus que reconhecem esse direito «em
relação a pessoas consideradas com especial relacionamento com a criança». A questão é
encarada sobretudo, sob o prisma do interesse da criança.
A forma como se vai regular o exercício da autoridade paternal em separado tem sido objeto
de estudo e evolução nos diversos sistemas de direito, com vista a dar solução a questão de
tão grande melindre nas relações familiares.
Surge agora como modelo a adotar, sempre que tal seja possível, a designada guarda conjunta,
em que o filho menor pode ter residência em casa de um dos pais, ou ficar alternadamente
com um e com outro, mas em que ambos os progenitores mantêm o direito de serem
chamados a intervir em todas as questões de particular importância para a vida do filho.
Esta nova tendência visa substituir a posição anterior da entrega do filho a um dos
progenitores e da atribuição de alguns direitos e deveres ao outro a quem o filho não era
entregue, que fiscalizava como o outro progenitor exercia a sua autoridade paternal, dando
agora lugar a uma verdadeira participação dos dois progenitores no exercício da autoridade
paternal.
Defendendo o regime da guarda conjunta, entende-se ser ela aquela que funcionalmente mais
se aproxima da estrutura familiar anterior, estrutura essa que é a mais estabilizante e digna de
crédito para a criança e que corresponde ao seu ideal de família, ou seja, a «afirmação de que
ambos os pais permanecem para lá da separação, reforçando a continuidade da família».^
A guarda conjunta pressupõe que tanto o pai como a mãe são igualmente capazes e
responsáveis no exercício dos seus deveres e que, mesmo separados, será do interesse do filho
que ambos continuem a prestar-lhe toda a contribuição necessária à sua criação e educação.
stqaemsituaçãodeaexercerporforlTcr“^10^“'0^011
menor for entregue a um terceiro, o tribunal deve igualmente regular os direitos e deveres de
cada um dos pais em relação ao filho.
A mesma disposição do art. 151.° prevê ainda a atribuição do exercício da autoridade paternal
a terceira pessoa quando estiver em perigo a segurança física ou moral do menor. Neste caso,
estamos já no campo da fundamentação legal da inibição do poder paternal, que pode ser
declarada expressamente ou derivar implicitamente da atribuição da autoridade paternal a
outrem que não o progenitor.
Na escolha da terceira pessoa a quem deva ser atribuído o exercício da autoridade paternal o
tribunal deve ter em conta fundamentalmente o interesse do menor e, de preferência,
escolher um parente próximo do menor, os avós, tios, irmãos mais velhos, para que o menor
se mantenha, tanto quanto possível, dentro do meio familiar onde se sinta integrado. E, na
falta de parentes, alguém que demonstre particular afeição pelo menor e que seja idóneo.
Em último caso, se não puder ser entregue a terceira pessoa, dispõe o citado art. 151.° que o
menor deverá ser entregue a estabelecimento de assistência.
Neste caso, os pais mantêm em relação aos filhos os direitos contidos no art 150 ° do Código
de Família, independentemente do dever de alimentos.
Como vemos, o exercício da autoridade paternal deve corresponderem concreto àsituação real
vivida pelo filho menoreàcapacidadeeresponsabdida^
dos pais de responderem pelo cumprimento dos seus deveres. O pnncqno erd
permitir que sejam tomadas decisões que podem ser diferentes para cada caso.
i o disposto no art. 77.°, § 2.°, do Código Penal: « Os condenados ulo crime de lenocínio ficam
definitivamente incapazes de exercer
i a tutela.»
autoridade paternal não se opera de pleno direito, mesmo em ão penal do progenitor por
crime doloso cometido contra a
i sexual.
isos, o art. 152.° obriga a que, seja necessário um procedimento >, procedendo-se ao envio da
certidão da sentença, que condenou ribunal competente para procedimento.
>is tipos de inibição do poder paternal, e que são, respetivamente, jue se refere a situações de
incapacidade jurídica ou de ausência,
, que abrange os casos em que haja impedimento de facto para o de idoneidade ou negligência
reiterada por parte do progenitor, evistos no art. 153.° a extinção da inibição opera-se ipso
facto . incapacidade do progenitor em razão de menoridade ou de ssar a ausência, de acordo
com o art. 154.° do Código de Família, ibição resulta de uma outra situação jurídica de
incapacidade ou genitor e não foi ocasionada por nenhuma ação judicial dirigida izão da falta
de exercício da autoridade paternal.
-, l°g° que cessar a causa jurídica de que deriva a inibição ela cessa lenoridade do progenitor,
da incapacidade ou da ausência), cessa :to a inibição, assumindo o progenitor a plenitude do
seu exercício Código de Família).
s do art. 152.°, acima mencionado, e do art. 155.° a inibição é ialmente e terá que ser
levantada ou alterada também judicialmente ipetente processo. E isto porque só o tribunal
pode decidir se se > que a decisão anterior seja alterada.
A declaração da inibição pode ser total ou parcial, sempre depois de devida¬mente apreçadas
as circunstâncias do caso. O mesmo se passa com o levantamento
da inibição.
Estas disposições do Código de Família quiseram acautelar todas as mais diversas situações
que podem surgir nas relações entre pais e filhos e em que seja necessário proteger a pessoa
do filho.
A alínea b) desse artigo refere-se a toda a conduta do progenitor que possa envolver perigo
moral para o filho, tais como atos de crueldade, maus tratos físicos e morais e condutas
socialmente condenáveis, que possam refletir-se no
A negligência do progenitor em relação ao cumprimento dos seus deveres para com o filho
vem mencionada na alínea c) do citado art. 155.°. Abrange o
Maior gravidade tem a prática de crime doloso cometido contra a pessoa do filho e a
condenação do progenitor em pena maior, sobretudo se disser respeito à prática de crime de
ofensas corporais graves ou atentado contra a vida, ou de
Mesmo nos casos de maior gravidade, a inibição da autoridade paternal traduz-se numa
suspensão dos direitos e não retira aos pais em definitivo a titula¬ridade desses direitos.
Por essa razão, o art. 157.« do Código de Família consagra o principio de que, mesmo depois
da inibição, o progenitor deve prestar alimentos ao .
A situação do menor em relação à sua família e, em especial, aos seus pais, o seu
enquadramento social e todo o processo que visa o seu crescimento físico e inteletual são
questões de tão magna relevância que se não podem circunscrever ao âmbito das relações
jurídicas privadas.
0 tribunal pode intervir, não só durante a coabitação dos pais no caso do art. 140.°, mas
também quando os pais estejam separados de facto, como estabelece o art. 148.°, ou sempre
que for necessário declarar ou levantar a inibição da autoridade paternal — arts. 155.° e 156.°,
todos do Código de Família.
Como regra genérica estatui o art. 158.° deste Código que o tribunal deve tomar as medidas
necessárias à proteção do menor e decidir sobre as questões que a este respeitem, sempre
que as circunstâncias de facto o exijam.
As decisões serão tomadas depois de audição obrigatória, em todos os casos, de acordo com o
n.° 2 e 3 desse mesmo artigo:
Como fim último a ter em vista por todas as decisões judiciais, está o benefício e interesse do
menor e o da sociedade onde ele se insere^17*
A prevalência deste interesse superior da criança sobre o dos pais, tutores ou outros
interventores na causa não pode sofrer qualquer desvio, como imperativa¬mente vem
consignado no art. 160.°. Definir o que constitui « o superior interesse da criança» tem sido
objeto de aprofundamento.
(,7) «O critério do interesse do menor não pode deixar de ser ligado ao pressuposto da
valorização c adaptação das circunstâncias concretas; De facto um voto de preencher, de
quando em quando, enquanto critério de natureza subjectiva que esta ligado a identidade
pessoal e particular daquele menor particular c não da natureza objectiva c predeterminada
nem determinável...a audição do menor estabelece a diferença, pois representa na minha
opinião e indubitavelmente o instrumento processual mais eficaz para tentar senão realizar
pelo menos tê-lo em vista.» — Lea Querzola, in Ricercatore deWUniversità di Bolonha, pg.
1361.
A lei deixa em branco as delimitações para que ao ser aplicada ela possa atender ao
condicionalismo do momento nos aspetos individuais e sociais.
As decisões judiciais tomadas em processos desta natureza são transitórias e suscetíveis de ser
alteradas sempre que se modifiquem as próprias circunstâncias de facto que lhes serviram de
fundamento, como aliás acontece em todas as decisões proferidas em processos de jurisdição
voluntária. Mas o art. 161.° do Código de Família entendeu expressar de novo este princípio.
Nestes litígios o tribunal terá que exercer o papel de um árbitro do conflito, procurando obter
dos pais uma solução conciliatória, sem nunca perder de vista a primazia do interesse do filho
menor.
Em todos os casos de dissídio dos pais, o juiz tem que executar o trabalho deli¬cado de um
conselheiro das partes, procurando esclarecer-se sobre as condições de vida da família, quais
as normas de conduta até aí seguidas em situações idênticas, qual a finalidade em vista por
cada um dos pais, etc..
O exercício da autoridade paternal em separado pode ser estabelecido por via de acordo entre
os pais, como já vimos, vem previsto no art. 148.°, n.° 1 do Código de Família, como veremos
em relação ao divórcio por mútuo acordo (art. 85.°, alínea a)) e em relação ao divórcio litigioso
(art. 109.°, n.° 1 do mesmo Código).
Em todos estes casos, qualquer dos progenitores ou terceira pessoa, através do Ministério
Público, podem ir a tribunal suscitar a sua intervenção, sendo a decisão obrigatória para os
progenitores, para o filho e para terceiros.
Em termos latos, podem participar ao Ministério Público para que este venha a agir em juízo
em representação do menor, qualquer parente deste, afim, ou pessoa que o tenha a seu
cargo, tal como funcionário público ou entidade privada que tenha conhecimento da
necessidade do procedimento judicial.
Estamos perante uma situação em que sobreleva o interesse público da defesa do menor,
esbatendo-se a estrutura familiar, por incapaz de exercer o papel que lhe está reservado na lei,
e em que é o direito social de defesa do menor que tem de ser assumido pelos órgãos judiciais
e órgãos sociais para tal vocacionados.
A Lei n.° 9/96, de 19 de abril (Lei do Julgado de Menores) estabelece no seu art. 14.° quando
devem ser aplicadas as medidas de proteção social aos menores, especificando, além do mais,
nas suas alíneas a) e b), que tal ocorre quando eles «sejam vítimas de maus tratosfisicos ou
morais ou de negligência por parte de quem os tenha à sua guarda ou se encontrem em
situações de abandono ou desamparo». Nestes casos, será o Julgado de Menores a intervir
para tomar as medidas adequadas e previstas no n.° 18, e não a Sala de Família do Tribunal
Provincial, como acontece sempre que estejam em causa as relações familiares.
Por sua vez o Julgado de Menores quando aplica qualquer medida que envolva alteração ou
inibição no exercício da autoridade paternal, deve dar conhecimento do facto ao Ministério
Público junto da Sala de Família competente para procedimento — art. 22.° da Lei n.° 9/96.
CAPÍTULO I0.°
O CASAMENTO
Uma breve retrospetiva histórica do instituto do casamento mostra que, durante um longo
período da vida do homem, o casamento não se formalizava por qualquer ato solene. Era o
estabelecimento da vida em comum de forma plena entre homem e mulher, feito no
propósito de fundarem a família, que caraterizava o casamento. No direito romano já se
distinguia o simples concubinato do casamento, pela affectio maritalis, elemento subjetivo que
evidenciava o propósito comum de convivência duradoura entre homem e mulher.
Foi com a Revolução Francesa, no final do século XVIII, que se alterou esta situação e se passou
a adotar a conceção de que o casamento é um ato meramente civil, baseado na vontade livre
dos nubentes e como tal não sujeito à intervenção obrigatória da igreja. Surgiu nessa data o
casamento civil de natureza laica,
No direito português, o casamento civil só foi introduzido no Código Civil do século XIX, com
caráter meramente facultativo, mantendo-se em plena validade o casamento canónico a ser
celebrado por quem professasse a religião católica. Com a proclamação da República em 1910,
o casamento civil tornou-se obrigatório e deixou de se atribuir efeitos civis aos casamentos
católicos.
Posteriormente, com a celebração da Concordata entre Portugal e a Santa Sé, em 1940, foi
reintroduzida a dualidade de formas de casamento, o civil e o canónico, o qual passou de novo
a produzir efeitos civis, deixando de ser obrigatória a celebração do casamento civil.
Este sistema perdurou com o Código Civil de 1967, que admitia as duas modalidades de
casamento, o casamento canónico e o casamento civil (art. 1587.°). Ao casamento católico era
reconhecido valor e eficácia nos termos das disposições do Código. Esta dualidade de formas
de casamento mantém-se ainda no direito português.
A vontade individual dos cônjuges não pode ultrapassar os interesses da própria instituição.
O Código de Família reconhece unicamente como casamento válido o casamento civil, pois,
como já vimos, o Estado angolano afirma-se constitucio¬nalmente como um estado laico, não
sendo reconhecidos quaisquer efeitos ao casamento celebrado segundo os ritos das diferentes
confissões religiosas.
Consequentemente, o casamento celebrado perante os órgãos do registo civil não tem caráter
subsidiário, mas sim caráter obrigatório, pois só ele produz efeitos legais. Na verdade, o Código
de Família só reconhece validade ao casamento celebrado ou reconhecido nos termos nele
previstos (art. 27.°) c a única entidade com competência para a celebração do casamento é o
conservador do registo civil — art. 34.°.
O Código de Família no seu art. 20.° define: «O casamento é a união voluntária entre um
homem e uma mulher, formalizada nos termos da lei, com o objetivo de estabelecerem uma
plena comunhão de vida.»
Nos nossos dias, embora com muito menos relevo, ainda é atribuído ao noivado importância
social, podendo ver-se em jornais de grande tiragem na Europa os esponsais serem anunciados
e tornados públicos.
Por outro lado, toma-se cada vez mais frequente a convivência pré-nupcial dos noivos,
sobretudo nos países germânicos e nórdicos. Entre nós também se acentua o fenómeno do
estabelecimento da união de facto entre um homem e uma mulher, com vida marital comum
mais ou menos prolongada e que é transformado em casamento formal, dispensando o
processo de reconhecimento de que adiante falaremos.
O noivado consiste na convivência que antecede a vida em comum e traduz-se num
compromisso mútuo que se destina a um melhor conhecimento dos futuros nubentes. Na
tradição ocidental o noivado costuma expressar-se com a entrega pelo noivo do anel de
noivado à noiva, que passa a simbolizar o compromisso recíproco. No entanto, a importância
do noivado vai sendo cada vez menor à medida que se individualiza o ato de casamento e o
mesmo se despe de formalismo
social, ou seja, à medida que se reforça a noçáo de casamento como ato de vontade do foro
pessoal dos nubentes, cada vez menos entendido como um acordo entre os familiares destes.
E isto porque, nas sociedades mais desenvolvidas, a emancipação económica e política do
homem e da mulher assegura-lhes maior independência no exercício dos seus direitos
pessoais.
Note-se que nas leis de família publicadas após a independência de Cabo Verde e de S. Tomé e
Príncipe omite-se qualquer referência à promessa de casamento, o que significa que se lhe
nega qualquer relevância jurídica. A reforma legislativa operada em Cabo Verde com a
introdução do Direito de Família no Código Civil alterou a omissão deste instituto no direito de
Cabo Verde.
Procura-se deste modo respeitar a liberdade dos nubentes, permitindo-lhes que eles mudem
de vontade até ao momento da celebração do casamento.
Há que precisar o que se deve entender por promessa de casamento, tanto no conceito
genérico e comum aceite universalmente, como no caso específico do direito tradicional
angolano e das suas diversas etnias.
No direito positivo anterior a promessa de casamento era regulada nos arts. 1591.° a 1595.° do
Código Civil. Em súmula, no art. 1591.° estabelecia-se o princípio da ineficácia da promessa,
dispondo-se que «não dá direito a exigir a celebração do casamento». O art. 1592.° definia o
direito à restituição dos donativos feitos pelos promitentes ou por terceiros em virtude da
promessa ou na previsão do casamento. O art. 1594.° previa o direito à indemnização que
assistia ao «esposado inocente». Era fixado o prazo de um ano para as respetivas ações de
restituição ou de indemnização no art. 1595.°.
De forma redundante, acrescenta-se que, por via dela, qualquer dos nubentes está impedido
de exigir que se celebre o casamento. A irrelevância da promessa permanece, sem embargo de
terem sido feitas entregas de bens ou valores ao outro nubente ou à sua família.
Ora, não prevendo o Código de Família a obrigação de restituição dos bens ou valores
entregues com vista à celebração do casamento, deveremos entender que a lei
deliberadamente não quis reconhecer o direito à restituição desses bens, dando primazia legal
à liberdade pessoal dos nubentes sobre o interesse patrimonial daquele que tiver feito essas
ofertas.
Deparamo-nos com uma obrigação que não é juridicamente exigível, que podemos classificar
como uma obrigação natural. «A obrigação natural\ contra¬pondo-se à civil distingue-se desta
em ser desprovida de ação, não podendo assim o devedor ser compelido diretamente ao
cumprimento da prestação>>.(1)
Hoje, a obrigação natural vem prevista no Código Civil, que a define como a obrigação que se
funda num dever moral ou social, cujo cumprimento não é juridicamente exigível, mas que
corresponde a um dever de justiça (art. 402.°).
— é uma obrigação;
Para que exista uma obrigação natural é essencial que exista uma disposição legal que vede
por quaisquer razões o recurso aos tribunais.
Podemos assim entender que a restituição dos bens ou valores recebidos pelo outro nubente
ou pelos familiares dele é uma simples obrigação natural, que poderá ser satisfeita
voluntariamente pelos interessados, mas cujo cumprimento não poderá ser exigido
coativamente.
É o que se verifica no direito vigente, já que, por disposição expressa da lei, não pode exigir-se
a restituição dos bens ou valores recebidos. Porém, se a outra parte espontaneamente operar
essa restituição, devolvendo tudo quanto houver recebido, essa restituição é efetivamente
válida, não dando lugar à repetição do indevido — art. 403.° do Código Civil.
Já quanto ao direito à indemnização, ele é reconhecido, mas só nos termos restritos do n.° 2
do art. 22.°. É necessário, em primeiro lugar, que exista a rutura injustificada por parte de um
dos nubentes, o que significa que é necessário que o seu procedimento não tenha sido
causado por conduta indevida por parte do outro nubente, justificativa da desistência do
propósito anterior.
Portanto, ter-se-á que determinar a causa da rutura, havendo que ter em conta que no Código
de Família se afastaram, nos diversos institutos familiares, os conceitos de culpa e inocência
que a cada passo surgiam como linha divisória de condutas nas disposições do Código Civil
relativas ao direito de família.
O comportamento dos nubentes deverá, pois, ser apreciado, tanto quanto possível, em termos
objetivos e não com base em preconceitos discriminatórios. O direito à indemnização referido
neste artigo 22.° circunscreve-se aos próprios nubentes, cuja legitimidade para a ação haverá
que determinar em cada caso, não sendo extensivo a terceiros, como os pais ou parentes dos
nubentes, os quais terão que ser indemnizados nos termos gerais de direito. Entre os
nubentes, os limites da indemnização estão circunscritos às obrigações contraídas com o
acordo do outro nubente.
Também dentro da orientação do direito civil socialista, no art. 22.°, n.° 2, não está prevista
qualquer indemnização a título de danos morais. Este artigo refere-se às obrigações de
natureza patrimonial, designadamente as que possam ter sido contraídas com a aquisição de
mobiliário, da residência do casal, de bens para a festividade da boda, etc.. Também aqui se
pode pôr a questão de saber se poderá haver indemnização por danos morais sofridos pelo
nubente que tenha sido vítima de rutura injustificada ou que tenha justificadamente posto
termo à promessa de casamento, uma vez que a conceção do direito atrás referida, subjacente
a esta disposição legal foi alterada.
É sabido que a promessa de casamento constitui um meio idóneo, diríamos mesmo o mais
idóneo, para a sedução da mulher e para dela obter o consentimento para a prática de
relações sexuais antes do casamento. Embora não venha expressa na lei qualquer presunção
de paternidade atribuída ao noivo, a promessa de casamento constitui, sem dúvida, elemento
de facto preponderante para a decisão judicial a tomar em ação para o estabelecimento da
filiação.
O casamento ou matrimónio pode ser caraterizado como um negócio jurídico solene, ou seja,
formal, mediante o qual um homem e uma mulher aceitam voluntária e reciprocamente
estabelecer entre si convivência comum de caráter duradouro. Estas relações caraterizam-se
pela estabilidade e intercorrência de direitos e deveres complexos, entre os quais avulta o de
assistência e ajuda mútuas.
Assim, o casamento pode ser entendido como o ato em si, pelo qual ele se formaliza, ou como
o estado familiar que decorre para os intervenientes, marido e mulher, da celebração do ato
do casamento.
O casamento como estado é, pois, um vínculo familiar que une marido e mulher e é
constituído por um complexo de direitos e deveres que se estabelece entre ambos.
Nesta mesma orientação há quem sustente que o casamento pode ser definido como um
contrato entre duas pessoas de sexo diferente, pessoal, consensual, solene e indivisível.
Autores há que, embora atribuindo ao casamento uma natureza contratual, reconhecem que
ele é um negócio jurídico familiar, onde a autonomia da vontade concedida às partes tem uma
margem limitada.i5)
Há ainda quem opine que o casamento deve ser enquadrado como a soma de dois atos
jurídicos simples... incompatível coma ideia de vinculação contratual.^ A atribuição da essência
contratual ao casamento vem aliás do direito canónico, que enfatiza a importância da vontade
das partes na sua celebração.
O próprio Código Civil definia expressamente o casamento como um contrato entre duas
pessoas de sexo diferente (art. 1577.°).
Mais do que discutir se deve ou não usar-se a expressão contrato, cremos que o que na
verdade é relevante é distinguir em substância, qual o limite e o alcance da intervenção das
partes.
Concluímos que existe por parte dos nubentes liberdade para celebrar ou não celebrar o
casamento. A liberdade matrimonial como vimos, constitui um direito fundamental da pessoa
humana.
Mas já não existe por parte dos nubentes liberdade de estipulação relativamente aos efeitos
que o casamento produz. Estaríamos, pois, perante um ato jurídico stricto sensu e não perante
um negócio jurídico.
Há, porém, quem entenda ser de afastar o conceito de que o casamento possa ser encarado
como um contrato, porquanto o casamento não é um ato de natureza patrimonial, mas sim
um negócio jurídico do qual resulta a constituição
No Código de Família de Cuba o casamento vem definido como uma união estabelecida
voluntariamente entre um homem e uma mulher, dotados de capacidade legal para tal, e com
o fim de fazerem vida em comum.
O casamento como ato não deve, pois, ser encarado como um contrato stricto sensu, pois a
declaração de vontade emitida pelos nubentes vai produzir unicamente os efeitos jurídicos já
previstos na lei e que são de natureza imperativa. Existe, na verdade, uma convergência de
duas vontades para a aceitação dos efeitos que vão derivar do ato praticado, que são comuns
e recíprocos e que vão instituir entre ambos relações de natureza pessoal e familiar próprias
do vínculo conjugal.
Há, no entanto, que ter em conta que a autonomia da vontade das partes se circunscreve a
dois pontos, que são aliás de decisiva importância:
— cada pessoa é livre de escolher a pessoa do outro sexo com quem quer celebrar o
casamento.
À declaração de vontade expressa no ato de casar são aplicáveis subsidiaria- mente alguns
princípios essenciais a todos os negócios jurídicos em geral, designadamente os que se
referem à nulidade por falta ou vício de vontade.
Mas, uma vez emitida a vontade, é a lei reguladora do direito matrimonial que determina
todos os efeitos jurídicos que derivam da celebração do ato do casamento.
Nenhum dos nubentes pode celebrar o casamento impondo condições ou cláusulas que
alterem ou modifiquem os efeitos legais. Por exemplo, a lei não
A lei não consente também que os nubentes imponham prazos à convivência conjugal.
A vontade dos nubentes não pode, pois, impor-se para além da celebração do ato de
casamento, pois os efeitos do ato estão previamente estabelecidos na lei.
Estamos perante uma declaração de vontade dirigida a produzir certos efeitos previstos na lei,
efeitos esses que não podem ser nem restringidos nem alargados.
Aliás, como veremos, está previsto que durante a celebração do casamento o oficial do registo
civil proceda perante os nubentes à leitura dos artigos do Código respeitantes aos direitos e
deveres que derivam para os cônjuges do ato de casamento. Isto pressupõe que os nubentes
devem estar previamente esclarecidos dos efeitos do ato que vão praticar e que antecipada e
conscientemente os aceitem.
Cremos que o casamento deve ser entendido como um negócio jurídico familiar bilateral, com
a natureza de um pacto, celebrado entre os nubentes. É o ato jurídico condição da aceitação
do estado de casado, que dele decorre, estado de casado que se estabelece em reciprocidade
entre os dois nubentes.
Mas põe-se ainda a questão de saber quantas vontades intervêm no ato jurídico do
casamento: apenas as dos dois nubentes ou ainda a do Estado através do funcionário do
registo civil que celebra o casamento?
Esta opinião é afastada pela corrente doutrinária representada por aqueles que encaram o
casamento como um contrato civil: a vontade do Estado não intervém no ato da celebração do
casamento de forma diferente daquela em que intervêm os notários ao lavrarem os
documentos autênticos.
O oficial do registo civil seria, segundo este ponto de vista, mera testemunha privilegiada, pois
a causa do vínculo matrimonial estaria na permuta das declara- çócs de vontade dos nubentes
e o ato de casamento fica perfeito logo que o consentimento é prestado.
Cremos que esta conceção não traduz de forma cabal a intervenção do Estado no ato solene
do casamento, cujo processo formal teremos de estudar mais adiante.
O funcionário do registo civil tem que verificar se estão reunidos os pressupos¬tos legais para
autorização do casamento, ou seja, a capacidade dos nubentes, e tem que lavrar despacho a
autorizar a sua celebração.
Vemos, pois, que o Estado intervém no ato do casamento antes da sua celebra¬ção, estando
presente ao ato através do conservador do registo civil e recebendo na ordem jurídica a
declaração dos cônjuges para lhe atribuir eficácia legal. A declaração emitida pelo conservador
do registo civil, proclamando o ato, é, em nosso entender, elemento indispensável à sua
eficácia jurídica.
Entendemos, porém, que é juridicamente mais correto fazer a distinção entre o vício de
inexistência jurídica e o da nulidade absoluta.
Do conteúdo das normas do Código de Família consideradas essenciais à própria existência
jurídica de casamento, podemos estabelecer os pressupostos de existência do ato de
casamento em si, da seguinte forma:
a) Diversidade do sexo
É essencial que o ato de casamento seja celebrado entre duas pessoas de sexo diferente. Este
requisito deriva da própria natureza substancial do casamento, que a lei define como a união
plena entre a homem e mulher. Afasta-se a aceitação legal ou a equiparação ao casamento de
qualquer tipo de união, estabelecida entre pessoas do mesmo sexo, como seja o
homossexualismo.
No Código de Família, o próprio conceito de casamento (art. 20.°) implica que este ato
pressupõe a união de um homem e uma mulher em plena comunhão de vida, conceito legal
que arreda, sem dúvida, qualquer tipo de união entre pessoas do mesmo sexo.
Aliás este conceito de obrigatoriedade de diversidade de sexo está atualmente reforçado com
o já citado art. 35.°, n.° 1 da Constituição que ao definir a família expressa que tanto o
casamento como a união de facto devem ser constituídos «entre homem e mulher».
Devemos acrescentar que se tem acentuado a nível de muitos sistemas jurídicos a alteração do
próprio conceito de casamento definindo-o com a união entre duas pessoas, mas omitindo
que elas devem ser de sexos diferentes, precisamente para permitir que o casamento se
celebre entre pessoas do mesmo sexo.
Mais complexos para o nosso sistema jurídico, poderão ser os casos de intersexualismo e
transexualismo, em que pode ocorrer ser uma pessoa portadora de genes intermédios entre o
género masculino e o feminino (intersexualismo) ou ser suscetível de alteração de morfologia
de um sexo para outro (transexualismo).
Na verdade, num caso destes, pode um dos nubentes apresentar-se como sendo de um
determinado género, quando mais tarde se verifique haver uma alteração quanto ao género a
que pertence.
Em casos como estes já não se estaria perante a inexistência jurídica do casamento, mas
perante um caso de anulabilidade do casamento por erro quanto às qualidades físicas
essenciais do outro nubente, se tivesse havido ocultação dessas circunstâncias.
O casamento, como negócio jurídico bilateral, pressupõe que sejam emitidas duas declarações
de vontade e a omissão de declaração por parte de qualquer dos nubentes é causa de
inexistência. No caso do casamento celebrado por procuração, pode esta ter deixado de
produzir efeitos em virtude da sua revogação por parte do mandante ou por caducidade em
virtude da morte deste, ou por estar a procuração ferida de falsidade. A falta de declaração de
vontade por parte do nubente, torna inexistente o mútuo consentimento em que ele se vai
estruturar.
O Código de Família determina expressamente no art. 35.°, n.° 1 que «É essencial para a
validação do casamento que cada um dos nubentes manifeste de forma expressa, a vontade
de contrair o casamento com o outro nubente.»
Não basta o simples assentimento gestual de qualquer dos nubentes, impondo a lei que haja
uma declaração verbal que revele a existência de vontade de contrair casamento. No diploma
que regulamenta o ato de casamento, o Decreto n.° 14/86, de 2 de agosto, no art. 26.°, n.° 3
prevê os casos de casamento de mudos ou surdos mudos ou de os nubentes não dominarem a
língua em que o ato é celebrado.
O casamento deve ser celebrado por funcionário competente do registo civil, que é em regra o
conservador ou o seu substituto legal.
Pode acontecer que ambos os nubentes, de boa fé, julguem estar perante o funcionário do
registo civil no momento da cerimónia, ou pode acontecer que
um dos cônjuges esteja de má fé e pactue com terceiro para simular uma farsa de casamento
com o intuito de ludibriar o outro consorte/10) A celebração do casamento sem competência
para tal integrará uma infração penal.
Podemos dar como assente que, à luz do Código de Família, persistem determinados
pressupostos de existência do casamento, sem os quais o casamento não chega sequer a
existir na ordem jurídica. Quando se verifica a inexistência jurídica do casamento não há
necessidade de propor qualquer ação para a declaração de inexistência.
A inexistência jurídica pode ser invocada em qualquer tempo, seja por via de ação seja por via
de exceção.
ARTIGO 224.°
Quem se fizer passar por autoridade competente para celebrar casamento e, nessa condição o
celebrar é punido com a pena de prisão de 1 a 3 anos ou com a multa de 120 a 360 dias, se
pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição penal.
Embora à primeira vista pareça ser um dado assente que toda a pessoa humana que preencha
as condições legais deverá ter direito a casar, o certo é que tem havido através dos tempos e
em diferentes sociedades uma série de medidas discriminatórias impostas por razões de índole
religiosa, ou políticas (como no caso do regime do « apartheid», que proibia o casamento
entre pessoas de raças diferentes), ou ainda por preconceitos de índole social.
Dentro de certas áreas do direito costumeiro angolano, a tendência é para que os casamentos
tradicionais se celebrem entre primos ou entre pessoas da mesma aldeia.
A capacidade matrimonial oferece uma situação especial em relação à capacidade em geral
para celebrar negócios jurídicos de outros ramos de direito. Atendendo aos fins sociais
específicos do casamento, a lei estabelece condições naturais para que, em princípio, este se
vá celebrar entre pessoas que estejam aptas para a propagação da espécie humana. Essa
aptidão revela-se por condições de maturidade física e ainda por maturidade psíquica que
permita que os futuros cônjuges possam estar em condições de arcar com as
responsabilidades derivadas do casamento.
Não quer isto dizer que uma pessoa fisicamente incapaz de procriar não possa contrair
casamento. A impotência, seja por razão natural ou fisiológica, seja provocada por doença ou
mutilação, não impede o homem de contrair casamento, tal como a mulher estéril por razões
fisiológicas, cirúrgicas ou outras também não está inibida de contrair casamento.
Só que, em casos como esses, o outro nubente deve ter conhecimento cabal de qual a situação
fisiológica da pessoa com quem vai casar para saber se aceita, mesmo assim, celebrar o
casamento.
Se o vício for ocultado ao outro nubente até ao momento da celebração, isso constitui, como
veremos, um erro essencial sobre a qualidade do outro nubente e pode acarretar a nulidade
do casamento.
A lei não exige só condições físicas ou psíquicas adstritas a cada nubente, mas impõe ainda
restrições ao casamento entre pessoas ligadasporvínculos familiares ou por práticas
delituosas, por razões de ordem moral e até de eugenia.
Há, por outro lado, que ter em conta que existem certas incapacidades para a prática de
negócios jurídicos, como a dos inabilitados por cegueira, surdez-mudez e prodigalidade,
previstas nos arts. 138.° a 152.° do Código Civil, que em nada afetam a capacidade
matrimoniai.
1 — A idade núbil
O casamento leva à plena comunhão de vida entre homem e mulher, e, além do aspeto de
convivência física e sexual dos cônjuges, há ainda que ter em conta o desenvolvimento
psíquico que é de exigir a quem vai constituir família, assumindo com responsabilidade os
inerentes direitos e deveres.
Não interessa, pois, favorecer os casamentos precoces nem por parte do homem nem por
parte da mulher. Os casamentos entre indivíduos demasiadamente jovens não traz em regra
qualquer benefício nem ao nubente nem à sociedade, pois impede o seu desenvolvimento
físico global e a sua preparação profissional como cidadão socialmente útil.
Na generalidade dos países faz-se coincidir a idade núbil com a maioridade, ou seja, esta é
reconhecida aos 18 anos. Há países que estabelecem idade superior, como na República
Popular da China, por exemplo, onde não é encorajado o casamento com a idade inferior a 25
anos, posição que visa combater o excesso demográfico daquele país, o mais populoso do
mundo.
O Código Civil dispunha que a idade núbil era de 16 anos para o homem e de 14 anos para a
mulher (art. 1601.°, alínea a)).
O art. 24.° do Código de Família estabelece a regra de que a idade núbil se atinge aos 18 anos,
sendo permitido excecionalmente o casamento com idade inferior quando tal se mostrar
preferível. Adotou-se, assim, como idade núbil, a maioridade fixada na Lei n.° 68/76, de 12 de
outubro, e atualmente contida no art. 24° da Constituição.
Vemos que a lei estabelece um padrão normal de idade mínima de casamento, que é a idade
de 18 anos, mas prevê que, excecionalmente, o casamento se possa celebrar quando o homem
tiver 16 anos e a mulher 15 anos.
têm já aptidão física natural para a celebração do casamento, embora em muitos casos não
tenham ainda maturidade psíquica para tal.
A lei, por uma questão de preservação do casamento, não fere de nulidade absoluta os
casamentos celebrados por pessoas com incapacidade matrimonial ou sem a idade núbil.
Poder-se-á dar o caso da celebração de casamento de menor não núbil, ou seja, de menor com
idade inferior a 16 ou 15 anos, idades mínimas previstas pelo Código de Família. Nem por isso
o casamento será, por si só, nulo, pois a lei permite a sua convalidação posterior, e sujeita a
ação de anulação do casamento a prazos de caducidade.
O casamento de menor núbil carece de autorização, que deverá ser dada por ambos os pais,
dada a importância do ato do casamento para a vida do menor. Na falta de ambos os pais,
caberá ao tutor legalmente instituído, e, na falta deste, à pessoa que tiver o menor a seu
cargo.
Quando a autorização para o casamento for negada pelo representante legal do menor, ou por
quem o tiver a seu cargo, será o tribunal que decidirá, ouvido obrigatoriamente o Conselho de
Família, podendo, se assim o entender suprir judicialmente a falta de autorização e garantir a
celebração do casamento.
Ao tomar a decisão, o tribunal deve ter sempre em conta o interesse e beneficio do próprio
menor.
Estado de saúde
Nesses casos, não se pode celebrar o casamento sem ser apresentado um certifi¬cado pré-
nupcial, emitido por um médico, que declare o nubente fisicamente apto a contrair
matrimónio e atestando não ser ele portador de doença hereditária ou contagiosa.
A questão põe-se com especial acuidade na região sub-sahariana do continente africano onde
se instalou o flagelo da propagação do vírus V1H e do Síndroma da Imunodeficiência Adquirida
— SIDA. A Lei n.° 8/04, de 1 de novembro, que tem como finalidade a proteção integral da
saúde na prevenção, controlo, tratamento e investigação do VIH/SIDA impõe o dever aos
infetados de informarem sobre a sua situação os respetivos parceiros sexuais.111*
Ora de acordo com o disposto no art. 15.° da mesma lei, o portador que não cumpra os citados
deveres que lhe são impostos incorre nas penalidades nele previstas/12*
Entre nós predomina a opinião médica de que não deviam ser permitidos casamentos entre
duas pessoas portadoras de doença de sangue, predominante em países de clima tropical, a
drepanocitose, comummente designada como de «células falsiformes», dado que o facto de
caso ambos os progenitores serem portadores do genes dessa doença, isso levará a que a
mesma seja transmitida por via hereditária aos descendentes. «Estima-se importante a
implementação no País, de forma sistmática, do aconselhamento genético, como via de
gradualmente se diminuir e diluir o Gene S nas comunidades mais afetadas. >>
Já a impotência ou esterilidade dos nubentes não leva, por si só, como vimos, à
impossibilidade de contrair o casamento.
A condição comprovativa do estado de saúde do nubente não era exigida pelo Código Civil,
nem o é pelo Código de Família, pelo que não há que fazer a prova da aptidão física do
nubente para o casamento.
Além da idade núbil, a lei exige, como elemento definidor da capacidade matrimo¬nial, a
circunstância negativa de que se não verifiquem em relação aos nubentes quaisquer
impedimentos matrimoniais.
Podemos assim concluir, a contrario sensu, que existe capacidade matrimonial quando se
verifica a inexistência de qualquer impedimento matrimonial previsto na lei. Era este o
entendimento do artigo 1600.° do Código Civil, que definia a regra geral de que tinham
capacidade para contrair casamento todos aqueles em que se não verificasse algum dos
impedimentos matrimoniais nele previstos.
Regra idêntica vem consignada no Código de Família (art. 23.°): «Têm capacidade para contrair
casamento todos aqueles em que se não verifique algum dos impedimentos matrimoniais
previstos nos artigos seguintes ou em lei especial». No recente diploma que aprovou o
Estatuto do Diplomata, Decreto Presidencial n.° 209/11 de 3 de agosto, foi aprovada a
interdição aos funcionários diplomáti¬cos de contrairem matrimónio ou de terem ligação
marital com pessoa de nacionalidade estrangeira ou que receba qualquer tipo de remuneração
de Estado estrangeiro — art. 41.°, n.° 2.
Os primeiros impedem a pessoa em causa de casar seja com quem for: dizem-se, por isso,
impedimentos dirimentes absolutos.
Os impedimentos dirimentes relativos impedem unicamente que duas pessoas casem uma
com a outra, mas não impedem que casem com outrem. Mas tanto uns como outros impedem
que se realize o casamento. Em sentido lato, todos os impedimentos constituem obstáculos à
celebração lícita e válida do casamento.
A incapacidade por demência abrange não só a interdição por demência decretada por
sentença judicial, e reconhecida sob o ponto de vista jurídico, mas ainda a demência notória, o
que quer dizer, a que se evidencia como facto público, e que portanto é geralmente conhecida
no meio onde o nubente vive. A demência será considerada notória quando seja do
conhecimento público das pessoas do meio social em que vive o portador da doença, mesmo
que esta seja desconhecida do outro nubente.
Em sentido jurídico, a demência abrange todas as diversas doenças do foro psiquiátrico, sejam
elas de que natureza forem, e não só a demência em sentido clínico.
Se a sentença de interdição for posterior, mas nela for fixado o início da doença mental em
data anterior ao casamento, este fica ferido de nulidade. O artigo 1601.°, alínea b), do Código
Civil previa este impedimento, expressando que ele abrangia a demência notória, mesmo
durante os intervalos lúcidos, e a interdição ou inabilitação por anomalia psíquica.
No mesmo sentido dispõe o Código de Família, que proíbe em absoluto o casamento no caso
de demência, quando esta for notória, ou no caso de interdição ou inabilitação por anomalia
psíquica (art. 25.°, alínea a)).
O casamento pode ter sido celebrado no país ou no estrangeiro ou ter sido celebrado sob a
forma civil ou canónica, desde que em condições legais de produzir efeitos civis. A alínea b) do
citado art. 25.° do Código de Família dispõe que o casamento ou união de facto legalmente
reconhecida impedem o casamento com qualquer outra pessoa enquanto o casamento ou a
união anterior não forem dissolvidos.
Quem tiver o estado de casado não pode celebrar novo casamento enquanto o anterior não
for dissolvido, pelo que só pode contrair casamento quem estiver no estado de solteiro, viúvo
ou divorciado.
reconhecimento.
Não obsta, porém, à celebração de casamento, a existência de união de facto, ainda que
reunindo os pressupostos legais de reconhecimento, desde que o reconhecimento se não
tenha previamente operado, por via do comum acordo dos companheiros. O acordo mútuo
para o reconhecimento da união de facto é essencial para o seu reconhecimento, como
veremos.
os parentes no 2.» grau na linha colateral, ou seja os irmãos por laços de sangue ou
o ^... *rr -
O repúdio do incesto é um dos tabus mais Pr^^^^^l^^nstjtuir família os tempos mais recuados,
o ser humano sentiu a exoeamia como
Como vimos, as sociedades humanas baniram desde sempre as relações incestuosas entre
ascendentes e entre irmãos, tendo estas persistido cm certas classes aristocráticas ainda nos
tempos históricos.
São razões de ordem ética que punem o incesto, nuns casos como ilícito civil, noutros até
como ilícito penal.
Há quem distinga entre o incesto absoluto, que será aquele que advém das relações entre
parentes em linha reta ou no segundo grau da linha colateral, e o incesto relativo, que se
refere às relações entre parentes no terceiro grau da linha colateral, entre tio-sobrinha ou tia-
sobrinho.
A lei civil, ao falar em «parentesco», explicita que não é necessário que ele esteja estabelecido
e formalizado em termos de registo civil, bastando a existência do simples parentesco de
facto.
Relativamente ao Código de Família, temos ainda que ter em conta que o parentesco se
estabelece quer por laços de sangue quer por adoção. Por isso, a proibição abrange os
parentes por adoção em linha reta, ou seja adotante e respe¬tivos ascendentes e
descendentes e o adotado e seus descendentes.
A proibição do casamento entre irmãos é extensiva a todos os irmãos, sejam eles bilaterais ou
germanos, sejam irmãos unilaterais, uterinos ou consanguíneos, sejam irmãos adotivos.
Por outro lado, o adotado, embora pelo efeito da constituição do vínculo da adoção veja
extinguir os laços de parentesco natural com os seus anteriores parentes — o que pode
acontecer simultaneamente em relação ao ramo paterno e materno, ou só em relação a um
dos ramos, como teremos ocasião de ver, fica impedido de contrair o casamento com os seus
parentes naturais em linha reta ou no segundo grau da linha colateral, entendendo-se que o
vínculo do parentesco natural não se extingue para efeito de constituir impedimento
matrimonial.
Na verdade, o art. 206.° do Código de Família dispõe que «a adoção dupla do menor faz
extinguir os laços de parentesco entre o adotado e os seus parentes naturais, os quais só serão
de atender para o efeito de constituírem impedimento matrimonial».
Já não existe impedimento matrimonial entre um afim e o cônjuge respetivo, podendo por
exemplo o padrasto de um indivíduo vir, por morte deste, a contrair casamento com a
respetiva viúva.
Segundo o art. 1602.°, alínea d), a condenação por homicídio devia constar de decisão com
trânsito em julgado, devendo tratar-se de condenação em razão da prática de homicídio
doloso e não de homicídio involuntário. Nesta proibição está abrangida tanto a forma de
participação criminosa por autoria como por cumplicidade. Também estão abrangidas as
diversas formas de execução do crime, ou seja a forma consumada, frustrada ou tentada.
Esta regra funda-se em princípios de ordem moral e é comum a muitas legislações.
Por ela se impede que, por exemplo, o cônjuge viúvo venha contrair casamento com o autor
do crime de homicídio de que foi vítima o cônjuge falecido, e o impedimento dirimente
subsiste quer o cônjuge sobrevivo tenha participado na ação criminosa, quer seja em relação a
ela completamente alheio.
Seria chocante para a consciência dos cidadãos, permitir que um cônjuge viesse a contrair
matrimónio com o assassino de seu marido ou mulher.
No Código de Família a redação é diferente porque se fundiu numa única disposição legal o
que vinha contido no disposto na citada aJínea d) do art. 1602.° e o que constava da alínea c)
do art. 1604.°, ambos do Código Civil.
Por tal razão, o impedimento surge desde que tenha sido proferido o despacho de pronúncia
do nubente pela prática do crime de homicídio doloso contra o cônjuge do outro, e perdura
enquanto o réu não vier a ser despronunciado ou absolvido por decisão transitada em julgado
— art. 26.°, alínea c) do Código de Família.
Do que se infere que, a contrario sensu, se houver condenação com trânsito em julgado do
outro nubente, o impedimento perdura, prejudicando em absoluto a possibilidade de o
casamento se realizar.
O Anteprojeto do Código Penal pune como crime a celebração de casamento com indução em
erro sobre impedimento e também quando haja conhecimento e ocultação de impedimento
por parte de um dos nubentes.(I7)
d) Impedimentos impedientes
Prazo intemupcial
Não vem previsto na maioria das atuais legislações. O n.° 1 do 1605.° definia o conceito de
prazo intemupcial como o espaço de tempo que decorria entre a data da dissolução,
declaração de nulidade ou anulação de um casamento e a data a partir da qual podia o ex-
cônjuge vir a contrair novo casamento. Esse prazo intermédio vinha fixado na lei em 180 dias
para o homem e em 300 dias para a mulher.
A razão de ser deste impedimento fundava-se em razões do foro social, que visavam impedir
que alguém que terminou a vida conjugal com uma pessoa, viesse a reatar de seguida um
casamento com outra.
Certas legislações designam este prazo como «delai de viduité» ou de «luto vedovile».
Ora, o Código de Família no seu art. 165.° prevê a hipótese em causa, na parte relativa às
regras gerais do estabelecimento da filiação, dizendo que, no caso de segundo casamento da
mãe, antes de dissolvido o casamento anterior ou dentro dos 300 dias posteriores à sua
celebração, presume-se que a paternidade é do marido do casamento celebrado em último
lugar. Trata-se, porém, de mera presunção suscetível de ser ilidida pela parte interessada.
O artigo 1605.°, n.° 2 do Código CiviJ permitia que a mulher contraísse casamento dentro de
prazo de 180 dias após a dissolução do casamento anterior, desde que obtivesse declaração
judicial de não estar grávida ou se entretanto tivesse tido um filho após a dissolução do
casamento ou da declaração de nulidade ou da anulação.
Esta matéria já tinha sido objeto de alteração pelo artigo 8.° da Lei n.° 53/76, que estipulava
que o prazo internupcial era contado a partir do trânsito em julgado da sentença de separação
de pessoas e bens, que tivesse sido convertida em divórcio, ou da data do abandono do lar ou
da separação de facto, desde que a mesma tivesse sido reconhecida em sentença com trânsito
em julgado.
A sanção legal para a celebração do novo casamento sem a observância do prazo internupcial
vinha prevista no art. 1650.°, n.° 1 e consistia em fazer perder ao cônjuge os bens que tivesse
recebido por doação ou sucessão do primeiro cônjuge.
Este impedimento obstava ao casamento entre tio e sobrinha ou tia e sobrinho, e vinha
previsto na alínea b) do art. 1604°. Mas aqui o Código Civil tomava uma posição diferente
relativamente ao estabelecimento do parentesco, pois este tinha que estar legalmente
reconhecido, não bastando a prova do vínculo do parentesco natural.
Este impedimento era, porém, suscetível de dispensa, pois o art. 1609.° permitia que o
Ministro da Justiça ou o tribunal, se o nubente fosse menor, autorizassem o casamento.
São razões de eugenia que levam a que, em princípio, se não permita casamento entre
parentes tão próximos. Mas se, ouvido parecer médico, se concluir não haver razões de saúde
que desaconselhem o casamento, este pode ser autorizado. Já atrás mencionámos por que
razão o Código de Família não inclui o parentesco no 3.° grau da linha colateral entre os
impedimentos matrimoniais.
O art. 1604.° do Código Civil mencionava ainda os impedimentos do vínculo da tutela, curatela
e administração legal de bens, que são de natureza temporária, e o art. 1608.° do Código Civil
referia o vínculo da adoção restrita, que é uma figura jurídica que não subsiste entre nós desde
a aprovação da Lei n.° 7/80, de 7 de agosto.
O consentimento tem que revestir, por isso mesmo, um caráter eminentemente pessoal. É
esta a regra consagrada no art. 1619.° do Código Civil e agora contida no n.° 1 do art. 35.° do
Código de Família segundo o qual «É essencial para a validação do casamento que cada um dos
cônjuges manifeste, de forma expressa, a vontade de contrair casamento com o outro
nubente».
Quando um dos nubentes estiver representado no ato de casamento por um procurador, a lei
impõe que a procuração seja de natureza especial, o que quer dizer que ela é válida tão
somente para a celebração do ato, devendo mencionar expressamente qual a pessoa do outro
nubente. É o que prescreve o n.° 2 do art. 35.°: «No caso de um dos nubentes estar
representado por procurador a procuração deve ter poderes especiais para o ato e especificar
a pessoa do outro nubente». Daqui se infere que só um dos nubentes se pode fazer
representar por procurador e não os dois simultaneamente.
Como atrás vimos, admite a lei, no caso de casamento de surdo-mudo, que ele se expresse por
intérprete, tal como no caso de nubentes que não compreendam a língua em que é celebrado
o ato. A declaração de aceitação do casamento tem que ser pura e simples, não sendo possível
que se formulem quaisquer condições ou termo para aceitação do negócio jurídico do
casamento. Se o nubente quiser aditar alguma condição ou cláusula, tal não deve ser
consentido e não deve ser aceite a declaração. Mas se, porventura incorretamente, tiver sido
aposta alguma cláusula, há quem entenda que tem de se optar por uma de duas soluções: ou a
cláusula é nula e válido o casamento, ou é válida a cláusula e nulo casamento.
Para ser válido, o consentimento tem ainda que ser atual, o que significa que ele tem que
existir no momento em que é celebrado o casamento. Esta é a razão fundamental do
afastamento do princípio que atribui qualquer relevância à promessa de casamento que haja
sido formulada antecipadamente.
A vontade de casar tem que existir no momento em que se celebra o ato de casamento, sendo
irrelevante que ela tenha ou não existido antes. Se o casamento tiver sido celebrado por
intermédio de procuração, é necessário que a procuração seja válida no momento da
celebração, ou seja, que não tenha caducado ou que não tenha sido objeto de revogação. O
art. 1621.° do Código Civil regulava o caso de revogação ou caducidade da procuração especial
para o casamento, permitindo a sua revogação em qualquer tempo, mas responsabilizando o
nubente que o fizesse, pelos prejuízos que causasse no caso de o casamento vir a ser
celebrado.
A morte do mandante extingue os poderes conferidos pelo nubente ao constituinte tal como a
morte deste extingue os poderes que lhe tiverem sido outorgados na procuração.
O Código de Família não prevê estas hipóteses, que devem ser regulada nos termos gerais da
revogação e da caducidade do mandato com representação, permitindo-se sempre a sua
revogabilidade nos termos gerais do direito, mas impondo ao mandante e ao mandatário o
dever de dar conhecimento da revogação com a maior diligência ou do facto que tiver feito
caducar a procuração.
CAPÍTULO I I.°
[66] Formalidade
Este princípio legal vem consagrado no Código de Família, art. 27.°: «0 casamento só é válido
quando celebrado perante os órgãos do Registo Civil ou reconhecido de acordo com as regras
da presente lá».
Nesta disposição reconhece-se validade jurídica, por um lado, aos atos de casamento que
revestem a forma legal prevista na própria lei e, por outro lado, àqueles que venham a ser
reconhecidos pela via legal. Quis-se assim abranger os casamentos que sejam objeto de
transcrição no Registo Civil, bem como aqueles que venham a ser reconhecidos por decisão
judicial, como ocorre no caso de se verificar a falta do ato do registo.
As disposições do Código Civil e do Código do Registo Civil foram alteradas quanto ao ato do
casamento pela Lei n.° 11/85, de 25 de outubro, que veio afastar a validade do casamento
canónico, além de introduzir importantes alterações às normas que regulam o processo de
casamento e o próprio processo da celebração do casamento, designadamente quanto à
adoção dos apelidos por parte dos nubentes.
A Lei n.° 11 /8 5 foi, como nela estava previsto, objeto de regulamentação pelo Decreto n.°
14/86, de 2 de outubro. Foram assim alteradas e consequentemente revogadas as disposições
que no Código do Registo Civil (arts. 166.° a 236.°) diziam respeito à matéria em causa.
Este Decreto n.° 14/86, que contém o Regulamento do Ato do Casamento (abreviadamente, R.
A. C), publicado antes da entrada em vigor do Código de
Família, carece de ser adaptado a este Código, em tudo quanto ele veio alterar os dois
diplomas anteriores (o Código Civil e a própria Lei n.° 11/85); no entanto o R. A. C. continua em
vigor e como tal terá que ser objeto do nosso estudo.
A diferença entre estas duas disposições está na eliminação, a que se procedeu no Código de
Família, do termo «publicações», o que corresponde a uma simplificação que se operou no
próprio processo que corre perante os órgãos do Registo Civil, por ter sido suprimida a fase da
publicação dos editais.
Procura-se obstar a que venha a ser celebrado casamento ferido de vício substancial, que
possa acarretar a sua anulação, com as graves consequências que dela resultam. Também, em
certa medida, o formalismo necessário à prática do casamento permite que os nubentes
tenham um determinado lapso de tempo para sopesar as consequências do ato que vão
celebrar e os efeitos ponderosos que, por via dele, irão incidir na vida pessoal de cada um,
procurando evitar resoluções precipitadas.
a) Declaração inicial
Trata-se de uma declaração cujo modelo vem publicado no final do R.A.C. e que é subscrita por
ambos os nubentes. O art. 29.° do Código de Família, indevidamente, menciona que o
processo se inicia a «requerimento» dos nubentes, quando devia antes dizer por «iniciativa»
dos nubentes, dado que, uma vez elaborada a declaração inicial, o processo fica oficialmente
aberto na respetiva Conservatória.
Essa declaração deve conter os elementos essenciais à identificação pessoal dos nubentes, dos
seus ascendentes, do tutor, se houver tutela instituída. No caso de segundas núpcias, deve
mencionar-se o nome do cônjuge anterior e a causa da dissolução do casamento. Deve indicar-
se se algum dos nubentes tem filhos, como preceituam as alíneas a), b), c) e e) do n.° 2 do art.
3.°.
A alínea f) deste art. 3.° está revogada, pois o Código de Família não prevê a celebração de
convenções antenupciais.
No caso de os nubentes pretenderem optar pelo regime de separação de bens, devem desde
logo fazer essa menção na declaração inicial — art. 29.°, n.° 3 do Código de Família.
Com a declaração para casamento devem ser entregues diversos documentos comprovativos
da sua capacidade matrimonial, o mais importante dos quais é a certidão de registo de
nascimento dos nubentes (art. 4.° do Decreto n.° 14/86).
De acordo com a legislação anterior (Código do Registo Civil) o processo que antecedia o
casamento designava-se por processo de publicações e continha a forma de publicidade
destinada a dar conhecimento a terceiros do projeto de casamento, a fim de que, se alguém
soubesse da existência de impedimento matri-monial, pudesse vir dar conhecimento do facto
ao funcionário do Registo Civil.
Este formalismo foi herdado do direito canónico, que obriga à publicação dos « banhos »
proclamados oralmente nos lugares de culto durante as 3 semanas que antecedem a
celebração do casamento.
Para obviar a este excessivo formalismo foram abolidas as «publicações», substituindo-as por
uma declaração sob juramento.
Note-se que, hoje em dia, tal formalismo já não é aplicado cm grande número de legislações.
Em certos países como no Brasil os anúncios de casamento a contrair são publicados na
imprensa o que se torna mais eficaz.(1)
O atual processo preliminar impõe que o Conservador esclareça os nubentes de quais são os
impedimentos matrimoniais previstos na lei — art. 29.°, n.° 1: «O processo preliminar é
iniciado a requerimento dos nubentes, que serão previamente esclarecidos dos impedimentos
matrimoniais.»
Depois de estarem cientes de quais são esses impedimentos, os nubentes devem declarar sob
juramento se estão ou não abrangidos por qualquer deles.
b) Oposição ao casamento
Após a apresentação da declaração de casamento, a lei prevê que possa ser suscitada oposição
à sua celebração.
A legitimidade para deduzir oposição vem prevista no Código de Família (art. 30.°, n.° 1), que
impõe a qualquer cidadão que tenha conhecimento da existência de algum impedimento à
realização do casamento, o dever cívico de vir declarar o facto até ao momento da celebração.
O n.° 2 deste art. 30.° diz que a declaração é obrigatória para funcionários do Registo Civil.
Por maioria da razão, nas suas funções de Ministério Público, o representante do Procurador
Geral da República deve deduzir oposição ao casamento quando tiver conhecimento da
verificação de impedimentos.
O art. 9.° do R. A. C. prevê, quer o caso de dedução de impedimento por qualquer pessoa, quer
o facto de o Conservador, dessa ou doutra forma, chegar a ter conhecimento da existência de
impedimento.
A oposição pode ser deduzida de diferentes formas, designadamente pelos pais do nubente
menor a quem não tenha sido concedida autorização para casar, pelo cônjuge do nubente que
pretenda contrair novo casamento sem ter dissolvido o anterior, etc..
O recurso das decisões dos conservadores e notários deve ser interposto para o respetivo
Tribunal Provincial como vem previsto no art. 31.°, n.° 1, alínea c), de 18/88 de 31 de
dezembro, que define a competência geral da Sala do Cível e Administrativo.
No entanto dada a natureza específica deste recurso que se prende com o exercício de direitos
de família, ele está abrangido pela competência atribuída à Sala de Família de acordo com o
art. 32.° da mesma Lei.
Se não houver oposição ou se esta for considerada improcedente, entra-se na fase final.
c) Despacho final
O art. 31.° do Código de Família diz no seu n.° 1: «Verificados os pressupostos legais, cabe ao
funcionário do Registo Civil autorizar por despacho a celebração do casamento.»
Foi alongado o prazo de validade do despacho que autoriza a celebração do casamento, por se
atender à dificuldade na obtenção da documentação necessária à constituição do processo
preliminar e à falta de registo civil de grande parte da população já atrás apontada. Pode
adiantar-se que, na maioria dos casos, são essas mesmas dificuldades, acrescidas da falta de
recursos económicos, a causa que leva a que a maior parte da população se afaste da
celebração do casamento e opte pela vivência marital em comum, não formalizada.
A cerimónia do casamento carateriza-se pela sua solenidade e publicidade — art. 32.°, n.° 1.
a) Intervenção das testemunhas
A solenidade corresponde a um verdadeiro rito que é seguido durante o ato, no qual são
chamados a intervir os nubentes e o Conservador do Registo Civil, bem
com duas ou quatro testemunhas, que servem, como se disse, para fazer prova da identidade
dos nubentes e da realização do próprio ato.
As testemunhas servem ainda para atestar a capacidade matrimonial dos nubentes e como
demonstração da importância social que é dada ao ato do casamento, como ato que não se
circunscreve à esfera privada dos nubentes e repercute-se no meio social em que eles vivem.
O art. 25.°, n.° 1 do R. A. C. indica que é indispensável a presença dos nubentes ou de um deles
e a do procurador do outro, do funcionário do Registo Civil e das testemunhas que devem ser
no mínimo duas e no máximo quatro.
No mesmo sentido, o art. 34.° do Código de Família indica quais devem ser os intervenientes
no ato do casamento, devendo ter-se em conta, porém que, ao contrário do que diz o corpo
do artigo, a presença das testemunhas não constitui condição essencial à validade do ato de
casamento, como adiante veremos ao estudarmos a anulabilidade do casamento.
O ato pode ser celebrado em português ou em qualquer das línguas nacionais — art. 32.°, n.° 2
e art. 26.°, n.° 1 do R. A. C.
O local da celebração do casamento vem previsto no art. 33.° do Código de Família e no art.
24.° do R. A. C.. Em princípio, ele deve ser realizado em local condigno que permita que o ato
se desenrole com a dignidade que a sua importância social requer.
Poderá ser em salas próprias para o efeito das Conservatórias, nas sedes do governo local, ou
em instituições culturais e recreativas legalmente reconhecidas. É também permitido que o
casamento se realize em residências, desde que tal seja autorizado pelo órgão do Registo Civil
— n.° 2 do art. 33.°.
Também vem previsto no n.° 3 deste artigo que, nos meios rurais, sejam adotadas formas de
celebração adaptadas aos condicionalismos locais, pelo que, nesse caso, a cerimónia poderá
ter lugar no local de reunião da população (um «jango», uma árvore majestosa, etc.),
O formalismo a ser usado no decorrer da cerimónia vem estabelecido no já citado art. 26.° do
R. A. C., o qual estipula as diversas fases do ato, que obrigatoriamente tem que decorrer de
forma pública.
Com efeito, além de ser um ato solene, o casamento é um ato públicoy como expressa o já
citado art. 32.°, n.° 1, o que significa que o público deve ser admitido livremente no local.
As portas da sala do edifício onde ele se celebre, seja a repartição do Registo Civil, seja uma
residência ou outro local, têm que se conservar abertas, para permitir que, até ao momento da
celebração, quem assim o pretender possa vir dizer algo sobre a existência de impedimentos à
realização do casamento. O público deve ter livremente acesso ao local da celebração do
casamento, o que exclui a possibilidade de qualquer forma de casamento secreto.
d) se tal não ocorrer, serão então interpelados os nubentes sobre se aceitam o outro
nubente por consorte;
Uma vez prestado o consentimento pelos nubentes, o funcionário do Registo Civil declarará,
em nome da República de Angola, os nubentes — identificados pelos nomes completos —
unidos pelo casamento.
d) Declarações facultativas
— declaração sobre a adoção do nome, que vem prevista no art. 36.°, n.° 1, do Código de
Família. E que, como veremos, pode ser a adoção do apelido do outro ou de um nome comum
de família.
— declaração a confirmar a sua opção pelo regime de separação de bens, se for esse o regime
que quiserem que vigore no seu casamento — art. 49.°, n.° 2 do Código de Família.
De relevância prática é ainda o que consta do art. 164.° do Código de Família, que prevê a
existência de filhos comuns dos nubentes cuja declaração de filiação não tenha sido ainda
efetuada.
Como adiante veremos, este preceito visa a efetiva proteção do interesse dos filhos nascidos
ou concebidos antes do casamento, prevendo que os progenitores efetuem a declaração de
filiação logo que celebrado o ato de casamento, ficando a cargo do Conservador do Registo
Civil fazer o respetivo averbamento ao assento de nascimento, se tal for o caso, sendo tal
averbamento de natureza oficiosa.
A lei permite que, em certos casos de natureza excecional, o casamento se celebre sem o
formalismo normalmente exigido para o ato.
Segundo o Código Civil, os casos excecionais em que isso podia acontecer eram os dos
casamentos in articulo mortis, ou seja, o de perigo de morte próxima de algum dos nubentes
ou a iminência de parto — art. 1622.°.
Hoje, o casamento urgente vem previsto no artigo 37.° do Código de Família, que prevê tal
forma excecional de celebração de casamento quando:
a) haja fundado receio de morte próxima de algum dos nubentes, ainda que derivada de
circunstâncias externas;
O receio de morte próxima pode advir do facto de um dos nubentes se encontrar em perigo de
vida ou de facto externo à pessoa dos nubentes que faça recear pelas suas vidas, como seja a
situação de guerra, a de perigo de epidemia ou catástrofe natural, etc..
Não obstante, o casamento urgente tem de obedecer a determinado forma¬lismo que vem
expresso no art. 27.° do R. A.C..
A homologação pode ser recusada quando se não verifiquem os requisitos legais, não tenham
sido observadas as formalidades legais ou exista algum impedimento dirimente — art. 31.° do
R. A.C..
Terminado o ato solene da celebração do registo civil, deve realizar-se o ato instrumentário
que consiste em lavrar o assento do casamento — art. 40.° do Código de Família e art. 38.° do
R. A. C.
Ele é redigido pelo funcionário do Registo Civil e deve ser assinado pelos nubentes, pelas
testemunhas e pelo funcionário do Registo Civil. Se algum dos nubentes for menor, deverá
ainda assinar a pessoa que tenha autorizado o casamento — art. 39.° do R. A. C.
O registo tem efeitos retroativos à data da celebração do casamento, o que tem especial
relevância nos casos em que o registo só venha a efetuar-se depois do casamento.
É pelo registo que se prova a realização do casamento e se demonstra erga omnes a situação
jurídica do estado de casado, situação que, sem ele, não pode ser invocada nem inter-partes,
nem perante terceiros.
Pode excecionalmente ocorrer a perda do registo, quando, por hipótese, tenha havido a
destruição do livro de registo onde ele foi lavrado, quando o funcionário o tiver indevidamente
lavrado numa folha volante que tenha perdido, etc..
Mas pode dar-se o caso de o ato não ter sido lavrado por má-fé do próprio funcionário do
Registo ou por causa de força maior. Estaremos então perante a falta de registo, situação que
é diferente da do seu desaparecimento posterior.
O registo do casamento pode revestir-se de duas formas: o registo por inscrição e o registo por
transcrição.
O art. 39.° do Código de Família distingue entre o casamento registado por inscrição e o
casamento registado por transcrição.
O casamento lavrado por inscrição é aquele cujo assento é lavrado logo após a celebração do
casamento (art. 40.° do Código de Família) o que ocorre:
a) nos casos de celebração do casamento perante o funcionário do Registo Civil, ou seja,
de casamento celebrado em Angola;
O art. 38.° do R.A.C. menciona a forma do registo do casamento celebrado pelo Conservador
do Registo Civil, dizendo que ele é lavrado e assinado logo após o ato solene. O casamento
celebrado perante o agente diplomático ou consular angolano vem previsto nos arts. 32.° e
seguintes do R. A.C.. Os agentes diplomáticos e consulares angolanos no estrangeiro que
celebrarem o casamento devem inscrevê-lo no livro próprio (art. 44.°) c remeter o duplicado à
Conservatória dos Registos Centrais (art. 46.°).
O art. 41.° prevê os casos em que o registo de casamento é lavrado por transcrição:
respetivo assento;
d) O casamento canónico que tenha validade civil por ser anterior à vigência da Lei n.°
11/85;
O casamento de cidadão angolano celebrado em Angola, quer com cidadão nacional quer com
estrangeiro, pode ser celebrado pela forma e nos termos previstos no art. 35.° do R. A. C..
R.A.C.).
CAPÍTULO I2.°
NULIDADE DO CASAMENTO
[71 ] Graus de invalidade
Depois de terem sido estudados os elementos constitutivos do ato do casamento no que diz
respeito ao fundo e à forma, é mais fácil compreender quando o vínculo matrimonial contraído
com a violação de qualquer dos preceitos previstos na lei se pode considerar eivado de vício.
Atendendo a que o vício que afeta o casamento pode ser mais ou menos grave, a doutrina
tem-se inclinado no sentido de distinguir entre casamento inexistente, casamento nulo e
casamento anulável.
a) Inexistência do casamento
Sabemos já que o Código de Família não consagra nenhuma disposição que se refira
diretamente à questão da inexistência do casamento. Mas, através das suas normas
imperativas, podemos concluir sobre o que, do ponto de vista da lei, é essencial à estrutura do
casamento.
O conceito de casamento consta do art. 20.° do Código de Família, que o define como a união
entre um homem e uma mulher e agora do texto da Constituição, art. 35.°, n.° 1.
O que significa que só uma união entre pessoas de sexo diferente pode ser considerada como
casamento. A diversidade de sexo pode ser patente ou encoberta, mas a sua ausência é, em
qualquer caso, causa de inexistência do casamento.
De igual modo, os arts. 34.° e 35.° do Código impõem como essencial a intervenção dos dois
nubentes e a sua manifestação de vontade no ato de casamento, bem como a intervenção do
funcionário do Registo Civil, o que claramente nos indica que se trata de elementos sem os
quais o casamento não chega sequer a ter existência jurídica.
A manifestação de vontade tem que ser expressa, tem que se dirigir ao outro nubente e tem
que ser produzida perante a autoridade pública com competência para o ato.
Ora se tal acontece é porque o casamento não chegou a ser introduzido na ordem jurídica.
Como vimos, a doutrina inclui entre os casamentos inexistentes o casamento urgente não
homologado. Cremos que esta espécie de casamento inexistente pode ser abrangida pela
previsão que se refere aos casos de inexistência por falta da intervenção do funcionário do
Registo Civil no próprio ato do casamento ou a posteriori, reconhecendo por despacho a sua
validade.
O facto de o casamento inexistente não produzir qualquer efeito civil e de a sua inexistência
poder ser invocada em qualquer tempo e por qualquer via tem inegável efeito prático quanto
à distinção entre esta figura jurídica e a que se reporta ao casamento ferido de nulidade.
A falta de qualquer dos elementos que a lei reputa como essenciais leva a que o casamento
seja considerado juridicamente inexistente, não sendo em regra necessário que se declare a
sua inexistência.
«Quando há inexistência, o ato, como nada é, não produz consequência jurídica alguma e o
juiz tem um papel meramente passivo e secundário na sua apreciação. Apenas verifica a
inexistência como verifica qualquer outro facto cuja verificação lhe seja pedida. Pelo contrário,
se o facto chegou a ter existência jurídica, o juiz, para lhe não atribuir o efeito que
normalmente devesse produzir, terá que atuar de forma ativa e principal, pronunciando a
nulidade. Verificar a existência epronunciara nulidade.>>w
b) Nulidade do casamento
Quando se verifique vício que possa ser causa de anulabilidade do casamento, o vício de
nulidade terá que ser declarado em ação judicial de natureza impugnativa proposta
expressamente para esse efeito. O art. 6é.° ressalva que, sem ser declarada a nulidade do
casamento, ela não é invocável para nenhum efeito e de nenhuma forma e que, antes de ser
anulado, o casamento produz os efeitos do casamento formal constante do registo.
A nulidade absoluta seria invocável não só por qualquer dos cônjuges mas ainda por terceira
pessoa cujo interesse em obter a anulação esteja protegido por lei e também pelo Ministério
Público, porque com tal casamento foi violado um princípio de ordem pública.
Além de que, nestes casos, o casamento, mesmo ferido de nulidade, pode ser validado.
São, pois, critérios de uma mais larga ou mais restrita legitimidade para a propositura da ação
de anulação ou de uma maior ou menor dilatação do prazo fixado na lei para a ação de
anulação ser proposta, que nos servirão de indicadores para determinarmos se estamos
perante uma nulidade absoluta ou uma nulidade meramente relativa.
O Código Civil fazia somente distinção entre a inexistência jurídica e a anulabilidade, não
reconhecendo a figura da nulidade absoluta.
Podemos indicar como casamentos nulos os que contenham vício de incesto, bigamia e
conjungicídio. E ainda os que, embora possam ser suscetíveis de validação, contenham os
vícios de impuberdade e de demência.
Importante, porém, é ter em conta que, uma vez decretada a anulação do casamento, em
razão de causa mais grave ou menos grave, o casamento como tal deixa de existir na ordem
jurídica.
Consequentemente, os efeitos que produz a nulidade do casamento são os mesmos,
independentemente de se tratar de nulidade relativa ou de nulidade absoluta.
Importa igualmente ter em atenção que não são aplicáveis à nulidade do casamento os
princípios gerais estabelecidos relativamente à nulidade dos negócios jurídicos em geral (arts.
285.° e ss. do Código Civil), uma vez que impera o princípio dofavor matrimonii, que procura,
tanto quanto possível, salvaguardar a validade do ato.
Caso não venha a ser declarada a nulidade do casamento, este, como é óbvio, produz todos os
efeitos. Mesmo que seja anulado, ele pode, como já vimos, produzir efeitos, o que contraria as
regras gerais dos efeitos da anulação que vêm previstas para os demais negócios jurídicos.
O art. 24.° fixa a idade núbil aos 18 anos, mas, excecionalmente, permite o casa¬mento do
homem com 16 anos e da mulher com 15 anos. No caso de se tratar de menor púbere, o
casamento só pode ser celebrado mediante autorização dos pais, dos tutores ou de quem
tenha o menor a seu cargo, podendo ainda ser suprida judicialmente a falta de autorização.
2. Demência
A alínea a) do art. 25.° dispõe que os dementes estão em absoluto proibidos de casar. Esta
proibição é extensiva não só aos interditos em razão de enfermidade mental mas também
àqueles dementes que, sendo-o à data do casamento, só posteriormente venham a ser
declarados como tal, e ainda aos que forem notoria¬mente dementes à data da celebração do
casamento, embora não íbrmalmente interditos.
3. Bigamia
Consiste na violação à norma contida na alínea b) do art. 25.°, que contém um princípio de
ordem pública. Ocorre quando alguém é casado e vai contrair novo casamento antes de
dissolvido o anterior, facto que acarreta para o segundo casamento o vício de nulidade
absoluta. O primeiro casamento é válido e eficaz na ordem jurídica, enquanto o segundo está
ferido de nulidade. Não é permitida a coexistência de dois vínculos matrimoniais que
comprometam a mesma pessoa.
Por outro lado, a união de facto que for reconhecida por mútuo acordo produz efeitos
retroativos desde a data do início da união, se ela estiver em conformidade com a lei, o que
implica, como veremos, que ambos os companheiros tenham capacidade matrimonial. Ora,
desde que se opere o reconhecimento, ele vai
4. Incesto
O casamento incestuoso vem interdito nas disposições das alíneas a) e b) do art. 26.°, que
consagram também um princípio de ordem pública. O incesto abrange os ascendentes naturais
ou adotivos, os afins na linha reta, bem como os irmãos naturais ou adotivos, sendo que este
vício vai ferir o casamento de nulidade absoluta.
5. Conjugicídio
Vem estatuído na alínea c) do art. 26.°, o qual se refere à autoria ou cumplicidade de um dos
nubentes em crime de homicídio doloso contra o cônjuge do outro nubente.
O vício surge desde que haja pronúncia com trânsito em julgado ou decisão final condenatória.
Trata-se igualmente de nulidade absoluta. Entende a doutrina que este impedimento
(designado como impedimentum criminis) deve dar-se como verificado mesmo que a
condenação seja posterior ao casamento, desde que o delito tenha sido cometido antes da
celebração do casamento. Mas ele não abrange as formas de homicídio preterintencional ou
meramente culposo.
Na alínea b) do art. 65.° vêm mencionados os seguintes vícios, que se referem ao elemento de
fundo do ato do casamento, o mútuo consentimento. São eles:
a) a falta de vontade;
b) o vício da vontade;
Torna-se necessário adaptar a teoria geral dos vícios da vontade à natureza específica do
instituto do casamento dentro dos princípios do direito de família.
a) Falta de vontade
Diz-se que existe falta de vontade no caso de incapacidade acidental do nubente, por privação
da vontade de caráter temporário. É o que pode ocorrer no caso de o nubente se encontrar
em estado de embriaguez completa, no estado de drogado, no estado de hipnotizado, ou em
estado de sonambulismo. Situações dessas, embora pouco verosímeis, podem porventura
escapar à observação do Conservador do Registo Civil ou verificar-se na celebração do
casamento urgente. Mais verosímil pode ser o caso em que um tóxico-dependente vá celebrar
o ato do casamento em estado de parcial incapacidade e sem a plena consciência do ato que
pratica.
b) Vício da vontade
A patologia do consentimento dá-se ainda quando se verifica o vício da vontade, porque neste
caso a vontade existe, foi expressa a declaração, mas ela estava viciada na sua formação ou na
sua liberdade de expressão, prevalecendo ou o erro ou a violência quando ela foi expressa.
Também aqui os vícios da vontade no casamento diferem substancialmente dos vícios
suscetíveis de invalidar os negócios jurídicos em geral.
No Código Civil estipulava-se que, uma vez emitida a declaração de vontade, existia a
presunção legal de que ela era válida e isenta de vícios e, portanto, quem alegasse o vício tinha
sobre si o ónus da prova da sua existência. Cremos que este princípio se mantém válido.
Os vícios da vontade que podem ser considerados como relevantes em matéria que afeta o
mútuo consentimento no casamento são fundamentalmente o erro e
a coação.
O erro pode incidir sobre a identidadefísica do outro nubente ou sobre as suas qualidades
essenciais e pode incidir sobre aspetos de natureza física ou de natureza moral. O erro tem
que se traduzir numa falsa representação da realidade, seja ela referente à identidade
propriamente dita do outro nubente ou a qualidades consideradas essenciais ao
desenvolvimento normal da vida conjugal ou ainda ao comportamento moral do outro.
Como relevantes no erro que envolve a situação física do outro nubente, podemos apontar
doenças físicas como a epilepsia, o sida, as doenças venéreas, a esclerose em placas, e doenças
psíquicas como a paranóia, a esquizofrenia, o alcoolismo, a toxicodependência, ou anomalias
sexuais como a impotência, a homossexualidade e as que sejam de caráter permanente e
irreversível. A impotência pode ser a impotência coendi, que impede a prática de relações
sexuais, ou impotência generandiy quando tão só impede a procriação.
A gravidez de mulher casada por facto de terceiro c oculta ao outro nubente, desde que não
seja manifestamente aparente no momento da celebração do ato do casamento, constitui erro
relevante suscetível de viciar a vontade do noivo.
O erro sobre as qualidades morais do outro nubente tem que ser igualmente de natureza
essencial e manifestamente incompatível com o comportamento moral desse nubente. Pode
consistir no facto de o outro nubente ter sofrido condenação penal em pena maior e ter
ocultado o facto, ou ter-se dedicado a práticas ilícitas ou desonrosas, como a prostituição, o
tráfico de droga, etc..
Para ser relevante, o erro tem que ser essencial, isto é, tem que incidir sobre qualidades
essenciais do outro nubente ou sobre a identidade da própria pessoa. Isto pode acontecer
quando alguém falsamente se intitula com determinada identidade civil e casa sob falso nome.
Mas o erro tem também que ser desculpável, o que implica dizer que o cônjuge cuja vontade
foi viciada não deve ter sido negligente em se inteirar da verdade e aperceber-se da realidade.
A ignorância das circunstâncias que configuram o vício de vontade tem que ser desculpável e
não fruto de negligência de quem o invoca.
A coação física não é muito de admitir na celebração do casamento, embora seja admissível no
casamento urgente. Já a coação moral ou a violência é mais admissível. Para que a coação se
verifique, porém, é necessário que exista uma ameaça com cominação de dano, uma ameaça
usada intencionalmente pelo autor para forçar a vontade do nubente e o levar à celebração do
casamento.
A coação moral (violência) pode concretizar-se por pressões, situações de guerra, perseguições
políticas, etc., devendo revestir a forma de ameaça efetiva da prática de um facto ilícito, seja
sobre a pessoa do próprio nubente seja sobre terceira pessoa.
O art. 1638.° do Código Civil estipulava: «É anulável o casamento celebrado sob coação moral
contanto que seja grave o mal com que o nubente é ilicitamente ameaçado e justificado o
receio da sua consumação.» A coação moral vem prevista no art. 255.°, n.°s 1 e 2 do Código
Civil.
Dela está excluído tanto o exercício normal de um direito bem como o temor reverenciai (n.°
3). Por conseguinte, o simples temor reverenciai que consista no acatamento da vontade dos
pais ou de outros parentes mais velhos, não é suscetível de ser relevante como gerador de
vício de consentimento.
Já o dolo não é admitido como vício atendível, pois, segundo o velho provérbio, acontece em
regra que « no casamento engana quem pode ». Faz parte da natureza humana a necessidade
de cada um dos nubentes se apresentar perante o outro nubente revestido de mais qualidades
e atributos do que aqueles de que realmentc é dotado. Irrelevante é também, por si só, a
reserva mental.
7. Simulação
O fim em vista pode ser o de obter algum benefício através do casamento, como a mudança
de nacionalidade, o da evasão fiscal, o direito a uma pensão da segurança social, o direito à
transmissão do direito ao arrendamento. Mas estes objetivos não cabem na finalidade do
casamento, imposta imperativamente na lei (art. 20.°): a de estabelecer uma plena comunhão
de vida. No casamento simulado há absoluta ausência da convivência conjugal.
No Código de Família os vícios de vontade não vêm especificados, sendo que o art. 68.°
explicita, a propósito da legitimidade para a propositura da ação de anulação, que ela pode ser
proposta pelo cônjuge cuja vontade faltou, ou que foi vítima de erro ou coação.
O vício da simulação vem referido na alínea b) do art. 65.°, na sua parte final, quando se refere
ao casamento celebrado com «finalidade diversa da prevista na presente lei» e ainda no art.
68.°, quando menciona quem tem legitimidade para a propositura da ação de anulação no
caso de simulação.
Vem inserido na previsão da alínea c) do art. 34.° do Código de Família. Como vimos, a falta de
testemunhas, embora não possa ser causa de inexistência jurídica do casamento, pode ser
causa de nulidade. Já mencionámos o importante papel que as testemunhas desempenham na
celebração do casamento, mormente para atestarem que o ato se efetivou em determinado
local e em determinada data. O casamento sem testemunhas pode ser equiparado a um
casamento clandestino.
Trata-se de um vício de forma a que a lei dá relevância como potencial gerador da nulidade do
casamento. Diferentemente, outras irregularidades verificadas no processo do casamento,
quer no processo preliminar, quer na cerimónia da celebração do ato em si, embora possam
ser objeto de procedimento disciplinar contra o funcionário do Registo Civil que as praticou,
não põem em causa a validade do ato.
A — Legitimidade
Nos casos em que se entende que houve violação de um princípio considerado de ordem
pública, permite-se sempre que o próprio Estado, através do seu representante, o Ministério
Público, venha propor a ação de anulação. De resto, as restrições à legitimidade para a
propositura da ação são baseadas no princípio de que se deve defender a estabilidade do
casamento. Daí que as normas que atribuem legitimidade para vir a juízo sejam de natureza
expressa e restrita e não suscetíveis de interpretação por analogia. Trata-se duma faculdade
legal renunciável e de um direito indisponível.
a) Legitimidade nos casos da alínea a) do art. 65.°, quando a ação seja baseada na falta de
idade núbil e em demência, de acordo com o disposto no art. 67.°, alíneas
a) , b),d)ee):
— O Ministério Público;
A legitimidade por quem não seja cônjuge cessa quando o menor atinge a maioridade ou
quando cessa a interdição por demência — art. 70.°, n.° 1, alínea a).
— O Ministério Público;
— Outra pessoa cujo interesse na ação seja juridicamente protegido. O interesse pode ser
de ordem moral, com o objetivo de pôr fim a uma situação escandalosa, de ordem
patrimonial, quando se trate de defender
— O Ministério Público;
No caso de ação de anulação por falta ou vício da vontade só o cônjuge cuja vontade faltou ou
que foi vítima de erro ou coação tem legitimidade para intentar a ação, segundo o estatuído
no art. 68.°, n.° 1, dado que tratando-se de questão do foro próprio e subjetivo do titular do
direito este não é suscetível de ser exercido por terceiros.
Mas a lei faculta que uma vez intentada a ação se o autor falecer na pendência da causa,
possam prosseguir nela os seus parentes na linha reta e os seus herdeiros, última parte do
citado art. 68.°, n.° 1.
No caso de anulação por falta de testemunhas que devam estar presentes à celebração do
casamento, como vem referido na alínea c) do art. 34.°, a ação só pode ser intentada pelo
Ministério Público, em conformidade com o que preceitua o art. 69.°, e que se refere à falta de
requisitos formais do ato do casamento.
Relativamente a todas as ações atrás mencionadas, há sempre que ter em atenção que, muito
embora eles indiquem de forma expressa quem pode, por sua iniciativa, pôr a ação para obter
a anulação do casamento, no caso de a ação já ter sido proposta, a lei atribui sempre aos
herdeiros do autor legitimidade para prosseguir na ação, a qual não se extingue com a morte
do respetivo interessado. Isto é aplicável quer a ação tenha sido proposta pelo cônjuge quer
por terceiro a quem a lei permita a propositura da ação.
É o que dispõe o corpo do art. 67.°, que menciona quem pode prosseguir na ação e bem assim
o art. 68.°, n.° 1, que permite aos parentes em linha reta e aos seus herdeiros prosseguir na
ação se o autor falecer na pendência da causa.
A ação de anulação está sujeita a prazo, o que é também revelador de que a lei procura
salvaguardar, tanto quanto possível, a estabilidade do casamento, mesmo quando ferido de
nulidade. Na verdade, uma vez precludido o prazo legal, já a ação não pode ser proposta e o
casamento, embora tenha sido suscetível de ser
Os prazos, como já vimos, são mais dilatados ou mais diminutos consoante a própria natureza
e gravidade do vício de que enferma o ato do casamento. Por outras palavras, conforme é
maior ou menor o interesse do Estado em que o casamento possa ou não vir a ser anulado.
A matéria relativa aos prazos para a propositura da ação de anulação vem regulada no art. 70.°
do Código de Família, que estatui o seguinte:
a) Nos casos de incapacidade por falta de idade núbil, demência ou interdição por
anomalia psíquica:
1. Quando for proposta pelo próprio incapaz, até um ano após ter atingido a maioridade
ou ter sido levantada a interdição;
2. Quando for proposta pelo Ministério Público ou por terceira pessoa, até dois anos
após a celebração do casamento, mas nunca depois de o nubente ter atingido a maioridade,
ser levantada a interdição ou inabilitação ou ter cessado a demência.
c) Nos casos de incesto ou de bigamia, em qualquer tempo, mas nunca depois de dois
anos após a dissolução do casamento. No caso de bigamia a ação de anulação não pode ser
instaurada nem pode prosseguir enquanto estiver pendente a ação de anulação do casamento
anterior.
Nos casos em que é permitida a validação do casamento (os indicados no art. 73.° do Código
de Família), quando a validação se verifica o casamento ressurge na sua plenitude e passa a ser
considerado válido desde a data da sua celebração.
O ato confirmativo de que vai decorrer a validação do casamento tem, porém, que ocorrer
antes do trânsito em julgado da sentença que venha a decretar a anulação do casamento.
Em todos estes casos prevê-se que, por virtude de um facto posterior, possa vir a ser sanada a
nulidade do ato do casamento e, por conseguinte, eliminado o vício que se verificava no
momento da sua celebração. Já no caso de impuberdade o facto de ter havido autorização
posterior não convalida o casamento. Também no caso de bigamia o facto de ocorrer
entretanto a morte do cônjuge do anterior casamento não convalida o segundo casamento do
bígamo.
Além do mais, devem ser considerados como validados todos os casamentos que, muito
embora celebrados com vício que os invalide, não venham a ser anulados por quem tenha
legitimidade para o fazer, desde que precludidos os prazos legais para a propositura da
respetiva ação de anulação.
À anulação do casamento deveriam ser aplicados os efeitos que constam das regras gerais de
nulidade dos negócios jurídicos em geral, ou seja, a sentença de anulação deveria destruir
retroativamente todos os efeitos produzidos desde a data da celebração até à data do trânsito
em julgado da sentença que declare a anulação.
Mas, porque estamos no campo das relações de natureza pessoal e não patrimonial, os efeitos
não são aqueles que produz a anulação dos negócios jurídicos em geral.
Na verdade, o ato do casamento é de tal relevância na vida das pessoas que o celebraram que
a lei, uma vez verificadas determinadas condições, vai proteger o casamento, preservando os
efeitos produzidos durante a sua vigência.
A lei vai atender ao facto de os cônjuges terem agido de boa fé, ou seja, ao facto de, no
momento da celebração, estarem na plena convição de que estavam a celebrar um ato da
maior importância para as suas vidas e de que esse ato era plenamente válido.
Ao analisar o que deve entender-se por boa fé em matéria de casamento putativo, Pires de
Lima adianta o seguinte: « a violência e o erro em nada diferem ainda sob este ponto de vista,
pois o que interessa para justificar os efeitos do casamento putativo é a situação material
criada pelo suposto casamento, que em ambos os casos é contrária à vontade dos contraentes
(...)». «O erro, para merecer proteção, deve ser desculpável. Não pode ser protegido aquele
que ignorou culposamente por não ter usado da diligência normal e usual. »(2)
O erro tanto pode ser erro de facto como de direito, que se pode traduzir na ignorância de
uma disposição legal que proibia o casamento.
Tal ignorância não pode ser invocada se o Conservador do Registo Civil tiver cumprido
rigorosamente o disposto no art. 29.°, n.° 1 do Código de Família, que manda que os nubentes
sejam previamente esclarecidos de quais os impedimentos matrimoniais, logo após a
instauração do processo preliminar.
Está de boa fé o cônjuge que ignorava a causa de invalidade ou que foi vítima de violência ou
de temor relevante.
Entretanto, por via do alargamento da proteção dos cônjuges, n.° 3 do art. 72.° consagra a
presunção da boa fé dos cônjuges, devolvendo o ónus da prova a quem vier alegar a má fé na
ação de anulação. Mais: a boa fé tem que verificar-se apenas
Pires de Lima, ob. cit.y p. 180.
A figura jurídica que permite que o casamento anulado produza efeitos é designada como
casamento putativo.
O casamento putativo foi introduzido desde há séculos nos ordenamentos jurídicos ligados ao
direito canónico, por se entender proteger os cônjuges convictos de que celebraram um ato
válido e da maior importância na sua vida pessoal. As consequências da anulação seriam de tal
maneira graves e injustas que se optou por derrogar as regras do efeito da anulação e se criou
o instituto do casamento putativo.
O termo putativo vem do termo latinoputare que significa «julgar» e que é usado para invocar
a convição dos cônjuges de estarem a celebrar um casamento válido quando, de boa fé, o
celebraram.
Discute-se qual a natureza jurídica do casamento putativo. Há quem o considere uma fição e
há quem o considere uma instituição autónoma que produz efeitos pelo facto material da
aparência de um casamento. Reconhece a doutrina que a diversidade de efeitos do casamento
putativo gera uma situação complexa que procura atenuar os efeitos da nulidade do
casamento.
Entendemos que é a teoria da aparência a que melhor se coaduna com a figura do casamento
putativo. Na verdade, o comportamento pessoal e social dos cônjuges, procedendo como se
casados fossem, a despeito do vício do ato, leva a que se lhe não possam aplicar na íntegra os
efeitos que derivariam da anulação do casamento. No fundo, reconhece-se que havia um
matrimónio « aparentemente» válido. Mas é preciso ter em conta que o instituto do
casamento putativo só é aplicável se se verificar, como pressuposto indispensável, a existência
de um matrimónio aparente, que formalmente o distinga de outra qualquer união e desde que
tenha existido também a intenção de facto de contrair casamento.(3)
— que exista o elemento subjetivo da boa fé por parte de ambos ou de um dos nubentes.
(J) Juan Jordano Barea, «Matrimonio Putativo como Aparência Jurídica Matrimonial»,
O mesmo ocorre quando um só dos cônjuges estava de boa fé, pois ele pode arrogar-se a
produção dos benefícios do casamento perante o outro pseudo ex-cônjuge e perante terceiros
— art. 71.°, n.° 2.
Desta sorte, o instituto do casamento putativo significa que o casamento anulado vai produzir,
até ao momento da sua anulação, ou seja, em relação ao passado, os mesmos efeitos que teria
produzido um casamento válido, cessando os seus efeitos a partir da anulação.
Assim, os pseudo-cônjuges passam ao estado civil anterior, que pode ser o estado de solteiro,
se esse fosse o estado civil que tinham à data da celebração do casamento, ou ao estado de
viúvo ou divorciado.
Cessa o direito ao uso do nome e cessa igualmente o vínculo da afinidade. Mantém-se o direito
à nacionalidade angolana adquirida pelo casamento, nos termos do art. 12.°, n.° 3 da Lei da
Nacionalidade (Lei n.° 1/2005). Mantém-se também o direito à prestação de alimentos.
Já no que diz respeito aos efeitos patrimoniais que tenham decorrido durante a vigência do
casamento, como sejam as doações entre cônjuges ou feitas por terceiros, elas mantêm-se,
não se operando a caducidade. O mesmo sucede se, durante a vigência do casamento anulado,
o cônjuge tiver sido chamado à sucessão do outro cônjuge, pois o efeito sucessório
permanece. Se a sucessão ocorrer após ter sido proferida a sentença de anulação, o direito
sucessório desaparece. Procede-se à liquidação dos interesses patrimoniais de acordo com o
regime de bens que tiver sido adotado.
Foi a Lei de Família de 25 de dezembro de 1910 que alterou essa situação, declarando sempre
legítimos os filhos nascidos de casamento anulado.
Esta posição foi depois introduzida no Código Civil e veio a ser confirmada de pleno no Código
de Família, ao dispor que a anulação do casamento não prejudica por qualquer forma «os
direitos dos filhos nascidos e concebidos na constância do casamento» (art. 71.°, n.° 3). Daí
que, em relação aos filhos, a declaração de nulidade do casamento seja juridicamente
irrelevante.
Isto vem confirmado pela regra geral contida no art. 163.° do Código de Família, segundo o
qual o estabelecimento da filiação do filho concebido e nascido na constância do casamento
resulta para ambos os pais do facto do nascimento, mesmo que o casamento venha a ser
anulado. dívidas comunicáveis por força da lei, situação em que os bens de ambos os
cônjuges podem ser chamados à responsabilidade pelo pagamento da dívida.
Os efeitos da anulação do casamento no caso do casamento putativo, são, aliás, como iremos
ver, idênticos, em muitos aspetos, aos da dissolução do casamento por divórcio.
CAPÍTULO 13.0
Do casamento como ato jurídico decorre a situação jurídica familiar de caráter duradouro pela
qual os cônjuges adquirem o estatuto jurídico do estado de
casados.
Longa tem sido a evolução do instituto do casamento quanto à questão das relações pessoais
entre marido e mulher, mas neste momento só nos interessa analisar os princípios
consagrados no Código de Família, que são aqueles que representam as novas tendências das
legislações progressistas que começam a preponderar em muitos países do mundo e que
foram consagrados em convenções internacionais e na Constituição angolana.
Postergado que foi o Código Civil e os princípios retrógrados e discriminatórios que consagrava
em relação à mulher, o Código de Família veio proclamar a igualdade do homem e da mulher
em todas as relações jurídicas familiares, mormente nas relações matrimoniais.
Ao Falar em deveres e não em obrigações quis a lei focalizar o aspeto moral subjacente às
condutas estabelecidas na lei.
As relações conjugais são, pois, baseadas em direitos e deveres recíprocos de tal forma que a
cada direito corresponde a assunção de um dever. Tal como as demais relações familiares, são
de natureza solidária e intercorrente. Nas suas relações matrimoniais devem os cônjuges
também obediência ao princípio consagrado no n.° 2 do art. 2.° do Código de Família, nos
termos do qual os membros da família devem contribuir entre si para o seu desenvolvimento
harmonioso, por forma a que cada um possa realizar plenamente a sua personalidade e as
suas aptidões no interesse de toda a sociedade.
O vínculo matrimonial é por sua natureza estável e duradouro: através do casamento, marido
e mulher criam uma nova família, à qual devem dar o melhor de si mesmos.
B — Plena comunhão de vida
A plena comunhão de vida, embora a lei o não diga expressamente, envolve relações de
caráter físico, afetivo e inteletual entre marido e mulher, o que corresponde à expressão latina
more uxorio.
A palavra cônjuge deriva da palavra latina conjunx ou conjugis, que significa «ligar por meio de
jugo» ou «emparelhar». Quer dizer: em virtude do casamento, marido e mulher passa a estar
«juntos com», ou seja, unidos entre si. No direito antigo considerava-se que vir et uxor
censentur in lege una persona, querendo com isto dizer-se que marido e mulher eram, à face
da lei, considerados como uma só pessoa.
Se, por um lado, é certo que o casamento tem relevância na liberdade dos cônjuges, impondo
restrições que são voluntariamente aceites por eles, e que a família matrimonial, o casal,
constitui sob muitos aspetos uma unidade, também não é menos verdade que os direitos
fundamentais de cada cônjuge são salvaguardados.
A recusa injustificada às relações sexuais por parte de um dos cônjuges ou a impotência para a
sua consumação constituem factos que podem ser considerados
como violação dos deveres conjugais ou causa de nulidade do casamento, consoante os casos.
No entanto, a recusa à prática de relações sexuais pode ser fundamentada, com base em
razões de saúde (v.g;, ser um dos cônjuges portador de doenças transmissíveis), ou com base
em razões de ordem moral (v.g., se um dos cônjuges tiver um comportamento culposo em
relação ao outro).
A plena comunhão de vida, que constitui a finalidade legal do casamento, tem como substrato
o facto material de os cônjuges viverem em coabitação, isto é, terem uma residência comum.
A comunhão de vida implicará a comunhão de cama, mesa e habitação, ainda que não seja
forçoso que se verifiquem expressamente estes três elementos, pois o que é essencial é que
permaneça o facto de os cônjuges poderem e quererem comunicar entre si.
Por questões meramente conjunturais (de índole profissional, de saúde, etc.), os cônjuges
podem, durante algum tempo, deixar de viver juntos, desde que mantenham entre si todos os
outros laços que evidenciam a comunhão de vida.
No art. 44.° do Código de Família dispõe-se que os cônjuges devem viver juntos eainda que
devem de comum acordo escolhera residência dafamília.
Ao fazerem essa escolha, e segundo o mesmo art. 44.°, devem ponderar as exigências da vida
profissional de ambos e os interesses dos filhos.
É assim concedido aos cônjuges direito igual de intervir na decisão, afastando a situação
anterior, em que era só o marido a decidir.
A escolha do local de residência comum é de decisiva importância na vida dos cônjuges e será
pouco admissível que os cônjuges não cheguem a acordo sobre tal questão, que é pressuposto
material da vida em comum.
C — Decisão comum
Outro princípio fundamental pelo qual se passam a reger as relações entre os cônjuges, e que
é resultante do princípio da igualdade entre marido e mulher, é o da decisão comum das
questões da vida familiar. Segundo a conceção anterior- mente aceite, a família era um corpo
hierarquizado sujeito à autoridade de um chefe, o marido.
Substituindo este conceito de hierarquia dentro das relações familiares, surge, como corolário
lógico do princípio da igualdade entre os cônjuges, o princípio da diarquia, que atribui aos dois
iguais direitos e deveres, quer nas relações entre si quer nas relações dos cônjuges com os
filhos comuns.
Também no exercício da autoridade paternal sobre os filhos menores o pai e a mãe são
titulares de direitos e deveres iguais, não se sobrepondo a vontade de um à do outro — art.
127.°, n.° 1 do Código de Família, já citado.
O princípio da decisão comum vem expresso no art. 48.° do Código de Família: «Os cônjuges
decidem em comum os assuntosfundamentais da família (...).»
Ao tomarem as suas decisões comuns, os cônjuges deverão procurar obter o consenso entre si,
não predominando a vontade ou o capricho de um deles.
Questões relevantes como a conceção dos filhos, número e espaçamento de gravidez, uso de
contracetivos, devem ser decididos por ambos, não impondo a vontade de um à do outro.
Eles têm o dever de agir de acordo com o interesse da própria família, tendo em vista o
benefício desta e não o seu próprio interesse pessoal e egoísta.
Ao tomarem as deliberações comuns da vida da família, cada um dos cônjuges deve respeitar a
personalidade do outro e o interesse dos filhos do casal, agindo numa base de mútua
transigência.
A plena comunhão de vida exige a partilha entre os cônjuges de uma vida em comum que tem
de assentar numa convivência matrimonial harmónica e mutuamente frutuosa.
Essas restrições são, porém, compensadas pelo enriquecimento que advém da vida comum,
baseada no espírito de solidariedade e entreajuda.
Ao mencionar os deveres recíprocos dos cônjuges, o art. 43.° estabelece que ambos estão
vinculados pelos deveres de respeito,fidelidade, coabitação, cooperação e assistência. A
ordem pela qual são enunciados estes deveres também evidencia que o legislador quis dar
particular realce aos que se referem à posição moral de um cônjuge perante o outro,
entendendo ser essa postura muito importante no relacionamento comum.
A — Poder-dever de respeito
Normalmente não vem enunciado nas diversas legislações, embora tenha um alcance
fundamental, por ser o substractum das relações conjugais e permitir a sua estabilidade e
continuidade. Ele envolve o dever de prestar ao (e o direito de exigir do) outro consorte o
respeito pela personalidade moral e física, abstendo-se de qualquer conduta ofensiva ou
atentatória da integridade física ou moral do outro cônjuge. Cada um dos cônjuges deve ter
em conta que o outro é uma pessoa humana dotada de personalidade e de dignidade próprias.
B — Poder-dever defidelidade
O ato sexual praticado pelo cônjuge com terceira pessoa tem que conter o elemento subjetivo,
ou seja tem que ser um ato voluntário no sentido de que tem que ser consciente e livre. Se for
um ato obtido por violência ou fraude, o adultério não se consubstancia.
No sentido objetivo o adultério abrange a prática com terceira pessoa de qualquer atividade
que vise satisfação sexual^. No Anteprojeto do Código Penal (1) Jorge Duarte Pinheiro, obra
citada, p. 449.
vêm no Capítulo relativo aos Crimes Sexuais contidas definições de atos puníveis e que
integram atividade sexual. ^
Há, porém, quem entenda que a infidelidade pode traduzir-se numa mera relação amorosa
com terceira pessoa ou numa conduta de que possa resultar presunção de adultério, fazendo a
distinção entre a infidelidade material, que é o adultério consumado, e a infidelidade moral,
que pode consistir numa relação amorosa de simples namoro. Esta última conduta é na
opinião de alguns como uma violação do dever de respeito, acima mencionado.
A relação matrimonial é, na essência, uma relação de confiança. Nenhum dos cônjuges pode
coercivamente obrigar o outro ao dever de fidelidade, sendo-lhe, porém, permitido reagir em
relação ao outro se houver quebra desse dever, pois tal pode constituir uma causa de divórcio.
O adultério foi e continua a ser considerado em muitas legislações como um ilícito penal. O
Código Penal vigente em Angola consagra esta infração penal no seu art. 401.°,
consubstanciando uma conceção retrógrada do casamento. Essa norma altamente
discriminatória contra a mulher (pois através dos tempos foi sempre contra quem ela se
dirigiu) foi revogada pela Lei do Divórcio de 1910, que incrimina igualmente o adultério do
marido e o da mulher.
Hoje em dia o adultério é considerado em geral como um ilícito civil. O Ante- -Projeto do
Código Penal já não prevê o adultério como ilícito penal.
O dever de fidelidade a que a mulher casada está adstrita é um dos pontos essenciais em que
assenta o princípio legal de que os filhos que ela tiver na constância do casamento, são filhos
do marido.
C — Poder-dever de coabitação
Como já vimos, o dever de coabitação consiste na convivência material de marido e mulher em
comunhão de cama, mesa e habitação, segundo o modelo social de convivência conjugal.
A coabitação pressupõe, pois, a residência familiar comum, um teto sob o qual os cônjuges
devem manter o seu relacionamento recíproco. O local onde coabitam os cônjuges, ou seja, a
residência familiar, é, pela sua importância para a estrutura familiar, especialmente protegida
por lei. Os cônjuges têm o dever de viver juntos, diz o art. 44.° do Código de Família.
Já o facto de um dos cônjuges resolver pôr fim à coabitação com o outro ou o facto de ambos,
de comum acordo, resolverem fazer vida em separado, é um ato de toda a relevância e
evidenciador da ruína das relações conjugais a que o Código de Família vai atender para
diversos efeitos quando não haja reatamento da vida em comum e se vier a operar a
dissolução do casamento por divórcio.
Ele produz desde logo, efeitos em relação ao exercício da autoridade paternal sobre os filhos
menores do casal.
O conceito jurídico de coabitação entre homem e mulher radica sempre numa situação
objetiva da vida comum e releva não só nas relações familiares matrimoniais mas também nas
de simples união de facto.
cônjuges não auferir salário ou rendimento próprio, essa prestação pode ser consubstanciada
na prestação de serviços ou na produção de bens.
A participação dos cônjuges nos encargos da vida familiar deve estar de acordo com os
rendimentos por eles auferidos, permitindo ao agregado familiar um nível de vida
consentâneo com as suas disponibilidades económicas.
O art. 46.°, n.° 1, do Código de Família dispõe: «Os cônjuges devem con¬tribuir conjuntamente
para os encargos da vida familiar, de harmonia com as possibilidades de cada um», devendo
entender-se como encargos da vida fami¬liar os que abrangem os custos com o sustento,
vestuário, habitação e todos os necessários à vida normal da família, tais como despesas de
manutenção de viatura, combustível, de água e eletricidade, de empregada doméstica, compra
de mobiliário, eletrodomésticos, etc.
O n.° 2 do art. 46.° permite que qualquer dos cônjuges possa recorrer a tribunal para exigir que
lhe seja entregue diretamente a parte dos rendimentos ou proventos do outro: «Não sendo
prestada a contribuição devida, qualquer dos cônjuges pode exigir que lhe seja diretamente
entregue a parte dos rendimentos do outro que o tribunalfixar». Tal pode ocorrer quando o
outro, dispondo de recursos, deixar de os prestar voluntariamente.
Esta disposição permite a intervenção direta do tribunal na vida fami caso de violação do dever
de assistência material, quando um dos cônjuges deixar de contribuir para os encargos da vida
familiar.
O facto de um dos cônjuges violar o dever de assistência e deixar eco para os encargos da vida
familiar pode colocar a sua família numa sir Ç económica desesperada. Trata-se de uma ação
de jurisdição voluntar q í prevista no art. Í416, do Código do Processo Civil, o qual vir pedir a
tribunal a entrega direta dos rendimentos o man o, despesas domésticas, devendo entender-
se, agora, que este e um l^p|
Parte de um dos cônjuges, que, tendo perdido a noç Q |Qgo de azar, ctc..
O poder de assistência reveste-se ainda de um aspeto moral, impondo aos cônjuges um dever
de ajuda espiritual, participando nos momentos difíceis da vida do outro, como no caso de
doença, desgostos familiares, reveses da vida profissional, etc.. Ele abrange, igualmente, o
dever de ajudar o outro no progresso da sua vida profissional e social.
O dever de assistência como veremos pode prolongar-se mesmo quando cesse a coabitação
dos cônjuges em virtude de separação de facto ou da dissolução do vínculo matrimonial por
morte ou divórcio, e concretiza-se por via da prestação de alimentos.
Este conjunto de poderes e deveres reflete-se sem dúvida na vida pessoal dos cônjuges e
impõe, como se vê, restrições à liberdade individual de ambos. Mas é preciso ter sempre em
conta que eles não os atingem na sua personalidade própria e nos seus direitos pessoais, que
se mantêm intactos, tal como o direito à sua inte¬gridade moral e física, e em geral, os direitos
próprios de toda a pessoa humana.
O direito à integridade física e moral obsta a que qualquer dos cônjuges exerça violência
corporal ou ameaças sobre o outro. O marido, pelo facto de o ser, não pode agredir corporal e
voluntariamente a mulher, porque esse comportamento ilícito, penalmente relevante (crime
de ofensas corporais voluntárias) não é «justificado» pelo facto de existência do vínculo
matrimonial.
Aliás, hoje vem tipificado nos modernos sistemas penais o crime de violência doméstica
exercida entre pessoas que coabitam no mesmo lar, cujo âmbito vem definido na Lei n.° 25/11
de 14 de julho, no art.° 2.°.
A anterior tese sustentada com base no Código Penal, de que o crime de violação não pode ser
praticado pelo marido sobre a mulher, pelo facto de não se tratar de cópula ilícita, também
não tem já acolhimento na lei penal moderna.
O Anteprojeto do Código Penal prevê o crime de agressão sexual com penetração que é
punido mesmo que praticado por cônjuge do agente^
Tais questões, pelo seu melindre e importância na vida do casal, devem, tanto quanto possível,
ser decididas por consenso dos cônjuges, mas em nenhum caso poderá um dos cônjuges
coagir o outro a um determinado comportamento contra a sua vontade.
A integridade moral do cônjuge tem que ser respeitada pelo outro, preservando o direito de
cada um à honra, à vida íntima, à imagem, à correspondência própria, aos contatos telefónicos
próprios, enfim, o direito ao relacionamento no seu meio familiar e social.
Cada cônjuge tem o direito às liberdades fundamentais de natureza política, cívica, sindical,
cultural ou religiosa, podendo os cônjuges ter as suas próprias convições, o que não impede
que, em caso de falta de espírito de tolerância, isso não possa redundar em litígio entre o
casal.
Os direitos pessoais do marido ou da mulher devem ser exercidos pelo próprio cônjuge lesado
por ação de terceiro, em ação de natureza criminal ou civil.
Deve considerar-se revogada a legislação penal que permitia ao marido constituir-se assistente
em ação penal em que seja ofendida a mulher (art. 4.°, n.° 3 do Decreto-Lei n.° 35 007),(6) não
só por ser uma norma discriminatória, mas porque o direito à ação penal ser de natureza
pessoal e não transmissível.
Sabido que o relacionamento entre marido e mulher é estabelecido numa base de confiança
recíproca e permite o acesso à intimidade do outro, é a própria lei a proteger os segredos do
casal: um cônjuge não pode testemunhar contra o outro
a constranger a sofrer penetração sexual por terceiro é punido com pena de prisão de
2 a 10 anos de prisão.
ARTIGO 4.°
(Assistentes)
(...)
4.° — O marido nos processos por infração contra a mulher, salvo oposição desta.
(art. 216.°, n.° 3 do Código de Processo Penal), nem pode ser perguntado por atos puníveis ou
desonrosos que o outro cônjuge haja praticado (art. 218.° do mesmo Código).(7)
Cada cônjuge conserva o direito à imagem, à intimidade, à honra, às suas relações familiares e
sociais. Há, no entanto, que ter em conta que a plena comunhão de vida dos cônjuges implica
que, em regra, os dois atuem em conjunto na vida social e no seio da família, família esta que
vem alargada para cada um deles pelo novo vínculo da afinidade derivado do vínculo do
casamento.
A família conjugal constitui um grupo social que mantém relações jurídicas de diversa natureza
com terceiros. Nessas relações a família matrimonial é representada indistintamente por
qualquer dos cônjuges, tratando-se de um poder de representação tácito, pois assenta no
princípio de que, quando um dos cônjuges atua perante terceiros, está a atuar em resultado da
vontade de ambos. Assim, se um deles celebra um negócio jurídico, ou toma uma resolução
pertinente à vida dos cônjuges e dos filhos, presume-se que representa a vontade comum.
É o que dispõe a parte final do art. 48.° do Código de Família: «(...) podendo cada um deles
representá-la perante terceiros». Trata-se de mera presunção que pode ser afastada perante
terceiros, mesmo que de boa fé, por simples declaração do outro cônjuge que não tenha
intervindo no ato em causa, devendo, porém, fazê-lo em tempo útil para não prejudicar
terceiros de boa fé.
(...)
ARTIGO 218.°
As testemunhas não serão perguntadas por factos puníveis ou desonrosos por elas praticados
ou por (...) marido ou mulher.
No Código Civil anterior (art. 1674.°), o marido, dentro do seu poder marital, tinha, por força
direta da lei, o de poder de representação da família.
Hoje, porque tanto o marido como a mulher têm plena capacidade civil, o Código de família
permite que qualquer dos cônjuges, indistintamente, represente a família perante terceiros,
por mera presunção de agir segundo o consenso de ambos.
O poder de representação dos cônjuges vem consignado em diversas normas da nova Lei das
Sociedades Comerciais, Lei n.° 1/04 de 13 de fevereiro, que permite a representação dum
cônjuge sócio de sociedade pelo outro, designadamente em assembleias gerais (artigos 191.°,
n.° 4,277.°, n.° 3 e 400.°, n.° 1), bem como no caso de contitularidade de quotas (art. 245.°, n.°
1).(8)
Isto não impede, como veremos, que qualquer dos cônjuges possa, através de mandato,
constituir um terceiro como administrador dos seus bens (art. 54.°, n.° 2, alínea b) do Código
de Família).
A — Direito ao nome
(...)
4. Nas Assembleias Gerais o sócio só poderá fazer-se representar pelo cônjuge (...).
ARTIGO 277.°
ARTIGO 400.°
(Representação de acionistas)
1. O contrato de sociedade não pode proibir que qualquer acionista se faça representar na
Assembleia Geral, desde que o representante seja o seu cônjuge (...).
ARTIGO 245.°
(Representação comum)
1. Quando não for designado por lei ou disposição testamentária ou representante comum é
nomeado e pode ser destituído pelos contitulares podendo ser nomeado representante
comum qualquer contitular ou o cônjuge de qualquer deles.
nome de família pelo qual esta passava a ser conhecida no meio social em que vivia. A unidade
de nome refere-se neste caso ao apelido ou nome de família ou patronímico e não ao nome
próprio. Na generalidade dos países europeus predo¬minava o costume de a mulher adotar o
apelido de família do marido, sobretudo na burguesia.
Nalguns países a mulher perdia mesmo o direito de usar o seu apelido de solteira, para usar
somente o apelido de família do marido. Noutros casos conservava o seu apelido e a este
juntava o apelido do marido.
Segundo o Código Civil português, o uso do apelido do marido por parte da mulher casada era
uma faculdade legal de que a mulher podia ou não usar, consoante quisesse.
Esta praxis tradicional foi transformada a partir do novo direito de família soviético, que veio
permitir que qualquer dos cônjuges adotasse o apelido do outro. Dentro desta nova linha de
orientação, que é comum à generalidade das modernas legislações, qualquer dos cônjuges é
livre de adotar os apelidos do outro. Esta é também a regra adotada pelo art. 1677.° do atual
Código Civil português, que, após a reforma de 1977, permite que os cônjuges conservem os
seus apelidos ou acrescentem apelidos do outro, até ao máximo de dois.
Esta matéria vem regulada no art. 36.°, n.° 1 do Código de Família, que dispõe: «No ato do
casamento pode um dos nubentes declarar que adota o apelido do outro ou podem ambos
optar pela adoção de um apelido comum, a partir do apelido dos dois».
Esta declaração tem que ser efetuada logo após a celebração do ato do casamento. Consagra-
se assim o princípio de que os cônjuges podem optar pela constituição de um apelido de
família comum formado pelos apelidos de ambos e usado em conjunto por marido e mulher. A
declaração feita pelos nubentes pode consistir num ato unilateral de vontade, se consistir na
adoção do apelido do outro, o qual tem que dimanar de um só dos cônjuges.
Trata-se dumafaculdade legal de que cada cônjuge pode ou não usar, mantendo o seu nome
anterior ou acrescentando o nome do outro ou formando um nome comum.
Como veremos, o direito ao uso do nome perdura durante a vigência do matrimónio e após a
sua dissolução por morte, cessando no caso de dissolução por divórcio, como prevêem os n.°s
2 e 3 do citado art. 36.°.
B — Emancipação
C — Nacionalidade
Já o art. 12.°, n.° 1 da Lei n.° 13/91 foi alterado pelo art. 12.°, n.° 1 da Lei n° 1/05 que passou
adispor o seguinte: «O estrangeiro casado com nacional, por mais de cinco anos, pode na
constância do casamento e ouvido o cônjuge adquirir a nacionalidade angolana, desde que o
requeira».
Se o cidadão estrangeiro perder a sua cidadania pelo facto do casamento, adquire ipso facto a
nacionalidade angolana. Acrescenta este art. 12.°, n.° 3 que: «A declaração de nulidade ou
anulação do casamento não prejudica a nacionalidade adquirida pelo cônjuge que o contraiu
de boa fé.»
O art. 15.°, n.° 2 desta Lei «Determina a perda da nacionalidade, obtida por naturalização: c)
quando obtida por falsificação ou outro meio fraudulento, ou induzindo em eiro as
autoridades competentes.»
D — Outros efeitos
A lei n.° 17/12, de 19 de julho (in D.R. n.° 92) que aprovou o Estatuto do Deputado, permite no
seu art. 7.°, n.° 2, alínea a) a ausência do País no caso de doença do próprio ou do cônjuge,
ascendente ou descendente. O art.° 18.° desta lei concede ao cônjuge, ascendentes e filhos
menores do deputado determinados direito e regalias.
Os poderes-deveres que integram a vida matrimonial são, pois, de natureza ético- -jurídica e
correspondem a prestações de natureza eminentemente pessoal, pelo que o seu cumprimento
é normalmentc de natureza espontânea e resultante da vontade de cada um dos cônjuges de
fortalecer e salvaguardar o vínculo conjugal.
A violação dos deveres conjugais não está em regra expressamente protegida por lei, embora
em certos casos extremos possa haver responsabilidade criminal, como no caso de ser punível
o adultério como crime, bem como quando haja a violação do dever de assistência material e a
correspondente falta de prestação de alimentos.
A Lei n.° 2053 (Lei do Abandono de Família), de que já falámos, tipifica certas condutas
relativas à falta de prestação de alimentos ao cônjuge e ao abandono do domicílio conjugal.
A violação grave ou reiterada dos deveres matrimoniais, quando não for causada pela conduta
do outro cônjuge, confere ao cônjuge ofendido a faculdade de pedir o divórcio, obtendo por
esta forma a dissolução do vínculo conjugal.
Muitas vezes existem problemas de comportamentos psíquicos anormais por parte de um dos
cônjuges que são menos detetáveis para a vida social externa do casal mas que tomam grande
relevância na vida íntima do casal e que devem ser objeto de terapia psíquica adequada.
As diferenças e clivagens culturais tornam também difícil a vida conjugal, criando obstáculos
quase intransponíveis. Os conflitos de mentalidade na nossa sociedade em transição, são
causas de grande número de conflitos, por partirem de diferentes conceções acerca da relação
homem-mulher no âmbito do casamento.
Os conflitos que surgem na vida conjugal podem ter uma procura de solução na fase pré-
judicial ou quando já há recurso ao tribunal pela relevância dada à fase de reconciliação dos
cônjuges.
Nos diversos sistemas jurídicos procura-se cada vez mais o recurso às medidas de conciliação,
evitando a rutura dos laços matrimoniais ou o menor desgaste sob o ponto de vista psicológico
e emocional entre os cônjuges, o que, na maior parte das vezes, se vai refletir na sua atividade
laborai e no meio social a que pertencem.
O combate à violência doméstica, por meios legais envolvendo entidades judiciais, policiais,
médicas, terapeutas e outros, é hoje considerado essencial a uma convivência mais sã e
equilibrada entre marido e mulher.
A questão da violência doméstica, pela sua importância e repercussão no meio social, deixou
de ser considerada do « foro privado» para ser por inteiro atribuída à responsabilidade do
Estado, que deve obrigatoriamente intervir, não deixando as vítimas da violência entregues à
sua sorte e desamparadas.
Medidas são tomadas contra os cônjuges que têm comportamentos censuráveis sob o ponto
de vista familiar ou até criminal, tais como a proibição de certas condutas: molestar o outro
por palavras ou por gestos, proibição de entrar em áreas específicas da residência familiar ou
mesmo proibição de entrada em toda a residência, etc..
Podem ser dadas ordens de proteção pessoal em relação a membros da família, em regra a
mulher e os filhos, no caso de ameaça de uso da violência ou quando esta já tenha sido usada.
É o que acontece na presente legislação inglesa, que, de acordo com a lei da Violência
Doméstica e Procedimento Matrimonial, prevê que o tribunal possa proferir injunções que
proíbam a um dos cônjuges determinados comportamentos censuráveis. O não acatamento de
uma ordem do tribunal é punido com prisão como crime de desobediência.
Quaisquer destes órgãos devem poder analisar com imparcialidade os dissídios na vida do
casal, investigando as diversas causas que lhes dão origem e que, como vimos, podem ser de
múltipla natureza e carecerem de tratamento médico ou de recuperação, como no caso do
vício inveterado de alcoolismo.
Na legislação italiana prevê-se a intervenção do juiz num âmbito bastante restrito, mais de
natureza arbitrai do que jurisdicional.
Tanto no processo de divórcio por mútuo acordo como no processo de divórcio litigioso, a
nossa legislação de família só prevê a conciliação dos cônjuges na fase judicial, fase durante a
qual ela se mostra pouco profícua.
De igual modo, a legislação processual não foi objeto de revisão depois da publicação do
Código de Família, pelo que se mostra cheia de lacunas em matéria das providências
cautelares e das providências específicas que protejam efetivamente os direitos dos cônjuges,
tais como o direito à integridade física, o direito à permanência na residência familiar, etc..
CAPÍTULO 14.0
O casamento, além dos efeitos pessoais que produz na vida dos cônjuges e que já foram
especificados, produz ainda efeitos de grande relevância na sua vida patrimonial. A
regulamentação jurídica da situação patrimonial dos cônjuges constitui o regime económico
do casamento, que define e regula os poderes dos cônjuges quanto à aquisição, disposição e
gestão dos bens durante a vigência do vínculo matrimonial. Define também o regime de
responsabilidade pelas dívidas tanto em relação a terceiros como em relação aos cônjuges
entre si.
Como vimos, o casamento implica uma plena «comunhão de vida» entre os cônjuges
(consortium omnis vitae). Daí vai forçosamente derivar uma comunhão de interesses
patrimoniais, que, pela sua natureza específica e particular, fica em regra sujeita a um regime
jurídico patrimonial de natureza especial.
Em razão desta natureza especial é que os interesses patrimoniais do casal aparecem em todos
os ordenamentos jurídicos regulados de forma diferente dos princípios gerais que regem as
relações dos direitos patrimoniais abrangidos pelo direito das obrigações e pelos direitos reais.
O dever de contribuir para as despesas do lar é um dos aspetos de que se reveste o dever de
assistência material dos cônjuges entre si. Hoje consagrado o princípio da igualdade entre o
cônjuges, esse dever de contribuição económica cabe tanto ao marido como à mulher, seja
qual for o regime de bens do casal, e está em correlação com a condição económica de cada
cônjuge. Essa contribuição pode ser dada com o produto do rendimento do trabalho, provir de
rendimentos pessoais ou consistir na prestação de serviços a favor do agregado familiar. Tudo
isto está em correlação com o próprio nível de desenvolvimento económico e profissional do
casal.
No meio familiar em que a mulher não possui recursos nem exerce atividade profissional fora
do lar, todo o trabalho dito «doméstico» que ela desenvolve com vista à subsistência do
agregado familiar é subestimado, não lhe sendo atribuído valor económico. Porque gratuito,
ele não é valorizado, entendendo-se, por razões ancestrais, como um dever que incumbe à
mulher e que deverá ser acumulado com o trabalho fora do lar, se for o caso.
E quando a mulher não exercia uma atividade produtiva estava instituído o dote, que consistia
em determinado valor económico que a mulher levava consigo para o casamento.
No atual regime matrimonial, além da contribuição dos cônjuges nas despesas do lar, com
valores ou serviços, prevê-se ainda a situação jurídica dos bens cuja titularidade na pessoa dos
cônjuges é anterior ou posterior ao casamento, define-se o poder de administração desses
bens por parte do cônjuge, o poder para contrair dívidas durante o casamento, a
responsabilidade pelo seu pagamento, etc..
Os regimes económicos do casamento têm evoluído através dos tempos e de acordo com a
evolução da própria estrutura da família. Nas sociedades de tipo feudal e capitalista, dentro da
classe detentora do poder económico era dada muito maior relevância aos efeitos
patrimoniais do casamento do que aos efeitos pessoais, pois o casamento era uma das formas
de acumulação de património.
No sistema jurídico inglês e naqueles que nele se baseiam, vigora a regra da separação de
bens. Cada cônjuge conserva a propriedade individual de todos os bens, quer anteriores quer
posteriores à celebração do casamento.
O regime de comunhão de bens pode ter maior ou menor extensão, ser total ou parcial,
apresentando diversas formas:
— o regime de comunhão geral ou universal de bens, que abrange a quase totalidade dos
bens dos cônjuges;
Por vezes a lei impõe o regime único: só é permitido aos cônjuges adotarem o regime legal de
bens obrigatoriamente estatuído na lei. Outras vezes a lei impõe o regime convencional de
bens, segundo o qual os cônjuges podem estatuir previamente as normas que regularão no
futuro o regime económico do seu casamento. Há ainda os sistemas típicos, que oferecem
vários sistemas pre¬estabelecidos na lei.
Em alguns casos a opção feita é imutável, tem que perdurar durante todo o casamento; em
outros casos o regime é mutável durante a vigência do casamento.
O regime de bens adotado no casamento é oponível a terceiros e por isso deve ser objeto de
registo.
No Código Civil anterior vigorava o sistema da autonomia da vontade das partes, pois, em
regra, era dada aos cônjuges a possibilidade de optar pelo regime de bens
(1) Esperança Pereira Mealha — Acordos Conjugais para Partilha de Bens Comuns, p. 29: «O
regime da participação nos adquiridos é uma das soluções encontradas noutros ordenamentos
que procura combinar as principais vantagens do regime separatista com a grande vantagem
da comunhão.» Ed. Almedina, 2009.
que lhes aprouvesse. Este sistema, afirmado como princípio no art. 1698.° do Código Civil,
sofria, no entanto, importantes restrições legais.
Outras restrições à liberdade de convenção antenupcial vinham previstas neste art. 1699.° e
referiam-se à regulamentação da sucessão hereditária dos cônjuges ou de terceiros, à
alteração dos direitos e deveres paternais ou conjugais e à estipulação da comunicabilidade de
certos bens.
Em certos casos específicos, era a lei que impunha imperativamente o regime de separação de
bens. Era o que vinha mencionado no art. 1720.°, que impunha obrigatoriamente o regime de
separação de bens quando:
b) quando os nubentes tivessem atingido já determinada idade, norma em que mais uma
vez a mulher era discriminada;
Com estas regras procurava-se impedir que o casamento fosse celebrado na mira da obtenção
de vantagens económicas. No entanto, o n.° 2 deste art. 1720.°, permitia que os nubentes
fizessem doações entre si e que o futuro marido constituísse um dote em benefício da mulher.
A regra no sistema vigente no Código Civil era a de o regime de bens ser convencional e
imutável, pois nem o regime supletivo nem as convenções antenupciais podiam vir a ser
alteradas durante o casamento.
A — As convenções antenupciais
As convenções antenupciais, também designadas convenções matrimoniais ou pactos nupciais
(«contraí de mariage» no direito francês, «capitulaciones matrimoniales» no direito espanhol)
constituem o acordo celebrado entre os nubentes no qual é fixado o regime aplicável às
relações patrimoniais recíprocas dentro do casamento e às relações dos cônjuges com
terceiros.
É um verdadeiro contrato que precede o casamento e que tem natureza acessória em relaçáo
a este. A sua eficácia está, porém, dependente do facto de se vir a celebrar o casamento e do
facto de o próprio casamento ser válido.
Nas convenções antenupciais podem os nubentes fixar livremente, com as restrições previstas
na lei, o regime de bens, ou adotando um dos diversos regimes previstos no Código, ou
aplicando parte desses regimes, combinando as diversas regras neles previstas ou instituindo
outras.
Como contrato que é, a convenção antenupcial tem como requisito de fundo a capacidade das
partes e o consentimento dos nubentes. E, mesmo que estes sejam menores, o consentimento
é prestado pelo próprio e não pelo respetivo representante legal, devendo este prestar a
autorização para a celebração do contrato. A capacidade para celebrar a convenção
antenupcial é a mesma que é exigida para a celebração do casamento.
Elas estão previstas no direito de família nos diversos sistemas jurídicos europeus e
designadamente no Código Civil português. O Código de Família, como adiante veremos,
eliminou todas as disposições respeitantes às convenções antenupciais.
Interessa, porém, ver como o Código Civil ora revogado dispunha sobre a matéria (no
essencial, o que prevêem as demais legislações).
O art. 1719.° do Código Civil permitia expressamente aos cônjuges con¬vencionar que, no caso
de existirem descendentes comuns, a partilha de bens, aquando da dissolução do casamento,
se fizesse segundo o regime de comunhão geral de bens, qualquer que fosse o regime de bens
que tivesse sido adotado.
O art. 1709.° do Código Civil continha uma exceção às causas gerais da anulabilidade, pois
permitia considerar sanada a anulabilidade derivada da falta de autorização por parte do
representante do incapaz, quando o casamento viesse a ser celebrado depois de findar a
incapacidade.
A convenção antenupcial estava também sujeita a caducidade nos dois casos previstos no art.
1716.°. A sua eficácia estava subordinada ao facto de o casamento entre os nubentes vir a ser
celebrado dentro do prazo de um ano. A caducidade operava-se também se o casamento
celebrado viesse a ser considerado nulo, pois, sendo a convenção antenupcial um contrato
acessório do ato do casamento, se este viesse a ser anulado ela perdia a sua finalidade legal.
O Código Civil previa que fossem feitas doações para casamento a um ou a ambos os
nubentes, e que essas doações podiam ser feitas por um dos nubentes ou por terceiros — art.
1753.°. As doações para casamento deviam constar da convenção antenupcial, de acordo com
o art. 1756.°, n.° 1.
As doações só podiam ter como objeto os bens próprios do doador (art. 1764.°, n.° 1) e os
bens doados não eram comunicáveis fosse qual fosse o regime de bens (n.° 2 do mesmo art.
1764.°).
As doações entre casados eram livremente revogáveis e não estavam, portanto, sujeitas ao
regime geral de revogação das doações, pelo que a revogação não carecia de ser
fundamentada — art. 1765.°.
Estavam ainda sujeitas ao regime das doações em geral prescrito nos artigos 940.° e seguintes
do Código Civil e podiam ser reduzidas por inoficiosidade. A revogação da doação tinha efeitos
retroativos, o que conferia um caráter muito precário a este tipo de doações.
As causas da caducidade destas vinham mencionadas no art. 1766.° e eram: o falecimento do
donatário, sem ter havido confirmação por parte do doador; a anulação do casamento; a
existência de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens por culpa do donatário.
Eram quatro os tipos legais de regimes de bens adotados pelo Código Civil:
d) o regime dotal.
Eles caraterizavam-se pela extensão, em cada caso, das categorias de bens comuns e de bens
próprios.
2. Comunhão geral
O atual Código Civil brasileiro, aprovado pela Lei n.° 10 406/02, mantêm o regime de
comunhão parcial como o regime supletivo geral — art. 1640.°.
Segundo o regime de comunhão geral de bens existe um único património no casamento, que
é o património comum, constituído por todos os bens presentes e futuros, salvo os excetuados
por lei — art. 1732.° do Código Civil. Só são excetuados da comunhão os bens indicados no art.
1733.° e no n.° 2 deste artigo, que mesmo assim prescreve que a incomunicabilidade dos bens
não abrange os respetivos frutos nem o valor das benfeitorias úteis.
Há, pois, uma comunhão total de bens não só quanto ao domínio mas também quanto à sua
posse e fruição.
Este regime, que era o regime tradicional português e vigorava mesmo antes do primeiro
Código Civil — que o adotou por ser segundo «os usos e costumes do Reyno» —, está
intrinsecamente ligado ao conceito da indissolubilidade do casamento.
Foi aplicado como regime supletivo geral até à entrada em vigor do Código Civil atual.
Portanto, os casamentos celebrados em Angola até 1 de janeiro de 1968 devem considerar-se
celebrados segundo este regime de bens, se outro não tiver sido adotado por convenção
antenupcial ou imposição legal.
Pelo contrário, hoje ele só vigorará se tal vier a ser estipulado em convenção antenupcial.
Este regime caraterizava-se pela existência de separação absoluta entre os bens dos cônjuges.
Não existiam bens comuns e, mesmo que algum bem pertencesse a ambos os cônjuges,
vigorava entre eles o regime da compropriedade e não o da comunhão. Este regime, segundo
o art. 1735.°, podia vigorar entre os cônjuges quando fosse obrigatoriamente imposto por lei
ou quando fosse adotado em convenção antenupcial.
Por este regime era assegurado aos cônjuges não só a separação de bens, ou a existência
unicamente de bens próprios de cada cônjuge, mas ainda os poderes de livre administração e
de disposição dos bens e dos frutos ou rendimentos percebidos.
O art. 1736.° estipulava a presunção da propriedade dos bens móveis e o art. 1737.° dispunha
sobre as regras da administração de bens do outro cônjuge que não fosse o titular do respetivo
direito de propriedade.
4. Regime dotal
Este regime de bens caraterizava-se pela existência de um dote atribuído à mulher, que,
segundo o disposto no art. 1740.°, só podia ser constituído por bens imóveis ou por títulos
nominativos. O dote era um conjunto de bens próprios que a mulher levava para o casamento
e que se procurava ficassem a coberto da má administração por parte do marido. Os restantes
bens que não constituíssem dote ficavam a reger-se pelas normas do regime de comunhão de
adquiridos (art. 1738.°, n.° 1), sendo um regime misto de separação de bens na parte relativa
aos bens dotais, com um regime de comunhão parcial quanto aos demais.
Os bens dotais ficavam em regime especial quanto aos poderes de disposição (art. 1747.°) e de
responsabilidade pelas dívidas (art. 1750.°).
Essa opção é feita na declaração inicial para casamento — art. 49.°- n.° 2. Aliás, essa
declaração só se torna necessária quando os nubentes queiram optar pelo regime de
separação de bens — art. 29.H, n.° 3.
Vê-se, pois, que o regime supletivo geral é, tal como no Código Civil, o regime de comunhão de
adquiridos. É este o regime-regra.
A adoção de outro regime de bens, o de separação de bens, passa a fazer-se por declaração
perante o funcionário do Registo Civil e não necessita de constar de convenção antenupcial,
que é uma figura jurídica de larga tradição nas sociedades em que predomina o regime da
propriedade privada de bens.
O Código de Família também nada diz especificamente quando às doações para casamento e
às doações entre casados, sendo que as normas que lhes diziam respeito foram revogadas. No
silêncio da lei, deve entender-se que esse tipo de doações passará a reger-se pelas normas
aplicáveis às doações em geral, previstas no art. 940.° do Código Civil.
Poder-se-á questionar a razão por que o Código de Família permite a existência simultânea de
dois regimes de bens no casamento e não apenas o regime único de comunhão de adquiridos.
Nos sistemas jurídicos dos ex-países socialistas adotava-se a regra do regime de comunhão de
adquiridos, embora se admitisse, com certas limitações, a fixação de outro regime de bens, por
via contratual. Da mesma forma as primeiras Leis de Família de Cabo Verde e de S. Tomé e o
Projeto da Lei de Família de Moçambique admitiam como regime único o da comunhão de
adquiridos.
Podem ver-se no relatório que antecedeu o Projeto do Código de Família as razões que
levaram o legislador a consentir na dualidade do regime de bens.
Em certos casos, como ali se diz, os nubentes podem achar mais adequado celebrar o
casamento com separação de bens, atendendo a factos como a pouca estabilidade do
casamento, a existência de filhos de uniões maritais ou de simples uniões de facto anteriores
de um ou de ambos os nubentes, a desigualdade económica dos nubentes, etc.. Deve ter-se
em conta também o peso do direito tradicional angolano, que estatui como regime-regra o
regime de separação de bens, em razão da existência do casamento poligâmico.
Escolhido um dos regimes previstos, ele é imutável durante a vigência do casamento, o que
leva a que a declaração feita, quer na declaração inicial quer no momento da celebração do
casamento, seja bilateral, pois deve ser feita em concordância por ambos os nubentes, e de
forma expressa e irrevogável, não podendo ser alterada posteriormente.
Adota-se assim o sistema da imutabilidade do regime de bens. É este o sistema que ainda
vigora no Código Civil português — art. 1714.° n.° 1, ainda que com algumas exceções não
previstas no Código de Família, designadamente a separação judicial de bens e a separação
judicial de pessoas e bens.
O art. 50° do Código de Família estabelece que o regime económico do casamento considera-
se existente desde o momento da sua celebração e perdura até à extinção do vínculo
matrimonial, salvo os casos previstos na lei, exceção esta que pode surgir na dissolução do
casamento por divórcio.
Tal não obsta a que, em certos casos de execução por dívidas exclusivas de um só cônjuge,
possa ser pedida a divisão dos bens comuns e a sua separação em duas meações, como
veremos mais adiante.
Há, no entanto, sistemas jurídicos que permitem a mutabilidade dos regimes patrimoniais,
como o direito brasileiro , espanhol, alemão e sueco.
A atual Lei das Sociedades Comerciais, Lei n.° 1/04 de 13 de fevereiro, permite a constituição
de sociedades entre cônjuges, bem como a participação de ambos na mesma sociedade, desde
que só um deles seja sócio de responsabilidade ilimitada — art. 9.°, n.° 1: «Épermitida a
constituição de sociedade entre cônjuges, bem como a sua participação na mesma sociedade,
desde que só um deles seja sócio de responsabilidade ilimitadz.» Desta forma passou a ser
permitida a participação dos cônjuges em qualquer tipo de sociedade comercial, com a
ressalva de que só um deles pode nela assumir responsabilidade ilimitada.
No Código de Família, quando provada a data do fim da coabitação dos cônjuges na sentença
que declara o divórcio, dá-se por finda, retroativamente, a vigência do regime económico do
casamento.
Este é o regime-regra ou regime supletivo geral de bens no casamento, ele aplica- -se ipso iure
na falta de opção pelo regime alternativo. Trata-se duma comunhão de bens parcial que vai
abranger os bens especificados na lei. O legislador entendeu que é ele que melhor assegura à
família matrimonial a base patrimonial que lhe é indispensável. E isto dada a permanência de
interesses patrimoniais que se iniciam com o casamento e se desenvolvem no decorrer da vida
em comum, através dos bens obtidos pelo trabalho de ambos os cônjuges.
Conforme a designação indica, este regime prevê que durante o decurso da união conjugal vão
sendo adquiridos bens, seja pela atividade exercida pelos cônjuges seja de rendimentos
havidos não só de bens comuns como ainda de bens próprios. Por outras palavras, prevê-se
um incremento do património.
Discute-se na doutrina sobre qual a natureza do regime de bens supletivo, havendo quem
sustente que ele assenta na vontade presumida dos nubentes. Se os nubentes nada
declararem quanto aos regime de bens, presume-se que a sua vontade tácita é a de adotar o
regime supletivo.
Predomina, porém, a posição segundo a qual a lei aproveita o silêncio dos nubentes para fixar
ela própria, fazendo abstração da vontade dos cônjuges, o regime de bens que lhe parece mais
vantajoso sob o ponto de vista social.
Pelo lado ativo abrange os bens adquiridos por um ou ambos os cônjuges de forma conjuntiva
ou disjuntiva, a título oneroso.
Como caraterística temporal refere-se aos bens adquiridos depois dc celebrado o casamento e
em princípio, durante a vigência do casamento. Ou seja, «ingressam no património comum de
forma automática, os efeitos da sua aquisição por um cônjuge comunicam-se de imediato ao
outro cônjuge.»w
Outros pretendem que se trata de uma sociedade civil e que, através da prestação de bens ou
serviços, se desenvolve uma atividade económica específica. Mas é manifesto que o regime
legal das sociedades é incompatível com o da comunhão matrimonial de bens.
O que interessa é definir, no âmbito das relações internas dos cônjuges, como se caraterizam
os seus direitos sobre o quinhão comum.
Entende-se que este direito tem caráter de comunhão de propriedade do tipo germânico, ou
propriedade coletiva, a «comunhão de mão comum»(5). Segundo
(4) Esperança Pereira Mealha, ob. cit., p. 41. s) Em alemão: «gesamte hand».
esta doutrina, os titulares não têm qualquer direito à divisão dos bens, idêntico ao que existe
normalmente no direito de propriedade. Eles teriam um único direito a incidir sobre todos os
bens.
É este o entendimento do Prof. Pereira Coelho, que sustenta que os bens comuns constituem
uma massa patrimonial, à qual, tendo em vista a sua especial afetação, a lei concede certo
grau de autonomia, massa que pertence aos dois cônjuges em bloco, sendo eles titulares de
um único direito sobre a sua totalidade.
Haveria, pois, uma propriedade coletiva, pertença dos dois cônjuges, mas sem se repartir em
quotas ideais, pois o património coletivo, diferentemente da comunhão, não permite a divisão
do direito, mesmo ideal.
O Prof. Eduardo Santos perfilha a doutrina segundo a qual se trata de uma comunhão especial
do direito de família, que não encontra paralelo em qualquer outro ramo de direito .
O Prof. Antunes Varela define com clareza que, na constância de sociedade conjugal, marido e
mulher são simultaneamente titulares de um único direito sobre todos e cada um dos bens.
Cada um dos cônjuges tem direito em abstrato a metade do património comum.
O Código Civil dizia expressamente que «os cônjuges participam por metade no ativo e passivo
da comunhão» (art. 1730.°, n.° 1).
O Código de Família não tem disposição equivalente, mas o art. 75.°, n.° 2 menciona que a
partilha de bens, após a dissolução do casamento, se opera com a meação dos bens comuns.
Esta disposição é aplicável à dissolução do casamento por divórcio, por força do art. 80.° do
mesmo Código.
Este direito à metade virtual de todos os bens comuns permanece enquanto não for dissolvido
o vínculo conjugal.
Ao património comum é aplicável um regime específico tendo em conta o fim legal que lhe é
atribuído, o da afetação às necessidades materiais da vida conjugal.
Esse património comum a que os cônjuges estão ligados por vínculo pessoal subsiste, pois,
enquanto esse vínculo perdurar, porque, enquanto o casamento se mantiver, as razões para a
afetação especial desses bens permanece. É, segundo a opinião prevalecente, um direito de
propriedade coletiva ou de mão comum.
Assim, enquanto não for dissolvido o casamento, os cônjuges não podem dispor, por venda ou
por doação, da sua meação nos bens comuns, tal como lhes não é permitido pedir a partilha
desses bens.
Era este o princípio adotado nos artigos 1688.° e 1689.° do Código Civil, mantendo-se no
Código de Família (artigos. 75.°, n.° 1 e 80.°, n.° 1), traduzindo- -se na impossibilidade de
divisão do património comum durante a vigência do casamento.
Cada um dos cônjuges participa, assim, no património comum, na proporção de metade. Mas
esse direito ideal à metade dos bens só se concretiza no momento em que se vier operar a
partilha. A partilha é impossível durante o casamento e é sempre posterior à sua dissolução.
Até lá, os cônjuges são titulares do único direito que incide sobre todos e cada um dos bens
comuns, indistintamente.
Cada cônjuge tem pois direito à meação ou seja tem direito a uma quota ideal com o valor de
metade da totalidade dos bens. « 0 direito a metade é assim o direito ao valor de metade. »
O património comum está em regra legalmente protegido pela moratória legal, que não
permite a partilha desses bens antes da dissolução do casamento, por serem eles o principal
sustentáculo da sociedade conjugal. Era o que dispunha o art. 1696.°, n.°s 1 e 2 do Código Civil,
e é o que dispõe atualmente o art. 64.° do Código de Família.
Neste mesmo sentido, o direito angolano com a alteração ao Código Comercial pela Lei n.°
6/03, de 3 de março, no seu art. 10.° veio dispor: «Não há lugar à moratória estabelecida no
n.° 1 do art. 64.0 do Código de Família quando for exigido de qualquer dos cônjuges o
cumprimento de uma obrigação emergente de ato de comércio, ainda que o seja apenas em
relação a uma das partes.»
B — Os bens comuns
O art. 51.° do Código de Família diz quais os bens que integram o património comum dos
cônjuges:
O n.° 2 deste art. 51.° dispõe: « Presumem-se comuns os bens dos cônjuges que não se prove
que são próprios de cada um dele.» A regra é pois segundo a presunção legal, de que os bens
dos cônjuges são comuns, o que constitui um preceito decisivo, e que faz incidir o ónus da
prova da natureza de bens próprios sobre o cônjuge nisso interessado.
Por conseguinte, a regra geral é a de que os bens são comuns, sendo exceção os bens próprios
de cada cônjuge.
Os bens comuns abrangem todos os bens que tenham sido adquiridos a título oneroso, depois
da celebração do casamento, o que envolve uma comunhão parcial, uma vez que todos os
bens que os cônjuges tiverem antes dessa data são considerados como bens próprios, e só os
que forem adquiridos a título oneroso posteriormente passam a estar integrados no
património comum. A aquisição pode ser feita de forma conjunta por ambos os cônjuges, ou
por forma disjuntiva, por um só cônjuge.
Entre os bens adquiridos estão os salários auferidos como produto do trabalho dos cônjuges,
as pensões (v.g; pensões de reforma), os frutos e os rendimentos produzidos por todos os bens
próprios e comuns, imóveis e móveis (por ex.: rendas de prédios urbanos, dividendos de
dinheiro depositado a prazo em instituições bancárias, as colheitas anuais das propriedades
agrícolas, etc.).
Passam a ser bens comuns os bens adquiridos com o produto desses frutos ou rendimentos.
Temos assim como bens comuns, todos os bens adquiridos por um ou por ambos os cônjuges,
desde que tenham sido adquiridos durante a vigência do casamento e não estejam excluídos
por lei da comunhão, por serem bens próprios.
A presunção da natureza comum dos bens do casal contida no n.° 2 do art. 51.° visa sobretudo
a proteção do interesse de terceiros. O cônjuge interessado ou os seus herdeiros é que terão
de fazer a prova de que determinado bem é próprio e não comum. Em regra, basta a confissão
do outro cônjuge de que o bem é próprio para o não integrar na comunhão.
Mas ela é por si só insuficiente, perante os credores, sejam eles de dívida comum ou exclusiva.
No caso de aquisição a título oneroso com o dinheiro ou valores que sejam bem próprio de um
dos cônjuges, o outro cônjuge deve ser chamado a intervir e a fazer a declaração no ato da
aquisição.
C — Os bens próprios
O elenco dos bens próprios tem caráter taxativo, só sendo bens próprios os que forem
expressamente referidos na lei.
a) Os bens móveis e imóveis e os direitos que cada cônjuge tiver antes do casamento.
aquisição seja anterior à celebração do casamento. É indiferente que tenham sido adquiridos a
título gratuito ou a título oneroso; o que interessa é que a data da aquisição seja anterior ao
casamento e que o bem tenha sido levado pelo cônjuge para o casamento.
Se o bem for adquirido durante o matrimónio mas por direito próprio anterior, o bem tem a
natureza de bem próprio.
O art. 1722.° do Código Civil português indica, a título exemplificativo, que constituem bens
próprios dos cônjuges os que vierem de direitos a patrimónios ilíquidos partilhados depois
deles (ex.: liquidação de bens de uma sociedade comercial), os adquiridos por usucapião
fundada em posse anterior ao início do casamento, os comprados antes do casamento com
reserva de propriedade, os adquiridos no exercício anterior de um direito de preferência.
b) Os bens e direitos adquiridos por cada um dos cônjuges durante o casamento a título
gratuito e os sub-rogados no lugar dos próprios.
São os bens que advêm aos cônjuges em razão de sucessão ou doação. Pode acontecer que os
bens sejam deixados por testamento, ou sejam doados aos dois cônjuges simultaneamente.
Mas, ainda que tal aconteça, a quota-parte de cada cônjuge nesse bem não deve ser
considerada como bem comum.
O Código de Família não contém nenhuma disposição com teor idêntico ao art. 1729.° do
Código Civil, que previa que os bens havidos por sucessão ou doados podiam ser integrados na
comunhão, se tal fosse a vontade expressa do autor da liberalidade e que ressalvava os bens
ou deixas que integrassem a legítima do donatário. Daí que, em nosso entender, deve aplicar-
se a regra geral de que são bens próprios todos aqueles que sejam adquiridos a título gratuito
durante o casamento.
São considerados como próprios os bens que tomam, por substituição, o lugar dos próprios. É
o caso da sub-rogação real, que leva a que uma coisa vá ocupar o lugar de outra, devendo
haver conexão entre a perda de uma e a aquisição da outra. Há uma substituição de um bem
por outro, como nos casos da troca de um prédio por outro, da indemnização recebida por via
de um contrato de seguro relativo a bens próprios, das benfeitorias feitas com valores próprios
do cônjuge, etc..
Seria injusto que, pelo facto de o novo bem ser adquirido a título oneroso, a lei o considerasse
comum, uma vez que ele foi obtido na constância do matrimónio, mas à custa de bens
próprios. Isso iria prejudicar os interesses do cônjuge titular do direito e os interesses de
terceiros, eventuais credores.
Por conseguinte, como vimos, se no título de aquisição for declarado que o bem adquirido a
título oneroso provem de anteriores bens próprios do cônjuge adquirente, esse bem continua
a manter a qualidade de bem próprio.
Os direitos de autor, tanto quanto ao seu conteúdo estritamente pessoal, como quanto ao seu
conteúdo patrimonial, são considerados como bem próprio. Eles abrangem os direitos sobre a
propriedade literária, científica e artística, os direitos sobre a propriedade industrial, etc..
O direito inerente à pessoa humana é estritamente pessoal e os direitos patrimoniais que dele
possam derivar em relação aos cônjuges mantêm a natureza de bem próprio. As quantias
havidas a título de indemnização por danos causados à sua integridade física ou moral e as
pensões por invalidez, derivadas de acidente de trabalho ou outras, são bens próprios do
cônjuge.
Os bens podem ser em parte comuns e em parte próprios. Aliás, no desenvolver da vida
patrimonial dos cônjuges, os bens vão sendo substituídos por outros ou vão sendo adquiridos
em parte com bens próprios e em parte com bens comuns e nem sempre é fácil fazer a
respetiva destrinça.
Tem que se atender ao maior valor que foi integrado no novo bem: o valor da prestação mais
valiosa é que irá definir a natureza própria ou comum do bem. Poderá haver lugar a
compensação entre o património comum e o património próprio de cada cônjuge quanto à
parte que exceda a prestação menor. O reembolso da prestação deverá ser feito aquando da
partilha dos bens.
Tal pode acontecer, por exemplo, quando se efetuam, com dinheiro comum, benfeitorias úteis
em bem imóvel que seja próprio de um dos cônjuges, ou quando um instrumento exclusivo de
trabalho, que é bem próprio, for adquirido com um bem comum.
Nestes casos o cônjuge titular do bem próprio ficará devedor da respetiva prestação ao
património comum. Pode dar-se o inverso, e ser o novo bem adquirido a título oneroso
durante o casamento com uma prestação maior de bens comuns e uma prestação menor de
bens próprios, ficando, neste caso, credor do património comum o cônjuge que era titular do
bem próprio.
A reintegração da prestação do cônjuge deve ser feita pelo valor que tiver à data da liquidação.
Se houver aumento de valor em consequência da prestação investida, esse fator dever ser tido
em conta aquando da restituição.
O art. 53.° do Código de Família prevê que, se o regime adotado pelos nubentes for o da
separação de bens, cada um deles conserva o domínio, fruição egestão dos seus bens
presentes e futuros, podendo deles dispor livremente, com as restrições previstas na lei.
Os rendimentos desses bens, tal como os frutos e dividendos regulares que eles produzam, os
salários e retribuição por trabalho são património exclusivo de cada cônjuge. Segundo este
regime, existem duas massas patrimoniais absolutamente separadas, uma de cada cônjuge, ou
seja, os bens próprios do marido e os bens próprios da mulher.
Neste regime predomina, pois, como ideia central, a absoluta separação entre os património
dos cônjuges. Aqui só há bens próprios, que englobam tanto os bens de que o cônjuge seja
titular antes do casamento, como aqueles que for adquirindo durante a sua vigência. Neles se
integram pois, os respetivos frutos, rendimentos ou quaisquer benefícios patrimoniais.
Esta circunstância não exonera os cônjuges do dever de contribuir para os encargos da vida
familiar, essa contribuição como dever essencial à vida conjugal, permanece seja qual for o
regime de bens adotado e é proporcional à capacidade económica de cada cônjuge.
No regime da separação de bens não há património comum. Há, por um lado, os bens da
mulher e, por outro, os bens do marido. Apesar de não haver bens comuns, pode suceder que
haja alguns bens que sejam pertença de ambos os cônjuges em regime de compropriedade.
Essa compropriedade está sujeita às regras gerais dos direitos reais, e não ao regime específico
da comunhão matrimonial de bens, razão pela qual qualquer dos cônjuges pode pedir, a todo
o tempo, divisão do bem de que é coproprietário, através do processo de divisão da coisa
comum.
O n.° 2 do art. 53.° prevê que, em caso de dúvida, se presume a compropriedade dos bens
móveis. Essa presunção pode ser ilidida através de prova em contrário. No Código Civil previa-
se que os cônjuges podiam fazer constar da convenção antenupcial cláusulas sobre a
propriedade de certos bens móveis (art. 1736.°).
Tal previsão não consta do Código de Família, mas nada impede que os nubentes assinem,
antes da celebração do casamento, se assim o quiserem, documento de que conste a natureza
própria de certos bens móveis. A eficácia de tal declaração em relação a terceiros será
certamente limitada e não impedirá que estes usem quaisquer meios de prova para afastar o
valor de tal declaração.
Essas exceções, que restringem o poder de disposição de bens mesmo existindo o regime de
separação de bens, são as que vêm consignadas:
a) no art. 56.° n.° 2, alíneas a) e b) — que se refere «a bens móveis utilizados pelo outro
cônjuge como instrumentos próprios ou comuns de trabalho ou
residência defamília».
Na alínea a) procura-se proteger não só os bens usados pelo outro cônjuge na sua atividade
profissional, mas ainda os móveis que constituem o recheio da casa e são usados pelo
agregado familiar. Eles englobam ao mobiliário, eletrodomésticos, roupas, objetos de adorno,
etc.
Na alínea b) protege-se o direito à residência familiar, que é atribuído aos dois cônjuges
simultaneamente. O Código de Família não prevê essa proteção legal no caso de a residência
familiar estar estabelecida em bem imóvel que seja propriedade de um só cônjuge.
No regime de separação de bens entendeu-se que, para se determinar a titularidade dos bens
como propriedade de um dos cônjuges, basta a confissão do outro. Mas tal confissão não
poderá prejudicar direitos de herdeiros ou credores do cônjuge em causa. No caso de dúvida
sobre a titularidade dos bens móveis, pertencerá metade a cada cônjuge, não em regime de
comunhão, mas em regime de compropriedade.
A vida matrimonial implica, na sua prática diária, a celebração de atos jurídicos correntes que
se revestem de caráter patrimonial, sendo necessária uma certa organização interna que
regule os efeitos e implicações jurídicas de tais atos.
A família constitui um núcleo ou célula social, que é uma unidade em relação a terceiros,
unidade que possui em regra um património comum, que pode ser variável mas que em
princípio deve existir. Toma-se necessário, por isso, que os atos jurídicos que interessam à vida
da família estejam devidamente vinculados.
Essa vinculação pode ser definida através das consequências que tais atos vão ter em relação
ao património comum, ainda que praticados unicamente por um cônjuge, ou através do
concurso dos cônjuges que a lei exige no momento da própria celebração do ato.
O cônjuge tem ainda a administração dos bens comuns, designadamente dos que constituem o
produto do seu trabalho e a administração ordinária dos bens comuns do casal (art. 54.°, n.°
3).Pode assim dispor de bens móveis cuja titularidade ou posse lhe pertença, tal como viaturas
automóveis, títulos de crédito, numerário, etc.
Como exceção, o cônjuge pode ter a administração dos bens próprios do outro cônjuge
quando ele se encontrar ausente, ou de qualquer forma impedido de os administrar (art. 54.°,
n.° 2, alínea b)). Estes poderes derivam ope legis sem necessidade de constituição de mandato.
Porem qualquer cônjuge, em relação aos seus bens próprios ou comuns, pode sempre
escolher mandatário para os administrar, outorgando procuração a terceiro ou ao outro
cônjuge se assim o quiser.
Esta disposição veio afastar expressamente largas discussões na doutrina sobre se o cônjuge
proprietário podia ou não conferir procuração a terceiro para administrar os seus bens. Se o
fizer, o outro cônjuge já não pode ser chamado à administração dos bens próprios dele, mas
caso o não faça, o cônjuge pode, por força do poder legal, exercer a administração sem
necessidade da outorga de qualquer procuração.
Na mesma linha de orientação, o citado art. 9.°, n.° 3 da Lei n.° 1/04 permite que o sócio que
esteja impossibilitado de exercer os respetivos direitos possa ser representado pelo cônjuge.
Para os primeiros, qualquer dos cônjuges tem legitimidade para os praticar separadamente
(fala-se de administração disjuntiva). Para os atos de administração extraordinária, a regra é a
da administração conjunta. O que significa que a administração é exercida em comum por
ambos os cônjuges, que têm legitimidade ativa conjunta.
Neles se englobam o cultivo de uma quinta, a colheita de café numa roça, a venda de crias de
um rebanho. Ou atos que se destinem à conservação de imóveis, como a substituição de um
telhado, de um tubo de canalização, ou de móveis, como a reparação de uma viatura
automóvel, etc.
Como atos de conservação podem indicar-se as capinas e limpeza de prédio rústico. Como atos
que se destinam à frutificação normal de um bem, os que se referem à compra de sementes,
às vacinas para gado, etc.
O legislador reconhece, neste caso, como no caso da administração dos bens de filhos
menores atribuída aos pais, que se torna muito difícil exigir prestação de contas entre pessoas
que vivem em economia comum. Além de que, se impusesse a obrigação periódica de
prestação de contas entre os cônjuges, esse regime iria causar perturbação na sua vida
pessoal.
Embora não haja a obrigação de prestar contas, o outro cônjuge tem o direito à informação e
deve manter-se informado sobre os negócios da família, tendo acesso à documentação que
esteja na posse do outro.
Não obstante, a parte final do art. 55.° prevê que o cônjuge administrador possa ser
responsabilizado pelos atos que pratique em prejuízo do outro cônjuge ou do casal,
intencionalmente ou com grave negligência. Tal pode acontecer quando a aplicação dos bens
tenha sido feita para fins distintos dos encargos da vida familiar ou de forma a lesarem os
interesses da família.
A lei exige que os atos sejam intencionais, visando o prejuízo do outro cônjuge ou do casal,
considerando-se abrangida nesta disposição não só a conduta dolosa, com fraude, violando os
interesses da família, mas também a conduta gravemente negligente, envolvendo a
negligência consciente.
Se um dos cônjuges lesar ou tentar lesar gravemente os interesses da família, o outro pode
recorrer a tribunal e pedir que sejam tomadas providências de caráter urgente na defesa dos
seus interesses.
O Código Civil português prevê até que o cônjuge prejudicado pela admi¬nistração lesiva do
outro, possa requerer a simples separação judicial de bens. Esta disposição, como vimos, não
tem equivalente no Código de Família, pelo que, perante tal situação, o cônjuge só poderá
reagir pedindo a anulação do ato ou atos lesivos dos seus interesses e prejudiciais ao interesse
de família, ou propondo contra o outro cônjuge ação de indemnização pelos danos sofridos.
Em síntese: a regra é que a administração ordinária dos bens comuns é atribuída a qualquer
dos cônjuges (art. 54.°, n.° 3 do Código de Família) já que a administração extraordinária é
atribuída em conjunto a ambos os cônjuges.
Vimos já que a gestão de um património implica, por um lado, atos de administração e, por
outro, atos de disposição ou de oneração.
Interessa fixar quais os poderes de disposição e de oneração que os cônjuges detêm e que vêm
expressos no art. 56.° do Código de Família.
A regra vem no n.° 1, que diz: «Qualquer cônjuge tem legitimidade para alienar ou onerar por
ato entre vivos os bens próprios ou comuns de que tenha a administração, salvo o disposto no
n.°2.»
Daí que o cônjuge possa, em regra, dispor livremente de qualquer bem móvel próprio (ex.: dos
direitos de autor auferidos), ou comum (ex.: salários auferidos, rendas de imóveis, etc.). Já em
relação aos bens próprios do outro cônjuge o administrador só pode praticar atos que
envolvam administração ordinária.
As exceções aos poderes de livre disposição de bens móveis vêm consignadas no n.° 2 do art.
56.° e aplicam-se qualquer que seja o regime de bens (comunhão de adquiridos ou separação
de bens). São normas específicas que foram inseridas no direito de família de diversos países e
que têm por finalidade proteger em especial certos bens considerados essenciais à vida do lar
ou à atividade profissional do outro cônjuge. São elas as referentes:
a) aos bens móveis próprios de um cônjuge exclusivamente utilizados pelo outro como
instrumento de trabalho — alínea a) do n.° 2 do art. 56.°;
b) aos bens móveis próprios ou comuns utilizados conjuntamente pelos cônjuges na vida
do lar ou como instrumento comum de trabalho — alínea b) do n.° 2 do art. 56.°.
Isto significa que o cônjuge que tenha como bem próprio uma viatura automóvel que o outro
cônjuge use como motorista profissional não a pode alienar sem o consentimento deste. Da
mesma forma, os bens que constituem o recheio da casa (mobílias, fogões, louças, etc.), quer
sejam próprios de cada cônjuge quer sejam comuns, só podem ser alienados com o
consentimento de ambos.
É compreensível que a lei exija o consentimento de ambos os cônjuges para atos de disposição
que tenham por objeto bens imóveis ou estabelecimento comercial. É que, mesmo que se
trate de bens próprios de um dos cônjuges, os rendimentos ou frutos por eles produzidos são
considerados bens comuns, por força do n.° 2 do art. 51.°. Daí o interesse de ambos os
cônjuges quanto ao destino desses bens.
Considera-se porém que hoje em dia os valores mobiliários podem traduzir-se numa maior
relevância económica do que os imobiliários, pelo que a proteção que a lei dá a estes últimos
não tem muita razão de ser.
Pela sua especial relevância na vida do lar, o Código de Família impõe que todo o ato de
disposição relativo ao arrendamento da residência de família seja deliberado por acordo de
ambos os cônjuges. Segundo a regra do art. 57.°, o acordo de ambos os cônjuges é exigido
para:
Mesmo que o direito ao arrendamento pertença a um só dos cônjuges, por ter sido adquirido
anteriormente ao casamento, o titular do direito não poderá praticar nenhum ato de
modificação ou de alienação desse direito sem o consentimento do outro cônjuge.
É evidente que o que tem de existir é um direito ao arrendamento da residência onde vive o
casal. Se nenhum dos cônjuges for o arrendatário da casa de habitação onde residem, a
questão da alienação não se pode pôr.
Como atrás apontámos, o Código de Família não prevê o direito à atribuição de residência
familiar se ela se situar em imóvel que for bem próprio de um dos cônjuges. Se tal acontecer,
são de aplicar as regras gerais do direito da propriedade de cada um, com as restrições já
apontadas quanto aos poderes de alienação e de oneração dos bens imóveis contidas no já
citado art. 56.° n.° 3, aplicáveis ao regime de comunhão de bens adquiridos.
O consentimento do cônjuge pode ser expresso ou tácito. Mas, se o ato estiver sujeito a forma
prevista na lei, o consentimento tem de revestir essa mesma forma ou deve ser dado no
próprio ato.
Em contrapartida, o repúdio de herança ou legado só pode ser feito por ambos os cônjuges.
Neste caso, o cônjuge que não seja o beneficiário do direito de herança ou legado tem que dar
o seu acordo — art. 58.°, n.° 2. E isto porque o repúdio pode implicar a perda de um valor
patrimonial.
As ações de que possa resultar a perda de um direito que só possa ser alienado com o
consentimento de ambos os cônjuges devem ser propostas contra o marido e a mulher
verificando-se nesse caso um litisconsórcio necessário, de acordo com o estipulado nos artigos
18.° e 19.° do Código do Processo Civil.
A cada um dos cônjuges é atribuído o poder de livre fruição e domínio dos seus bens, uma vez
que cada um dos cônjuges conserva a titularidade dos bens anteriores ou posteriores ao
casamento. Cada cônjuge pode administrar livremente os seus bens e dispor deles a título
individual, e sem o consentimento do outro, qualquer que seja a natureza do bem, móvel ou
imóvel.
Não são assim aplicáveis as restrições constantes do n.° 3 do art. 56.°, referentes a bens
imóveis e ao estabelecimento comercial, nem a referente ao repúdio de herança ou legado,
mencionada no art. 58.°, n.° 2.
a) aos bens móveis usados como instrumento de trabalho pelo outro cônjuge ou por
ambos conjuntamente — art. 56.°, n.° 2, alínea a);
b) aos bens móveis utilizados na vida do lar — art. 56.°, n.° 2, alínea b);
c) ao direito ao arrendamento à residência de família — art. 57.°.
O art. 59.° permite que o acordo do outro cônjuge seja suprido: a) no caso de recusa
injustificada;
Pode ocorrer que o cônjuge que deva dar a autorização para a prática de determinados atos se
recuse, sem fundamento, a dar esse consentimento, ou que esteja em situação que o
impossibilite de dar esse consentimento (por estar ausente, por estar doente ou por qualquer
outro motivo).
A prática de qualquer dos atos mencionados na lei por um só cônjuge sem o consentimento do
outro leva, consoante os casos, à sua anulabilidade ou nulidade.
O cônjuge pode pedir judicialmente que o mesmo seja anulado nos termos do art. 60.° do
Código de Família.
São atos anuláveis os que envolverem alienação ou oneração dos bens descritos no art. 56.°,
n.° 2: os bens próprios usados pelo outro como instrumento próprio ou comum de trabalho e
os usados na vida do lar; os imóveis, próprios ou comuns, e o estabelecimento comercial, salvo
se vigorar o regime de separação de bens; o direito ao arrendamento da residência familiar; o
repúdio de herança ou legado.
Os atos praticados por um só cônjuge que devessem ser praticados com o acordo dos dois
estão feridos de anulabilidade.
Embora nada se diga quanto à confirmação posterior do ato nulo, ela é possível, nos termos
gerais de direito (art. 288.° do Código Civil), tomando a forma tácita ou expressa, o que fará
cessar a anulabilidade. Se a autorização for posterior, ela toma a forma de ratificação.
Quando o cônjuge pretender impugnar o ato deve fazê-lo dentro do prazo de um ano a partir
da data em que o requerente dele teve conhecimento, mas nunca depois de decorridos três
anos sobre a sua celebração — art. 60.°, n.° 2.
O prazo concedido conta-se assim da data em que o cônjuge interessado teve conhecimento
da prática do ato pelo outro cônjuge e não da data da sua celebração, beneficiando-se o
cônjuge em relação ao interesse de terceiros. É posto o limite de tempo de três anos, dentro
do qual a anulação pode ser pedida, para também desta forma se proteger o interesse do
adquirente do bem em causa.
O n.° 3 do art. 60.° ressalva os direitos do adquirente de boa fé relativos a coisa móvel não
sujeita a registo, que fica a salvo do pedido de anulabilidade.
Os interesses do cônjuge que não interveio no ato são assim postergados cm relação ao
terceiro adquirente. O cônjuge que praticou o ato sem consentimento do outro cônjuge, com
intenção de o prejudicar ou com grave negligência, poderá ser responsabilizado caso se
verifique o condicionalismo do já citado art. 55.° do Código de Família.
Situação distinta é a referida no n.° 4 do art. 60.°, que manda aplicar à alienação ou oneração
de bens próprios do outro cônjuge as regras relativas à alienação de coisa alheia. Estamos
perante um ato nulo, ferido de nulidade substancial.
Esta disposição refere-se a uma situação ainda mais grave, aquela em que um dos cônjuges
aliena um bem que lhe não pertence, por ser próprio do outro cônjuge. E, embora exista um
vínculo matrimonial entre os cônjuges, isso não impede que o bem seja alheio em relação ao
outro cônjuge.
Os artigos. 892.° e seguintes do Código Civil contêm as normas gerais aplicáveis à venda de
bens alheios, dizendo que ela é nula. As regras quanto aos prazos de impugnação são as da
nulidade e não as da mera anulabilidade, podendo ela ser arguida a todo tempo. Isto significa
que as normas aplicáveis são as normas gerais dos negócios jurídicos contidas na lei civil e não
as normas especiais do direito de família.
A legitimidade para cada cônjuge contrair dívidas sem o consentimento do outro cônjuge vinha
assegurada pelo n.° 1 do art. 1690.° do Código Civil. Este princípio não vem contido no Código
de Família, mas devemos dar como assente que é um princípio também aceite por este
Código, que não vem expresso por desnecessário.
Está implícito no princípio da igualdade dos cônjuges, consagrado no art. 21.°, que é extensivo
a todos os direitos e deveres conjugais, quer respeitem à esfera pessoal quer à esfera
patrimonial.
Pode dizer-se que tanto o marido como a mulher mantêm, mesmo depois de casados, os
mesmos poderes patrimoniais para contrair dívidas, sem necessidade do consentimento do
outro.
As dívidas podem ser contraídas pelos cônjuges em relação a terceiros ou pelos os cônjuges
entre si.
Consoante os casos, podem ser chamados ao pagamento das dívidas os bens próprios, os bens
comuns ou o direito à meação nos bens comuns.
a) dívidas comuns;
b) dívidas exclusivas.
A — As dívidas comuns
As dívidas comuns vêm contidas no art. 61.° do Código de Família e podem ser contraídas por
ambos ou por um só cônjuge, mas são comunicáveis ao outro. Na verdade desviando-se das
regras comuns do direito de obrigações segundo as quais só o próprio pode contrair dívidas
que o vinculem, no âmbito das relações matrimoniais pode um só cônjuge vir a contrair dívidas
que o obriguem a ele e ao outro cônjuge que não interveio no negócio jurídico.
Tal acontece em relação aos gastos decorrentes da vida familiar normal que têm que ser feitas
para acorrer às necessidades do agregado familiar e devem corresponder ao padrão
económico-social de vida do casal.
Estas dívidas são dívidas comunicáveis pois vão responsabilizar o outro cônjuge que não
interveio no contrato de que a dívida deriva.
São elas:
a) As dívidas contraídas por ambos ou por um deles para ocorrer aos encargos da vida
familiar — art. 61.°, n.° 1.
Embora o Código o não diga expressamente, pode admitir-se que a dívida seja anterior ao
casamento, como por exemplo as despesas com a viagem de núpcias, com a aquisição de
mobiliário para a residência familiar, etc..
É importante precisar o conceito de encargos da vida familiar, porque eles englobam o maior
caudal de despesas do agregado familiar. Algumas legislações, como a francesa e a espanhola,
discriminam na lei o que deve entender-se por «cbargesdu mariage» ou «cargos dei
matrimónio».
Essas despesas devem pois estar em consonância com os usos e a situação económica dos
cônjuges ou seja com o respetivo trem de vida e não devem ser excessivas, sendo em regra de
natureza periódica, sem embargo de por vezes surgirem esporadicamente por contingências
da vida familiar.
Se algum dos cônjuges tiver filhos de união anterior que façam parte do agregado familiar, os
encargos respeitantes ao sustento, habitação e educação desses filhos estão incluídos nos
encargos normais da vida familiar.
Os alimentos devidos aos descendentes comuns, bem como aos de cada um dos cônjuges
anteriores ao casamento, são considerados como encargos normais da vida familiar.
Na verdade, por força do disposto no n.° 4 do art. 61.° foi tornado mais amplo o conceito de
encargos normais da vida familiar, pois agora abrange os alimentos devidos aos descendentes
comuns e aos descendentes de cada um dos cônjuges, havidos antes do casamento.
Nesta disposição equiparam-se todas as despesas havidas com os alimentos dos descendentes
comuns e dos descendentes que qualquer dos cônjuges tenha tido antes do casamento, quer o
alimentado viva em economia comum com os cônjuges, quer viva em economia separada. Por
exemplo, os filhos nascidos de uma união de facto anterior que vivam com o outro progenitor,
mas que recebam pensão de alimentos de um dos cônjuges.
Esta obrigação, que é solidária para ambos os cônjuges, revela a importância da declaração
inicial para o casamento, que obriga a que se indiquem os filhos havidos antes da sua
celebração e que vem expressa no art. 3.°, n.° 2, alínea e) do R.A.C. Procura-se desta forma
proteger os interesses dos filhos, pois a obrigação de alimentos vai ser extensiva ao outro
cônjuge, mesmo não sendo ascendente do alimentado.
As dívidas abrangidas por esta previsão têm que ser constituídas depois da celebração do
casamento e dentro dos poderes normais da administração atribuídos ao cônjuge. O proveito
comum do casal afere-se pelo fim visado ao ter sido contraída a dívida, e não pelo resultado
efêtivamente obtido com a transação.
O proveito comum do casal é um conceito jurídico distinto do dos encargos normais da vida
familiar. Ele pressupõe, por parte do cônjuge, que ele contraiu
a dívida no exercício dos seus poderes de administração de bens e que haja uma situação
objetiva da qual possa inferir-se que a intenção era obter um determinado proveito ou
beneficio para o casal.
A atividade exercida deve ter em vista um determinado beneficio para o casal Por outras
palavras, deve ser uma atividade lucrativa, da qual, segundo as regras da experiência comum,
deverá resultar uma vantagem material para o casal. Ora, segundo os princípios do risco ou da
probabilidade, os dois cônjuges, que podem auferir o lucro, também serão responsáveis pelo
prejuízo, se tal ocorrer.
Por exemplo: um dos cônjuges contrai uma dívida para a instalação de um aviário, com a mira
de obter lucro de tal exploração; se essa exploração vier a cessar por ocorrer uma epidemia
que dizime as aves, a dívida deve considerar-se contraída em proveito comum do casal, muito
embora a empresa não tenha dado lucro, mas sim prejuízo.
O proveito comum do casal engloba não só interesses de ordem material mas também
interesses de ordem inteletual. Como exemplo destes últimos pode indicar-se o da formação
profissional superior de um dos cônjuges. É o fim visado pelo devedor que deve ser tido em
conta, mas esta intenção deve ser apreciada dentro das regras normais da experiência comum
e corresponder a uma atividade da qual se possa legitimamente esperar beneficio para o casal.
O Código de Família nada diz sobre as dívidas contraídas pelo cônjuge no exercício do
comércio, ao contrário do que dispunha o art. 1691.°, alínea d) do Código Civil.
A Lei n.° 6/03 veio alterar e revogar diversos artigos do Código Comercial, ainda vigente,
designadamente dando a seguinte redação ao art. 15.°: «As dívidas comerciais do cônjuge
comerciante presumem-se contraídas no exercício do seu comércio».
Esta nova redação segue a que foi adotada pela lei portuguesa, o Decreto-Lei n.° 363/77, de 2
de setembro, e fez desaparecer a presunção que havia na redação anterior do mesmo artigo
de que as dívidas do cônjuge comerciante se presumiam contraídas em proveito comum do
casal.
O anterior art. 1691.°, n.° 1, alínea d), do Código Civil que responsabilizava ambos os cônjuges
peias dívidas contraídas por qualquer deles no exercício do comércio, foi revogado por ter sido
revogado todo o seu Livro IV e o art. 61.° do Código de Família não tem disposição equivalente.
Este regime não se aplica, porém, se entre os cônjuges vigorar o regime de separação de bens.
A Lei n.° 6/03 veio ainda no seu art. 3.° revogar os artigos 9.° e 16.° do Código Comercial de
conteúdo abertamente discriminatório em relação à mulher, consagrando agora no art. 7.° que
«tem capacidade para praticar atos de comércio toda a pessoa com capacidade civil».
O proveito comum do casal não se presume, salvo quando a lei o declarar, como era o caso da
lei especial que regulava e protegia as relações comerciais.
Mesmo neste caso, deve entender-se que a lei se refere ao cônjuge comerciante e não a atos
isolados de comércio. São também de excluir os atos de mero favor, mesmo se praticados no
exercício de atividade comercial.
O ónus da prova do proveito comum, quando a lei não fizer presumir a sua existência por força
de disposição especial, recai sobre o credor. Cabe ao cônjuge interessado fazer a prova do
afastamento da presunção legal, quando ela existir, e cabe ao credor a sua prova, no caso de
falta de presunção — art. 61.°, n.° 3.A regra é a de que o credor deverá fazer a prova da
existência do proveito comum do casal, cabendo ao cônjuge ou cônjuges interessados fazer a
prova do afastamento da presunção, quando existir lei especial a presumir esse proveito
comum.
As dívidas que recaiam sobre bens próprios de um dos cônjuges mas que produzam
rendimentos comuns que vão beneficiar ambos são também consideradas como dívidas
comuns. É porém necessário que vigore o regime de comunhão de bens entre o casal.
Devem ser incluídas nas dívidas contraídas em proveito comum do casal as que onerem
doações, heranças ou legados, que vinham mencionadas no art. 1693.°, n.° 2 do Código Civil, e
ainda as que recaiam sobre bens próprios ou bens comuns, desde que esteja em causa a
perceção dos rendimentos ou frutos desses bens.
Compreende-se que os encargos que recaiam sobre bens comuns (quando a doação, herança
ou legado venha a ingressar nos bens comuns) ou sobre os bens próprios (quando esteja em
causa a perceção de rendimentos) sejam encarados pela lei como uma dívida comunicável. Há,
porém, que restringir este caráter de dívida comum no caso de doação, legado ou herança,
pois a dívida só poderia ir até ao valor do bem ou direito em causa e não para além desse
valor.
d) São ainda consideradas como dívidas comuns as queforam contraídas por ambos os
cônjuges ou por um deles com o acordo do outro — art. 61.°, n.° 2 do Código de Família.
Neste caso não é relevante saber-se qual a natureza da dívida nem qual a sua finalidade,
porque existe a vontade de ambos os cônjuges no negócio jurídico de que resultou a dívida, e,
como tal, nos termos gerais de direito, a dívida é de ambos, como sujeitos da relação jurídica
em causa.
Os factos imputáveis ao cônjuge podem ser ilícitos ou lícitos, sejam factos culposos ou não
culposos.
As dívidas que derivem de atos ilícitos praticados por um dos cônjuges são sempre
incomunicáveis.
No caso da responsabilidade meramente civil, dispõe a segunda parte da alínea b) do art. 62.°
que, se eles estiverem abrangidos pelo disposto no art. 61.°, n.°s 1 e 2, podem obrigar ambos
os cônjuges, desde que entre eles vigore o regime de comunhão de bens.
B — As dívidas exclusivas
As dívidas exclusivas podem também designar-se por dívidas singulares, próprias ou dívidas
pessoais.
Vêm expressas no art. 62.° as dívidas que são de exclusiva responsabilidade do cônjuge que as
contraiu:
Desde que a dívida tenha sido contraída apenas por um dos cônjuges, sem o consentimento do
outro, e não tenha sido contraída para atender aos encargos da vida familiar ou em proveito
comum do casal (n.°s 1 e 2 do art. 61.°), ela só obriga o cônjuge que assumiu individualmente a
obrigação.
São as dívidas que se referem a qualquer das obrigações alimentares genericamente previstas
nos artigos. 249.° e 261.° do Código de Família.
Esta obrigação alimentar recai unicamente sobre o cônjuge que tenha o dever de a prestar e é
incomunicável ao outro cônjuge.
A última parte desta alínea c) do art. 62.° ressalva o caso de o alimentado viver em comunhão
de mesa e habitação com os cônjuges.
Neste caso estamos dentro da previsão geral contida no n.° 1 do art. 61.°, que atribui à
responsabilidade solidária dos cônjuges as dívidas contraídas para ocorrer aos encargos
normais da vida familiar. Como vimos, esses encargos abrangem todo o dispêndio feito com os
membros que constituem o agregado familiar.
d) São também dívidas exclusivas, como já mencionámos, as que recaem sobre bens
próprios de um dos cônjuges, desde que não esteja em causa a perceção de rendimentos que
sejam comuns e as dívidas que recaiam sobre liberalidade que tenha sido atribuída a um dos
cônjuges. Pelo disposto no art. 58.°, n.° 1 do Código de Família, o cônjuge pode aceitar
doações, heranças ou legados sem o consentimento do outro, justificando-se que os encargos
sobre a liberalidade recebida recaiam sobre o cônjuge que a aceitou.
Respondem em primeiro lugar os bens comuns. No caso de estes serem insuficientes, cada
conjunto de bens próprios do outro cônjuge é chamado para o pagamento da dívida. A
obrigação de satisfazer a dívida é extensiva solidariamente a cada um dos cônjuges.
O art. 64.° do Código de Família refere-se aos bens que respondem pelas dívidas que sejam da
exclusiva responsabilidade de cada cônjuge.
Os bens próprios de cada cônjuge — tal como o produto do seu trabalho, que é um bem
comum (art. 51.°, n.° 1, alínea b)) — são chamados imediatamente para satisfazer o
pagamento das dívidas exclusivas. Entendeu-se retirar da proteção da moratória legal o
produto do trabalho, para não prejudicar os credores de forma tão onerosa.
De resto, vigora quanto às dívidas exclusivas o princípio de que a meação nos bens comuns só
é determinável quando se operar a dissolução ou anulação do casamento. Até lá, permanece a
moratória legal que impõe que o cumprimento da obrigação exclusiva de um dos cônjuges só é
exigível quando o casamento for dissolvido ou anulado — última parte do n.° 1 do art. 64.°.
É cada vez mais controverso saber se é de dar prevalência ou não aos interesses da família
sobre o interesse dos credores. Daí a determinação de restrições ao princípio da moratória
legal.
Não há também lugar à moratória legal prevista no art. 64.° do Código da Família quando for
exigida ao cônjuge, o cumprimento de uma obrigação emergente de ato de comércio, ainda
que esta seja apenas em relação a um dos cônjuges, conforme já vimos, conforme o que
dispõe o art. 10.° da Lei n.° 6/03. Assim as dívidas contraídas no exercício do comércio passam
a ser imediatamente exigíveis, demonstrando a tendência para o afastamento da moratória
legal que favorece os cônjuges, mas prejudica os legítimos interesses do credor.
Nestes casos, ponderou-se que o interesse das vítimas, dos credores do direito à indemnização
e do Estado como credor de multa ou custas judiciais e os de atividade comercial, devia
prevalecer sobre os interesses da família.
Quando não haja lugar à moratória legal, e o credor não tiver que aguardar a dissolução do
casamento para obter a cobrança da dívida, pode este no processo de execução movido contra
um só dos cônjuges, pedir a citação do cônjuge do executado para requerer, querendo, a
separação de bens ou provar que ela já foi pedida noutro processo, para que se opere a
partilha de bens e se determine qual a meação de cada cônjuge.
Ou seja, quando há lugar à moratória legal, a execução movida contra um só cônjuge fica
suspensa depois de penhorado o direito do devedor à meação nos bens comuns (art. 825.°, n.°
1 do Código de Processo Civil), esperando que se opere a dissolução do casamento.
Esta disposição deixou de estar em vigor no direito português tendo sido alterado pelo
Decreto-Lei n.° 38/2003, de 8 de março, que veio permitir que a questão da comunicabilidade
ou não comunicabilidade da dívida ao outro cônjuge seja aceite ou não por este no próprio
processo executivo.
O cônjuge devedor pode igualmente estar interessado em chamar à ação o outro cônjuge e
responsabilizá-lo pelo pagamento parcial da dívida alegando o fim para o qual ela tenha sido
contraída.(9)
Mas pode acontecer, de acordo com a lei do processo civil, que prossiga a execução quando
não haja lugar à moratória legal, devendo o credor pedir a citação do cônjuge do devedor para
requerer a separação de bens — art. 825.°, n.° 2 do Código do Processo Civil/ ^
De igual modo se prevê, tanto no instituto da falência como no da insolvência, que se proceda
à separação de bens dos cônjuges. No art. 1237.°, n.° 1, alínea b) do Código Processo Civil(11)
prevê-se que o cônjuge do falido venha reclamar o seu direito a separar da massa falida os
seus bens próprios ou a sua meação nos bens comuns.
Mais adiante, a propósito da dissolução do casamento, veremos que esses efeitos podem
deixar de se produzir quando se verificar o fim da coabitação dos cônjuges e esse facto constar
da sentença que declarar o divórcio.
2. Não havendo lugar à moratória podem ser imediatamente penhorados bens comuns
do casal, conquanto que o exequente, ao nomeá-los à penhora, peça a citação do executado
para requerer a separação de bens.
(...)
b) À reclamação e verificação do direito que tenha o cônjuge a separar da massa os seus bens
próprios ou dotais ou a sua meação nos bens comuns.
CAPÍTULO 15.0
A DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO
O vínculo matrimonial, como fenómeno humano que é, está sujeito a diversas vicissitudes. Por
vezes as próprias relações entre os cônjuges chegam a deteriorar-se de tal maneira que não é
possível manter o casamento para os fins para que foi constituído. Entre marido e mulher
surgem situações de antagonismo e de desinteligência tais, que tornam impossível a
manutenção da vida em comum.
Outras vezes são factos naturais (como a morte), fenómenos sociais (como a guerra) ou
condutas produto da vontade humana (como o afastamento pessoal) que sujeitam o
casamento a contingências que vão atingi-lo na sua substância fundamental.
Todas estas questões põem em causa o casamento. A que mais debate tem suscitado é a
questão de saber se, em vida dos cônjuges, deve ou não ser mantido o vínculo conjugal, ou,
noutra perspetiva, a questão de saber como deve ser aceite na ordem jurídica essa realidade
de facto que é a cessação da vida em comum dos cônjuges.
O Código de Família (artigo 74.°) prevê como causas de dissolução do casamento a morte ou a
declaração judicial de presunção de morte (que se equipara à morte) e o divórcio.
Na nossa conceção, o casamento ferido de invalidade é um ato que deixa de existir na ordem
jurídica após a sentença que declara a nulidade, muito embora se lhe atribuam determinados
efeitos jurídicos familiares no caso do «casamento putativo» invocável pelo nubente que
tenha contraído o casamento de boa fé.
Se é certo que se pode falar em extinção do vínculo matrimonial, quer ele se opere por
dissolução quer por invalidade, a verdade é que, no caso da anulação, o vício do casamento vai
reportar-se ao próprio ato que lhe deu origem, ou seja, defere-se ao momento da sua
celebração.
Na extinção por dissolução estamos perante um casamento que é válido e que como tal é
reconhecido na ordem jurídica.
Neste caso, o casamento válido vai ser extinto ou dissolvido em razão de factos
supervenientes, a morte ou uma causa legal de divórcio, a que a lei dá relevância para operar a
dissolução.
A dissolução do casamento por morte, que hoje surge como efeito óbvio do fim do vínculo
matrimonial, nem sempre o foi em tempos recuados. A morte do marido nem sempre permitia
à mulher contrair novo casamento. Em algumas sociedades, como na índia, a viúva lançava-se
viva para a pira onde ardia o corpo do marido defunto, para o acompanhar na morte.
A viuvez é o estado civil do cônjuge que decorre da morte do outro cônjuge, sendo a morte a
causa da dissolução da maioria dos casamentos. É uma forma de dissolução que decorre da
ocorrência de facto natural, e que não suscita em regra dificuldades de ordem jurídica.
O casamento dissolve-se no momento do falecimento do outro cônjuge, o qual marca o início
do estado de viuvez para o cônjuge sobrevivo.
A aceitação de que o casamento se pode dissolver pelo divórcio não foi sempre uma questão
pacífica, sobretudo em países onde mais fortemente se fazem sentir as convições de índole
religiosa, predominantemente a católica.
Não sendo o casamento dissolúvel, a lei só permitia aos cônjuges a sua separação legal, a qual
só era em regra concedida quando se verificasse que se tinha tornado «impossível a
manutenção de vida comum dos cônjuges», ou que se «tomara intolerável o vínculo conjugal»,
conforme expressões usadas respetivamente pelos legisladores português e italiano.
A separação judicial mantém o vínculo matrimonial entre os cônjuges, sendo uma forma de
suspensão da vida conjugal, que não dissolve o casamento.
Pela separação, os cônjuges deixam de ter a obrigação de vida em comum quanto a cama,
mesa e habitação (quod thorum, mensam et habitationem), mas mantêm os outros deveres
conjugais, como o dever de fidelidade, estando os cônjuges impedidos de contrair novo
matrimónio.
O instituto da separação judicial de pessoas e bens já não é reconhecido na maior parte dos
ordenamentos jurídicos, designadamente dos países de expressão portuguesa, como Cabo
Verde e S. Tomé e Príncipe.
No direito angolano, a Lei n.° 9/78, que veio regular o divórcio, não permitia a separação
judicial de pessoas e bens por mútuo consentimento, mas tão somente o divórcio. O art. 15.°
desta Lei revogou expressamente os arts. 1786.° a 1788.° do Código Civil, onde a separação
judicial por mútuo consentimento vinha prevista. O Código de Família não acolheu também o
instituto da separação judicial de pessoas e bens.
No entanto, em países onde mais se faz sentir a influência católica, como Portugal, Espanha,
Itália e Brasil, o instituto da separação de bens, designado como o «divórcio dos católicos»,
ainda persiste na legislação vigente.
O Código Civil do Brasil reconhece no seu art. 1571.°—III como pondo fim à sociedade
conjugal, a separação judicial.
A separação judicial segundo o art. 1575.° do mesmo Código «importa a separação de corpos e
a partilha de bens». Em traços breves importa analisar este instituto tal como vinha estatuído
no Código Civil.
A separação judicial de pessoas e bens, como o nome indica, traduz-se numa alteração legal da
vida dos cônjuges, que pressupõe sempre a existência do procedimento contencioso e que
tem de ser declarada por sentença judicial.
Como tal, reporta-se ao exercício de um direito estritamente pessoal, que tem de ser exercido
pelo próprio cônjuge.
Só em caso de interdição este poderia ser representado pelo respetivo repre¬sentante legal,
necessitando este de estar autorizado pelo conselho de família, como dispunha o art. 1781.°
do Código Civil.
Os efeitos legais da separação litigiosa de pessoas e bens são muito diferentes dos do divórcio.
Enquanto este dissolve o vínculo conjugal, a separação limita-se a suspender alguns dos
deveres recíprocos dos cônjuges.
O artigo 1774.° do Código Civil definia os efeitos da separação dizendo que ela não dissolvia o
vínculo conjugal.
Os cônjuges deixavam de estar sujeitos aos deveres de coabitação e assistência, sem prejuízo
do direito a alimentos que poderiam ter.
A mulher continuava a ter direito ao uso do apelido do marido (art. 1675.° do Código Civil),
mas podia ser privada dele no caso de comportamento indigno e por decisão judicial.
Findas as relações patrimoniais entre os cônjuges, operava-se então a partilha dos bens
comuns, conferindo cada um o que devia a este património e liquidando-se previamente o
passivo — art. 1689.° do Código Civil.
A separação litigiosa de pessoas e bens tinha entre os cônjuges ainda os mesmos efeitos que o
divórcio, quer em relação aos filhos, quer relativamente ao direito sucessório.
Como situação familiar de caráter estável, a separação de pessoas e bens constituía um estado
civil e estava sujeita a registo, devendo o tribunal que a declarasse, comunicar oficiosamente a
sentença à Conservatória do Registo Civil competente, para ser oficiosamente averbada tanto
ao assento do casamento dos cônjuges, como ao respetivo assento do nascimento (art. 101.°,
art. 87.° n.° 1, alínea a) e art. 88.° n.° 1, alínea e), do Código do Registo Civil).
O art. 1793.° do Código Civil, que regulava a conversão da sentença de separação judicial em
divórcio, foi revogado pela Lei n.° 53/76, de 2 de julho.
O art. 4.° desta Lei permitia a conversão da separação de pessoas e bens em divórcio por
simples requerimento de um dos cônjuges.
Embora esta disposição tivesse em vista a conversão em divórcio das sentenças de separação
proferidas antes da sua entrada em vigor, nada impedia que ela fosse aplicada num sentido
mais amplo, permitindo a sua aplicação extensiva às senten¬ças de separação que viessem a
ser pronunciadas após a entrada em vigor da lei.
Como já se acentuou, a separação judicial de pessoas e bens não é um instituto jurídico que se
coadune com uma conceção laica do casamento, por criar uma situação entre os cônjuges que,
em regra, proporciona ambiguidades e gera muitas vezes situações de facto à margem da lei.
Decretada a separação judicial de pessoas e bens e uma vez transitada a sentença, qualquer
dos cônjuges, independentemente da sua situação processual na respetiva ação, e
independentemente mesmo de ter sido considerado como cônjuge culpado, podia vir pedir a
conversão da separação judicial em divórcio, e isto sem ter que aguardar o decurso de
qualquer prazo, após o trânsito da sentença. Só podia obstar à conversão, o facto de se ter
operado a reconciliação dos cônjuges.
O artigo 5.° da Lei 53/76 explicitava a forma processual do pedido de conversão, que era de
extrema simplicidade.
O art. 8.° da Lei n.° 1/88, de 20 de fevereiro, que aprovou o Código de Família contém
disposições de natureza transitória que consagram os mesmos princípios da Lei n.° 53/76.
Nas ações de separação de pessoas e bens pendentes à data da entrada em vigor do Código de
Família, podia o A. ou o R. vir pedir a conversão do pedido de separação em divórcio (n.° 1 do
art. 8.°).
Nas ações em que a sentença já tenha transitado em julgado, qualquer das partes pode vir
pedir a conversão, bastando para tanto um simples requerimento (n.°s 2 e 3 do mesmo art.
8.°).
Na grande maioria dos casos, a morte de um dos cônjuges pode ser provada através do ato do
registo civil comprovativo do óbito, pelo que pareceria desnecessário prever a lei, como
segunda causa da dissolução do casamento, a declaração judicial de presunção de morte.
Às vezes tal não acontece, pois a morte do cônjuge não surge provada com clareza pelo facto
de o falecimento não poder ser diretamente verificado.
São os casos em que o outro cônjuge se ausenta em sentido lato e em que se verifica o seu
desaparecimento.
Quando alguém desaparece sem se saber do seu paradeiro, e há, simultanea¬mente, fortes
indícios de que não se trata de uma simples ausência, mas sim de um caso de morte, a lei
socorre-se do instituto da morte presumida.
A diferença entre a simples ausência e a presunção de morte reside em que, neste caso, as
circunstâncias em que ocorreu o desaparecimento da pessoa em causa são de natureza tal que
levam a presumir a sua morte.
Quando a morte é presumida, como o termo indica, é porque não há uma certeza absoluta de
que a morte tenha ocorrido. Não houve a verificação direta do facto, mas presume-se a
ocorrência da morte, fazendo derivar de tal presunção os mesmos efeitos jurídicos que
resultam do facto da morte. A data da dissolução do casamento é a data que na sentença for
fixada como a data provável em que ocorreu a morte.
O Código Civil regula o instituto da morte presumida no seu Livro l.° — Parte Geral (art. 114.° e
ss.). A morte presumida tem que ser objeto de decisão judicial e só poderá ser declarada se se
verificarem os pressupostos fixados na lei.
São eles: o decurso de dez anos sobre a data das últimas notícias; o ter completado o ausente,
se fosse vivo, 80 anos de idade; o decurso de cinco anos, caso o ausente, se fosse vivo, tivesse
atingido a maioridade.
No Código de Família a declaração judicial da presunção de morte vem regulada nos artigos
76.° e 77.°. Ela poderá ser requerida pelo cônjuge interessado, desde que verificados os
seguintes pressupostos de facto:
A questão terá obrigatoriamente que ser decidida pelo tribunal em processo próprio, e este
terá que proferir decisão que declare a presunção de morte. Importa assinalar a distinção a
fazer entre o facto de alguém estar ausente sem dele haver notícias pelo período de três anos
e a declaração de morte presumida, que exige cumulativamente que se apurem factos que
levem a convencer, por fortes indícios, de que a morte se produziu.
O artigo 76.° do Código de Família define os efeitos legais que derivam da declaração de
presunção de morte relativamente ao casamento anteriormente contraído.
O n.° 1 do artigo 76.° diz que a declaração judicial de presunção de morte de um dos cônjuges
dissolve o casamento a partir do trânsito em julgado da decisão.
Daí que a decisão a proferir pelo tribunal que julgue provados os factos que integrem a
presunção de morte deva declarar dissolvido o casamento.
Perante tal decisão judicial, várias situações podem ocorrer: ou vir a provar-se diretamente
que a morte ocorreu, ou, pelo contrário, haver notícias de que o ausente está vivo, ou
verificar-se o regresso do ausente.
O n.° 2 do artigo 76.° ressalva a hipótese de, após o trânsito da decisão de declaração judicial
de presunção de morte, o cônjuge ausente reaparecer, ou porque o ausente regressa in
personnae, ou porque foram conhecidas notícias do seu paradeiro.
O reaparecimento do cônjuge não implica só por si que o casamento que haja sido dissolvido
com base na presunção de morte retome ipso facto a sua validade legal. Em princípio, os
efeitos da sentença que declarou a dissolução do casamento mantêm-se.
a) Nenhum dos cônjuges, nem o que pediu a declaração da presunção de morte, nem o
ausente, tenha contraído novo casamento;
No primeiro caso, diz o n.° 3 do art. 76.° que, se algum dos cônjuges tiver contraído novo
casamento, este será considerado válido.
Esta disposição mais não é que a aplicação direta dos efeitos produzidos pela declaração
judicial de presunção de morte, que constitui uma das formas de dissolução do casamento.
Não há, pois, que confundir o processo da morte presumida que corre perante o tribunal, e o
de justificação de óbito, que é de natureza administrativa.
Neste caso o casamento será dissolvido por morte, nos termos gerais de direito.
Ao passo que, para o caso que agora nos interessa, o da dissolução do casamento por
presunção de morte, este considera-se dissolvido por ser de presumir a morte do cônjuge e
por esta presunção ter sido declarada por sentença judicial seguindo- -se os termos
específicos, já citados, do art. 77.° do Código de Família.
O conceito de divórcio pode exprimir-se como a dissolução do vínculo conjugal, declarada pela
via legal, operada em vida dos cônjuges. Geralmente, a doutrina define o divórcio como a
dissolução do vínculo conjugal, declarada por via judicial e operada em vida dos cônjuges.
Como veremos, entre nós o divórcio pode ser declarado em certos casos sem a intervenção do
tribunal.
O divórcio surge quando a vida matrimonial se deteriorou de tal forma que se tornou
impossível manter a comunhão de vida material e espiritual entre marido e mulher.
O divórcio opera para o futuro a dissolução do vínculo e faz cessar as relações pessoais e
patrimoniais entre os cônjuges, as quais só mantêm relevância em casos específicos, como no
da obrigação de prestação de alimentos. Deixa, porém, intactos todos os efeitos legais
produzidos durante a sua vigência.
A aceitação da dissolução do casamento por divórcio não tem sido pacífica, e contra ela se têm
levantado todos os que propugnam pela perpetuidade do vínculo matrimonial.
No entanto, se nos debruçarmos para efetuar uma análise histórica sobre a persistência da
aceitação ou não aceitação do divórcio pelos diversos meios sociais, uma vez mais verificamos
como o conjunto de determinantes socioeconómicas se reflete nas relações familiares.
Em termos simples, podemos dizer que o divórcio, como dissolução de facto do casamento, é
tão antigo como este, e existiu desde os tempos mais remotos.
No direito romano, o casamento era instituído, como vimos, com base na affectio maritalis, ou
seja, no propósito comum dos cônjuges de quererem manter laços duradouros de vida em
comum como marido e mulher.
O direito muçulmano admite, em regra, o repúdio feito pelo marido em relação à mulher com
grande amplitude. O marido pode operar, assim, arbitrariamente e sem recurso ao tribunal, a
dissolução do casamento. O divórcio é também reconhecido no direito muçulmano, como ato
de natureza judiciária, sendo a via facultada à mulher para, em certos casos de inexecução das
obrigações do casamento, obter a dissolução do casamento.
Daí que a introdução das ideias da reforma protestante tenha sido acompa¬nhada, desde o
início, pela aceitação da dissolução do casamento pelo divórcio.
A Revolução Francesa instituiu o divórcio no final do século XVIII, em lei que permaneceu em
vigor até 1816, data em que ele deixa de ser aplicado, para só ser reintroduzido de novo na
legislação francesa perto do fim do século XIX.
Em Portugal, onde o casamento civil só foi introduzido pelo Código Civil de 1867, o divórcio é
uma das primeiras medidas legislativas tomadas após a implantação da República, pela Lei do
Divórcio, de 3 de novembro de 1910.
Esta lei, com aspetos bastante progressistas e inovadores para a sua época, veio introduzir o
divórcio por mútuo consentimento simultaneamente com o divórcio litigioso.
Esta Concordata foi, porém, alterada por protocolo adicional entre Portugal e a Santa Sé, em
1975, passando a ser permitida a dissolução por divórcio dos casamentos católicos, a partir da
publicação do Decreto-Lei n.° 261/75.
Após a proclamação da Independência, foi publicada a Lei n.° 53/76 de 2 de julho, em cujo
preâmbulo se explicita bem claramente que, sendo a República Popular de Angola um estado
laico e não confessional, nenhuma razão subsistia para que continuasse a vigorar no direito
interno uma norma que impedia os cônjuges casados canonicamente de obter o divórcio.
O direito brasileiro só veio a reconhecer o divórcio pela Emenda Constitucional n.° 9 (Junho de
1977), e mesmo assim este só passou a ser concedido judicialmente no caso de separação de
facto anterior dos cônjuges.
O Código Civil brasileiro no seu art. 1571.°-IV prevê expressamente o divórcio com causa de
dissolução do casamento, o qual pode ser pedido por forma direta ou por conversão da
separação judicial.
A maior ou menor liberalização do divórcio está muitas vezes ligada a fenóme¬nos sociais
como as revoluções, tal como a Revolução Francesa, que instituiu o divórcio nos países do tipo
do direito romano, e a Revolução de outubro de 1917, na Rússia, que abriu a possibilidade de
o divórcio ser declarado por órgãos de natureza não judicial, facilitando grandemente os seus
termos.
A legislação dos países da comunidade socialista foi, nos primeiros anos, muito liberal na
dissolução do casamento por divórcio. Mas, após a 2.a Guerra Mundial, a então União
Soviética sentiu a necessidade de contrabalançar a sangria humana sofrida, através de uma
maior consolidação do casamento, tendo-se retomado a necessidade de intervenção dos
tribunais na generalidade dos processos de divórcio.
Entre os extremos que vão da proibição legal do divórcio à sua declaração por órgãos
administrativos, podemos situar os diversos sistemas jurídicos consoante são maiores o
alargamento ou as restrições às causas legais de dissolução do casamento, o que, em suma, vai
acompanhando a própria evolução do instituto do casamento.
Em Portugal pelo Decreto-Lei n.° 163/95, de 13 de julho, foi introduzido o divórcio por mútuo
consentimento, por via administrativa e pela Lei n.° 47/98, de 10 de agosto, permitiu-se que
ele fosse pedido a todo o tempo, sem necessidade de decurso de prazo obrigatório.
continuem a merecera tutela do direito (...)• A violação culposa dos deveres conjugais deixa
pois de constituir um dos fundamentos para a ação de divórcio, para passar a constituir apenas
fundamento de ação de responsabilidade civil, destinada ao
Genericamente, podemos distinguir dois sistemas distintos quanto às causas invocáveis como
fundamento de divórcio: os que aceitam o sistema da causa genérica e os que aceitam o
sistema das causas taxativas.
Por um lado, aquele que encara o divórcio como «sanção » imposta à conduta culposa de um
dos cônjuges, violadora dos deveres conjugais. Esta conceção vem normalmente ligada àquela
que encara o casamento como instituição.
Mais recentemente vem predominando a conceção que encara o divórcio como o «remédio»
ou «solução final» para uma situação em que o casamento deixou de preencher os fins sociais
e pessoais para que foi instituído. Neste caso, a rutura da vida matrimonial entre os cônjuges
pode ter sido causada pelo comportamento culposo de um deles, ou de ambos, ou seja, por
motivo proveniente da vontade subjetiva dos cônjuges, ou resultar do prolongamento da
separação de facto por determinado período de tempo relevante. Mas pode advir de uma
simples causa objetiva, independente da vontade dos cônjuges, como a demência incurável de
um deles.
Na conceção do divórcio como remédio, que também é designado como divórcio «falência» ou
«constatação de rutura», estão abrangidas todas as causas de dissolução do casamento que
fazem com que este se não possa manter, quer por culpa de um dos cônjuges ou de ambos,
quer mesmo sem culpa de qualquer deles.
O que interessa verificar é se houve rutura do vínculo conjugal e falência do casamento. Neste
caso, a dissolução do divórcio limita-se a certificar que a união conjugal deixou de existir como
realidade pessoal e social.
Pode haver culpa, como pode não haver culpa do cônjuge contra quem se pede o divórcio,
mas na base do pedido de divórcio está o desiderato de remediar a situação objetivamente
criada, que destruiu os alicerces do vínculo conjugal.
O divórcio é, assim, o corolário do facto de o matrimónio ter deixado de funcionar como tal,
deixando de servir o fim social para que foi instituído. Há mesmo quem diga que o divórcio
mais não é do que a «certidão de óbito» de um casamento que deixou de o ser.
O Código Civil anteriormente vigente privilegiava o conceito do divórcio sanção, pois este
aparecia como castigo para o cônjuge que violara algum dos deveres conjugais. Tanto assim
era que o artigo 1783.° do Código Civil impunha que a sentença que declarasse o divórcio ou a
separação estabelecesse qual era o cônjuge «culpado» e, se concluísse que havia culpa de
ambos os cônjuges, definisse qual o cônjuge que era o «principal culpado».
Como vimos, no direito português operou-se uma viragem radical e deixou de ser aceite o
critério da culpa na decretação do divórcio.
Na verdade esta forma de encarar o direito ao divórcio corresponde a uma nova visão das
relações matrimoniais cada vez mais preponderante em muitos sistemas jurídicos.
No direito francês reconhecia-se o divórcio por rutura prolongada da vida em comum, ou seja,
pela separação de facto por seis anos, ou pela alteração das faculdades mentais de um
cônjuge, podendo o tribunal rejeitar o pedido se houver
Atualmente passou-se a reconhecer o direito dos cônjuges porem fim à relação matrimonial
quando se tornou intolerável a convivência comum. A razão subjetiva da intolerabilidade da
convivência pode provir de ambos os cônjuges ou de só de um deles e pode derivar de factos
exteriores visíveis ou ser produto de afastamento afetivo e espiritual entre ambos.
Entende-se que mais importante do que os factos que ocorreram na vida do casal, são as
consequências que esses mesmos factos tiveram no seu relacionamento tornando intolerável
a convivência comum.
No direito angolano veio desde o início, a encarar-se o direito ao divórcio como o resultado
duma situação em que o vínculo matrimonial se mostrava destruído na sua essência.
Aliás a Lei n.° 53/76 publicada logo a seguir à Independência, introduziu novos fundamentos
de divórcio, previstos no seu artigo 6.°: a separação de facto por cinco anos consecutivos e o
abandono do país por parte do outro cônjuge. Estes fundamentos apontam para a nova
conceção do divórcio como remédio, ou constatação de rutura.
Os fundamentos gerais que estruturam o direito de qualquer dos cônjuges de pedir o divórcio,
em conjunto ou separadamente, vêm previstos no artigo 78.° do Código de Família.
Estabelece-se como conceção básica que o divórcio dos cônjuges só pode surgir quando tenha
havido entre ambos a deterioração completa e definitiva das relações conjugais,
independentemente das causas que tenham concorrido para tal deterioração.
Impõe a lei que se apure com firmeza que as relações entre ambos os cônjuges se encontram
atingidas no âmago da sua estrutura, tendo deixado de subsistir o essencial e específico das
relações conjugais.
b) que o casamento «tenha perdido o seu sentido», o que significa que o casamento foi
esvaziado do seu conteúdo pessoal e social, passando a constituir um mero vínculo formal sem
o conteúdo substancial de uma verdadeira «plena comunhão de vida», como prescreve o art.
20.° do Código de Família.
Esta expressão «terperdido o seu sentido» deve, pois, ser entendida no sentido de que o
casamento ficou desprovido da sua finalidade legal, que é a constituição da célula familiar. Era
a expressão que vinha já consignada na Resolução n.° 2/82 da Assembleia do Povo a que já nos
referimos, e que ordenou que se procedesse à revisão da legislação vigente em matéria de
direito da família, apontando esta situação, na parte especificamente respeitante ao divórcio,
como a essência da sua fundamentação.
Essa perda de sentido refere-se às relações inter-conjugais, mas também aos reflexos desse
relacionamento em relação aos filhos e às suas repercussões no meio social.
Dentro deste sistema jurídico de conceção de divórcio, este pode resultar de facto ou factos
imputáveis a um só cônjuge, ou de factos imputáveis a ambos, ou ainda ter surgido com o
concurso ou sem o concurso da vontade dos cônjuges.
A noção de culpa como elemento de valoração da ação violadora dos deveres matrimoniais e
geradora do direito ao pedido de divórcio, que é inerente ao conceito de divórcio sanção, foi
afastada do Código de Família.
Como adiante veremos, o Código de Família, para decisão de certas questões específicas,
manteve a menção de causa de divórcio que serve para o aferimento de direitos a quando da
dissolução do vínculo conjugal, como seja o direito a alimentos do casal e a atribuição do
direito à residência familiar.
O papel do juiz neste sistema legal de causa genérica de divórcio é bastante mais amplo,
dispondo de maior poder discricionário. Incumbe-lhe apurar não só a causa ou as causas que
em concreto são invocados como pedido do divórcio, mas também as consequências que dela
ou delas derivarem para a vida dos cônjuges, de forma a poder concluir estar destruído o
vínculo conjugal.
Já quando vigora o sistema das causas peremtórias, em que são apontados na lei os
fundamentos taxativos do divórcio (como, por exemplo, o adultério, a condenação pela prática
de crime doloso em pena de prisão maior, ou outra), uma vez verificada a causa, o juiz tinha
em regra, que conceder o divórcio, sem embargo de se apurar se elas tornaram impossível a
manutenção do vínculo conjugal.
No sistema adotado no Código de Família podemos dar como assente que predomina o
sistema de causa genérica, que pode ser invocada por iniciativa comum dos cônjuges na
modalidade que adiante veremos do divórcio por mútuo acordo, ou que pode ser invocada por
um dos cônjuges contra o outro, no caso do divórcio litigioso.
Esta conceção impediu que o Código de Família indicasse fundamentos taxativos do divórcio.
Estes vêm enunciados na lei a título meramente exemplifica- tivo, indicando em princípio
situações que podem servir de base à declaração do divórcio e que não são mais que a
tipificação de certas situações de caráter duradouro que podem levar à dissolução do
casamento por divórcio. Como já referimos, estamos perante normas em branco que o juiz,
intérprete da lei, irá aplicar em concreto ao caso sub iudice.
A lei angolana foi assim percussora da conceção de divórcio baseado em causa genérica e no
fracasso do vínculo conjugal pois invoca tão somente a existência de uma causa que
deteriorou as relações conjugais, omitindo a atribuição de «culpas» ao decidir o fim do
casamento entre os cônjuges.
Forçoso é porém reconhecer, que ao serem invocadas as causas do divórcio nas ações de
divorcio litigioso o Código de Família se encontra ainda num patamar intermédio de aceitação
do divórcio face às atuais tendências de liberalização do direito ao divórcio que atrás se
mencionaram.
O direito ao divórcio carateriza-se em primeiro lugar por se tratar de uma simples faculdade
legal. Como faculdade que é, a lei deixa ao titular do direito ao divórcio a decisão de querer ou
não usar desse direito , e por esta razão se pode concluir que ninguém é obrigado a exercê-lo.
As faculdades refletem um interesse do titular, não têm um objeto específico e têm diante de
si sujeitos meramente passivos com obrigações sem direitos. Mesmo que se verifiquem num
determinado casal factos que podem constituir fundamento legal para declarar o divórcio, não
se torna obrigatório que ele se venha a operar.
Pelo contrário, a experiência da vida familiar mostra que, dos inúmeros conflitos conjugais que
ocorrem, só alguns deles vão produzir o efeito extremo da dissolução do vínculo por divórcio.
O direito ao divórcio carateriza-se ainda por ser um direito potestativo, o que implica que ele
pode ser exercido independentemente da vontade do outro cônjuge.
O cônjuge titular do direito ao divórcio, se quiser obtê-lo, deve expressar essa vontade na
competente ação judicial. Obtida a confirmação judicial de que os fundamentos invocados
existem, é proferida a sentença judicial que declara, com base neles, a dissolução do
casamento por divórcio.
O outro cônjuge, contrariamente a um entendimento erróneo muito difundido, não tem que
conceder ou não conceder o divórcio, mas sim suportar os efeitos jurídicos que vão advir do
exercício do direito ao divórcio pelo outro cônjuge.
O direito ao divórcio não é um direito subjetivo no seu sentido estrito, pois não vai exigir do
outro cônjuge determinada conduta positiva, mas sim produzir efeitos na esfera jurídica de
ambos os cônjuges e independentemente da vontade de um deles.
Define-se assim o direito potestativo como aquele que assegura um determinado efeito
jurídico, que no caso do divórcio é o da alteração da situação jurídica familiar, ou seja, a
extinção do vínculo. É, pois, um direito que vai resultar não em prestação negativa ou positiva
por parte do cônjuge contra quem a ação é proposta, mas na obtenção da declaração judicial
da dissolução do casamento.
Como direito inserto nas relações jurídicas familiares, é um direito de natureza pessoal, pois o
seu exercício reporta-se à pessoa ou pessoas do(s) cônjuge(s). Há até quem o designe como
direito «pessoalíssimo», o que inclusivamente impede que qualquer dos cônjuges possa estar
representado na ação de divórcio através de um terceiro, representante voluntário. É um
direito de natureza irrenunciável, não podendo os cônjuges fazer antecipadamente qualquer
declaração de renúncia ao direito ao divórcio, seja essa renúncia feita de forma genérica, seja
por forma específica, renunciando previamente ao direito ao divórcio, por este ou aquele
fundamento legal.
O caráter irrenunciável do direito em si não impede que, em concreto, o cônjuge que podia
exercer o seu direito ao divórcio opte por não o exercer ou por desistir, nos termos da lei do
processo, da ação de divórcio que tenha intentado.
As ações de divórcio, como as demais ações de estado, porque se repercutem no estado civil
das pessoas, não podem ser objeto de confissão ou transação judicial, mas tão somente de
desistência — art. 299.°, n.°s 1 e 2 do Código de Processo Civil.
É, porém, de salientar que em alguns sistemas jurídicos é permitida a confissão como meio de
prova. No direito francês desde 1975, passou a ser possível a aceitação dos factos tal como o
outro cônjuge os descrevia na sua «mémoire»(relatório), tendo a Lei de 2004 simplificado esse
procedimento pois circunscreveu o pedido ao facto de ambos concordarem que o casamento
«fracassou».
O direito ao divórcio não pode ser transmissível a terceiros, quer inter vivos quer mortis causa.
Tal significa que ele só pode ser exercido pelo próprio cônjuge e que não se transmite por
morte. De facto, o direito ao divórcio extingue-se com a morte do seu titular.
Também no nosso direito a ação de divórcio não pode ser exercida por meio de mandato
outorgado a terceiro, e só no caso de interdição ela pode ser exercida pelo representante legal
do interdito, nos termos aliás previstos para os poderes de acionar contidos no art. 238.°,
alínea c) do Código de Família.
No Código de Família não existe regra específica relativa à ação de divórcio, pelo que se
aplicam as regras gerais respeitantes à tutela de maiores. Segundo o que dispõe o art. 238.°,
alínea c) do Código de Família, o tutor só pode propor ações em tribunal com autorização
deste.
No direito português atual a ação de divórcio não se extingue com a morte do cônjuge, pois
nela podem prosseguir os seus herdeiros, quer ele tenha sido autor ou réu. Tal posição tem
plena justificação, porquanto, tendo o cônjuge a qualidade de sucessível em relação ao outro
cônjuge, a declaração do divórcio tem efeitos patrimoniais, designadamente porque pode
envolver a perda da qualidade de sucessível.
O Código de Família, na esteira do que já foi introduzido no sistema jurídico angolano com a
publicação da Lei n.° 9/78, de 26 de maio, permite as duas modalidades de divórcio. Nos
termos do art. 79.° do Código de Família, o divórcio pode ser pedido:
b) por apenas um dos cônjuges com base nos fundamentos previstos nesta lei.
No primeiro caso, estamos perante uma resolução bilateral tomada concerta¬damente por
ambos os cônjuges, que é invocada como fundamento de divórcio.
No caso do divórcio litigioso, a ação é proposta por um dos cônjuges com base na causa
genérica, mas invocando em concreto a causa ou causas que levam a pedir a dissolução do
vínculo. O cônjuge que propõe a ação litigiosa tem o ónus da prova dos factos que alegar e
ainda das consequências que eles tiveram na vida conjugal.
No divórcio por mútuo acordo, já a lei permite que os cônjuges deliberem em comum e
decidam pedir em conjunto que seja declarado o divórcio. Nem o legislador nem
consequentemente o tribunal exigem que os cônjuges justifiquem a sua deliberação comum
invocando esta ou aquela causa. Não são reveladas as razões subjacentes que levaram os
cônjuges à tomada de tão importante resolução sobre a vida comum.
Esta forma de divórcio por mútuo acordo é chamada na doutrina divórcio por mutuus
dissensus, pois o acordo que é exigido é o de que já não querem continuar casados.
A lei parte da presunção de que, se os cônjuges pedem a dissolução do casamento por mútuo
acordo, é porque reciprocamente reconhecem que a sua união conjugal se encontra
irremediavelmente comprometida, e, assim sendo, a melhor solução terapêutica será
reconhecer a falência do casamento e promover a declaração da sua dissolução.
No fundo, a aceitação do divórcio por mútuo acordo envolve, no entender de alguns, uma
conceção contratualista do casamento, pois, em última análise, o que se permite é que o
casamento seja resolvido por comum acordo das partes, tal como pode acontecer com
qualquer outro contrato.
Há também quem veja no divórcio por mútuo acordo uma forma de divórcio por repúdio
recíproco entre marido e mulher.
A verdade é que, também no divórcio por mútuo acordo, existem sempre causas justificativas
que são determinantes na deliberação tomada pelos cônjuges. Só que a lei não impõe que
essas causas sejam invocadas para alicerçar a deliberação tomada. A lei entende que é melhor
não as averiguar, por reconhecer aos cônjuges maturidade para tomarem ou não tomarem
essa resolução.
Na verdade, o divórcio por mútuo acordo é uma via para desdramatizar o divórcio, tornando-o
menos traumatizante para os cônjuges e também, indiretamente, para os filhos e demais
membros da família.
Esta forma de divórcio revela-se mais benéfica no relacionamento dos cônjuges posterior ao
divórcio, por impedir que sejam feitas acusações degradantes de um para o outro, dificilmente
recuperáveis.
O Código de Família regula a modalidade do divórcio por mútuo acordo nos seus artigos 83.° a
96.°. O fundamento do divórcio por mútuo acordo assenta «na deliberação comum e pessoal
dos cônjuges de porem fim à vida conjugal» — art. 84.° do Código de Família.
O exercício do direito ao divórcio por mútuo acordo está condicionado na lei. Para impedir
resoluções de natureza precipitada ou imatura, são impostos condicionalismos na lei relativos
à duração do casamento e à idade dos cônjuges.
Os pressupostos legais para o pedido de divórcio por mútuo acordo vêm expressos no art. 83.°
do Código de Família, e são:
Na Lei n.° 9/78, de 26 de maio, a idade mínima exigida aos cônjuges era de 22 anos (art. 19.°).
Foi a Lei n.° 9/78 que introduziu a importante alteração ao direito anterior, permitindo que,
em certos casos, o divórcio por mútuo acordo fosse declarado pelas Conservatórias do Registo
Civil (art. 4.°).
O Código de Família retomou esta posição, permitindo que, além da via judicial, o divórcio por
mútuo acordo possa ser declarado pelo órgão do registo civil da área de residência de
qualquer dos cônjuges (art. 86.°).
O art. 87.° do Código restringe a competência das Conservatórias do Registo Civil aos casos em
que:
b) havendo filhos menores, haja decisão com trânsito em julgado sobre a regulação da
autoridade paternal proferida pelo tribunal competente.
Deste modo, é possível usar a via administrativa para a declaração do divórcio, quando não
estiver em disputa o direito ao exercício da autoridade paternal sobre os filhos menores do
casal. Pelo melindre e delicadeza da questão, havia que acautelar o seu conhecimento pelo
tribunal competente, que é hoje a Sala de Família do Tribunal Provincial.
Já a simples apreciação de verificação dos pressupostos legais relativos à idade dos cônjuges e
à duração do casamento — que permitem a declaração do divórcio por mútuo acordo — está
manifestamente ao alcance do conservador do registo civil.
Há que ter em conta, pois, que, segundo a lei, o divórcio por mútuo acordo pode ser sempre
pedido pela via judicial e que a via administrativa só é possível nos casos especificados na lei.
Quanto ao procedimento processual, o Código exige não só que os cônjuges expressem o seu
acordo no requerimento inicial quanto ao pedido de declaração de divórcio, mas que
apresentem ainda os acordos complementares — art. 85.° do Código de Família.
É que, como adiante veremos, a dissolução do casamento vai produzir diversos efeitos na
esfera pessoal e patrimonial dos cônjuges. Não basta, por isso, que os cônjuges estejam de
acordo em relação ao divórcio; é necessário também que eles dirimam amigavelmente as
questões que derivam do divórcio, as questões de natureza pessoal e patrimonial resultantes
da dissolução do casamento.
Nestes termos, o art. 85.° do Código de Família impõe que os cônjuges apresentem os acordos
respeitantes a:
a) Exercício da autoridade paternal sobre os filhos menores do casal, se os houver, e se
tal não estiver decidido pelo tribunal;
Além de que, em obediência ao art. 89.°, alínea a), os cônjuges têm ainda a obrigação de
apresentar a relação especificada de todos os seus bens próprios e comuns, o que implica a
existência de prévio acordo sobre a descrição e atribuição dos bens, ou ao casal em comum,
ou próprios de cada um dos cônjuges.
Quanto ao procedimento processual descrito nos arts. 90.° e seguintes, há que realçar a
imposição da presença obrigatória dos cônjuges na conferência — art. 91.°.
O tribunal procurará obter a conciliação dos cônjuges, devendo diligenciar no sentido de eles
desistirem do propósito de se divorciarem — art. 93.°. Se o não conseguir, deverá proceder à
apreciação dos acordos complementares apresentados.
Antes de homologar o acordo, o tribunal deverá dar cumprimento ao disposto no art. 158.° e
recolher o parecer do Ministério Público e promover a audição do menor que tenha
completado 10 anos de idade.
É declarado então o divórcio provisório, que será convertido em divórcio definitivo se, no
prazo de 90 dias, nenhuma das partes vier a desistir do pedido.
Declarado o divórcio, a decisão judicial é oficiosamente comunicada aos órgãos do registo civil
que tenham celebrado o casamento e àqueles onde tenham sido lavrados os assentos de
nascimento dos cônjuges.
O procedimento perante a Conservatória do Registo Civil é idêntico dado que os arts. 93.° e
seguintes são aplicáveis tanto ao processo judicial como ao processo administrativo que corre
perante o órgão do registo civil
O Conservador deverá promover a conciliação dos cônjuges tal como o juiz, e, se não o
conseguir, deve dar andamento ao processo, homologar os acordos se for caso disso, e
declarar o divórcio provisório. A declaração do divórcio definitivo e as comunicações aos
demais órgãos do registo civil seguem igualmente o que consta dos arts. 95.° e 96.° do Código
de Família.
O divórcio litigioso, conforme o que vem previsto no art. 79.° do Código de Família, é aquele
que épedido por apenas um dos cônjuges, com base nos fundamentos previstos nesta lei. A
ação de divórcio litigioso é proposta unicamente por um cônjuge contra a pessoa do outro,
devendo aquele que põe a ação invocar a existência de uma causa.
Os fundamentos previstos na lei vêm inseridos na disposição de caráter geral do art. 78.°, que
abrange a causa genérica que vai produzir a dissolução do vínculo, ou seja, a da deterioração
completa e irremediável da sua união, e a perda do sentido ou finalidade do casamento.
Esta disposição genérica é integrada, quanto ao divórcio litigioso, pelo art. 97.°, que a
transcreve, especificando que esta forma de divórcio é legalmente possível quando «esteja
comprometida a comunhão de vida dos dois cônjuges e impossibilitada a realização dosfins
sociais do casamento».
Os factos invocados como fundamento do divórcio têm que ser posteriores à celebração do
casamento, pois os factos anteriores, quando previstos na lei, só poderão ser invocados como
causa do pedido de anulação do casamento.
No divórcio litigioso, os fundamentos são os que vêm contidos nos arts. 97.° e 98.°, que mais
não são do que duas disposições complementares.
O artigo 97.° expressa como fundamento do pedido de divórcio litigioso que exista uma causa
grave ou duradoura que veio atingir e atentar contra a comunhão de vida dos cônjuges e
tomar impossível a realização dos fins sociais do casamento. Essa causa pode ser, em
alternativa, ou grave ou duradoura.
De acordo com esta disposição, a causa genérica tem uma grande amplitude, pois o legislador
preferiu não enumerar, caso a caso, os fundamentos legais do pedido de divórcio litigioso. A
causa, como é dito na linguagem da lei, pode existir tanto em razão da produção de um único
facto que deva ser considerado grave, como em razão de uma situação repetida que, pela sua
continuidade e reiteração, venha a destruir a contextura do vínculo matrimonial.
Umfacto grave pode ser o adultério, o atentado contra a vida do outro cônjuge, etc..
Pode, por conseguinte, haver um único facto que seja tão grave que torne impossível a
continuação da vida em comum, mas pode também verificar-se uma acumulação de factos
que conduza ao mesmo resultado.
Segundo a conceção do Código, deve verificar-se, por parte do cônjuge contra quem é
proposta a ação de divórcio litigioso, a violação de forma grave ou duradoura dos deveres
impostos pelo casamento, violação que pode traduzir-se, por exemplo, na recusa por parte de
um dos cônjuges em consumar o casamento, na violação dos deveres enunciados na lei de
fidelidade, de respeito, de coabitação, de cooperação e de assistência moral ou material.
A natureza grave ou duradoura do facto invocado deverá ser apreciada e dada como verificada
pelo juiz da causa, sempre tendo em conta o condicionalismo a que se refere o artigo 99.° do
Código de Família. Isto é, ao aferir da gravidade e importância do facto para a vida dos
cônjuges, o juiz deve ponderar qual a formação cultural deles, pois determinada expressão
entre pessoas de cultura rudimentar pode não se traduzir em ofensa, e ser altamente injuriosa
entre pessoas com outro nível cultural.
Dentro das circunstâncias a que o tribunal deve atender para declarar ou não o divórcio são
também incluídas questões como a duração do casamento, a idade dos cônjuges, o seu estado
de saúde, etc.
O art. 97.° exige ainda para a declaração do divórcio litigioso que a causa grave ou duradoura
tenha produzido os efeitos negativos sobre a união conjugal enunciados na parte final deste
artigo e que são, em última análise, os mesmos que vêm contidos no já citado art. 78.°.
O art. 98.°, que contém uma enunciação meramente exemplificativa, limita-se a indicar
situações fatuais que, a verificarem-se, permitem a conclusão de que se encontra
comprometida a comunhão de vida dos cônjuges e impossibilitada a realização dos fins sociais
do casamento.
Por outras palavras, as previsões do art. 98.° são todas elas referentes a causas de natureza
duradoura que se refletem sobre a estrutura matrimonial e que levam a que possa ser pedido
o divórcio litigioso.
Se se trata de facto subjetivo, tem que consistir num jacto ilícito violador de algum dos deveres
conjugais.
O facto tem que ser juridicamente imputável ao cônjuge contra quem a ação é proposta. É o
cônjuge que põe a ação que tem o ónus de provar os factos que integram a causa ou causas e
ainda as consequências dos factos invocados.
A conduta ilícita, porque violadora dos direitos do outro cônjuge, tem que se concretizar na
forma de dolo ou de negligência, o que significa que tem que reportar-se a factos perpetrados
com consciência e vontade.
São aplicáveis aqui os conceitos aceites na doutrina do direito penal sobre a tipificação da
conduta do agente como elemento integrador da infração criminal.
Os factos integradores da causa grave ou duradoura têm que ser praticados pelo cônjuge
contra quem a ação é proposta, de forma consciente e voluntária, o que implica que o
conceito de imputabilidade do cônjuge prevaricador é aqui também necessário.
Deve entender-se, porém, que nem sempre é necessário que o cônjuge que pratica o ato
esteja em pleno uso das suas faculdades mentais, pois pode praticá-lo em estado de
embriaguez, em estado de drogado, etc.. Mas se o cônjuge contribuiu voluntariamente para se
pôr em tal situação, é igualmente responsável por ter criado o estado psíquico determinador
da sua conduta.
O cônjuge que propõe a ação de divórcio litigioso tem também de provar que entre as causas
que invoca para fundamentar o seu pedido de divórcio e a destruição do vínculo conjugal
existe um nexo de causalidade, ou seja, que foram elas que desencadearam a causa genérica
que consiste na destruição ou rutura irremediável do vínculo conjugal.
O que a realidade nos mostra é que a deterioração da vida conjugal não se produz em regra de
forma abrupta, e que ela é produzida por um somatório de factos, em estilo de respostas
sísmicas que, de forma recíproca, se vão avolumando num crescendo que, quando não é
atempadamente controlado e dominado, vai fazer ruir os alicerces da união conjugal.
Como já fizemos referência, o Código de Família não adotou o sistema das causas taxativas de
divórcio tal como fazia o Código Civil. Este, no seu art. 1778.°, indicava que, como fundamento
de separação litigiosa, eram aplicáveis ao divórcio, por força do art. 1792.°, os factos seguintes:
c) condenação definitiva do outro cônjuge, por crime doloso, em pena de prisão superior
a dois anos, seja qual for a natureza deste;
f) abandono completo do lar conjugal por parte do outro cônjuge por tempo superior a
três anos;
Alguns destes factos são, na realidade, os que são mais frequentemente invocados como
fundamento do pedido de divórcio litigioso, e daí que haja interesse em definir alguns dos
respetivos contornos. Vejamos, a título exemplificativo, quais os factos que podem integrar
estes fundamentos invocáveis em juízo. Usando a classificação de causas previstas no art. 97.°
do Código de Família, mencionemos algumas que podem ser apontadas como graves.
A — Adultério
Consiste na consumação de relação sexual de um cônjuge com terceira pessoa, praticada por
ato voluntário. Daí que para a configuração do adultério seja necessário que se verifiquem
simultaneamente os dois elementos, o objetivo e o subjetivo. É necessário, por um lado, que
se verifique a prática do ato carnal, não bastando práticas libidinosas, ou simples namoro.
Estas condutas poderão integrar, como veremos, uma injúria grave contra o outro cônjuge. É
necessário que o ato sexual seja cometido voluntariamente pelo cônjuge faltoso, pois, se
resultar de coação física, como no caso de violação, ou se for mantido em estado de
inconsciência ou por erro, não se prefigura o adultério.
O adultério constitui um facto ilícito civil, e dele pode derivar para o cônjuge ofendido o direito
de indemnização por danos não patrimoniais. No caso de o adultério ocorrer durante a vida
em comum dos cônjuges, o Código Penal em vigor considerava-o crime. Como já vimos, tal
disposição foi alterada pela Lei de 3 de novembro de 1910, no seu art. 61.°. Hoje em dia a
maioria das leis dos diversos países deixou de considerar o adultério como um crime.
B — Vida e costumes desonrosos Considera-se que estamos perante uma injúria indireta feita
por um cônjuge ao outro. É um comportamento que deve traduzir-se em hábitos de vida que
sejam arreigados e envolvam a degradação moral e social do cônjuge que os pratique e que vai
refletir-se sobre a pessoa do outro cônjuge. Pode indicar-se como exemplo o facto de o
cônjuge ser um viciado no consumo da droga ou de álcool, viver de mendicidade, dedicar-se
habitualmente à prática de jogo de azar, etc..
Não basta uma prática isolada censurável, pois é necessário um teor de vida que envolva a
desqualificação moral do cônjuge que tem uma conduta desonrosa. O cônjuge ofendido em
consequência do comportamento do outro cônjuge sente-se atingido na sua própria
dignidade, pelo facto de o meio social em que os cônjuges vivem desprezar e desconceituar o
outro cônjuge, em virtude do comportamento vergonhoso ou imoral do prevaricador.
Este fundamento era invocado com grande frequência na vigência do Código Civil, que não
permitia o divórcio pela simples separação de facto, tendo hoje muito menos relevância. É
uma figura jurídica complexa, que comporta diversos elementos de natureza objetiva e
subjetiva. Para a sua verificação importa que se verifiquem os seguintes elementos:
O lar conjugal é a residência comum e própria dos cônjuges. Se os cônjuges vivem em casa de
parentes, entende-se que não chegou a ser constituído o lar conjugal. A saída do lar tem que
ser da iniciativa de quem sai e é preciso que nessa saída não haja qualquer culpa por parte do
outro cônjuge. Se o cônjuge provoca essa saída, expulsando do lar o outro cônjuge, ou
tornando a vida em comum insustentável, já se não configura o abandono por parte do
cônjuge que deserta do lar conjugal. O abandono também não se verifica quando a saída do lar
resultou de acordo estabelecido entre ambos os cônjuges, acordo que pode ser de natureza
expressa ou tácita.
Quando um dos cônjuges sai de casa com o propósito de voltar, tomando posteriormente a
resolução de não voltar à vida comum, o abandono inicia-se a partir da data em que o cônjuge
expressa o propósito de não reatar a vida em comum.
De igual forma acontece quando a saída do lar conjugal for efetuada pelo cônjuge com a
intenção de pôr fim à comunhão de vida e de não voltar a reatar a vida conjugal, pois este
propósito, como elemento integrador do conceito de abandono, deve ser concomitante com o
facto da saída do lar para o efeito de se contar, a partir de então, o prazo previsto na lei para a
separação de facto.
Há ainda que distinguir entre o abandono do lar e a ausência do outro cônjuge sem dele haver
notícias. O abandono do lar é caraterizado, desde o seu início, pelos elementos que indicamos,
ao passo que a ausência se define como o desconhecimento do paradeiro do outro cônjuge,
acompanhado da falta de notícias.
Esta disposição da lei é de caráter genérico e abrange uma larga gama de atos ofensivos, que
podem ser de natureza física (na anterior lei do divórcio denominavam-se sevícias), ou de
natureza moral (na mesma lei eram denominadas injúrias). As ofensas à integridade moral
constituem injúrias, tomado este conceito em sentido lato, devendo as ofensas, de acordo
com a lei, ser consideradas graves.
As ofensas praticadas antes do casamento, mesmo que o cônjuge só delas venha a ter
conhecimento depois da sua celebração, não têm relevância, já que não visaram alguém que
tivesse a situação jurídica de cônjuge.
Têm ainda que visar diretamente a pessoa do cônjuge, embora não seja necessário que sejam
proferidas na presença do outro cônjuge.
Têm também que ser proferidas com o propósito de ofender o outro cônjuge,
O Código de Família, na esteira do que já tinha sido iniciado pela Lei n.° 53/76, veio indicar
certas causas objetivas de divórcio (art. 89.°, alíneas a), b),
c) e d)), que se reportam, como vimos, a factos que se prolongam no tempo e são de
natureza duradoura.
Neste fundamento previsto no art. 98.°, alínea a), não há que atender às circunstâncias ou
motivos que levaram os cônjuges à separação. Nem sequer interessa saber se ela foi ou não
iniciada por acordo de ambos os cônjuges. Daí que não haja que ter em conta a intenção de
pôr fim à vida em comum, como era exigida para o abandono do lar.
— a separação dos cônjuges durante um mínimo de três anos, com suspensão total e
completa de todas as relações pessoais entre os cônjuges como tal;
Este fundamento foi introduzido pela Lei n.° 53/76, e consta hoje do art. 98.°, alínea b) do
Código de Família. Ele surgiu em virtude do êxodo que se verificou no País, aquando da saída
de centenas de milhares de pessoas no fim da colonização. De tal fenómeno resultou a
separação de inúmeros casais, porquanto acontecia um dos cônjuges resolver ausentar-se do
país e o outro optar por permanecer, tornando impossível o prosseguimento da vida conjugal.
G — A ausência do cônjuge
Este fundamento do divórcio constava já da Lei do Divórcio de 1910, ainda que prevendo um
prazo de ausência mais longo, e está mencionado no art. 98.°, alínea c) do Código de Família. A
ausência distingue-se da presunção de morte. Como já dissemos, neste caso há fortes indícios
de que a morte se verificou, enquanto que na ausência o que sucede é que o outro cônjuge
está em paradeiro incerto e não se sabem notícias dele. O que carateriza a ausência é que o
ausente não só está em lugar afastado (que é desconhecido), mas também dele não há
notícias, seja por ele as não querer dar, seja por não as poder dar.
O cônjuge que invocar a ausência tem que alegar e provar que não tem quaisquer notícias do
outro cônjuge e que não sabe de ninguém que lhe dê notícias
dele. Esse estado de ausência tem que se prolongar pelo tempo mínimo de três anos, pelo
que, se entretanto o ausente voltar ou se simplesmente der notícias, o prazo decorrido fica
sem efeito.
H — Demência do cônjuge
0 art. 98.°, alínea d) prevê como fundamento do divórcio a alteração das faculdades
mentais do outro cônjuge, desde que clinicamente verificada. A lei impõe que:
Exige a lei que a doença seja de tal forma grave que impossibilite o cônjuge de uma vida
normal, tomando-o na verdade, uma pessoa incapaz para a convivência matrimonial. Embora
haja quem censure que se possibilite a obtenção do divórcio em razão de uma doença psíquica
de que o cônjuge dela portador não tem culpa, a verdade é que se considerou injusto que o
cônjuge são tivesse, contra sua vontade, de manter de pé um vínculo com alguém que já não
podia continuar a exercer os direitos e os deveres conjugais.
No caso de se obter o divórcio com este fundamento, deve, em princípio, manter-se o dever
de assistência ao cônjuge doente, a quem o outro cônjugeficará obrigado a prestar alimentos.
O cônjuge que propõe a ação de divórcio litigioso, tem ainda o ónus de provar a relevância dos
fundamentos invocados na vida conjugal, tendo em conta os parâmetros do art. 99.° do Código
de Família (a formação dos cônjuges, o seu grau de educação, sensibilidade moral e todas as
demais circunstâncias inerentes ao caso concreto).
Ao mencionarmos que o direito ao divórcio é de natureza pessoal, quisemos desde logo frisar
que ele só pode ser exercido pelo próprio cônjuge titular do direito, ou no caso de ser ele
interdito, pelo seu representante legal, devidamente autorizado pelo tribunal, e depois de
ouvido o Conselho de Família.
A legitimidade para a propositura da ação de divórcio está em correlação com a causa que for
invocada como fundamento.
Se se tratar de causas subjetivas (aquelas que se traduzem na violação dos deveres conjugais
por parte do outro cônjuge), só tem legitimidade para propor a ação o cônjuge ofendido por
essas violações. Isto significa que é o cônjuge lesado nos seus direitos conjugais que pode
propor a ação contra o cônjuge que infringiu os seus deveres.
Já se o divórcio tiver por fundamento uma causa objetiva, como seja a da separação de facto,
qualquer dos cônjuges indistintamente tem legitimidade para a propositura da ação. Trata-se
de um direito de natureza bilateral, do exercício de um direito potestativo que não tem origem
em qualquer facto ilícito praticado pelo outro cônjuge.
Se o cônjuge contra quem a ação for proposta não contestar, o cônjuge que propôs a ação
deverá suportar o encargo das custas judiciais — art. 449.°, n.°s 1 e 2, alínea a), do Código do
Processo Civil.
Já se for invocado o abandono do país por parte do outro cônjuge deve entender-se que o
divórcio só pode ser pedido pelo cônjuge que não saiu do País e que está sob jurisdição dos
tribunais angolanos.
O mesmo, obviamente, no caso de ausência. No caso de demência é o cônjuge não doente que
pode invocar a doença, pois trata-se de causa objetiva não imputável a qualquer dos cônjuges.
A legitimidade tem a ver com a determinação de qual foi a ação ou omissão voluntária que
originou a situação de crise nas relações conjugais, e quem teve a conduta lesiva não pode
invocá-la para com ela obter a dissolução do vínculo. Será o cônjuge vítima dessa conduta que
a pode invocar como causa de pedir no processo de divórcio.
O direito ao exercício de ação de divórcio litigioso por parte do marido pode ser suspenso no
caso de gravidez da mulher.
Esta norma visa proteger a mulher em estado de gravidez ou de parto recente e que, com os
encargos próprios da maternidade, se veja ainda a braços com a situação difícil que o divórcio
sempre acarreta para ambos os cônjuges.
A experiência mostra como eram frequentes as ações de divórcio propostas pelo marido a
despeito do estado de gravidez da mulher.
A disposição legal ressalva, porém, dois casos em que o marido pode, mesmo nestas
circunstâncias, exercer o seu direito ao divórcio.
O primeiro caso é o de a mulher dar o seu consentimento à ação, ou de forma expressa, antes
da suapropositura, ou de forma tácita, não suscitando o seu direito a pedir a suspensão da
instância.
O segundo caso refere-se ao facto de vir o marido impugnar a paternidade do filho. Quer
numa situação quer noutra, a ação pode ser proposta e prosseguir, pois a lei previu, por um
lado, que pode ser a mulher a estar interessada na dissolução do seu casamento por divórcio,
sem embargo do seu estado de gravidez ou pós- parto, e admitiu, por outro lado, que devia
defender-se o interesse do marido quando este pretendesse afastar a presunção legal da sua
paternidade.
Trata-se, no entanto, como se vê, de mera suspensão legal do exercício de um direito, que não
afeta a sua subsistência.
O n.° 2 do art. 103.° esclarece a forma de contagem do prazo de caducidade do direito ao
divórcio previsto no art. 102.°, no caso de ser suspenso o exercício do direito ao divórcio por
pane do marido, de acordo com o n.° 1 desse artigo.
Havendo causa de suspensão legal, o prazo de caducidade também se interrompe pelo exato
período que durar a suspensão.
A — Instigação
Nas ofensas cometidas por um cônjuge contra o outro, dada a natureza estrita da sociedade
conjugal, que possui uma unidade própria, é por vezes muito difícil dissociar a conduta de um
cônjuge da conduta do outro, e ainda determinar em cada caso quando a conduta de um dos
cônjuges teve a influência determinante na conduta do outro.
Se, por exemplo, um dos cônjuges tem um comportamento indigno para o outro, o cônjuge
ofendido pode, debaixo de transtorno emocional, proferir expressões ofensivas contra o que
prevaricou.
Se um dos cônjuges cometer adultério, por a isso ter sido levado por conselho ou pedido do
outro, o cônjuge que instigou o outro ao cometimento da falta, não pode vir invocá-lo contra o
faltoso.
O art. 100.° do Código de Família exclui o direito à obtenção do divórcio por parte do cônjuge
que tiver instigado o outro a praticar o facto invocado como fundamento do pedido, ou que
tenha criado intencionalmente condições propícias à sua verificação.
Prevê esta disposição não só a instigação direta à prática de um facto, mas também a criação
voluntária, dolosa, de circunstâncias que, em condições normais, conduziriam,
previsivelmente, ao ilícito. Esta disposição deriva da que já constava do art. 1780.°, alínea a) do
Código Civil revogado.
Em virtude dela, deixa de haver o direito ao divórcio, quer quando um dos cônjuges possa ser
considerado moralmente cúmplice do outro, ou quando o cônjuge, pela sua conduta, tenha
criado condições para a reação do outro cônjuge, ou tenha propiciado a sua conduta ilícita.
Constituindo matéria de exceção, em ação de divórcio a prova dos factos invocados tem que
ser feita pelo Réu que os invocar ou pelo Autor em caso de resposta à reconvenção — art.
342.°, n.° 2 do Código Civil
B — O perdão e reconciliação
O Código de Família (art. 101.°) refere como causa da perda do direito ao divórcio, ou seja,
como causa extintiva desse direito, o perdão do cônjuge ofendido.
O perdão é um ato jurídico unilateral, que se insere no âmbito da vontade do titular do direito
ao divórcio. O cônjuge pode livremente considerar que prefere esquecer a ofensa e manter a
vida conjugal com o outro cônjuge.
O perdão tem que ser o produto de uma expressão de vontade clara e incontro¬versa, e não
pode constituir um facto puro e simples emanado da vontade de um dos cônjuges
independente do comportamento do outro.
O perdão pode ser concedido sob condição de o cônjuge culpado não reincidir. O cônjuge que
concede o perdão deve exigir garantia e segurança de que o outro não volta a prevaricar.
O perdão tem que ser provado por factos concludentes e a sua existência não se presume.
Assim, o facto de os cônjuges continuarem a manter a vida em comum na mesma habitação ou
de ter decorrido determinado tempo sobre a prática da falta não significa que esta tenha sido
perdoada.
Cabe ao réu, em princípio, fazer a prova da existência do perdão, por ser facto extintivo do
direito do autor. Mas há quem entenda que a matéria em causa cabe no âmbito da apreciação
oficiosa pelo tribunal, quando este entender que o facto não comprometeu o prosseguimento
da vida comum dos cônjuges.
Além do perdão, existe ainda a reconciliação dos cônjuges como causa extintiva do direito ao
divórcio. A reconciliação é já um acordo da vontade de ambos os cônjuges e consiste
simultaneamente na verificação de dois elementos: o elemento moral e o elemento material.
Tanto o perdão como a reconciliação excluem o direito ao divórcio, mas só relevam quanto a
factos anteriores, traduzindo-se numa renúncia tácita de requerer o divórcio perante uma
situação concreta. Não tem relevância quanto a factos supervenientes ou quanto a factos cujo
conhecimento seja posterior ao perdão ou conciliação.
O perdão e a reconciliação, como atos jurídicos, estão sujeitos a ser anulados no caso de se
apurar que a sua concessão ou produção se verificaram em virtude de erro, dolo ou coação.
O cônjuge que na ação de divórcio invocar factos que integrem o perdão por parte do outro ou
a reconciliação dos cônjuges terá sobre si o encargo do ónus da prova desses factos, de acordo
com a regra geral do art. 342.°, n.° 2 do Código Civil já citado.
O exercício do direito ao divórcio está ainda sujeito a caducidade se não for exercido no prazo
legal. O legislador entendeu que o cônjuge que se sinta atingido pela conduta do outro
cônjuge deve ter um período dentro do qual tem de reagir. Também a estabilidade da família
não aconselha a que se venham invocar contra o outro cônjuge factos antigos, pelo que não se
permite que, por razões de mero oportunismo, se venha mais tarde a invocá-los como
fundamento de um pedido de divórcio.
O Código Civil fixava o período de um ano para a propositura da ação (art. 1782.°). Este artigo
foi revogado pelo artigo 7.° da Lei n.° 53/76, que dizia o seguinte: «O direito à separação de
pessoas e bens ou divórcio litigioso caduca no prazo de dois anos a contar da data em que o
cônjuge ofendido ou o seu representante legal, teve conhecimento do facto suscetível de
fundamentar o pedido».
Hoje, o art. 102.° do Código de Família mantém o prazo de dois anos para o exercício do direito
ao divórcio. A contagem do prazo inicia-se com o conhe¬cimento do facto que serve de
fundamento ao pedido por parte do cônjuge que o formula, e não da data do seu
cometimento por parte do outro cônjuge.
A contagem do prazo pode apresentar-se, por vezes, difícil, quando se trata de factos
continuados e que se prolonguem por um determinado decurso de tempo.
Por exemplo, no caso da prática do adultério continuado por parte de um dos cônjuges que
seja do conhecimento do outro cônjuge, enquanto o adultério se mantiver persiste o direito ao
divórcio, que só caduca quando se perfizerem dois anos sobre a data da cessação do adultério.
A regra geral para a contagem do prazo de caducidade vem contida no artigo 329.° do Código
Civil. Em princípio, cabe ao réu fazer a prova do decurso do prazo como facto extintivo do
direito do autor (art. 343.°, n.° 2 do Código Civil).
Mas se houver no processo elementos dos quais se possa concluir que se verificou a
caducidade, ela deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal (n.° 1 do artigo 333.° do
Código Civil), uma vez que estamos perante matéria legalmente excluída da disponibilidade
das partes. É esta a posição legal acolhida no Código de Família, cujo art. 102.°, n.° 2 determina
que, tratando-se de facto continuado, o prazo só corre a partir da data em que houver
cessado.
1. Processo especial
O Código de Família, tendo em vista uma aplicação mais eficaz do direito, bem como uma
maior efetivação dos fins por ele prosseguidos, viu-se na necessidade de introduzir no seu
texto determinadas normas de natureza processual.
Elas visam fundamentalmente obter uma intervenção mais dinâmica e ativa do tribunal,
permitindo um melhor apuramento da verdade material, e ainda uma justiça mais pronta,
afastando o excessivo formalismo dos processos declarativos ordinários que eram os aplicáveis
a todas as ações de estado de pessoa, passando a ser aplicadas às ações de natureza familiar
normas de processo especial.
De acordo com esta orientação, a Lei n.° 1/88, que aprova o Código de Família, determina que,
enquanto não for revista a legislação em vigor, as ações previstas no Código seguirão o
formalismo dos processos de jurisdição voluntária previsto no artigo 1409.° do Código de
Processo Civil — art. 6.°, n.° 1.
2. Cumulação de pedidos
Em primeiro lugar, o artigo 104.°, n.° 1 vem permitir cumular o pedido de divórcio com
qualquer dos seguintes pedidos:
a) o pedido de alimentos;
O n.° 2 deste artigo 104.° vem ainda permitir que, contrariamente ao que dispõe o art. 274° do
Código de Processo Civil quanto à natureza do pedido reconvencional, o cônjuge contra quem
for posta a ação possa deduzir ou não novo pedido de divórcio, e, mesmo não o fazendo,
deduzir qualquer dos pedidos expressos no n.° 1, pela via de reconvenção.
Ao atribuir-se a um único tribunal o conhecimento das questões relativas às relações
conjugais, como o divórcio, e o das questões referentes às relações entre pais e filhos, como as
de regulação da autoridade paternal, está-se já em consonância com a Lei do Sistema
Unificado de Justiça, que prevê a existência de Salas de Família nos Tribunais Provinciais com
competência para decidir todas as questões de natureza familiar, de acordo como o art. 32.°,
n.° 1 da Lei n.° 1/88, de 31 de dezembro, já citada.
Através dos contatos com as partes, com os membros do Conselho de Família se tal for o caso,
da prova produzida nos autos e dos inquéritos sociais que mande realizar, o Juiz da Sala de
Família terá de obter um mais profundo conhecimento da realidade fatual que abrange a
globalidade das questões postas à sua consideração e assim encontrar para cada uma delas
uma decisão que se espera seja a mais adequada.
Essa tentativa de conciliação é muito importante, por permitir a um órgão do Estado procurar
salvar a estabilidade da família.
A tentativa de conciliação pode ser efetuada pela forma que o juiz entender mais eficaz, como
seja ouvindo cada um dos cônjuges separadamente e depois em conjunto, e explicando quais
as consequências pessoais e económicas do fim de vida conjugal e os seus efeitos em relação
aos filhos.
A experiência evidencia, porém, que, na grande maioria das vezes, a conciliação por via judicial
é ineficaz. Noutros sistemas legais a tentativa de conciliação antecede a fase dos articulados da
ação, ou do despacho de citação para contestação da petição inicial.
O juiz pode mesmo sustar o andamento do processo por tempo não superior a três meses,
quando assim considerar justificado — artigo 105.°, n.° 2. E, quando o julgue útil à conciliação
dos cônjuges, pode o tribunal, oficiosamente ou a pedido das partes, convocar o Conselho de
Família para o ouvir — art. 105.°, n.° 3.
Hoje em dia, defende-se cada vez mais, o processo de mediação familiar que tem especial
relevância nas ações de divórcio. A mediação é dirigida não só no sentido de obter a
conciliação dos cônjuges mas sobretudo para atenuar os efeitos do divórcio e obter acordos
nas diversas questões que se suscitam com a dissolução do vínculo conjugal.
4. Conversão da ação
Se o tribunal chegar à conclusão de que os cônjuges não querem conciliar-se e se mantêm
irredutíveis nas suas posições, deverá tomar a iniciativa de obter o acordo de ambos para
converter a ação de divórcio litigioso em ação de divórcio por mútuo acordo — art. 106.°, n.° 1.
Considera-se preferível a opção por esta forma de divórcio, obtido o consenso das partes, sem
recurso ao conhecimento dos factos litigiosos.
Isto é, o juiz pode fixar um prazo para os cônjuge trazerem a tribunal os acordos
complementares previstos no art. 85.° e designar dia para nova conferência de cônjuges, se for
caso disso.
Se o processo for convertido em divórcio por mútuo acordo e algum deles vier a não cumprir o
prazo que for fixado ou vier depois a desistir após a declaração do divórcio provisório, deve
entender-se que o outro cônjuge tem o direito de vir prosseguir com o pedido de divórcio
litigioso, que tenha anteriormente formulado, salvaguardadas as regras processuais.
5. Medidas provisórias
A fixação dos alimentos ao cônjuge e aos filhos menores terá caráter provisório, como vem
previsto no art. 256.° do Código de Família.
Antes de decidir provisoriamente, o juiz pode proceder às diligências que repute necessárias
ao esclarecimento dos factos, como seja mandar proceder a inquéritos sociais, requerer
informações junto de organismos públicos ou entidades privadas, etc..
Embora este art. 107.° não o diga expressamente, o Juiz pode tomar outras medidas
provisórias de caráter urgente que para cada caso se mostrarem necessárias, tais como a
entrega dos bens de uso pessoal do cônjuge, a proibição de certas condutas ofensivas, etc.
Aliás nas leis que em diversos sistemas jurídicos têm vindo a ser adotadas, estas medidas de
caráter provisório são desencadeadas logo de início dos processos derivados de queixas pelo
crime de violência doméstica.
A sentença proferida na ação de divórcio litigioso, tal como a do processo de divórcio por
mútuo acordo, está obrigatoriamente sujeita a registo, por envolver modificação no estado
civil das pessoas — artigo 2.°, n.° 1 do Código Registo Civil.
Assim, logo após o trânsito em julgado da sentença, deverá ser enviada certidão à
conservatória competente (artigo 101.°), para o efeito do averbamento previsto no artigo 88.°,
n.° 1, alínea b), ambos do citado Código.
Se o casamento tiver sido efetuado no estrangeiro e não tiver sido transcrito ou só disser
respeito a cidadãos estrangeiros, não há lugar à comunicação a que se refere artigo 101.° do
Código do Registo Civil.
CAPÍTULO l6.°
EFEITOS DA DISSOLUÇÃO
DO CASAMENTO
O vínculo conjugal desaparece com a dissolução do casamento, seja ela operada por morte ou
por divórcio. O estado civil do cônjuge sobrevivo altera-se para o estado de viúvo, no caso de
morte do outro cônjuge; ambos os cônjuges passam ao estado de divorciado no caso de
dissolução do casamento por divórcio.
O estado de viuvez inicia-se com a morte do outro cônjuge, verificada diretamente pela data
constante do assento de óbito ou indiretamente pela data presumível da sua verificação
declarada pelo tribunal. A partir desse momento cessam em relação ao cônjuge supérstiste os
direitos e deveres que decorriam do casamento.
a) Direito ao nome
O cônjuge viúvo conserva o direito ao uso do nome. Esse direito já vinha consagrado no Código
Civil, na vigência do qual a mulher conservava o direito de usar os apelidos do marido em caso
de viuvez e até passar a segundas núpcias (art. 1675.°).
O art. 36.°, n.° 1 do Código de Família prevê indistintamente que o marido ou a mulher adotem
o apelido do outro ou optem por um apelido comum de família. Por isso mesmo,
coerentemente, o n.° 3 do art. 36.° dispõe que, no caso de dissolução do casamento por morte
de um dos cônjuges, o cônjuge sobrevivo mantém o direito ao uso do nome, enquanto não
contrair novo casamento.
b) Vínculo da afinidade
O vínculo da afinidade, que liga o cônjuge aos parentes do outro, não cessa com a dissolução
do casamento por morte. É esta, como já vimos, a regra do art. 15.°, n.° 2 do Código de
Família. Este vínculo mantém-se mesmo que o cônjuge sobrevivo venha a contrair novas
núpcias.
Como vimos, há legislações que prevêem o prazo internupcial como impedimento impediente
e impõem um período durante o qual o cônjuge viúvo ou divorciado não pode voltar a casar
por razões de decoro social ou para evitar a sobreposição de presunções de paternidade em
relação à mulher casada.
Esse prazo não existe no Código de Família, pelo que nada obsta a que o cônjuge sobrevivo,
homem ou mulher, contraia novo casamento logo que dissolvido o anterior. Se tal acontecer,
deverá funcionar a regra citada no art. 165.° do Código de Família, que atribui a presunção de
paternidade ao marido do casamento celebrado em segundo lugar.
Também a lei não impõe qualquer limite quanto ao número de vezes que uma pessoa pode
contrair casamento, pelo que cada um pode voltar a casar quantas vezes quiser, desde que se
não verifiquem impedimentos legais.
d) Direitos em relação aosfilhos Quando estudamos as relações entre pais e filhos vimos
que a autoridade paternal é exercida em igualdade de direitos, deveres e responsabilidade
pelo pai e pela mãe.
Isto significa pois, que, no caso da morte do pai ou da mãe, cabem ao progenitor sobrevivo
todos os direitos e deveres que integram a autoridade paternal e que os pais detêm
relativamente aos seus filhos menores, quer quanto à pessoa destes quer quanto à
administração dos bens.
A morte dum dos progenitores vai assim levar a que ela recaia na totalidade sobre o outro
progenitor, mas no entanto, deve sempre ter-se em conta a natureza funcional da autoridade
paternal, que como vimos, impõe no art. 127.°, n.° 2 do Código de Família, que: «Os deveres e
direitos paternais devem ser exercidos no interesse dosfilhos e da sociedade.»
e) Obrigação de alimentos
Pode acontecer que o cônjuge sobrevivo não disponha de recursos para se manter pelo facto
de os bens do de cujus terem sido atribuídos post mortem a outros herdeiros ou legatários,
nem tenha direito a pensões de segurança social ou outros meios que lhe permitam sobreviver
com um nível de vida idêntico ao que mantinha durante a vigência do casamento.
Eventualmente, se o cônjuge viúvo carecer de alimentos estes podem vir a ser retirados dos
rendimentos dos bens deixados pelo falecido. Quando tal ocorre, estamos perante o
prolongamento do dever de assistência entre os cônjuges para além da dissolução por morte,
pois entendeu-se que o defunto se preocuparia com as condições de vida do cônjuge viúvo
depois da sua morte.
Este princípio vem expresso no art. 261.°, n.° 1 do Código de Família, nos termos do qual, em
caso de morte de um dos cônjuges ou do companheiro de união de facto judicialmente
reconhecida, o viúvo ou companheiro sobrevivo têm direito a ser alimentados pelos
rendimentos dos bens deixados pelofalecido.
Este princípio já vinha consignado no art. 2018.° do Código Civil. Este encargo recai sobre todo
o património que foi objeto da sucessão, deverá ser suportado pelos herdeiros na proporção
das respetivas quotas hereditárias e não pode exceder os limites destas. Este direito a
alimentos do cônjuge sobrevivo é designado como «apanágio do cônjuge viuvo».
O art. 75.° do Código de Família contém as regras aplicáveis à dissolução do casamento por
morte no seu aspeto patrimonial. Do confronto deste preceito com o do art. 80.°, que
estabelece os efeitos patrimoniais da dissolução por divórcio, fica claro o tratamento mais
favorável que a lei dá ao cônjuge viúvo.
a) Direitos e benefícios
O regime jurídico desta lei foi, como vimos, definido pelo Decreto n.° 38/08 de 19 de junho
(Diário da República, n.° 112) que estabelece no seu art. 6.° «Estão vinculados à Proteção
Social Obrigatória na condição de dependentes do segurado: a) o cônjuge ou pessoa em união
de facto.»
b) Direito sucessório
O cônjuge viúvo tem a qualidade de sucessível do de cujus em relação à sua herança, surgindo
na 4.a classe dos sucessíveis, conforme vem disposto no art. 2133.°, alínea d), do Código Civil.
Na legislação portuguesa atual tal situação está alterada, porquanto o cônjuge viúvo surge
como herdeiro sucessível, tanto na l.a como na 2.a classe dos sucessíveis, conjuntamente com
os descendentes e os ascendentes.
Pelo que dispõe o Código Civil ainda vigente, o cônjuge sobrevivo, no caso de não haver
descendentes ou ascendentes do de cujus, tem direito ao usufruto vitalício dos bens da
herança como legatário legítimo (art. 2146.°).
Além de que o cônjuge viúvo mantém o pleno direito a todas as deixas testamentárias
outorgadas pelo cônjuge pré-defúnto. As liberalidades não sofrem qualquer restrição, salvo as
que respeitem às reservas dos herdeiros legitimários.
c) Liquidação do património
No regime de separação de bens os patrimónios de cada cônjuge estão separados, mas pode
haver igualmente a necessidade de liquidação do passivo ou de divisão de bens adquiridos em
comum. A cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges opera-se em regra em duas
fases:
— liquidação do passivo;
Todas as dívidas a terceiros, comuns ou exclusivas, devem ser liquidadas. Em segundo lugar
são liquidadas as dívidas contraídas pelos cônjuges entre si.
Estes encargos são satisfeitos sucessivamente pela meação do devedor no património comum
e depois pelos bens próprios do devedor — art. 75.°, n.° 3 do Código de Família.
Uma vez liquidado o passivo, passa-se à partilha dos bens comuns e à determinação do
património pessoal de cada cônjuge, o qual é integrado pelos respetivos bens próprios e pelos
bens que passam a integrara sua meação. Como a palavra indica, a meação consiste no direito
a metade dos bens comuns do casal.
Importa distinguir entre a liquidação e partilha dos bens do casal e a liquidação e partilha
sucessória do património do de cujus. Esta liquidação e partilha pode ser realizada
conjuntamente no mesmo ato, mas uma coisa é a titularidade do direito do cônjuge sobrevivo
sobre os bens do dissolvido casal e outra é a titularidade dos direitos dos herdeiros ou
legatários aos bens do falecido.
Neste caso são aplicadas as regras da devolução sucessória e são chamados os herdeiros ou
legatários, entre os quais pode estar ou não incluído o cônjuge viúvo, e então estes são
chamados a receber os bens próprios e os bens que passem a integrar a meação do defunto.
Ao operar-se a partilha dos bens comuns, o cônjuge sobrevivo goza do direito de preferência
que lhe é concedido pelo art. 75.°, n.° 2 do Código de Família.
Esse direito de preferência consiste em poder integrar a sua meação sobre os bens
especificados na lei e que são:
b) os bens que tenham sido usados como instrumentos próprios ou comuns de trabalho.
Mais uma vez se entendeu que, dado o fim especial a que estão adstritos tais bens, e em
beneficio dos fins para que foi constituído o matrimónio e a sua correlação íntima com a
estabilidade da família, se deveria dar uma proteção especial na afetação desses bens,
beneficiando o cônjuge sobrevivo, que poderá preferencialmente querer que eles passem a
fazer parte da sua meação.
O direito de propriedade e de fruição de tais bens deve estar afeto a este cônjuge e, para que
ele não seja privado deles, concede-lhe a lei o direito de preferência sobre os demais herdeiros
do falecido.
Em todas as legislações se atende cada vez com maior atenção ao destino da residência
familiar depois de extinto o vínculo matrimonial.
Este princípio foi inserto no n.° 4 do art. 75.° do Código de Família, que atribui a transmissão
do direito ao arrendamento da residência familiar ao cônjuge sobrevivo, mas ressalvando que
essa transmissão se opera nos termos que foram fixados na lei. Esta, como é óbvio, é a lei civil
sobre o direito de arrendamento, onde se determinam os pressupostos legais de tal
transmissão do direito, como a efetiva convivência conjugal à data da morte do cônjuge titular
do arrendamento, ou outras que a lei entenda fixar.
Os efeitos da dissolução do casamento por divórcio são no geral idênticos aos da dissolução
por morte. Mas o art. 80.° exceciona alguns aspetos de natureza patrimonial que aplicam um
regime de desfavor à dissolução do casamento por divórcio.
Ao afastar a conceção do divórcio sanção e a declaração na sentença de divórcio de qual o
cônjuge culpado ou principal culpado, procurou-se desdramatizar o divórcio e impedir que se
exacerbassem os antagonismos entre os cônjuges, que muitas vezes faziam das ações de
divórcio litigioso uma verdadeira arena onde eram expostas as misérias físicas e morais de um
e de outro, produzindo sequelas de ódio recíproco irreversíveis.
Daí que o divórcio por mútuo acordo se revele uma forma menos desgastante das relações
pós-conjugais e torne possível que sejam os cônjuges a regular, por acordo, diversos efeitos
decorrentes da declaração do divórcio.
Mas estes artigos permitem que certos efeitos pessoais e patrimoniais deixem de processar-se
no caso de a sentença de divórcio fixar a data do fim da coabitação dos cônjuges em data
anterior à sentença. O fim da produção desses efeitos pode retrotrair-se à data em que cessou
a coabitação, quando tal for fixado na decisão que declarar o divórcio (arts. 81.°, n.° 2 e 82.°,
n.° 1).
A cessação da produção dos efeitos pessoais do casamento tem particular rele¬vância quanto
à presunção da paternidade dos filhos nascidos da mulher casada.
A cessação da produção dos efeitos patrimoniais faz-se sentir tanto quanto aos bens
adquiridos a título oneroso a partir da data do fim da coabitação, como quanto às dívidas
comuns que tenham como causa jurídica a satisfação dos encargos da vida familiar ou o
proveito comum do casal. Cessando a coabitação dos cônjuges e passando estes a viver numa
situação de separação de facto, já não pode proceder qualquer dessas causas que tornam
comunicáveis as dívidas. Entendemos que a data de propositura da ação de divórcio deve ser
tida em conta para efeitos patrimoniais, designadamente quanto à natureza das dívidas
contraídas por um só cônjuge.
Tendo em conta que a ação de divórcio pode vir a ser proposta meses ou anos após se ter
verificado a separação de facto entre os cônjuges e que o processo judicial se pode prolongar
por longo período, seria injusto que um dos cônjuges se viesse a aproveitar da atividade
desenvolvida pelo outro cônjuge sem a sua contribuição, ou que, ao invés, viesse a ser
prejudicado por dívidas de que não beneficiou.
A sentença que vier a declarar o divórcio e que fixar a data do fim da coabitação como a data
em que cessaram as relações de ordem pessoal e patrimonial entre os cônjuges, vai assim
produzir efeitos retroativos a essa data.
É o que vem disposto no n.° 2 do art. 82.° do Código Família e que está de acordo com a
natureza secreta do processo de divórcio, a que, em princípio, só os cônjuges têm acesso. Esta
disposição pode não ser aplicada em relação a terceiros que se prove terem conhecido a
existência do divórcio e que tenham agido intencionalmente em prejuízo de um dos cônjuges,
ou quando tenha havido concertação fraudulenta entre um dos cônjuges e terceiros, para
prejudicar o outro cônjuge.
a) Em relação ao nome
O direito ao uso do nome adquirido em razão do casamento, seja quanto ao apelido do outro
cônjuge, seja quanto ao nome comum da família, cessa totalmente quando se dá a dissolução
do casamento por divórcio — art. 36.°, n.° 2 do Código de Família.
No Código Civil (art. 1675.°) era a mulher que perdia o direito ao uso do nome do marido, pois
só esta podia optar pelo uso do apelido deste. Mas hoje a situação é recíproca quer quanto à
aquisição do direito ao uso do nome por parte de ambos os cônjuges quer quanto à perda
desse direito em razão da dissolução do casamento por divórcio.
A nossa lei não prevê que um dos cônjuges, geralmente a mulher divorciada, continue a usar o
apelido adotado em razão do casamento, como acontece noutros sistemas jurídicos.
b) Vínculo da afinidade
Depois da discussão popular de que foi objeto o projeto de Código de Família, ficou a constar
do art. 15.°, n.° 2, como já referimos, que o vínculo da afinidade se mantém mesmo para além
da dissolução do casamento.
Aliás, o impedimento matrimonial fundado no vínculo da afinidade em linha reta irá sempre
perdurar, mesmo que dissolvido o casamento, como constava do texto do projeto.
Permanecem assim todos os efeitos já referidos e que derivam da existência deste vínculo.
Como já dissemos, é o principal efeito que deriva da dissolução do casamento por divórcio e
ele pode ser exercido após o trânsito em julgado da sentença do divórcio. Operado o trânsito
da sentença, qualquer dos cônjuges pode voltar a casar sem ter que aguardar por qualquer
prazo intemupcial, que o nosso Código de Família não estabelece. A nossa lei também não
estabelece limites no número de vezes em que se pode obter o divórcio, nem proíbe os
cônjuges que se divorciaram de se voltarem a casar.
Caso a mulher que obteve o divórcio venha a contrair casamento logo após a dissolução do
anterior e venha a haver conflito de presunções de paternidade quanto a filho que venha a
nascer nos 300 dias após a dissolução do casamento, é chamada a regra contida no art. 165.°
do Código de Família, que atribui a presunção de paternidade ao marido do casamento
celebrado em segundo lugar.
No caso de divórcio, importa ainda reter o facto de que o prazo de 300 dias de presunção de
paternidade do marido do casamento anterior se conta, não do trânsito em julgado da
sentença, mas da data do fim da coabitação do casal, caso esta conste da sentença.
Os direitos e os deveres dos pais em relação aos filhos não se alteram pelo facto do divórcio,
pois o direito-dever de velar, manter e educar os filhos menores mantém-se em relação aos
progenitores, seja qual for o estado civil destes.
Como já referimos, para as relações entre pais e filhos não releva, segundo o Código de
Família, o facto de os pais serem ou não casados entre si, mas sim o de coabitarem ou não.
Sem embargo de se manterem os direitos dos pais sobre os filhos, quer após o divórcio quer
após o fim da coabitação, a verdade é que, na generalidade dos casos, é sobre os filhos que
mais negativamente se refletem os seus efeitos.
Cessando a coabitação dos cônjuges, a autoridade paternal deixa de poder ser exercida em
comum pelo pai e pela mãe, passando a ser exercida em separado (art. 148.°, n.° 1 do Código
de Família).
Como já foi referido, os pais podem chegar a acordo sobre o exercício em separado da
autoridade paternal, mas esse acordo deve sempre ter em conta os interesses do menor e a
melhor garantia da sua educação e desenvolvimento. Se os pais estabelecerem o acordo sobre
o exercício da autoridade paternal, definindo os direitos de cada um deles ao convívio pessoal
com os filhos, a obrigação de cada um referente aos alimentos do menor, a forma de
intervenção e decisão sobre as questões mais importantes da vida dos filhos, etc., o tribunal
deverá examinar esse acordo e homologá-lo quando entenda que ele satisfaz os interesses do
menor — art. 109.°, n.° 1 do Código de Família. Esse acordo pode ser obtido quer durante a
ação de divórcio quer dentro de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença que declara o
divórcio — art. 109.°, n.° 2.
Quis-se, deste modo, fazer a distinção entre o comportamento dos cônjuges entre si, e nessa
recíproca qualidade, e a conduta de cada um deles para com os filhos, na sua qualidade de pai
ou mãe.
Estas decisões judiciais são suscetíveis de ser alteradas sempre que se modi¬ficarem as
circunstâncias em que se fundamentaram (art. 161.° do Código de Família), pois são decisões
proferidas em processo de jurisdição voluntária e mais no espírito de uma decisão graciosa
que obtenha, para o caso concreto em análise, a melhor solução.
f) Direito a alimentos
A atribuição do direito a alimentos entre cônjuges divorciados vem prevista no art. 111.° do
Código Família, e é recíproca em relação ao marido e à mulher. O art. 262.° do Código de
Família vem reconhecer o direito a alimentos entre ex-cônjuges, dizendo que esse direito será
exercido nos termos do art. 111.°. Procura-se por esta forma que, após a dissolução do
casamento, o cônjuge menos favorecido economicamente mantenha um nível de vida
equivalente àquele que tinha.
Os critérios de atribuição do direito a alimentos são, de acordo com este art. 111.°, os que
dizem respeito à situação social e económica dos cônjuges, à necessidade de educação dos
filhos e às causas do divórcio.
O que sopesará na decisão a tomar pelo tribunal é a questão de saber se o cônjuge divorciado
que vai receber alimentos está ou não a carecer deles para manter a sua sobrevivência em
condições económico-sociais idênticas às que tinha durante a vigência do casamento, por não
ter recursos próprios nem capacidade profissional para os angariar.
Em regra é a mulher que ocupando-se do trabalho doméstico e da criação dos filhos e dos
cuidados a ter com outros membros do agregado familiar, deixa de ter uma carreira
profissional em que possa progredir, e que fica em situação desvantajosa aquando da rutura
da relação conjugal.
E haverá ainda que ponderar o interesse pela educação dos filhos a impor que um dos ex-
cônjuges, em geral a mãe, se mantenha a cuidar deles provendo às suas necessidades diretas
de cuidados com a alimentação, vestuário, habitação e outras.
A causa ou causas de divórcio, que ainda melhor explicitaremos, também devem ser atendidas
na atribuição do direito a alimentos.
As decisões sobre alimentos a ex-cônjuges estão sujeitas a alteração, como aliás todas as
decisões sobre obrigações alimentícias, como prescreve não só o art. 111.°, n.° 2 mas também
o art. 257.°, n.° 1 do Código de Família.
A cessação da obrigação de alimentos entre ex-cônjuges, que veremos adiante, vem prevista
no art. 263.° do Código de Família, e opera-se quando o ex-cônjuge contraia novo casamento
ou constitua nova união de facto, e bem assim quando se verifique grave atentado contra a
vida ou contra a honra do obrigado.
Os efeitos quanto à partilha de bens comuns e liquidação do passivo são no geral inteiramente
idênticos aos da dissolução do casamento por morte.
Tal como neste caso, deixa de haver património comum e cada cônjuge passa a ter a
titularidade dos seus bens próprios.
A partilha de bens ocorre quando o casamento tenha sido celebrado segundo o regime de
comunhão geral de bens ou o regime de comunhão de adquiridos. Se o regime económico
adotado no casamento for o da separação de bens, não há que proceder à partilha de
quaisquer bens, salvo se se tratar da divisão de bens havidos em regime de compropriedade.
Antes de receber a sua meação, cada cônjuge deverá conferir o que deve ao património
comum ou ao outro cônjuge.
São liquidadas em primeiro lugar as dívidas para com terceiros e depois as dívidas dos
cônjuges entre si, cessando a moratória legal.
Satisfeito o passivo, é então dividido em duas partes iguais o que restar dos bens comuns,
como estabelece o n.° 3 do art. 75.°, aplicável por força do art. 80.°, ambos do Código de
Família.
A cada cônjuge é igualmente atribuída a titularidade dos seus bens próprios que
eventualmente tenham estado sob administração ou usufruição do outro cônjuge.
A diferença que a lei estabelece entre a dissolução por morte e por divórcio, reside em que,
neste último caso, nenhum dos cônjuges tem direito de preferência sobre certos bens comuns,
como vem mencionado no n.° 2 do art. 75.° quanto aos bens usados na vida do lar ou como
instrumento próprio ou comum de trabalho.
c) Perda de benefícios
Hoje, o Código de Família, ao dar preferência à conceção de uma causa genérica única como
fundamento do divórcio, já não procura culpabilizar os cônjuges para daí tirar consequências
patrimoniais. No entanto, o art. 80.°, alínea c) menciona que a dissolução do casamento por
divórcio faz perder os benefícios recebidos em razão do casamento.
Importa fixar o alcance desta disposição e o seu âmbito de aplicação, tendo em conta que o
conceito de divórcio sanção foi afastado enquanto fonte geradora de consequências de
natureza patrimonial.
Em primeiro lugar, podem mencionar-se as doações efetuadas ao cônjuge pelo outro cônjuge
ou por terceiros, antes ou depois da vigência do casamento, mas em razão do matrimónio.
Igualmente se devem englobar as deixas testamentárias feitas com a mesma finalidade pelo de
cujus.
No conceito de benefícios podem ainda incluir-se os prémios de seguros ou outra forma de
prémios, pensões ou subsídios atribuídos a um dos cônjuges, ou por designação do outro
cônjuge ou por via de disposição legal.
Como benefício social podemos indicar, a título de exemplo, o direito a uso de passaporte
diplomático, o direito de usufruir de direitos associativos ou institucionais de pessoas coletivas
públicas ou privadas de que o outro cônjuge fosse membro, etc..
Interessa agora definir como se opera a perda de benefícios que vem prevista na lei. Aqui
haverá que distinguir duas situações distintas. Se o benefício patri¬monial adveio de ato de
vontade do outro cônjuge ou de terceiros, entendemos que a perda dessa liberalidade não se
opera ex oficio pela simples declaração do divórcio.
Será necessário que o cônjuge ou o terceiro que fez atribuição de liberalidade venha revogá-la
por ato expresso, pois a declaração do divórcio não leva desde logo a entender que a vontade
anterior que levou à prática do ato de liberalidade tenha deixado de existir.
O ex-cônjuge ou o terceiro que a outorgou pode até estar interessado em manter o benefício
concedido ao ex-cônjuge. A perda do benefício deve, pois, resultar de um ato de vontade do
autor da liberalidade.
Já quando o benefício ou o direito resulte de disposição legal ou estatutária que seja atribuída
ao outro cônjuge como tal, é manifesto que, perdida a qualidade de cônjuge, desaparecerá
ipsofacto, obrigatoriamente, o direito a esses benefícios.
Extinto o matrimónio, cessa o direito-dever de coabitação dos cônjuges, que passam a viver
em habitações separadas. O direito à habitação da residência familiar é hoje um valor
económico e social de acentuado realce, que é protegido na maioria dos sistemas jurídicos.
Nestes últimos casos, o tribunal pode atribuir o direito ao arrendamento ao cônjuge que não
seja proprietário e mandar constituir um contrato de locação forçada entre o ex-cônjuge
proprietário e o ex-cônjuge que passa a ocupar a posição de locatário.
É um direito que, inter-partesy tem de ser discutido no âmbito das relações patrimoniais dos
cônjuges e que, nas relações com terceiros, requer a intervenção obrigatória do marido e da
mulher conjuntamente, dado ser um bem que só por ambos pode ser alienado. Da mesma
sorte, em todas as ações em que se discuta o direito ao arrendamento ambos os cônjuges têm
que ser chamados a juízo, sob pena de ilegitimidade, quer os cônjuges sejam autores quer
sejam réus, como atrás referimos.
Os cônjuges podem dirimir entre si esta questão por via de acordo, dada a sua natureza
patrimonial, solução que é obrigatória nas ações de divórcio por mútuo acordo (art. 85.°,
alínea c) do Código de Família) e facultativa nas ações de divórcio litigioso. Podem ainda deixar
que o tribunal decida a questão quando esta lhe for posta — art. 104.°, n.° 1, alínea c), dentro
dos parâmetros do art. 110.° do Código de Família.
De acordo com os parâmetros previstos neste art. 110.°, o tribunal, ao operar uma atribuição
preferencial do direito à residência familiar a um dos cônjuges, deve ter em conta:
c) as causas do divórcio.
Nas condições de vida dos cônjuges estão incluídas as de natureza profissional, económica e
até social.
Nas condições de natureza profissional podem incluir-se o local de trabalho, ou o facto de ser
exercida atividade profissional na residência familiar.
Nas condições económicas, inclui-se, por exemplo, na maior ou menor solvabilidade de um dos
cônjuges; nas condições sociais poderá atender-se ao facto de o cônjuge ter no local outros
membros da sua família, de desenvolver atividade relevante na área de residência, etc..
Em segundo lugar, há que atender ao interesse dos filhos do casal, o que representa, em
última análise, determinar a qual dos progenitores deve ser feita a entrega da guarda dos
filhos, para, em razão disso, atribuir a esse progenitor o direito de permanecer na residência
familiar.
Em terceiro lugar, a lei refere que o tribunal, ao fazer a escolha sobre qual dos dois cônjuges
justifica a atribuição da residência, deverá ponderar sobre as causas do divórcio. De novo a lei
faz menção às causas do divórcio, como já o fez em relação ao direito de alimentos.
Vimos já que as causas do divórcio são, em concreto, os factos apurados no caso subjudice e
que foram considerados como fundamento da declaração do divórcio, por serem os factos que
estão na origem da causa genérica que se consubstanciou na deterioração completa e
irreversível do vínculo conjugal. O fundamento para a decretação da dissolução do casamento
é efetivamente este ter deixado de cumprir o fim pessoal e social para que ele foi constituído,
ou seja, como diz a lei «terperdido o seu sentido».
Mas para certos efeitos esses factos têm que ser apurados tendo em conta cada caso
concreto, para se decidirem questões com consequências na vida pós-conjugal de cada um dos
ex-cônjuges, e tiver cessado a vivência comum, designadamente quanto aos encargos gerais
da vida familiar e a coabitação.
O julgador terá que sopesar as condutas de cada cônjuge relativamente aos seus deveres
conjugais e a sua contribuição para a dissolução do vínculo, em questões que se vão colocar,
tais como o direito a alimentos e o direito à residência familiar.
«Na questão do divórcio a lei também atribui relevo, mesmo que seja para fins meramente
patrimoniais, à responsabilidade pelafalência do matrimónio e a indagação respetiva deve ter
em vista sobretudo as causas de irreversabilidade da desagregação da comunhão material e
espiritual da família, que constitui a destruição de uma relação inter-pessoal de caráter tão
absoluto como é o vínculo matrimonial, o ordenamento não pode ficar inerte no que diz
respeito à valoração das causas que levaram à sua destruição, apreciando-o não como um
simples fenómeno, mas ainda no que diz respeito à sua imputabilidade. Muito embora a
responsabilidade dos cônjuges pela falência do matrimónio não possa ser reconduzida ao
paradigma da culpa em sentido técnico, porque a lei prescinde dela, é, por outro lado, inegável
que as relações conjugais, pelo seu caráter eminentemente pessoal, se estruturam em regras
morais de comportamento. Por isso mesmo, quando a transgressão a tais regras for verificada,
ela deve ser levada a débito do cônjuge e, consumada a rutura, é inevitável que se proceda a
um balanço das respetivas responsabilidades imputáveis a cada um dos cônjuges».
Ao indicar os critérios que deverão nortear o tribunal na sua decisão, o art. 110.° do Código de
Família não dá prioridade a um em relação aos outros, e todos devem ser tidos em conta na
sua globalidade.
O art. 75.° deste Decreto refere-se à situação patrimonial dos cônjuges, às circunstâncias de
facto relativas à ocupação da casa, aos interesse dos filhos, à culpa do arrendatário e ao facto
de o arrendamento ser anterior ou posterior ao casamento, como critérios que o juiz, ao
decidir, deve tomar em conta.
Na sua essência, estes indicativos não diferem substancialmente dos que vêm contidos no art.
110.° do Código de Família.
O tribunal deverá ter em conta todas as questões pertinentes e tomar uma decisão segundo
um juízo de equidade.
Existe já jurisprudência dos nossos tribunais sobre esta questão, a qual, dados os prementes
problemas de habitação que se põem nos nossos centros urbanos, se vai revestindo de uma
cada vez maior acuidade.
Quanto ao pedido de atribuição da residência familiar, já se decidiu que ele deve ser
formulado na pendência da ação de divórcio e não em ação proposta perante o extinto
Tribunal de Menores (Acórdão do Tribunal Supremo de 26 de julho de 1990); que o pedido
pode ser feito na pendência de ação de divórcio, e que, se nada tiver sido decidido ou
acordado pelos cônjuges, deverá ser operado em processo de inventário e partilha dos bens
do dissolvido casal (Acórdãos do Tribunal Supremo de 19 de outubro de 1990 e de 6 de
setembro de 1991, respetivamente).
Não está previsto na lei como se deve proceder, caso a residência familiar seja bem comum do
casal, compensando o cônjuge que fique sem o uso e fruição do direito à habitação.
Na partilha dos bens do casal há sempre que ter em conta que o cônjuge que ficou sem direito
à residência familiar deve ser compensado no seu património por um valor equivalente,
sempre que a capacidade patrimonial dos cônjuges tal permita.
Mas esse entendimento não é seguido em muitos sistemas jurídicos que defendem o direito
da vítima do divórcio a ser indemnizada pelos danos morais sofridos. Já a subsistência material
de um dos cônjuges no período pós-divórcio é questão que vem prevista em diversas leis, que
procuram permitir ao cônjuge divorciado que ficar em situação económica desvantajosa
manter o nível de vida que tinha durante a vigência do casamento.
Com uma nova visão de que o divórcio se não baseia na pesquisa da culpa e na atribuição de
«penas espiatórias» para o cônjuge dado como culpado, procura-se encontrar formas de
garantir que, após a dissolução do casamento, cada ex-cônjuge possa continuar a sua vida sem
grandes ruturas no aspeto económico.
Quanto à forma como se opera a partilha dos bens do casal, ela depende de haver ou não
acordo entre os cônjuges.
Ela pode efetivar-se por via extra-judicial e constar de escritura pública, caso existam bens
imobiliários, cotas sociais, etc. quando a transmissão desses direitos ou bens dependa dessa
forma legal, ou por via de inventário judicial, que correrá por apenso ao processo de divórcio,
depois do trânsito em julgado da respetiva sentença quando não haja acordo.
Nas ações de divórcio por mútuo acordo, o art. 89.°, alínea c) prevê que no requerimento
inicial os cônjuges juntem «a relação especificada dos bens próprios e dos bens comuns».
Desta forma, ao fazer essa relação, os cônjuges devem indicar todos os bens, definindo qual a
sua natureza, não podendo com credibilidade vir, a posteriori, alegar pretensas omissões nessa
relação.
CAPÍTULO 17.0
A UNIÃO DE FACTO
A união de facto consiste na convivência sexual comum entre um homem e uma mulher como
se de marido e mulher se tratasse, sem a existência de um casamento formalizado. Na sua
essência, a união de facto encerra uma vivência de caráter duradouro entre um homem e uma
mulher segundo 0 figurino marital, o que significa que entre eles se estabelece comunhão de
cama, mesa e habitação {quod thorum, mensam et habitationem), sem que, todavia, tenham
entre si celebrado casamento.
Como situação de facto que é, pressupõe uma continuidade no tempo que a torna relevante
no meio social e que, consequentemente, não pode ser ignorada pelo direito.
Se é certo que a união de facto, a união não formalizada, foi desde os pri¬mórdios da
humanidade a forma de constituição da família natural, como vimos a propósito da evolução
histórica do instituto do casamento, também é verdade que, nos séculos mais recentes, e
graças à influência do cristianismo, se procurou favorecer o casamento como forma
privilegiada e até única de constituição da família.
Ao invés, acontece em alguns países que o casamento religioso não produz efeitos civis, sendo,
por isso, irrelevante.
No direito francês, onde a união é designada como «união livre», o princípio de liberdade
sexual permitida entre cidadãos de maior idade leva à sua admissão como um fenómeno à
margem do casamento, caraterizado pelo facto de existir uma certa estabilidade de vida em
comum que subsiste enquanto tal for da vontade livre dos companheiros e que, portanto,
pode ser livremente interrompida. Quando um casal vive perante a sociedade como sendo
casado sem o ser, é designado como «faux ménage». A união livre pode produzir efeitos
patrimoniais, designadamente quando foi desenvolvida atividade económica comum, no
direito à partilha de bens e no direito à residência comum, e é reconhecida como produtora de
efeitos na legislação social, tornando os benefícios extensíveis ao companheiro do respetivo
titular.
De igual modo, nos Estados Unidos da América alguns Estados adotaram, recentemente, leis
que regulam a designada «Domestic Partnership» (companhei¬rismo doméstico), as relações
entre companheiros da união de facto, e que permitem a celebração de «contratos de
coabitação», que regulem as relações de convivência marital entre duas pessoas adultas e
disponham sobre os direitos e obrigações recíprocas, estabelecendo normas de caráter
patrimonial para o caso do fim da relação, no que diz respeito à compensação indemnizatória,
partilha de bens, etc..
No direito de países africanos como Cabo Verde está previsto o reconhecimento da união de
facto dentro de determinadas condições legais. Permite o art.01712.° do Código Civil, de Cabo
Verde, que a a união de facto seja reconhecida registralmente quando o homem e a mulher
tenham vivido em comunhão de cama, mesa e pelo período mínimo de três anos, e que ambos
os requerentes sejam maiores de 19 anos, não existam impedimentos matrimoniais e que a
vida comum garanta a estabilidade, unicidade e seriedade próprias do casamento. Quando
haja um ou mais descendentes comuns do casal não é exigido o período mínimo de
convivência.
Na legislação vigente em Macau os art.° 1471.° e 1472.° do Código Civil releva a adoção da
união de facto como convivência voluntária de duas pessoas, maiores de 18 anos, que
convivam depois da maior idade, pelo prazo de dois anos. Este prazo só contado no caso de
algum dos conviventes ser casado apartir da sua separação de facto e desde que não haja
outros impedimentos matrimóniais.
Uma vez reconhecida a união matrimonial, a sentença produz efeitos retro¬ativamente desde
a data do seu início.
A primeira menção à união de facto no direito angolano foi feita na Lei n.° 7/80, de 27 de
agosto, a Lei da Adoção e Colocação de Menores. No art. 5.° desta Lei dá-se à união de facto
estabelecida entre homem e mulher com caráter permanente e exclusivo relevância jurídica
idêntica à do casamento. O casal que vivesse em união de facto nas condições previstas nessa
Lei tinha a capacidade de operar a adoção dupla de um menor, situação que se mantém no
Código de Família atual.
No Relatório que antecedeu o projeto do Código de Família dizia-se a propósito (fls. 11): «A
união defacto é a união entre um homem e uma mulher com o fim de fazerem vida comum,
distinguindo-se do casamento apenas por não haver formalização ou legalização da união.»
Foi de acordo com esta diretriz legislativa que o instituto da união de facto veio a ser
consagrado no Código de Família e mencionado nos princípios fundamentais como uma das
formas de constituição da família, sendo-lhe consagrado todo o título IV do Código.
A Lei Constitucional cuja revisão foi completada pela Lei n.° 23/92, dc 16 de setembro,
consagra no seu art. 29.°, n.° 1 o princípio de que a família tem direito à proteção do Estado,
quer se funde em casamento quer em união dc facto, dando assim pela primeira vez
consagração constitucional a esta forma de constituir família.
A consagração legal da união de facto vem sendo acentuada em todo o sistema jurídico
angolano. A recente Lei das Sociedades Comerciais, Lei n.° 1/04, de 13 de fevereiro, nas suas
Disposições Finais e Transitórias, art. 525.° dispõe: «Sempre que nesta lei, se faça referência a
cônjuge deve entender-se que a expressão é extensiva aos companheiros da união de facto,
ainda que não reconhecida». Ora os poderes de representação conferidos aos cônjuges do
sócio são múltiplos, como já referimos.
Em muitos países africanos é usado tal procedimento, designadamente naqueles em que ainda
prevalecem vários estatutos de direito pessoal, coexistindo o direito costumeiro a par do
direito escrito positivo.
Em países como o Senegal e a Côte d’Yvoire a lei veio permitir que os cônjuges viessem
registar a sua união de facto ou união livre, declarando a data em que ela tinha sido iniciada e,
por via desse registo, foram regularizadas grande número dessas uniões.
A República da África do Sul aprovou a Lei n.° 120/1988 do Reconhecimento do Direito
Costumeiro que entrou em vigor em 15 de novembro de 2000. O direito costumeiro é definido
como os usos e costumes dos povos indígenas africanos. Esta lei especifica os requisitos de
validade do casamento segundo o direito costumeiro, o respetivo registo, determina a
igualdade de estatuto e capacidade dos esposos, o regime económico, a dissolução do
casamento e alteração do regime do casamento do direito costumeiro para o regime do direito
escrito, prevendo disposições regulamentares complementares à lei.
Na verdade, não há inteira sobreposição entre o conceito de união de facto, tal como vem
recortado no Código de Família, e o casamento segundo o direito costumeiro. A caraterística
fundamental da união de facto é a voluntariedade, o que significa que a união de facto se
constitui pela vontade comum de ambos e pode terminar pela vontade de um só,
unilateralmente.
Já no casamento tradicional há regras estritas que devem ser cumpridas por parte dos
familiares e pelo próprio casal e que se referem à celebração do acordo de casamento, à sua
manutenção e dissolução. Em regra, a mulher não é chamada a expressar o seu consentimento
quando é constituído o compromisso do casamento.
Em termos gerais, pode dizer-se que, quando tal for a vontade de ambos os companheiros,
homem e mulher, e uma vez preenchidos os pressupostos legais, nada impede, no nosso país,
que a grande maioria das uniões de facto sejam reconhecidas e formalizadas ao abrigo da nova
lei.
Há, pois, que distinguir entre a união de facto e a convivência dentro do mesmo agregado
familiar de diversas pessoas que vivem sob o mesmo teto. É a convivência como marido e
mulher que define a união de facto como tal.
Perante uma determinada união de facto, duas situações distintas podem ocorrer: ou ela
preenche os pressupostos previstos na lei, e nesse caso a união de facto é suscetível de ser
reconhecida, ou não os preenche e então ela não poderá ser reconhecida, sem embargo de
poder produzir determinados efeitos legais, e como tal ser atendida pela lei.
Importa ainda realçar que, enquanto perdura a união de facto, ela só é suscetível de ser
reconhecida quando tal for a vontade dos dois companheiros. E isto pela razão evidente de
que ninguém, contra a sua vontade, pode ver transformada a sua união de facto não
formalizada num ato equiparado ao casamento e produzindo
E este é, sem dúvida, o efeito mais relevante que o novo instituto passou a ter no meio social,
permitindo que, aquando da rutura, a vivência anterior, querida por ambos, venha a produzir
efeitos e não seja ignorada pela ordem jurídica.
O fim da convivência mútua marca, no entanto, a definição dos direitos adquiridos durante ela
pelos companheiros, os quais advêm para cada um deles a partir do momento da rutura por
via do reconhecimento de que essa união existiu e, embora extinta, se considera juridicamente
relevante para produzir os efeitos previstos na lei.
Os pressupostos legais impostos na lei para o reconhecimento da união de facto são os que
vêm expressos no art. 113.°, n.° 1 do Código de Família:
— a singularidade da união.
A coabitação marital, cujo conteúdo jurídico já foi definido, pressupõe a comunhão de cama,
mesa e habitação, com a criação de laços de interdependência afetiva, social e económica
entre companheiros.
A união de facto revela-se como tal e ainda perante terceiros, pois consiste numa realidade
percetível no meio social onde se insere.
Se houver uma relação de amantismo sem coabitação comum não se configura a união de
facto.
O tempo mínimo de coabitação comum é de três anos consecutivos, ou seja sem soluções de
continuidade. É a natureza estável da união e a sua perduraçáo no tempo, que é tomada em
conta para ser operado o reconhecimento.
É exigida ainda a capacidade matrimonial do homem e da mulher, o que implica que ambos
tenham capacidade para contrair casamento em geral e também que entre eles não existam
impedimentos dirimentes relativos.
Compreende-se que se trate de uma condição sinequa non do reconhecimento, dados os
efeitos que a lei atribui à união de facto e que correspondem aos do próprio casamento. Seria
incompatível com matéria imperativa da lei fazer produzir efeitos próprios do casamentos à
união em que se verificassem causas de incapacidade matrimonial.
Exige ainda a lei que a união de facto seja exclusiva, o que implica que ela seja singular, de um
único homem com uma única mulher. Tal reflete a aceitação do princípio da monogamia, que
é fundamental ao instituto do casamento e, consequentemente, ao instituto da união de facto
reconhecida.
O que é importante ter em conta é que, para que se opere o reconhecimento da união de
facto, não é imprescindível que durante toda a sua vigência se configurem os pressupostos
legais do reconhecimento relativos à capacidade matrimonial, ao mútuo consenso e à
singularidade.
Designadamente, ela pode ser iniciada não tendo a mulher idade púbere, ou sendo um dos
companheiros casado com outrem, sem ter havido consentimento inicial, etc.. Mas se, a partir
de determinado momento, tanto o homem como a mulher passaram a ter capacidade
matrimonial ou passaram a aceitar voluntaria¬mente a união, contar-se-á a partir de então o
prazo de três anos necessário para que se produza o reconhecimento.
O mesmo pode acontecer em relação à singularidade, pois a união de facto pode ser de início
não singular (como, por exemplo, quando há poligamia) e passar, a certa altura, a ser singular,
o que permitirá o seu reconhecimento em tempo oportuno.
O formalismo a usar neste caso vem descrito no art. 116.° do Código de Família. Trata-se de
um processo administrativo em que será necessário provar primeiramente, tal como no
processo de casamento, a capacidade matrimonial dos companheiros de união de facto, além
de ter de se provar cumulativamente a singularidade da união e sua duração ao longo de três
anos.
Para a prova destes pressupostos legais estabelece o art. 116.°, n.° 2 que poderão ser
oferecidas testemunhas ou documento emitido pelo órgão da administração local. O que
interessa é que, ou junto da conservatória onde corre o processo, ou junto do órgão da
administração local da área de residência do casal, seja feita a prova de que os interessados
conviveram em exclusividade, como marido e mulher, durante pelo menos três anos, sem
interrupção.
O n.° 3 do art. 116.° prevê que os interessados venham declarar o regime de bens por que
optam. À semelhança do que vem previsto no n.° 3 do art. 29.° sobre a declaração inicial para
casamento, esta declaração não é de caráter obrigatório, mas facultativa, pois se os
interessados nada disserem deve aplicar-se a regra supletiva geral do art. 49.°, n.° 3, ficando a
união de facto reconhecida sujeita ao regime económico da comunhão de bens adquiridos.
Ao processo de reconhecimento da união de facto por mútuo acordo são aplicáveis
subsidiariamente as disposições respeitantes ao processo de casamento, isto quanto à fase
preliminar de iniciação do processo: juramento por parte dos companheiros da união de facto
sobre a não existência de impedimentos, possibilidades de ser deduzida oposição, etc..
Uma vez reconhecida a união de facto, ela produz todos os efeitos próprios do casamento,
mas com retroatividade à data do início da união. Mas tão só a partir do momento em que se
tenham dado como verificados os três pressupostos legais.
Estes efeitos retroativos vão ser especialmente relevantes para os filhos nascidos da união de
facto, cuja filiação em relação a ambos os progenitores fica desde logo estabelecida (art. 163.°
do Código de Família), mas ainda quanto aos efeitos patrimoniais, designadamente quanto ao
direito sobre bens comuns.
Poderá questionar-se se, não havendo celebração, ao contrário do que acontece com o
casamento, será de aplicar-se o que consta do art. 36.°, n.° 1 do Código de Família quanto à
adoção de apelidos ou de nome de família.
Cremos que, formalmente, tal não vem previsto na lei, mas não repugna aceitar que esta
declaração seja feita no requerimento que inicia o processo de reconhecimento, o que poderá
vir a constar do diploma que vier regulamentar a matéria no quadro das normas do registo
civil.
Por fim, dispõe o art. 121.° que o reconhecimento da união de facto está sujeito a anulação,
nos termos gerais previstos para a anulação do casamento.
Os termos em que pode ser operada a anulação do casamento são os que constam do art. 65.°
e seguintes do mesmo Código.
A aplicação das regras relativas à anulação do casamento tem que ser feita com as necessárias
adaptações, pois, havendo um período de coabitação mínima de três anos, não poderá ser
invocado o erro, quando é certo que a existência deste vício tem que ser alegada dentro do
prazo de dois anos após a celebração do casamento — art. 70.°, alínea b) do Código de Família.
Também não poderá ser invocada a falta de requisitos formais, que não tem cabimento no
reconhecimento da união de facto feito por via administrativa. A falta ou vício de vontade,
para ser fundamento da anulação do reconhecimento da união de facto, tem que respeitar ao
momento da formulação do requerimento.
Não se quis, porém, deixar de prever na lei esta forma de reconhecimento por mútuo acordo,
deixando ao critério dos interessados optarem por esta via
quando entenderem que ela acautela melhor os seus interesses, designadamente pela
produção de efeitos retroativos nos termos previstos na lei.
O aspeto de maior relevância trazido pelo Código de Família relativamente a este instituto é
precisamente o de a união de facto poder vir a ser reconhecida depois de ter cessado.
A cessação da união de facto pode dar-se, tal como a dissolução do casamento, pela morte de
um ou de ambos os companheiros, e ainda pelo facto da rutura da união. A rutura é um ato
voluntário que será um ato unilateral se partir de um só dos companheiros, e será um ato
bilateral se resultar da vontade de ambos. Como apontámos, o traço dominante da união de
facto é o de ela assentar na voluntariedade, e ser o resultado da vontade dos dois de
permanecerem no quadro da união não formalizada. Quando qualquer deles quiser pôr termo
à união de facto, esta terá o seu termo igualmente de forma desprovida de formalismos.
A grande diferença trazida pelo Código de Família é a de que, como já vimos, após o fím da
união de facto é possível ela vir a ser reconhecida para vir a produzir efeitos a posteriori, quer
em relação aos filhos, quer de natureza patrimonial.
Pelo largo número de efeitos que advêm do reconhecimento da união de facto, o Código de
Família impõe que ele se opere por via judicial. Exige-se que seja o tribunal, através de uma
ação própria, proposta para o efeito, a proferir uma sentença por via da qual se declare ter
existido entre A e B, determinado homem e determinada mulher, uma situação jurídica de
união de facto.
O reconhecimento por via judicial é aplicável, quer no caso de morte em que falta a vontade
do companheiro que faleceu para manifestar o seu acordo ao reconhecimento, quer no caso
de rutura quando se tenha gerado uma situação de dissídio entre ambos os companheiros.
Tem que ser feito em processo específico que determine e reconheça que a união de facto
existiu durante determinado lapso de tempo e que cessou, além de se pronunciar sobre a
verificação dos pressupostos legais mencionados no art. 113.°, n.° 1 do Código de Família.
A legitimidade para a propositura da ação vem expressa no art. 123.° do Código de Família e é
atribuída unicamente aos respetivos interessados ou aos seus herdeiros no caso de morte
destes.
2. Em caso de rutura — a ação pode ser proposta por qualquer dos companheiros da
união de facto, ou pelo respetivo representante legal, no caso de incapacidade — art. 123.°,
alínea a) do Código de Família.
No caso de morte transmite-se aos herdeiros do companheiro falecido o direito de ação, que
irá permitir que se opere o reconhecimento posterior da união havida. Embora o direito de
família seja, no fundamental, como se disse, um direito de natureza pessoal, a lei reconhece
em certos casos excecionais a transmissão não do exercício do direito em si, mas a do direito
de ação que se irá repercutir na esfera jurídica dos herdeiros do titular desse direito.
A lei salvaguarda não só o direito da propositura da ação por parte dos herdeiros do
interessado mas também o direito de estes prosseguirem na ação no caso de vir a falecer o
companheiro que propôs a ação ou contra quem a ação for proposta.
O art. 124.° do Código de Família prevê que a ação de reconhecimento da união de facto deve
ser proposta dentro do prazo de dois anos, sob pena de caducidade, prazo este que é do
conhecimento oficioso do tribunal — art. 333.°, n.° 1 do Código Civil.
Pode verificar-se que no Código de Família se consagra, em regra, o prazo de dois anos para o
exercício de determinados direitos de ação, embora noutros casos seja até fixado o prazo de 1
ano, quando se entende que há que preservar com prevalência a situação jurídica anterior.
O prazo de dois anos é contado a partir do fim da união, pelo que, se ela findou por morte de
um dos companheiros, é essa a data relevante. Se findou por rutura, o prazo conta-se a partir
da data em que definitivamente cessou a coabitação.
Compreende-se que a lei considere imprescindível ouvir o parecer do Conselho de Família, pois
melhor que ninguém serão os familiares do casal que poderão ou não confirmar a existência e
a permanência da união de facto, caraterizada pela sua natureza de facto público no respetivo
meio social dos companheiros.
Mesmo que a união de facto tenha sido iniciada sem o preenchimento dos pressupostos legais,
ela pode vir a ser reconhecida, como já vimos, se, a partir de determinado momento e pelo
menos durante o período mínimo de três anos consecutivos, eles se verificarem.
Também se pode dar o inverso, ou seja, preencher a união os requisitos legais, e, a partir de
determinado momento, tal deixar de acontecer (por exemplo, se deixar de ser singular em
relação ao homem que inicia simultaneamente outra união de facto com outra mulher).
c) Efeitos do reconhecimento
Uma vez provada a existência da união de facto que preencheu os pressupostos do art. 113.°,
n.° 1, o juiz deve reconhecer essa união, indicando, tanto quanto possível, quando ela se
iniciou e quando veio a terminar para, assim, determinar o período em que ela produziu
efeitos, designadamente quanto à aquisição de bens comuns, responsabilidade por dívidas,
presunção legal de paternidade por parte do companheiro dos filhos nascidos da união, etc.
A data do fim da união marca a cessação das relações pessoais e patrimoniais dos
companheiros, uma vez que esta termina por simples ato de vontade de um ou de ambos.
Não obstante, não é demais realçar o largo alcance da sentença que vier a reconhecer a união
de facto que tenha preenchido os pressupostos legais, uma vez que os efeitos dessa união são
equiparados por lei aos do casamento dissolvido.
Como vimos, a Lei de Bases da Proteção Social, Lei n.° 7/04 de 15 de outubro cujo regime
jurídico foi definido pelo Decreto n.° 38/08 de 19 de junho (Diário da República, n.° 112)
estabelece no seu art. 6.° «Estão vinculados à Proteção Social Obrigatória na condição de
dependentes do segurado: a) o cônjuge ou pessoa em união defacto.»
Se a união de facto terminou por rutura, os efeitos que o reconhecimento produz são os
mesmos da dissolução do casamento por divórcio, como indica o citado art. 126.°.
Os efeitos pertinentes da dissolução do casamento são aqui de aplicar, salvo quanto aos
efeitos de natureza pessoal do casamento que se não chegam a produzir na união de facto e
que estão intrinsecamente ligados ao casamento como ato, como sejam o nome de família, a
afinidade e a aquisição de nacionalidade. Em relação aos filhos, dado o fim da coabitação, são
de aplicar, por inteiro, as regras já mencionadas contidas nos art. 147.° e seguintes do Código
de Família.
No campo das relações patrimoniais os efeitos são praticamente os mesmos. Haverá o direito
a partilha dos bens comuns adquiridos a título oneroso durante a união, pois é de aplicar
supletivamente o regime de bens da comunhão de adquiridos.
O direito à atribuição da residência familiar verifica-se também nas mesmas condições dos
artigos. 75.°, n.° 4 e 110.° do Código de Família.
Por outro lado, a constituição de nova união de facto por pane do companheiro que tinha
direito a alimentos, faz cessar esse direito, como prescreve o an. 263.° do Código de Família.
A decisão que reconhecer a união de facto dissolvida por mone ou por rutura está sujeita a
registo, pois é constitutiva de relações jurídicas familiares, como expressamente estipula a
parte final do art. 126.° do Código de Família.
Ela deverá ser comunicada oficiosamente pelo tribunal à conservatória do registo civil da área
da última residência comum dos companheiros da união de facto, aplicando por remissão o
disposto no an. 120.° do Código de Família e o art. 101.° do Código do Registo Civil.
O art. 113.°, n.° 2 refere-se à união de facto que não possa ser reconhecida por falta de
pressupostos legais, o que nos põe perante todas as situações que podem ocorrer em que
existe efetivamente a vida marital comum entre homem e mulher, mas ela não pode ser
subsumida à previsão legal do n.° 1 do mesmo artigo, por falta de qualquer dos requisitos
legais (tempo de duração, incapacidade matrimonial, singularidade).
Nesta situação estão todas as uniões de facto poligâmicas, ainda muito frequentes no país.
Fala-se aqui da « união defacto que não pode ser reconhecida » para a distinguir da união de
facto que pode ser reconhecida. Mas é preciso ter em conta que ela, em rigor, pode ser
reconhecida, não para produzir efeitos que na sua plenitude produz a união de facto (n.° 1 do
art. 113.°), mas apenas para produzir os efeitos restritos previstos na segunda parte do art.
113.°, n.° 2, e ainda o efeito presunção de paternidade do companheiro relativamente aos
filhos nascidos da união de facto (art. 168.°, alínea b) do Código de Família).
Com o propósito da proteção dos filhos nascidos ou concebidos na vigência da união de facto,
este art. 168.° estabelece a presunção legal de que os filhos nascidos da companheira são
filhos do homem com quem ela convive nessa união, mesmo que a união não esteja
reconhecida. Aos filhos nascidos destas uniões de facto estabelecidas entre os respetivos pais
atribui a lei esta presunção legal de paternidade, estando nesta situação a maior parte da
população no nosso país.
Interessa agora destrinçar as previsões especificadas no citado n.° 2 do art. 113.°, que devem
ser atendidas mesmo que a união de facto não preencha os pressupostos legais.
O enriquecimento ilícito, nos termos gerais da lei civil, corresponde ao enriquecimento sem
causa previsto nos artigos 479.° a 482.° do Código Civil.
1 — o enriquecimento do réu,
2 — o empobrecimento do autor;
2 — ausência de causa,
Há que averiguar se houve um enriquecimento não legitimado pelo direito por uma das partes
e um empobrecimento direto ou indireto pela outra parte.
No entanto, esses efeitos são sem dúvida relevantes na esfera de relações de natureza
patrimonial dos ex-companheiros da união de facto, pois reportam-se a três situações que são
em si distintas:
Neste aspeto, os efeitos patrimoniais do atendimento da união de facto que não reúne os
pressupostos legais, podem, em essência, ser comparados aos que, nas demais legislações, são
hoje atribuídos às uniões de facto tidas como união livre ou concubinato.
Quem fez a prestação teve em vista a situação de convivência marital, pelo que o fim desta
retira à prestação feita o seu objeto mediato, devendo quem recebeu a prestação proceder à
sua restituição em espécie ou em valor equivalente.
Ao referir-se à partilha de bens comuns, a lei não está a equiparar os bens adquiridos durante
a união de facto aos bens comuns dos cônjuges casados sob o regime da comunhão de
adquiridos.
Neste tipo de união de facto o que existe entre os companheiros não é um regime matrimonial
de bens, mas antes uma sociedade de facto, como se entende predominantemente na
doutrina. Ao desenvolverem uma vida em comum sob o ponto de vista social, os
companheiros da união de facto desenvolvem também, na maioria dos casos, uma série de
relações de natureza patrimonial entre si e relativamente a terceiros.
São adquiridos bens com valores de ambos, são desenvolvidas atividades económicas com a
contribuição de ambos (em serviços ou em prestações pecuniá¬rias), e esta atuação pressupõe
o propósito de participar nos lucros respetivos.
Os patrimónios são na verdade dois, pois, neste caso, é como se entre os companheiros da
união de facto vigorasse o regime da separação de bens. Mas, dado o decurso da vida em
comum, esses patrimónios estão imbricados um no outro, pelo que, no momento em que a
união de facto vier a terminar, torna-se necessário operar a partilha dos bens.
Estamos, porém, perante uma partilha de cada um dos bens tidos em compropriedade e não
perante a partilha por meação dos bens comuns, como acontece aquando da dissolução do
casamento ou da união de facto reconhecida e que preenche os pressupostos legais.
Na falta de prova por documento escrito da titularidade dos bens a dividir, terá que ser feita
prova, por outra via legal, de que o bem em causa foi adquirido com a participação de ambos
os companheiros.
Quanto à atribuição da residência familiar, também mencionada no citado artigo 113.°, n.° 2,
são de aplicar as mesmas regras que vêm previstas no art. 110.° do Código de Família e as
respeitantes à dissolução do casamento por divórcio. A finalidade da lei é a mesma:
salvaguardar o direito do cônjuge ou companheiro a quem deve ser atribuída a preferência
legal de continuar a residir na mesma casa onde o casal coabitou.
Relativamente a terceiros, a união de facto também produz efeitos patrimo¬niais, pois devem
entender-se de responsabilidade solidária as dívidas contraídas por qualquer dos
companheiros para satisfazer os encargos normais da vida familiar ou em proveito comum do
casal. Tem sido entendido que, com base na denominada teoria da aparência, o casal que, não
sendo casado, se comporta perante a sociedade como o se fosse, deve suportar os riscos de tal
comportamento e constituir-se devedor de forma solidária perante terceiros, como se se
tratasse de um casamento válido.
CAPÍTULO l8.°
A ADOÇÃO
Há quem entenda que a adoção deve ser vista e definida tanto como o vínculo que estabelece
a filiação entre adotante e adotado como, simultaneamente, o instituto que opera a rutura do
vínculo da filiação biológica existente entre o adotado e a sua família natural.
O vínculo da adoção foi evoluindo através dos tempos quer quanto à forma como pode ser
constituída, quer quanto aos fins visados pela sua constituição. No direito romano, foi
largamente usada e podia ser constituída por contrato e por testamento ou por decreto da
cúria. Tinha como fim principal assegurar a sucessão do adotante pelo adotado.
Tal como os demais institutos jurídicos, a sua aceitação foi dependendo das conceções
religiosas e das opções políticas de determinado momento histórico. O predomínio do
cristianismo fez praticamente desaparecer a adoção durante a época medieval e até à
Revolução Francesa. Também o direito muçulmano a rejeita, por entender que ela contraria a
primazia que deve ser dada aos laços de sangue, embora aceite a instituição da «Kafala », que
lhe é afim e que consiste em colocar as crianças em lugares de guarda.
O Código Civil Napoleónico do princípio do século XIX reintroduziu a adoção, ainda que de
forma muito restrita. Entretanto, o primeiro Código Civil Português não permitiu a adoção,
pois se entendeu que ela estava «muitofora dos costumes do Reyno ».
Só com a entrada em vigor do atual Código Civil reapareceu o instituto da adoção, mas mesmo
assim com todo um apertado condicionalismo legal quanto
ao estado civil de casado dos adotantes, da duração do casamento, da não existência de filhos,
etc.. O Código Civil consagrava ainda a distinção entre adoção plena e adoção restrita, que é
uma forma de limitados efeitos legais.
Nas últimas décadas tem sido notória a evolução da adoção no sentido de ser ela usada tanto
no interesse dos adotantes de verem, por via dela, realizado o seu desejo de criar laços
idênticos aos da filiação em relação a um menor que biologicamente não é seu filho, como no
interesse do adotado, por lhe permitir encontrar uma família substituta que melhor assuma a
função própria da progenitura.
A evolução vai no sentido não só de ter em conta o bem- estar da criança mas ainda a garantia
da defesa dos direitos da criança enquanto individualidade, princípio da dignidade da pessoa
humana®
Diferem as soluções consagradas quanto à autoridade competente para autorizar a adoção:
alguns estados permitem que seja tratada por autoridades administrativas, enquanto outros
estados, como o Estado angolano, conferem exclusiva competência à autoridade judicial.
Nos sistemas legais dos países socialistas foi dada grande amplitude à adoção, procurando-se
com ela obviar a situações dramáticas criadas pela guerra e pelas perturbações sociais vividas,
que resultaram na perda de inúmeras vidas humanas e no desagregar de grande número de
famílias.
Também nos países economicamente mais desenvolvidos a adoção foi objeto de nova
regulamentação legal que veio ampliar os seus efeitos jurídicos e simplificar os seus
condicionalismos.
uma entrega da criança aos futuros adotantes, denominado como procedimento pré-adotivo,
para ser avaliado o grau de adequabilidade destes à constituição do futuro vínculo de adoção.
No atual Código civil português a identidade do adotante em princípio, não pode ser revelada
aos pais biológicos do adotado, para impedir que estes venham posteriormente a intervir nas
relações entre adotante e adotado. Noutras legislações é a mãe biológica que proíbe que seja
revelada a sua identidade ocultando perante a sociedade o facto da sua maternidade.
O instituto da adoção, como os demais de direito de família, tem sido objeto de controvérsia,
dado o próprio desenvolvimento de questões trazidas da evolução da própria sociedade.
Assim, para dar solução jurídica à situação da «mãe portadora» ou «mãe de aluguer» de óvulo
fecundado originário de outra mulher e fecundado pelo marido desta, obrigando-se a mãe
substituta a desenvolver em si todo o processo de gestação do embrião e do feto até ao
momento do parto e consequente nascimento da criança, tem se vindo a entender que a
criança que nascer deverá ficar ligada à mulher dadora do óvulo mas que a não gerou, pelo
vínculo da adoção, renunciando a mãe portadora que suportou o período de gestação e o
parto, a quaisquer direitos como mãe biológica.
Tem sido objeto de acesa controvérsia a pretensão de casais de homossexuais de lhes ser
permitida a adoção de criança. Mesmo em países onde são reconhecidos já alguns direitos a
casais de homossexuais, designadamente o de contraírem casamento, é recusado o direito à
adoção pelos dois membros da união, por se entender ser tal adoção prejudicial ao equilíbrio
natural da criança que se confrontaria com a existência simultânea de dois pais ou duas mães.
ao estado civil de casado dos adotantes, da duração do casamento, da não existência de filhos,
etc.. O Código Civil consagrava ainda a distinção entre adoção plena e adoção restrita, que é
uma forma de limitados efeitos legais.
Nas últimas décadas tem sido notória a evolução da adoção no sentido de ser ela usada tanto
no interesse dos adotantes de verem, por via dela, realizado o seu desejo de criar laços
idênticos aos da filiação em relação a um menor que biologicamente não é seu filho, como no
interesse do adotado, por lhe permitir encontrar uma família substituta que melhor assuma a
função própria da progenitura.
A evolução vai no sentido não só de ter em conta o bem- estar da criança mas ainda a garantia
da defesa dos direitos da criança enquanto individualidade, princípio da dignidade da pessoa
humana.®
Nos sistemas legais dos países socialistas foi dada grande amplitude à adoção, procurando-se
com ela obviar a situações dramáticas criadas pela guerra e pelas perturbações sociais vividas,
que resultaram na perda de inúmeras vidas humanas e no desagregar de grande número de
famílias.
Também nos países economicamente mais desenvolvidos a adoção foi objeto de nova
regulamentação legal que veio ampliar os seus efeitos jurídicos e simplificar os seus
condicionalismos.
Cláudia Lima Marques — «A Convenção da Haia de 1993 c o ECA representam uma nova visão
da adoção internacional, concentrada agora nos direitos humanos da criança, no seu bem
estar e no seu interesse superior. Supera-se, assim, a visão anterior, concentrada nos
interesses patrimoniais da família, no eventual direito de procriação dos pais adotivos e seus
interesses na continuação da família. A interpretação pós- -moderna do princípio do interesse
superior da criança hoje deve incluir a realização dos seus direitos fundamentais de identidade
cultural.» Estudos em homenagem à Prof.a Magalhães Colaço Vol. I, p. 281.
(2) Cláudia Lima Marques — idem, p. 281.
uma entrega da criança aos futuros adotantes, denominado como procedimento pré-adotivo,
para ser avaliado o grau de adequabilidade destes à constituição do futuro vínculo de adoção.
No atual Código civil português a identidade do adotante em princípio, não pode ser revelada
aos pais biológicos do adotado, para impedir que estes venham posteriormente a intervir nas
relações entre adotante e adotado. Noutras legislações é a mãe biológica que proíbe que seja
revelada a sua identidade ocultando perante a sociedade o facto da sua maternidade.
O instituto da adoção, como os demais de direito de família, tem sido objeto de controvérsia,
dado o próprio desenvolvimento de questões trazidas da evolução da própria sociedade.
Assim, para dar solução jurídica à situação da «mãe portadora» ou «mãe de aluguer» de óvulo
fecundado originário de outra mulher e fecundado pelo marido desta, obrigando-se a mãe
substituta a desenvolver em si todo o processo de gestação do embrião e do feto até ao
momento do pano e consequente nascimento da criança, tem se vindo a entender que a
criança que nascer deverá ficar ligada à mulher dadora do óvulo mas que a não gerou, pelo
vínculo da adoção, renunciando a mãe ponadora que suportou o período de gestação e o
parto, a quaisquer direitos como mãe biológica.
Tem sido objeto de acesa controvérsia a pretensão de casais de homossexuais de lhes ser
permitida a adoção de criança. Mesmo em países onde são reconhecidos já alguns direitos a
casais de homossexuais, designadamente o de contraírem casamento, é recusado o direito à
adoção pelos dois membros da união, por se entender ser tal adoção prejudicial ao equilíbrio
natural da criança que se confrontaria com a existência simultânea de dois pais ou duas mães.
Tanto assim que já em 1980 se sentiu a urgente necessidade de alterar a lei e revogar o Código
Civil, que, em matéria de adoção, se não coadunava com as necessidades então vividas. Foi
portanto publicada a Lei n.° 7/80, de 27 de agosto (Lei da Adoção e Colocação de Menores),
que veio revogar os artigos 1973.° a 2002.° do Código Civil.
Tal como consta do respetivo preâmbulo, ela «procurou minorar os efeitos que, sobre a vida
de milhares de crianças do nosso País, tiveram as duas guerras de Libertação Nacional,
lançando-as à orfandade e ao abandono (...)». Ela visou ampliar o instituto da adoção por
forma a que este viesse a corresponder às novas condições sócio-familiares existentes,
simplificando o mecanismo processual, sem no entanto minimizar a importância da
intervenção judicial.
A Lei n.° 7/80 foi revogada pelo art. 10.°, alínea g) da Lei n.° 1/88 na parte respeitante à adoção
(que constava dos seus Capítulos I e II ), embora, no fundamental, esta lei passasse a estar
integrada no novo Código de Família. E a Lei n.° 19/96 de 19 de abril, no seu art. 28.° revogou o
Capítulo III da Lei n.° 7/80, pelo que esta lei se encontra totalmente revogada.
Importa realçar que o vínculo da adoção veio a aprofundar-se grandemente na lei atual, pois
logo no art. 8.° do Código de Família se equiparou o parentesco por laços de sangue ao
parentesco por adoção.
Ora, conhecida a extrema relevância que o parentesco por laços de sangue assume na família
tradicional angolana, pode aferir-se por aí o que significou esta equiparação.
A sociedade tradicional angolana não desconhece o instituto da adoção, ainda que ele seja
pouco praticado. A adoção está condicionada à aprovação pela família do adotante ao ato da
adoção. Mas, uma vez obtido o consentimento e efetuada a adoção, o adotado passa a ficar
integrado como membro da família para todos os efeitos. A escassez de casos de adoção
levados às instâncias judiciais pode, a nosso ver, ter diversas justificações.
Ocorre com frequência que, quando morre o verdadeiro pai ou a verdadeira mãe, é o tio ou o
irmão mais velho ou a tia ou a irmã mais velha, respetivamente, que assumem o papel do
progenitor. De toda a sorte, é a própria estrutura da
família extensa que se encarrega de preencher o vazio criado e de trazer para o lugar de
«filho» quem necessita de proteção, sem necessidade de se ir para além do círculo familiar
buscar um menor para ser adotado.
Prevalece também a «adoção de facto» operada à margem de intervenção dos tribunais, tal
como em outras instituições do direito de família, o que é o produto de vivência do próprio
meio social, onde é escasso o acesso à documentação formal e à assistência jurídica, seja por
razões de índole cultural, seja por razões económicas.
A adoção está consagrada, pela primeira vez, em diploma constitucional, no âmbito das
normas protetoras da criança, pois a recente Constituição dispõe no seu art. 80.° (Infância), n.°
4: «O Estado regula a adoção de crianças, promovendo a sua integração em ambiente familiar
sadio e velando pelo seu desenvolvimento integral.»
O art. 197.° do Código de Família define a adoção dizendo que ela constitui entre adotado e
adotante vínculo de parentesco igual ao que liga osfilhos aos pais naturais.
Afastou-se assim o conceito de adoção plena e adoção restrita que é aceite noutros
ordenamentos jurídicos. Uma vez constituída a adoção, os respetivos efeitos produzem-se na
sua totalidade entre adotante e adotado.
O vínculo da adoção, pela importância dos efeitos que dele derivam, está dependente da
observância de apertados requisitos legais e tem que ser
O art. 212.°, n.° 1 estatui que a adoção é constituída por sentença judicial proferida em
processo de jurisdição voluntária. A sentença tem pois efeito constitutivo A constituição da
adoção só produz efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença e não produz efeitos
retroativos, ou seja, só produz efeitos ex nunc.
Para proteger os interesses em jogo (em primeiro lugar, o interesse da criança, mas também o
dos próprios adotantes, bem como os da família natural), é através da via judicial firmada na
lei que a adoção pode validamente surgir. Entende-se assim que é um ato de concessão
judicial. Não é possível, pois, a constituição da adoção por via contratual ou por testamento.
Uma vez constituído o status do adotado e integrado este na nova família adotiva, a adoção
tão pouco pode ser revogada por vontade das partes, conforme preceitua o art. 211.° do
Código de Família. A irrevogabilidade da adoção permanece mesmo que se alterem as
condições familiares do adotante, como seja a da superveniência de filhos.
Mas a criação artificial de um vínculo tão importante como o da filiação faz exigir toda a
cautela na verificação das condições legais na pessoa do adotante.
Sob o aspeto da pessoa do adotante em si, a capacidade para o investimento na nova situação
jurídica vem definida no art. 199.°, n.° 1 do Código de Família, exigindo a lei que o adotante
tenha mais de 25 anos e esteja no pleno gozo dos direitos civis, tenha idoneidade moral e bom
comportamento social, especialmente nas relações familiares, e capacidade económica para
prover o sustento e educação do adotado.
Exige ainda a lei que o adotante tenha saúde mental e física, procurando desta forma que o
adotante possa vir a cumprir o elevado encargo da criação c educação do filho adotivo e que
seja pessoa mentalmente sã, no pleno gozo das suas faculdades mentais.
A diferença de idade entre adotante e adotado tem que ser, pelo menos, de 16 anos, o que
implica que entre os dois tem que haver o espaço considerado mínimo para uma geração. Ao
contrário de alguns sistemas jurídicos, não há limites de idade a partir dos quais seja vedada a
adoção.
Permite a lei que sejam afastados os requisitos das alíneas c) e e) do art. 199.°, que respeitam
à capacidade económica e à diferença de idade, quando a adoção disser respeito ao filho do
cônjuge ou do companheiro de união de facto.
Em relação aos adotantes, a lei impõe ainda condições legais que respeitam ao seu estado civil
e à sua efetiva situação matrimonial e de união de facto reconhecível.
A razão de ser destas condições está no facto de o legislador querer que o adotado possa ser
recebido na nova família por um casal nas condições de facto e de direito que permitam a
ambos assumir o papel de verdadeiros pais, convergindo as vontades de adotantes e adotado
para a constituição do novo vínculo. Pretende-se seguir o modelo da família biológica e que o
casal dos adotantes dê garantias de estabilidade, representando um lar acolhedor, com
comunhão material e espiritual.
A lei permite também a adoção unipessoal, que como a expressão indica, é feita por uma só
pessoa em duas situações distintas — art. 205.°, alíneas b) e c):
Embora a nossa lei não o proíba, omitindo a referência a essa questão, entendemos que não
deve ser permitida a adoção entre parentes por laços de sangue, pelo menos nos casos em
que a proximidade de parentesco é, por força da lei, impedimento matrimonial.(5) De outra
forma, ir-se-ia constituir um vínculo de filiação adotiva onde a lei quer afastar a possibilidade
de um vínculo de filiação natural.
Por parte do adotado, a lei exige apenas que o adotado seja menor, de acordo com o art.
200.°, o adotado deve ter menos de 18 anos de idade. O estado de adoptabilidade refere-se
obrigatoriamente a uma idade inferior a 18 anos.
No entanto entendemos que esse requisito de adoptabilidade tem que se referir à data da
propositura da ação e não da prolação da sentença constitutiva do vínculo.
Não prevê a lei qualquer condição de ordem física, psíquica, económica ou outra, em relação
ao adotando.
A lei tão-pouco exige que se verifique qualquer período obrigatório de convivência entre
adotante e adotado antes do estabelecimento do vínculo, muito embora, na realidade, quase
sempre tal ocorra, pois em regra a entrega da criança é feita por entidade da assistência social
ou foi processada sem formalismo decorrendo de circunstâncias factuais.
A vontade de adotar por parte do adotante manifesta-se pela própria propositura da ação
respetiva mas ela tem que ser complementada pela manifestação de vontade dos
representantes legais do adotado, ou na sua falta pelos parentes próximos e por ele próprio se
já tiver completado 10 anos de idade.
Uma vez que, como veremos, a constituição do vínculo da adoção vai pôr fim às relações
familiares entre o adotado e os seus pais e parentes naturais, não é necessário enfatizar a
relevância que advém para a situação do menor em relação
à sua família natural. Daí a necessidade da prestação do consentimento livre e consciente por
parte de quem por lei, o deve outorgar.
a) Dispensa de consentimento
A lei prescinde do consentimento por parte dos progenitores e outros parentes, nos seguintes
casos taxativos: «Do menor em situação de abandono, tal como vem definido no n.° 2 do art.
200.0 do Código de Família, isto é, aquele em relação ao qual os pais e outros parentes se
tenham manifestamente desinteressado do exercício dos seus deveres por período superior a
um ano.»
O abandono pode ocorrer por os pais não terem estabelecido, desde o nascimento do filho, o
vínculo de filiação, nem tão-pouco a posse de estado de filho. É necessário que o complexo de
deveres dos pais, como a guarda, a vigilância, e a criação e educação do filho, não esteja a ser
exercido. Pode também ocorrer que, embora de início os pais tenham exercido os seus
deveres, cessem de o fazer a partir de determinado momento, deixando de prestar assistência
material e moral ao filho.
O conceito de abandono envolve a falta de assistência moral e material tanto por parte dos
progenitores do menor como dos demais parentes que integram a denominada «família
parental».
(6) Paola Accuosto L’ adozine — Na legislação italiana esse dever vai até aos parentes no
vigilância e assistência ao menor, e que são os pais e outros familiares próximos do menor. Os
casos de força maior impeditivos do exercício da autoridade paternal têm que se revestir de
natureza temporária e devidamente sanados quando as condições de vida regressem à
normalidade.
O abandono é uma situação de facto cuja verificação tem que ser declarada pelo tribunal de
acordo com o caso concreto sob apreciação.
Declarado o menor em situação de abandono, a lei prescinde do consentimento por parte
quer dos progenitores quer de outros parentes do menor — art. 200.°, n.° 1, alínea b) do
Código de Família.
Quando o menor está em situação de abandono, a lei prevê que sobre ele seja instituída a
tutela. Se não for possível a nomeação de tutor, como adiante veremos, o menor será
declarado abandonado e deverá ser entregue a um estabelecimento de assistência.
Se ambos os pais forem desconhecidos por não estar estabelecida a filiação, também não há
que obter o consentimento à adoção.
A lei permite que se proceda à adoção de menor cujos pais deem o seu consentimento à
adoção. O consentimento tem que ser dado pelo progenitor de forma pessoal e direta, com
consciência e vontade livre de coação e esclarecida — art. 201.° do Código de Família.
O consentimento pode ser prestado pelo progenitor perante o tribunal ou por meio de
documento autêntico em que se identifique a pessoa do adotante, como prescreve o art. 213.°
do citado Código.
É que o consentimento significa a renúncia à situação legal relativa ao estado civil de pai ou de
mãe, pelo que tal declaração de vontade tem que ser recebida com as devidas garantias pelo
tribunal.
O consentimento dos pais não pode ser, pois, dispensado nem suprido pelo tribunal.
b) Consentimento do menor
A lei exige que o menor que tenha completado 10 anos de idade, mesmo que tal ocorra depois
de ter sido proposta a ação, preste o seu consentimento à adoção — art. 203.° do Código de
Família. Este consentimento é igualmente imprescindível à validade do ato e deve ser prestado
pessoalmente pelo menor, depois de devidamente elucidado pelo tribunal do alcance do ato
jurídico da adoção e suas consequências na sua vida familiar.
Se faltarem ambos os pais, por falecimento, ausência ou incapacidade, prevê o art. 214.° do
Código de Família que o consentimento à adoção seja dado perante o tribunal por outros
parentes do menor, indicando, por ordem de preferência, os avós, os irmãos maiores e os tios.
Em igualdade de circunstâncias, indica a lei que terá preferência o parente que tiver o menor a
seu cargo. Se estiver instituída a tutela deverá ser o tutor a prestar o consentimento. No caso
do menor estar a cargo de pessoa que não seja parente, entendemos que embora a lei não o
preveja expressamente, deverá ela ser igualmente ouvida.
Nestes casos poderá, porém, o Juiz prescindir da prestação de consentimento dos parentes do
menor quando se verifique a previsão estabelecida no n.° 2 do art. 214.°.
No primeiro caso, o Juiz deve decidir segundo o seu prudente arbítrio, justificando
devidamente os fundamentos de facto que o levam a prescindir do consentimento dos
parentes do menor a adotar.
No segundo caso, a decisão tomada deve igualmente estar radicada nas circunstâncias
concretas que impossibilitem o chamamento a juízo dos parentes do menor, seja por se
desconhecer o seu paradeiro, seja por se encontrarem fora do país, etc. Quando tal ocorrer,
incumbe ao tribunal explicitar por que razão foi dispensado o consentimento dos parentes do
menor.
Povo, hoje Assembleia Nacional, no processo de adoção quando o adotante seja cidadão
estrangeiro.
O art. 204.° impõe que exista prévia autorização da Assembleia do Povo antes da constituição
do vínculo de adoção de um menor de nacionalidade angolana por parte de um cidadão de
outro país.
Em primeiro lugar, procura proteger o menor que por via da adoção, pode vir a perder a sua
nacionalidade de origem, por passar a ter a nacionalidade do adotante.
A Lei n.° 1/05 de 1 de julho (Lei da Nacionalidade) no seu art. 15.°, n.° 1, alínea d), prevê a
perda da nacionalidade angolana, estabelecendo: «os adotados por cidadãos estrangeiros se,
ao atingirem a maioridade, manifestarem a pretensão de não ser angolanos.»
O objetivo desta disposição legal era ainda o de proteger o menor na medida em que
constituiria um entrave ao tráfico internacional de crianças dos países menos desenvolvidos
para os países mais ricos através de processos menos escrupulosos.
Estamos convitos de que em Angola a saída ilegal de menores (sem adequada proteção
familiar e social) para fora do País constitui uma ameaça maior do que a possibilidade de eles
virem a ser adotados por cidadãos estrangeiros, por via de um procedimento legal.
Dado o acréscimo de responsabilidades atribuídas à Assembleia Nacional e o facto de Angola
ter aderido a importantes instrumentos internacionais, entendemos ser injustificada esta
imposição legal que tem vindo a redundar no retardamento do processo de adoção.
Aliás, é de ter em conta que Angola por Resolução n.° 22/02 de 13 de agosto, da Assembleia
Nacional, aderiu ao Protocolo Facultativo à Convenção dos Direitos da Criança relativo à Venda
de Crianças, Prostituição e Pornografia Infantis, que no seu art. 3.° manda punir criminalmente
«ii — a indução do consentimento de forma indevida, como intermediário para a adoção duma
criança (...)» e que impõe o seguinte: «5 — Devendo os Estados Partes garantir que todas as
pessoas
Na definição de tráfico deve entender-se: «tratar-se uma criança como se um objeto fosse,
objeto para ganhar dinheiro, para obterfavores, viagens, presentes, doações, status e não ver
a criança e o seu bem-estar como o fim da adoção mas como um meio para alguma vantagem
individual, do grupo ou do país.»
Ela permite à criança nacional de um estado encontrar noutro estado estrangeiro uma nova
família em que se integre plenamente, tendo em conta o interesse superior da criança e a
defesa dos seus direitos fundamentais, obstando a que seja objeto de rapto, venda ou tráfico
ilícito.
Na fase preliminar do processo de adoção, terá que se averiguar que não há possibilidade de
colocação da criança no Estado de origem.
É indispensável que haja consentimento livre e devidamente aconselhado por parte das
pessoas que o devam prestar e que não houve pagamentos indevidos.
Deve ainda ser certificado que os pais adotivos estrangeiros estão nas condições legais para
proceder a adoção e que a criança adotada terá autorização para rescidir com permanência
nesse Estado.
O art. 4.° Impõe regras para a prestação do consentimento à adoção por parte das pessoas e
instituições que devem prestá-lo, bem como do consentimento da criança, enfatizando na
alínea d) a necessidade de que «o consentimento não tenha sido obtido mediante pagamento
ou compensação de qualquer espécie».
A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, no seu art. 21.° dispõe que a
adoção deve ser «a) (...) autorizada pelas autoridades competentes (...) e que as pessoas
interessadas tenham dado, com conhecimento de causa, o seu consentimento; d) (...) garantir
que em caso de adoção em outro país a colocação não permita benefíciosfinanceiros indevidos
a terceiros que nela intervenham.»
É fundamental em todo o tipo de consentimento à adoção, obviar que ele seja prestado sob
coação ou com contrapartidas financeiras para os intermediários,ou para aquele que presta o
consentimento.
Tomando como referência a forma simultânea ou individual como é operada a adoção, a lei
prevê dois tipos de adoção:
— adoção dupla
— adoção unipessoal
O primeiro tipo de adoção surge quando são dois os adotantes que, de forma simultânea e
concertada, vão adotar o mesmo menor.
A adoção dupla exige, como já atrás referimos, que os adotantes estejam no estado civil de
casados e que não estejam separados de facto, ou que vivam em união de facto e que esta
reuna os pressupostos legais de reconhecimento.
Neste tipo de adoção, exige a lei que o pedido de adoção seja feito em conjunto e que os dois
adotantes preencham; cada um deles, os requisitos subjetivos que são impostos no art. 199.°
do Código de Família.
A adoção unipessoal é efetuado por um único adotante, mas pode configurar duas situações
inteiramente distintas.
Neste sub-tipo da adoção unipessoal, a lei só exige que o adotante reuna os requisitos das
alíneas a), b) e d) do n.° 1 do art. 199.°, prescindindo das alíneas c) e e) que se referem à
capacidade económica e à diferença de idade entre adotante e adotado, como adianta o n.° 2
desse artigo. Manteve-se tão só a exigência da idade mínima de 25 anos e da capacidade civil,
as condições de idoneidade moral e saúde mental e física.
Este tipo de adoção procura harmonizar a situação do agregado familiar, colocando no lugar
do progenitor natural ausente, o cônjuge ou companheiro do progenitor com quem o menor
coabite.
No outro sub-tipo de adoção unipessoal, o adotante é uma pessoa só que esteja na condição
de não casada, segundo o modelo da família monoparental e pode incidir sobre qualquer
menor que esteja em condições legais de ser adotado.
[120] Efeitos legais da adoção
direitos e deveres recíprocos entre adotante e adotado são os mesmos que existem entre pais
e filhos.
Por via da constituição do vínculo de adoção é estabelecida entre adotante e adotado uma
situação inteiramente similar à que une um progenitor ao seu filho natural, sem qualquer tipo
de discriminação em relação ao filho natural.
O adotado passa a estar integrado na família do adotante na qualidade de filho e são cortados
os laços de filiação e parentesco com a família natural.
De sublinhar, como vimos, que à luz do Código de Família os efeitos são sempre plenos em
relação quer ao adotante quer ao adotado, só variando, no caso da adoção do filho do cônjuge
ou do companheiro de união de facto. Em que são preservados os direitos do outro progenitor
que não for substituído.
a) Em relação ao adotante
Quando se trate de adoção unipessoal feita por pessoa não casada, a autoridade paternal será
exercida em exclusivo pelo adotante. É o que dispõe o art. 207.°, n.° 1 do Código de Família.
Os adotantes têm o direito de transmitir o seu apelido ao adotado e, embora a lei o não diga
expressamente, o direito de escolher o nome próprio do adotado, caso o tribunal tal venha a
autorizar, se considerar que é do interesse do menor.
Existe obrigação de alimentos por parte dos adotantes, como estabelece o art. 249.°, n.° 1 do
Código de Família. Sob o ponto de vista do direito sucessório, o adotante é sucessível do
adotado como seu ascendente.
O vínculo da adoção é extensivo à família do adotante, que integra o adotado como seu novo
membro, passando a ter com ele os mesmos laços de parentesco c afinidade que teria com um
filho natural do adotante — art. 198.°, n.°2.
b) Em relação ao adotado
Os direitos e deveres paterno-filiais são de natureza recíproca: o que se disse quanto aos
efeitos que se produzem ao relação aos adotantes, aplica-se, em sentido inverso, ao adotado.
Este é assimilado ao filho natural, usufruindo dos mesmos direitos e deveres, e tem obrigação
de alimentos em relação ao adotante como os demais descendentes — art. 249.°, n.° 2, alínea
b). Por outro lado, passa a ser herdeiro sucessível do adotante e demais parentes deste, na
classe dos descendentes.
Por sua vez, os descendentes do adotado passam a estar integrados na família do adotante,
como estabelece o art. 198.° n.° 2 do Código de Família.
O adotado passa a usar, por direito próprio, o apelido do adotante ou adotantes, consoante se
trata de adoção unipessoal ou de adoção dupla (art. 208.° do Código de Família).
Da constituição do vínculo da adoção pode ainda derivar o facto constante do art. 209.° do
Código de Família, que prevê seja lavrado um novo assento de nascimento do adotado,
permitindo que esse novo assento substitua o anterior por completo, passando o adotante ou
adotantes a figurar como pai ou mãe do adotado.
É desta forma tornado oculto o anterior registo referente à filiação biológica do adotado.
O tribunal deve ter em conta as circunstâncias específicas do caso concreto e, se entender ser
assim mais benéfico para o menor e desde que os interessados o venham pedir, pode autorizar
a substituição do assento de nascimento.
Se tal acontecer, o registo anterior passará a ser considerado secreto para os efeitos da lei. Isto
significa que dele não poderá ser dado conhecimento público, tal como acontece com os
demais atos do registo civil, sem autorização expressa da autoridade pública que superintende
no registo ou por ordem judicial.
A violação deste dever acarreta responsabilidade criminal e civil para o autor da conduta ilícita.
Tem sido discutido se é ou não de permitir ao adotado ter conhecimento da sua situação de
filho adotivo, tendo predominado a posição dos que defendem que será melhor para o menor,
desconhecer que não é filho natural do adotante ou adotantes.
A questão só se põe se o menor for adotado pouco depois do seu nascimento ou ainda de
tenra idade, de forma a que não possa manter a recordação dos seus progenitores ou parentes
naturais.
Receia-se que o conhecimento do facto da falta do vínculo de sangue, possa criar ao adotado
problemas de identidade e prejudicar o seu relacionamento afetivo com os seus pais adotivos,
procurando deste modo protegê-los contra essas eventualidades.
O art. 206.° do Código de Família menciona que adoção dupla faz extinguir os laços de
parentesco entre o adotado e os seus parentes naturais. Os efeitos da extinção do vínculo que
liga o adotado à família natural também se produzem na adoção unipessoal, mas essa extinção
só se verifica em relação ao progenitor que for substituído e respetiva família natural — art.
207.°, n.° 1 do Código de Família.
O n.° 2 deste art. 207.° teve o cuidado de ressalvar que se mantêm as relações de parentesco
entre o adotado e o pai ou mãe natural que não for substituído pelo adotante.
Outro importante efeito decorrente da adoção é o de impedir que o progenitor natural possa
vir venha a fazer declaração de filiação em relação ao adotado.
Uma vez constituído o vínculo de filiação adotiva entre adotante e adotado, filho de pai ou pais
desconhecidos, estes não podem depois vir reivindicar os seus direitos paternais,
estabelecendo por meio de declaração a paternidade ou a maternidade — art. 202.°.
Embora a lei não o diga expressamente, e por maioria de razão, não é permitida a propositura
da ação para o estabelecimento judicial da filiação.
O processo de adoção segue as formalidades e a tramitação descritas nos art. 212.° e ss. do
Código de Família que, nesta parte, veio completar o disposto nos art. 84.° e ss. do Decreto n.°
417/71. Visa-se acautelar a observância da lei, para assim proteger os importantes interesses
familiares que estão em jogo.
O art. 212.° mantém, nos seus n.°s 1,2, e 3, o que já constava do art. 84.° e ss. do Decreto n.°
417/71, pois o processo a usar é o de jurisdição voluntária, na medida em que ao juiz são
dados poderes para orientar o processo no sentido da obtenção de toda a verdade material.
Consoante os casos, o processo da adoção tem de ser proposto simultaneamente pelos dois
adotantes, no caso de adoção dupla, ou por um só adotante, no caso da adoção unipessoal.
No caso da adoção dupla estamos perante um caso de litisconsórcio necessário ativo em que a
legitimidade para a ação tem que ser assegurada pela intervenção conjunta de ambos os
adotantes — art. 28.°, n.° 1 do Código do Processo Civil.
O inquérito judicial é um elemento indispensável à decisão a proferir pelo juiz, tanto mais que
a lei não prevê que haja um período de experiência de vivência anterior.
No entanto, a sentença que for proferida é de natureza contenciosa e não graciosa, pois é
constitutiva de um novo direito e só poderá ser alterada nos casos específicos previstos na lei.
Duas importantes alterações contém o art. 212.°. Uma é a do n.° 4, que manda que a sentença
descreva pormenorizadamente os factos e circunstâncias em que se fundamenta e que
especifique os motivos que determinam a constituição da adoção.
Deve ter-se em atenção o n.° 5 deste art. 212.°, que torna obrigatório que, no caso de adoção
de menor abandonado, a sentença declare verificada a situação de abandono.
O Código de Família optou por uma solução mais simplificada, permitindo que a questão do
abandono do menor seja suscitada na própria ação da adoção, devendo o juiz da causa
averiguá-la cuidadosamente. Só havendo tal declaração nos próprios autos, o tribunal pode
prescindir do consentimento.
Quando o menor não for declarado abandonado, o processo terá que prosseguir com a
intervenção dos progenitores, e, na falta destes, dos demais parentes, para virem aos autos
prestar, ou não, o seu consentimento.
O consentimento, como referimos, deve ser prestado pessoalmente perante o tribunal ou por
meio de documento autêntico em que se identifique a pessoa do adotante (art. 213.° do
Código de Família), só sendo permitido o consentimento prestado por meio de documento, no
caso do interessado não residir na área jurisdição do tribunal para aí prestar o consentimento.
Terá que ser uma declaração de vontade livre e consciente prestada por quem tenha
legitimidade para tal, e que deverá ser emitida depois de o declarante ter sido devidamente
esclarecido pelo Juiz dos efeitos legais da sua declaração.
O Conselho de Família poderá ser chamado a intervir, de forma facultativa, quando o tribunal
considere tal conveniente, tendo em vista a salvaguarda do interesse do menor — art. 215.° do
Código de Família.
Como já vimos, uma vez constituída a adoção, ela não pode ser revogada por vontade das
partes, ou seja: por mero acordo entre adotante e adotado não pode ser anulado o vínculo de
filiação adotiva.
Não obstante, a lei permite que, por duas vias, possa vir a ser declarado sem efeito esse
vínculo: ou pela revisão da sentença da adoção, nos casos em que o vício tenha ocorrido no
próprio ato de constituição de adoção, ou pela sua revogação,
quando factos posteriores justifiquem, pela sua gravidade, que o vínculo, válido na sua
constituição, deve deixar de subsistir.
Tanto a revisão como a revogação da adoção têm que ser operadas por meio de sentença
judicial, proferida em processo próprio. Têm legitimidade para propor a ação de revisão de
sentença de adoção o adotante, no caso de haver erro essencial quanto à pessoa do adotado,
bem como quando aquele que devia ter prestado o consentimento o não prestou, ou tenha
sido coagido a prestá-lo.
É também de admitir que possa haver revisão de sentença de adoção no caso de simulação, ou
seja quando o vínculo tenha sido constituído para um fim diferente do previsto na lei, que é o
de criar entre adotante e adotado um verdadeiro vínculo de filiação.
Quando a lei exige o consentimento, seja por parte dos pais, seja por parte de outros parentes
ou do próprio adotado, a sua falta ou a prestação de consentimento com o vício de vontade
resultante da coação podem levar à revisão de sentença, tendo legitimidade para a ação a
pessoa cujo consentimento faltou ou cuja vontade foi viciada ou, no caso de incapacidade, o
respetivo representante legal.
O prazo para a ação de revisão de sentença é de um ano, nos termos do art. 217.° do Código
de Família, o qual se conta a partir da data de cessação do vício da vontade por erro ou coação
ou da data do conhecimento da adoção no caso da falta de consentimento, como prevê o n.°
1, ou quando houver falta de consentimento do menor, até um ano após ter este atingido a
maioridade, como dispõe o n.° 2.0 tribunal deve sempre ponderar os interesses do menor e
avaliar se é ou não aconselhável que se proceda à revisão da sentença que declarou a adoção,
mesmo que se verifique o fundamento legal para o pedido de revisão.
O n.° 3 do art. 217.° dá um poder amplo de decisão ao Juiz da causa para optar ou não pela
dissolução do vínculo, devendo sempre justificar a decisão tomada, de acordo com os
superiores interesses do menor que estejam em jogo.
Anulada a adoção, a sentença produz efeitos retroativos, ou seja ex tunc, anulando-se todos os
efeitos que ela tenha produzido anteriormente.
A revogação da sentença de adoção pode ser operada quando se verifique qualquer dos
pressupostos de facto que vêm expressos no art. 218.° do Código de Família e que se reportam
a factos supervenientes à constituição do vínculo.
É de notar que, tal como ocorre quanto à revisão, a revogação não é imposta como resultado
obrigatório, pois o corpo do art. 218.° menciona que ela pode resultar dos factos que
menciona.
b) atentado contra a vida ou grave atentado contra a honra, quer por pane do adotante
quer por parte do adotado;
A alínea a) do art. 218.°, ao mencionar o abandono do menor, tem o mesmo alcance jurídico
do art. 200.°, n.° 2, que se refere ao abandono do menor por parte dos progenitores naturais.
A última parte da alínea a) foi acrescentada após a consulta popular a que se procedeu antes
de aprovação do Código de Família, e refere-se ao facto de o adotado não ser objeto, por parte
do adotante, de um tratamento compatível, nos seus diversos aspetos, com aquele que deve
ser prestado a um filho.
Pretendeu-se deste modo obviar a situações em que o menor adotado possa vir a ser usado
como mão-de-obra não remunerada, sobretudo em trabalhos domésticos ou outros.
Tal disposição poderá ainda ser aplicada quando o adotante estabelecer com o adotado um
relacionamento sexual incompatível com as relações paterno-filiais.
A alínea b) prevê casos de extrema gravidade, como o de atentado contra a vida ou grave
atentado contra a honra, quer por parte do adotante quer por parte do adotado.
A alínea c) refere-se ao caso de surgir entre adotante e adotado incompatibili¬dade irredutível
de tal forma profunda e irremediável que deixe de ter razão de ser a manutenção do vínculo
da adoção. A lei exige que tal aconteça depois de o adotado ter atingido a maioridade.
adotante ou do adotado.
Como já se apontou para o caso de revisão de sentença, a revogação pode operar-se quando o
tribunal o julgue conveniente, de acordo com as circunstâncias específicas do caso e tendo em
conta o interesse das partes.
Uma vez decretada a revisão ou a revogação da adoção, o art. 219.° do Código de Família
prevê que sejam tomadas medidas de proteção ao adotado menor.
Quando não for possível tal restabelecimento, deverá o tribunal enviar certidão da sentença
ao representante do Ministério Público junto do tribunal competente para a instituição da
tutela do menor — alínea b) do mesmo artigo.
Sem embargo destas medidas, o tribunal deverá sempre decidir provisoriamente sobre a
guarda e destino do menor, enquanto não houver quem assuma o exercício da autoridade
paternal.
O Código Civil no seu art. 60.° manda em regra, aplicar à constituição da filiação adotiva a lei
pessoal do adotante.
No entanto tendo em vista a proteção dos direitos da criança, será a lei nacional do adotado
aplicável às condições legais para a constituição do vínculo de adoção por parte do adotado.
Será a lex fori aplicável ao processo de adoção que é, em regra, o do domicílio do adotado no
caso da adoção internacional.
Neste caso, em regra a sentença de adoção deve ser revista no país do adotante, para aí
produzir os efeitos legais.
CAPÍTULO 19/
A TUTELA
[125] Evolução do instituto da tutela e seu conteúdo
A tutela é uma instituição de guarda que vem do direito romano. A tutela incide sobre
menores e outros incapazes, dando proteção à sua pessoa e aos seus bens. Por direito natural
é atribuída ao pai e à mãe a autoridade paternal para suprir a incapacidade dos filhos
menores. Mas circunstâncias há em que nenhum dos progenitores está em condições de
exercer essa autoridade. Daí que, através dos tempos, se tenha recorrido ao instituto da
tutela.
No direito feudal era o senhor da terra que exercia o poder de tutela sobre os menores
nascidos dos seus vassalos.
No século XIX, com o advento da burguesia, a tutela aparece como um meio indispensável à
conservação dos bens dentro da família, impedindo que, com a alienação dos bens
imobiliários, fosse enfraquecido o poder económico da família. Então o conselho de família era
chamado a intervir para salvaguardar os interesses económicos das respetivas linhagens.
Este instituto visava em primeiro lugar a preservação do património familiar e tinha uma
finalidade em que predominava o interesse privado.
A curatela era um instituto que se aplicava quando era a mulher a detentora dos bens, ou se
tratava de menor púbere ou interdito por prodigalidade. Era também o caso da mãe viúva e da
mãe do filho nascido fora do casamento, que não tinham a administração legal dos bens dos
filhos, sem serem coadjuvadaspor um órgão de controlo.
O Código Civil previa o instituto da administração de bens nos seus artigos 1967.° e seguintes,
decalcado no instituto da tutela, atribuindo ao administrador dos bens os mesmos direitos e
deveres do tutor.
Em alguns sistemas jurídicos o instituto da tutela, tal como o da curatela, é alargado para
situações em que um dos pais poderia exercer a autoridade paternal, fazendo intervir o
conselho de família e o tribunal no acompanhamento do
O Código de Família arredou por completo o instituto da tutela sempre que um dos
progenitores esteja em condições de exercer a autoridade paternal. Na verdade, ao
estudarmos este instituto, vimos que, em conformidade com o art. 147.° do Código de Família,
em caso de morte, ausência, incapacidade, ou impossibilidade de um dos pais, cabe ao outro
progenitor o exercício único da autoridade paternal.
O Código de Família, ao regular o direito tutelar — que, repetimos, é um direito de
incapacidade —, refere-se não só à tutela do menor mas também à do maior interdito — art.
220.°, alíneas a) e b).
Restringiremos, porém, o nosso estudo à tutela do menor no âmbito das relações familiares.
A tutela do menor surge quando falta o progenitor que exerça a autoridade paternal, seja pela
morte, seja por não estar estabelecida a paternidade e a materni¬dade do menor, seja porque
os progenitores estão ausentes ou impossibilitados de facto de a exercer.
Ao mencionar a finalidade legal do instituto da tutela, o art. 221.° do Código de Família sobre a
epígrafe Fins da Tutela, dispõe: «A tutela visa o suprimento da autoridade paternal e a guarda,
educação, desenvolvimento e proteção de interesses pessoais e patrimoniais dos menores.»
O art. 35.° (Família, casamento e filiação ), n.° 6, consigna: «A proteção dos direitos da criança,
nomeadamente a sua educação integral e harmoniosa, a proteção da sua saúde, condições de
vida e ensino constituem absoluta prioridade da família, do Estado e da sociedade.»
Acrescendo a esta diretriz constitucional, o art. 80.° (Infância), n.° 1 dispõe: «A criança tem
direito à atenção especial da família, da sociedade e do Estado, os quais em estreita
colaboração, devem assegurar a sua ampla proteção contra todas as formas de abandono,
discriminação, opressão, exploração e exercício abusivo de autoridade na família e nas demais
instituições.»
Daí que, para a proteção do menor desamparado, o Estado tem o dever de intervir na
constituição da tutela e durante todo o percurso do seu funcionamento e até à sua conclusão.
O tutor exerce um verdadeiro cargo público sob vigilância de um órgão de soberania (o
tribunal) e de um órgão de natureza familiar (o Conselho de Família).
Está subjacente à tutela o princípio de que cuidar, criar e educar um menor é um munus
eminentemente social que incumbe ao Estado supervisionar ou exercer, por intermédio do
tutor ou pelos seus órgãos de assistência e de educação, no caso de falta dos pais ou de quem
exerça o cargo de tutor.
Hoje o princípio constitucional que obriga o Estado a guardar e proteger toda a criança exige
que, em consequência, sejam criados e postos em funcionamento os órgãos que tal
assegurem, e que são, em primeiro lugar, os tribunais e, quando necessário, os órgãos de
assistência que substituam os pais ou tutores. No entanto, o tutor deve ser escolhido, de
preferência, no seio da família do menor, e agir sob fiscalização do Estado.
É a solução de longe preferível, porque não vai retirar ao menor o direito a ter uma família. A
maior ou menor intervenção do Estado nas instituições de tutela dos menores depende, assim,
da própria conceção política adotada, mas neste instituto predominam as normas imperativas
do direito público, pois a proteção e defesa do menor incapaz e carecido de alguém que supra
o exercício normal da autoridade paternal sobrelevam os demais interesses em jogo.
O art. 236.° do Código de Família dispõe no seu n.° 1 que «A tutela deve ser exercida no
interesse do tutelado e da sociedade.» A finalidade legal do instituto da tutela é, pois, a defesa
dos interesses do menor e do meio social em que ele se insere.
Esta foi a orientação prevalecente no Código de Família, que atribui ao tribunal toda a
relevância no instituto da tutela.
a) tutela testamentária;
b) tutela legítima;
c) tutela dativa.
Em princípio, será o último progenitor sobrevivo do menor que poderá fazer tal declaração, ou
pelo menos ela só produzirá efeito depois da morte ou incapacidade de ambos os
progenitores.
A tutela legítima é aquela que deriva da própria lei, ou seja, do vínculo de parentesco ou de
afinidade entre o tutor e o tutelado. Em regra, a tutela legítima é deferida segundo uma
determinada ordem, conforme a proximidade do grau de parentesco, vindo em primeiro lugar
os avós, paternos e maternos, sem distinção, depois os irmãos mais velhos, os tios e outros
parentes, etc.
A tutela dativa é aquela que é atribuída por decisão do tribunal, de acordo com as
circunstâncias de cada caso que for levado à sua apreciação.
Foi este o critério seguido pelo Código de Família, que atribui ao tribunal competência para a
nomeação do tutor — art. 224.°, n.° 1: « Compete ao Tribunal a nomeação do tutor».
O n.° 2 deste art. 224.° permite que: «Os pais podem indicar tutor ao filho menor ou incapaz
para o caso de virem a falecer ou de se tomarem incapazes, estando a indicação sujeita à
homologação do Tribunal», como aliás acontece sempre que está em jogo a apreciação do
superior interesse do menor.
Como instituto de direito público, a tutela do menor é de natureza obrigatória sempre que
ocorra qualquer das circunstâncias de facto mencionadas no art. 222.° do Código de Família.
c) cujos pais estejam há mais de um ano sem exercer de facto a autoridade paternal;
Em qualquer destas circunstâncias o menor não tem quem exerça a autoridade paternal, pelo
que, para suprir essa falta, tem de ser obrigatoriamente instituída a tutela.
A instituição da tutela é um dever que incumbe ao Estado e que é efetivado através dos seus
órgãos judiciais. O tribunal competente é o tribunal da residência do menor à data em que o
processo é instaurado.
É o que consta do já citado art. 6.°, n.° 1 do Código de Processo do Julgado de Menores
aprovado pelo Decreto n.° 6/03 de 28 de janeiro relativamente à competência para aplicação
de medidas a menores.
Pela Lei n.° 18/88, que aprovou o Sistema Unificado de Justiça, a competência para conhecer
das ações que julguem todas as relações familiares está atribuída à Sala de Família do Tribunal
Provincial.
Para que seja instaurado o respetivo processo, sempre que se verifique qualquer caso de
tutela obrigatória, a lei impõe o dever de participar o facto ao representante do Ministério
Público por parte das pessoas e entidades mencionadas no n.° 2.
Segundo o disposto no art. 229.°, n.° 2 do Código de Família esse dever de participação
incumbe:
a) a qualquer parente ou afim do menor;
Quem tem a legitimidade para propor a ação é o Ministério Público, desde que, por qualquer
interessado ou participante, lhe seja dado conhecimento da situação do menor, como
imperativamente prescreve o art. 230.° do Código: «Sempre que, por qualquer forma, tenha
conhecimento de situações em que a tutela seja obrigatória, o representante do Ministério
Público promoverá a sua instituição.»
O Ministério Público tem nestas ações a mesma posição jurídica que tem quanto ao dever de
proceder na ação penal. É uma ação proposta em nome do interesse público que se concretiza
na defesa da criança desprotegida.
Por seu lado, uma vez instaurado o processo de tutela, como vem previsto no art. 231.° « 0
Tribunal tem o dever de promover oficiosamente o prosseguimento dos autos (...)» com
poderes de iniciativa processual que permitam que o processo prossiga os seus termos legais,
independentemente de intervenção do Ministério Público como autor da ação.
Estes latos poderes concedidos ao tribunal evidenciam claramente o caráter público da tutela.
Aos tribunais são atribuídos poderes inquisitórios específicos, que lhes permitem após a
instituição da tutela, prosseguir com a ação intentada, e depois dela instituída fazer, também o
acompanhamento do seu exercício até que ela seja finda nos casos previstos na lei.
Ao Ministério Público cabe representar os menores, de acordo com o art. 36.°, alínea a) da Lei
Orgânica da PGR (aprovada pela Lei n.° 22/12).
Esse dever vem hoje consagrado no art. 186° da Constituição alínea b) que dispõe «exercer o
patrocínio judiciário de incapazes, de menores e de ausentes».
A ação da tutela inscreve-se no quadro de uma ação pública em que a iniciativa processual
incumbe a um órgão do Estado, o representante da Procuradoria Geral da República, e em que
o interesse prosseguido com a ação é o da proteção do menor tutelado.
A proteção jurídica do menor através da criação dos meios tutelares, é o fim de todo o
processo que visa uma intervenção mais eficaz dos órgãos do Estado em relação aos menores
que se encontrem em situação de orfandade ou de abandono familiar, mercê de todas as
circunstâncias adversas que foram vividas nas últimas décadas no nosso País e que não
estejam completamente sanadas.
Aliás, o Código do Processo do Julgado de Menores — Decreto n.° 6/03 de 28 de janeiro, veio
estabelecer no seu art.0 40.° o acolhimento do menor em família substituta o que de facto
permite o exercício da tutela de menores pelo representante do agregado familiar.
Como realidade na sociedade angolana surge a tutela de facto que tanto pode resultar da
perda, desconhecimento ou ausência dos progenitores, como de ato voluntário da parte deles,
que entregam o filho menor a um terceiro, normalmente pessoa de família irmão/irmã mais
velho, tio/tia ou pessoa considerada idónea, (designada como padrinho/ madrinha) a qual
passa a exercer de pleno a autoridade paternal em relação ao menor.
Essa realidade geralmente tem como causa razões de ordem económica que determinam tal
entrega ou ainda a perspetiva de uma melhor condição de educação e formação profissional
nesse agregado familiar.
Podemos integrar esta realidade na previsão legal da alínea c) do art. 222.° que prevê a
instituição da tutela quando os «pais estejam, há mais de um ano, sem exercer defacto a
autoridade paternal».
Quando por esta situação de facto se pretende integrar e receber proteção jurídica, temos o
que podemos designar como «tutela facultativa» ou «tutela constituída voluntariamente» pois
o pedido de instauração do processo de tutela parte ou do próprio progenitor ou da pessoa
que tem o menor a seu cargo. No entanto a maior parte das vezes, esta realidade é
estabelecida à margem do direito e deparamos-nos com a tutela de facto, de que adiante nos
ocuparemos.
Em princípio a autoridade paternal não é renunciável nem pode ser objeto de cessão, mas
pode ser considerada como uma delegação de poderes que importa apreciar sob o ponto de
vista legal.
Convém distinguir entre a delegação temporária de poderes, ou seja a da pessoa que tem o
menor a seu cargo, e a constituição do que podemos designar como tutela facultativa ou
tutela voluntariamente constituída e que foi devidamente formalizada judicialmente.
No entanto uma vez instituída a tutela que na verdade passa a ser integrada no regime da
tutela obrigatória, ela fica subordinada às demais regra do instituto da tutela e só poderá
terminar nos termos legais que veremos adiante, constam do art. 243.° e por decisão judicial.
Os critérios a seguir para a escolha do tutor veem previstos no art. 233.°, que permite que o
tribunal nomeie o tutor de acordo com o seu prudente arbítrio e tendo em conta o superior
interesse do menor e da sociedade.
O tribunal, ao escolher o tutor, poderá ter em conta, como vimos, a vontade dos pais,
homologando-a (art. 224.°, n.° 2), ou «conforme as circunstâncias poderá optar por um
parente ou afim do menor, ou por pessoa que tenha o menor a seu cargo ou que por ele
revele particular afeição» — art. 233.°, n.° 2.
A pessoa do tutor tem que satisfazer os requisitos que a lei prevê no art. 226.° e que,
similarmente com o que acontece em relação ao adotante, devem assegurar que a pessoa a
designar seja idónea sob todos os pontos de vista: que seja um cidadão ou uma cidadã com
bom comportamento moral, profissional e social, capaz de educar o tutelado e de defender os
seus interesses.
Deverá ser maior de idade e estar no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos. No
Anteprojeto do Código Penal está prevista como pena acessória no art. 62.° no caso de
condenação em pena superior a 3 anos a proibição do exercício de função por período de 2 a 5
anos que dependam de «homologação da autoridade pública ».
Assim pela futura lei penal como pela lei de família, não poderá ser nomeado tutor quem tiver
sido condenado na referida pena de prisão.
É ainda necessário que não existam, da parte do tutor, nem direta nem indiretamente,
interesses antagónicos aos do tutelado.
Os interesses antagónicos entre o tutelado e a pessoa indigitada para tutor podem ser de
diversa natureza e devem ser devidamente acautelados pelo tribunal que tiver de fazer a
nomeação. Assim, uma pessoa não deve ser escolhida como tutor quando essa pessoa vá
concorrer com o tutelado a uma herança indivisa, quando ela for litigiosa; quando houver
qualquer litígio entre essa pessoa, o seu cônjuge ou os seus parentes e o tutelado, ou parentes
próximos deste; quando
essa pessoa for devedor ou credor do menor ou de seus parentes próximos; quando houver
inimizade entre essa pessoa e os familiares do tutelado ou com o próprio tutelado.
Consequentemente, o cargo de tutor não pode ser entregue a quem não tenha plena
capacidade para reger a sua pessoa e os seus bens nem a quem tenha qualquer conflito de
natureza judicial ou extra-judicial com o menor ou que o tenha tido com os seus pais ou
parentes mais próximos.
Sob o ponto de vista económico a situação é diferente da que se verifica com a adoção, pois o
tutor pode não ter o encargo de prover aos alimentos do tutelado, sempre que este tenha
bens que lhe permitam ser economicamente auto-suficiente.
Recomenda o art. 225.° do Código de Família que: «A tutela respeitante a dois ou mais irmãos
caberá sempre que possível a um só tutor», obstando à separação dos irmãos e preservando a
estrutura familiar.
«Para a nomeação do tutor o tribunal tem que ouvir obrigatoriamente o parecer do Conselho
de Família » (art. 232.° do Código de Família), dado que, em princípio, deverá ser este órgão
dimanado do próprio meio familiar, que melhor conhece a pessoa dotada de idoneidade para
o exercício do cargo.
A não audição do Conselho de Família constitui uma nulidade processual de caráter absoluto e
insanável. O Conselho de Família tem intervenção primordial no processo de instauração e
funcionamento da tutela.
De igual modo, o tribunal «deve ouvira opinião do próprio tutelado que tenha completado 10
anos de idade» — art. 232.°. Mais uma vez a lei reconhece ao menor o direito de ser ouvido
em questão de tanta relevância na sua vida como seja a designação da pessoa que irá exercer
as funções de tutor.
Uma vez instituída a tutela, ela está obrigatoriamente sujeita a registo — art. l.°, alínea i) do
Código do Registo Civil.
O cargo de tutor é um cargo de natureza pessoal, não transmissível a terceiros, por contrato
ou por morte.
O art. 227.° do Código de Família diz expressamente que: «A aceitação do cargo de tutor é
voluntária», pelo que os direitos e deveres que advêm do cargo não devem ser atribuídos a
alguém especificadamente.
O caráter voluntário da tutela vem consagrado na lei por se entender que ele é mais benéfico
para o menor: — é sem dúvida preferível que a pessoa que venha a ser designada como tutor
esteja disposta a aceitar espontaneamente o cargo, tendo em conta a responsabilidade afetiva
e patrimonial que dele advém.
O Código Civil que foi revogado, entendia o cargo de tutor de caráter obrigatório, por se
entender que ele constituía um dever dos membros da família, um dever familiar inerente à
qualidade de parente ou afim do menor.
Essa obrigatoriedade já não existiria em relação às pessoas que não fizessem parte da família
do menor.
As funções do tutor são em regra gratuitas, não recebendo o tutor qualquer retribuição por
exercer a administração dos bens do tutelado. Mas, em certas circunstâncias, poderá ser
fixada remuneração ao tutor — art. 228.°, n.° 1.
Como veremos adiante, o tribunal e o Conselho de Família podem atribuir ao tutor, a título de
retribuição da sua atividade de gestor dos bens do tutelado, uma certa percentagem do
rendimento destes bens. Tal poderá acontecer quando o volume de bens herdados pelo
tutelado vá exigir ao tutor uma especial dedicação de tempo e empenho empresarial. O art.
228.°, n.° 2 prevê ainda: «O tutor tem direito a ser indemnizado pelas despesas que
justificadamente, tenha feito no exercício das suas funções».
O cargo de tutor é também, por natureza, provisório, pois destina-se a suprir a falta de
representante legal do menor.
A tutela extingue-se, pois, nos casos em que houver «A cessação das circunstâncias que
motivaram a instituição da tutela» e «quando o tutelado atingir a maioridade» — art. 243.°,
alíneas c) e b).
As funções do tutor têm como objetivo o exercício da autoridade paternal sobre o menor, o
que engloba a representação pessoal do tutelado por parte do tutor e a administração dos
seus bens.
O exercício da autoridade paternal abrange, como vimos, os direitos e os deveres descritos nos
artigos. 130.° e 131.°, e no seu âmbito inserem-se os direitos e deveres descritos nos artigos.
135.°, 136.° e 137.°, todos do Código de Família (ou seja, o dever de guarda, de vigilância, de
prestação de cuidados de saúde e educação).
Em atos de natureza estritamente pessoal, o tutor intervém, tal como os pais naturais, para
autorizar o menor a praticar o ato. É o que acontece, por exemplo, no caso do casamento (art.
24.°, n.° 3) ou no caso de declaração de filiação — art. 174.°, alínea b). Mas, como já
acentuámos, a vontade que tem de ser expressa é a do menor titular do direito e não a do
tutor.
Também aqui, e por maioria de razão, deve ser tido em conta o interesse do tutelado, o que
leva a ponderar sobre quais são as suas aptidões naturais, a atender ao respeito da sua
personalidade e vontade, tal como se exige aos próprios pais nas suas relações com os filhos —
art. 137.°, n.° 2.
O Código Civil previa a existência de um impedimento meramente impediente no casamento
entre o tutor e o incapaz (art. 1604.°, alínea c)), em virtude dos laços familiares que se
estabeleciam e da influência que o tutor podia ter sobre a personalidade do pupilo. Este tipo
de impedimentos não teve acolhimento no Código de Família.
O exercício da tutela no aspeto patrimonial sofre mais restrições relativamente aos poderes
que a lei confere aos pais naturais e que vêm mencionados nos artigos 236.° e seguintes do
Código de Família.
Assim, o art. 237.° impõe ao tutor deveres de natureza patrimonial de que estão isentos os
pais naturais. No que toca à administração dos bens do tutelado.
—fazer o inventário dos bens do tutelado quando o tribunal que o nomeou o não tiver Jeito.»
Verifica-se, como vimos, que a instituição da tutela está muitas vezes ligada ao direito
sucessório, e, por isso, quando é nomeado o tutor, já se procedeu ao inventário dos bens do
menor.
O tutor não tem o dever de prestar sustento ao menor quando este possuir bens próprios. Mas
tem o dever de administrar esses bens com a diligência de
O Código de Família não estabelece qual a periodicidade a que deve obedecer a prestação de
contas. Essa obrigação deverá ser cumprida quando o tribunal e o Conselho de Família o
julguem necessário e conveniente, tudo dependendo do volume dos valores patrimoniais em
jogo.
O art. 242.° do Código de Família atribui ao tribunal o encargo de velar pela prestação de
contas do tutor.
As contas do tutor têm que ser aprovadas pelo tribunal, ouvido o parecer do Ministério Público
e em conferência em que esteja presente o Conselho de Família. As contas podem vir a
apresentar um saldo credor ou devedor, consoante o volume de receitas ou a necessidade de
efetuação de despesas. Esses saldos deverão vencer juros fixados à taxa legal.
A lei impõe também ao tutor a obrigação de proceder ao inventário dos bens do tutelado,
quando, no momento da nomeação do tutor, o cabeça de casal não tiver iniciado o processo
de inventário. O art. 2053.° do Código Civil dispõe que, sempre que haja menores com direito a
serem chamados à sucessão, deverá ser aberto processo de inventário obrigatório.
Pode assim ocorrer que a nomeação do tutor seja feita após ter sido iniciado o processo de
inventário e então o tutor não terá a obrigação de o efetuar; mas pode acontecer que a
nomeação do tutor preceda a inventariação dos bens do tutelado, caso em que o tutor é
obrigado a fazer o inventário dos bens do tutelado, em processo que deve ser apensado ao
processo de tutela.
Neste caso, o tribunal deve fixar um prazo ao tutor para proceder ao referido inventário, de
forma a serem acautelados os bens do menor. O inventário deverá incluir a relação do passivo
e do ativo do património hereditário.
O tutor tem poderes de administração dos bens do tutelado que englobam a prática de todos
os atos de conservação do seu património, a cobrança de dívidas, a aquisição e a alienação de
bens mobiliários de caráter não duradouro.
O tutor carece, porém, de autorização do tribunal para praticar todos os atos discriminados no
art. 238.° do Código de Família. Na alínea a) deste art. 238.° prevêem-se as mesmas restrições
que são impostas aos pais (art. 141.°) e que se referem à alienação de bens imóveis e móveis
de caráter duradouro, ao repúdio de herança, e a contrair obrigações que vinculem o filho
depois deste ter atingido a maioridade.
Em sentido amplo, o tutor poderá assim contrair obrigações em nome do tutelado que
decorram dos atos normais destinados às despesas feitas em beneficio do tutelado e à
conservação do seu património, ou seja, em contrapartida de despesas necessárias à sua
atividade.
Já a aquisição de bens móveis e imóveis carece de autorização do tribunal. 0 tutor não pode
exercer comércio em nome do tutelado, dada a natureza pessoal da qualidade de comerciante,
sendo que poderá com autorização do tribunal, continuar a exploração de estabelecimento
comercial ou industrial que o tutelado tenha recebido por doação ou sucessão.
O tutor carece também de autorização do tribunal para intervir na partilha amigável em
processo sucessório de que o menor seja parte, ou para aceitar herança ou legado em seu
nome.
Por maioria de razão, o tutor não poderá praticar atos de liberalidade em nome do tutelado.
A propositura de ações também deve ser autorizada pelo tribunal (alínea c) do art. 238.°), o
que abrange ações de qualquer natureza (pessoal ou patrimonial). Intentada a ação sem a
devida autorização, a instância deve ser suspensa até ser decidido se a ação deve ou não
prosseguir. Se for negada autorização deverá o tutor arcar com as despesas judiciais e extra
judiciais.
Os atos praticados sem autorização do tribunal são anuláveis, como prevê o art. 239.° do
Código de Família, que remete para o art. 145.°. A anulação pode ser declarada pelo tribunal
oficiosamente, ou por iniciativa do Ministério Público ou
Em contrapartida, os atos anuláveis podem ser objeto de validação, como também dispõe o
art. 239.° que, por sua vez, remete para o art. 146.°.
Essa validação pode obter-se por iniciativa oficiosa do tribunal ou dos órgãos acima
mencionados durante a menoridade do tutelado, ou por iniciativa deste depois de atingir a
maioridade, não impondo a lei, neste caso, qualquer limite de tempo. O tutor deve cumprir
com boa fé e diligentemente os deveres do seu cargo. Ele é responsável pelos atos que
pratique culposamente ou intencionalmente em prejuízo do tutelado — art. 240.°.
Durante todo o exercício da tutela o tutor é acompanhado pelo Conselho de Família, que neste
instituto assume a sua maior relevância (artigos. 16.° a 19.° do Código de Família). Na escolha
dos 4 membros que o compõem, devem ser observadas as normas do art. 17.°, n.° 2 e devem
ser escolhidos 2 membros da linha paterna e 2 membros da linha materna, relativamente aos
ascendentes do tutelado.
Trata-se sempre de um órgão colegial, que deve tomar as deliberações que serão
homologadas pelo tribunal. O Conselho de Família, depois de ter sido ouvido sobre a
nomeação do tutor, permanece desde o início até ao termo da tutela como órgão de
acompanhamento. As intervenções do Conselho de Família no processo de tutela são
primordialmente, as seguintes:
— Na nomeação do tutor e possível remuneração.
— Dar parecer sobre qualquer pedido de autorização judicial pedido pelo tutor.
— Vigiar o desempenho do tutor no exercício da sua função desde o seu início até ao seu
término.
Ao tribunal, através da Sala de Família, incumbe o dever de velar pelo bom funcionamento da
tutela, de forma que os interesses de natureza pessoal e patrimonial do tutelado sejam
devidamente salvaguardados.
O exercício do cargo de tutor pode cessar antes de terem terminado as causas que levaram à
necessidade da existência legal da nomeação do tutor.
O tutor pode ser removido das suas funções, por iniciativa do tribunal, nos casos previstos no
art. 244.° do Código de Família.
a) sempre que se verifique que o tutor não está a zelar devidamente pelos interesses
pessoais e patrimoniais do pupilo;
b) Quando se revele inidóneo, quer por revelar inaptidão para o exercício do cargo quer
por deixar de reunir os requisitos legais que são impostos para a sua nomeação e vêm
previstos no art. 226°.
ARTIGO 14.°
(Aplicabilidade de medidas de proteção social)
As medidas de proteção social são decretadas, quando esteja em perigo o bem-estar físico ou
moral do menor, designadamente, quando ocorram qualquer das seguintes situações:
a) sejam vítimas de maus-tratos físicos, morais ou de negligência por parte de quem os tenha à
sua guarda.
A remoção do cargo de tutor ou de membro do Conselho de Família pode ainda derivar da sua
condenação definitiva em pena maior, como prevê o art. 76.° do Código Penal,® o que aliás
seria sempre de integrar na previsão do citado art. 244.°, alínea b). Quando, pelo seu
comportamento, o tutor se revele inidó- neo para o cumprimento das funções inerentes ao
cargo ou quando o seu com¬portamento negligente se revele prejudicial aos interesses do
tutelado ou quando seja inapto para o seu exercício, ele deve ser removido.
A alínea b) prevê igualmente a remoção do tutor quando ele deixar de reunir os requisitos
legais, o que em parte se sobrepõe ao que atrás se referiu. Pois os requisitos legais obrigam a
que este esteja no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos e que tenha um
comportamento moral, profissional e social idóneo, que demonstre ser suscetível de ser um
bom educador para o tutelado.
Quando ocorrer a interdição legal do tutor, é óbvio que ele terá de ser removido. Bem assim
quando, no decorrer da tutela, surjam interesses antagónicos entre tutor e tutelado que
incompatibilizem o normal relacionamento entre ambos, que deve ser muito próximo do
relacionamento entre pai e filho.
Factos supervenientes podem vir a tomar necessária a remoção do tutor e a sua substituição
por outro que preencha as condições legais.
O tribunal goza de grande amplitude nos poderes de remoção do tutor, remoção que pode ser
pedida pelo Ministério Público, pelos membros do Conselho de Família ou por pessoa que
mostre interesse legítimo na proteção do menor.
Para a remoção deverá o tribunal ouvir os órgãos de tutela, o Ministério Público e o próprio
menor, desde que tenha a idade mínima legal.
Mas a remoção do tutor não é obrigatória, pois, de acordo com as circunstâncias, o tribunal
pode ponderar qual a forma de melhor proteger o interesse do menor e pode ordenar ou não
a sua remoção.
É o que se infere do corpo do art. 244.°, segundo o qual o tribunal «poderá» determinar a
remoção do tutor, o que indica que será o tribunal a decidir se, naquele caso concreto, há ou
não conveniência em se proceder à remoção do tutor.
ARTIGO 76.°
(Efeitos da condenação em pena maior)
O art. 245.° do Código de Família é omisso quanto às causas que podem ser invocadas para
alicerçar o pedido de escusa.
O Código Civil português prevê uma série de fundamentos legais para a justificação do pedido,
que vão do exercício de certos cargos políticos e religiosos, à idade, local de residência, estado
de saúde, não ter a qualidade de parente ou de afim, etc.. No nosso direito, como a aceitação
do cargo é de natureza voluntária, entendeu-se deixar em branco as possíveis causas a invocar
pelo tutor, confiando-se ao arbítrio do tribunal a decisão sobre se elas são ou náo justificativas
do deferimento do pedido.
Sempre que ocorra a remoção ou renúncia do tutor, este é obrigado a prestar contas da gestão
do património do tutelado.
Na prestação de contas, que pode ser efetuada de forma simplificada, o tutor deverá
discriminar, por um lado, todas as receitas obtidas em representação do menor, devendo
indicar, no que se refere às despesas, os gastos feitos por conta da administração dos bens e
aqueles que respeitem aos alimentos do tutelado. Nas despesas com os alimentos estão
abrangidos os custos da habitação, alimentação, instrução, cuidados de saúde, etc.. As
despesas devem, em regra, ser justificadas com documentos escritos, com exceção daquelas
cujos usos tal dispensem.
A situação atroz que se viveu durante anos no nosso País devastado pela guerra e pelo êxodo
maciço das populações, tornou realidade a situação de desamparo de milhares e milhares de
crianças.
Perante tal conjuntura, já não era possível designar o tutor de uma forma normal dentro da
família. E isto porque a família se desagregou ou porque o menor foi rechaçado, desde o
nascimento, pela própria família que o não acolheu.
O Código de Família prevê esta situação no seu art. 233.°, n.° 3, dispondo que, «verificada a
impossibilidade de constituição da tutela voluntária., será o menor declarado abandonado ».
Já vimos qual o conceito jurídico de um menor em situação de abandono, definida no art.
200.°, n.° 2 do Código de Família. Os fundamentos de facto que levam à declaração de
abandono são os mesmos, quer na tutela quer na adoção: a verificação pelo tribunal de que o
menor não tem quem efetivamente exerça em relação a ele os deveres que integram o
exercício da autoridade paternal.
2. Tutela administrativa
Por outras palavras, é o próprio Estado, através das suas instituições vocaciona¬das para o
efeito, que vai assumir o encargo de criar e educar aquele menor abandonado pela sua família.
Esta tutela é de natureza administrativa e sai do âmbito das previsões do Código de Família,
sendo a tutela exercida pelo diretor do estabelecimento sem órgãos coadjuvantes.
O tribunal pode ser chamado a intervir quando haja que decidir questão relevante na vida do
menor ou quando surja um terceiro que mostre interesse legítimo na proteção do menor.
O que entre nós se passa é que, dado o elevado número de crianças a carecer de tutela, são os
próprios órgãos do Estado que não dão cumprimento às disposições legais que obrigam à
instituição obrigatória da tuteia pelos tribunais, que não
são chamados a intervir, como deviam, em tão relevante processo na proteção do menor.
O Código de Família (art. 229.°, n.° 2) impõe, como vimos, a determinadas pessoas e entidades
o dever de participar ao Ministério Público junto da Sala de Família do respetivo Tribunal
Provincial a existência de um menor em situação que exige a instauração obrigatória de um
processo de tutela, nos termos do art. 222.° do referido Código.
Muitas vezes este dever não é cumprido, o que significa que, com frequência, funcionários dos
organismos estatais e organizações humanitárias tomam conta do destino do menor de forma
administrativa, colocando-os em instituições de assistência ou em famílias substitutas, à
margem dos procedimentos legais. Fica omisso todo o acompanhamento judicial que devia ser
feito, e ficando o menor entregue à sua sorte e desprotegido.
3. Tutela de facto
A tutela de facto ocorre quando alguém se auto-investe na função de tutor, exercendo essas
funções sem para elas ter sido nomeado pelo tribunal, ou seja quando a tutela não está
institucionalizada como tutela facultativa ou obrigatória.
Na verdade, a tutela junto do tribunal, surge quando o menor tem um património a proteger e
o parente ou afim do menor ou a pessoa que o tem a seu cargo não cumprem o dever de
participação que lhes é atribuído pelo já citado art. 229.°, n.° 2. Assim, e mais uma vez, vemos
que em Angola muitas situações familiares são resolvidas à margem dos órgãos judiciais e do
Registo Civil. A tutela de facto tem na verdade uma ampla implementação no País e mantém-
se como tal, enquanto não surgir razão determinante para legalização da situação de facto.
E isto pela evidente razão de que, na quase totalidade dos casos, o menor que carece seja
instituída a tutela, não tem qualquer património, muito pelo contrário, precisa de quem cuide
dele, tomando sobre si os encargos de assistência material e outros que incumbiriam aos pais.
Vemos que, em muitos casos, aparece por livre vontade quem queira tomar conta do menor,
prestando-lhe cuidados de assistência em substituição dos pais, sendo a tutela exercida dentro
da família pelos avós, pelos tios, no mais comum dos casos, pelos irmãos mais velhos quando
os menores ficam órfãos.
Noutros casos a tutela é mesmo exercida por pessoas que não têm vínculo familiar com o
menor como aliás se verificou no conturbado período de guerra.
Nestas situações, a tutela constitui um encargo familiar, já que o tutelado não é possuidor de
qualquer bem. É, porém, importante ter em linha de conta que, nos casos em que houver bens
do menor a acautelar, tem que se proteger o seu
Os atos de administração porventura praticados pelo tutor «de facto» não vinculam o tutelado
e devem ser considerados como os de um gestor de negó¬cios, podendo ser ratificados pelo
tribunal ou pelo tutelado depois de atingir a maioridade.
O Código de Família dá relevância à tutela de facto, designando quem exerce essas funções
como «apessoa que tem o menor a seu cargo» e a mesma referência é feita no art. 233.°, n.° 2
quando se refere à nomeação do tutor dizendo que ele deve ser escolhido entre «os parentes
e afins do menor ou a pessoa que tiver o menor a seu cargo».
De igual modo, tanto na Lei n.° 19/96 de 19 de abril, Lei do Julgado de Menores, como no
Decreto n.° 6/03 de 28 de janeiro, Código de Processo do Julgado de Menores existem diversas
referências à «pessoa que tem o menor a seu cargo».
Como já dissemos, a tutela é de natureza provisória, pois visa tão somente o suprimento da
autoridade paternal e tem o seu termo pelas mesmas causas jurídicas que levam à cessação
desta, ou seja, a morte do tutelado ou o facto de este ter atingido a maioridade. A regra é que
ela termina quando o menor atinge a maioridade por ter atingido os 18 anos ou por ter sido
emancipado pelo casamento (art. 132.°, n.° 2, alínea a) do Código Civil) ou quando tiver sido
constituído o vínculo da adoção.
Mas a tutela pode ainda cessar quando deixem de verificar-se as circunstâncias específicas
que, naquele caso concreto, levaram à constituição da tutela. O art. 243.° diz que:«
Constituem causas de cessação da tutela:
No caso da alínea a) estamos perante um caso de cessação relativa, porque a tutela cessa em
relação ao tutor mas não em relação ao tutelado, a quem deve ser nomeado outro tutor.
Os outro casos são casos de cessação absoluta da tutela em relação à pessoa do tutelado.
d) cessação do impedimento de facto por parte dos pais de exercerem a sua autoridade
paternal.
A cessação da tutela por qualquer das causas aqui apontadas obriga sempre o tutor à
prestação de contas, tal como no caso da remoção e da renúncia, e à entrega do património
do tutelado.
O tribunal deverá sempre lavrar decisão em que se fundamente o que levou à cessação do
processo de tutela.
CAPÍTULO ZO.°
os ALIMENTOS
No conceito de alimentos está abrangido tudo quanto o alimentado necessita para a sua
sobrevivência e manutenção como ser social.
O art. 247.° do Código de Família dá-nos o conceito de alimentos, dizendo no n.° 1 que eles
compreendem tudo aquilo que for necessário ao sustento, saúde, habitação e vestuário. O n.°
2 deste artigo acrescenta que nos alimentos devidos a menores se compreende ainda a
educação e instrução.
Os alimentos abrangem assim tudo quanto é necessário para a vida, incluindo os gastos com a
saúde, as despesas da demanda se o credor de alimentos tiver de recorrer a juízo para exercer
o seu direito, e até as despesas fúnebres que se têm
A obrigação de alimentos tem uma função social muito relevante, pois, recaindo sobre os
membros da família, leva a que sejam estes a satisfazer as neces-
Se tal não acontecer, e se esse dever não for cumprido, a obrigação de alimentos vai recair
sobre (e vai onerar) a própria sociedade e o Estado onde esses membros carentes e
desprotegidos se encontram.
Viveu-se uma situação social de tal gravidade que não só as famílias como o próprio Estado se
viram impossibilitados de atender às necessidades alimentares de toda a população. Neste
período de crise aguda, foi necessário recorrer à comunidade internacional para prestação de
ajuda alimentar.
Nos países economicamente desenvolvidos a obrigação de alimentos é cada vez mais restrita e
póe-se em regra entre parentes em linha reta, cônjuge e pouco mais.
O desenvolvimento do sistema de segurança social leva a que seja o Estado, através das suas
instituições de previdência e segurança social, ou as empresas seguradoras que concedem
pensões ou subsídios por incapacidade ou reforma, que permitem a subsistência das pessoas
maiores impossibilitadas de angariar recursos, sem terem de recorrer a prestações de
alimentos dentro do círculo familiar.
A obrigação de alimentos existe opelegis, pois em regra é a lei que estabelece quem
Mas podem existir outras fontes desta obrigação, como o contrato e o testa- mento, o
instituto da falência, etc.. Nestes casos a obrigação de alimentos estará regulada pelas normas
do Direito das Obrigações, do Direito Sucessório, etc..
Dentro do âmbito do nosso estudo, vamos circunscrever-nos ao direito a alimentos que nasce
dentro das relações jurídicas familiares e que resulta diretamente da lei.
Embora ela se possa resolver mediante uma prestação de valor pecuniário, ela não é de forma
alguma uma obrigação de natureza patrimonial. Trata-se, aqui, de um direito de natureza
pessoal.
Esta natureza pessoal deriva do objeto e da causa da obrigação de alimentos. Ela tem como
objeto a proteção do direito à vida do próprio titular do direito de alimentos, pois visa prover à
sua subsistência e ao seu interesse imediato como pessoa humana. Destina-se exclusivamente,
a satisfazer as necessidades e o sustento do alimentando Como tal, o direito a alimentos dever
ser considerado como um direito fundamental da pessoa humana, integrado no direito mais
amplo que é o direito à vida.
Como um direito estritamente pessoal, não pode ser exercido senão pelo próprio titular ou
pelo seu representante legal.
É uma obrigação de ordem pública, porque eia não se limita a satisfazer os interesses de cada
credor de alimentos, mas também o interesse geral da sociedade. Precisamente por isso, o
Estado toma uma série de medidas para que a obrigação de alimentos seja satisfeita, de forma
a que ela não venha a recair sobre a coletividade em geral.
sub-rogatória.
Ele é imprescritível porque pode ser exercido em qualquer ocasião, desde que se verifiquem as
condições legais para tanto.
O titular do direito pode não o exercer e deixar de pedir os alimentos. Quando tal acontecer, a
lei presume que o facto de os alimentos não terem sido pedidos significa que eles não eram
necessários. Existe até o princípio aceite de que os alimentos não têm natureza retroativa.
Eles só são devidos depois da data da propositura da ação ou da sua fixação por acordo (art.
254.° do Código de Família), não podendo ser pedidas prestações pretéritas. Não seria
aceitável para a estabilidade das situações jurídicas que alguém fosse de uma só vez pedir
vários anos de pensões alimentares anteriores.
É certo que a lei civil dispõe que as prestações alimentícias já vencidas prescrevem no prazo de
5 anos, como prevê o art. 310.°, alínea f) do Código Civil. Mas isso não significa que o direito
em si, seja prescritível.
A eventual inércia do alimentado pode deixar prescrever pensões já vencidas, mas isso não
impede que se formule novo pedido de prestação alimentar. O pedido de alimentos, desde
que fundamentado na lei, pode ser pedido a qualquer tempo.
É ainda um direito indisponível, que não pode ser cedido a outrem, nem transacionado,
porque tutela um interesse essencial de determinada pessoa.
E é também um direito irrenunciável, porque, pela mesma razão, a renúncia iria pôr em causa
esse mesmo interesse essencial.
Ele é atribuído a uma pessoa em concreto, mercê do vínculo familiar que o liga ao devedor,
por conseguinte ele não pode ser cedido inter vivos nem transmitido mortis causa.
É um bem fora do comércio, que não pode ser usufruído por alguém que não seja o respetivo
titular. É também um direito impenhorável, mesmo que parcial¬mente, e isto porque a lei, ao
prever que seja fixada a prestação alimentar, tem em vista estabelecer o quantum
indispensável à pessoa que com ela é beneficiada, não podendo esse quantitativo ser
reduzido.
Não pode haver compensação de dívida do credor da prestação de alimentos para com o
devedor dessa prestação. Quer dizer: mesmo que o beneficiário da pensão de alimentos tenha
uma dívida para com quem lhos presta, o devedor da obrigação de alimentos não pode fazer
valer essa dívida para operar a compensação do seu crédito com o seu débito respeitante às
prestações alimentares.
O crédito alimentício goza de especial garantia, pois o Código Civil dispõe no seu art. 705.°
(Credores com hipoteca legal): «Os credores com hipoteca legal são: (...) a) O credor por
alimentos.»
Como tem vindo a ser entendido, «A justificação da atribuição duma hipoteca legal radica na
necessidade de garantir determinados credores que não poderiam obter o consentimento do
devedor para uma hipoteca convencional, ou só o poderiam obter com dificuldade ou
sacrificando a natural delicadeza existente entre credor e devedor. >> Elas traduzem-se numa
especial garantia dada por lei ao crédito alimentício em razão do direito protegido.
«Cumpre salientar — como aliás decorre da letra do art. 704.° — estas hipo¬tecas, ao invés do
que acontece com as hipotecas voluntárias, não resultam da vontade das partes, mas antes da
determinação da lei, podendo constituir desde que exista a obrigação a que servem de
segurança ». «No caso particular da obri¬gação de alimentos, o instrumento que pode servir
de base ao registo da hipoteca poderá (...) ser a certidão da decisão judicial que haja
condenado o devedor».
O crédito de alimentos está pois sujeito a registo, como prevê o art. 2.°, n.° 1, alinea h), do
Código do Registo Civil.
A hipoteca poderá ser registada logo que esteja constituída a obrigação e sem embargo de ela
se referir a obrigações futuras ainda não vencidas, dado o caráter periódico das obrigações
alimentícias. A hipoteca pode incidir sobre bens imóveis e sobre bens móveis sujeitos a registo.
Alem desta garantia, gozam ainda de privilégio mobiliário geral sobre os bens móveis, nos
termos estabelecidos no art. 737.° do Código Civil: «0 crédito por despesas indispensáveis para
o sustento do devedor e das pessoas a quem este tenha a obrigação de prestar alimentos,
relativo aos últimos seis meses.» [140] Sujeitos ativos e sujeitos passivos da obrigação de
alimentos
A obrigação legal de alimentos vem genericamente estatuída no art. 249.°, n.°s 1 e 2. Mas
dentro do Título VIII do Código de Família essa obrigação vem ainda mencionada no art. 260.°,
que se refere aos cônjuges e companheiros de união de facto, e no art. 262.°, que estabelece o
mesmo direito entre ex-cônjuges e ex-companheiros de união de facto.
Aliás, nas relações entre cônjuges está previsto na lei o dever recíproco de assistência material
(art. 43.°) e de contribuição para os encargos da vida familiar (art. 46.°).
Nas relações paterno-filiais vem estabelecida, por um lado, a obrigação dos pais de prestarem
assistência (art. 131.°) e de se responsabilizarem pelos alimentos dos filhos (art. 135.°) e, por
outro lado, a obrigação dos filhos de prestarem assistência aos pais (art. 132.°).
Do lado do sujeito ativo da obrigação alimentar, devem distinguir-se duas situações, de acordo
com o que dispõe o art. 248.° «Só poderão pedir alimentos: a) Os menores; b) As pessoas que
não possam pelo seu trabalho garantir o seu sustento e não disponham de recursos.»
Há portanto que distinguir entre a obrigação de alimentos a menor e a maior de idade, sendo a
primeira de caráter incondicional, ou seja o menor tem sempre direito a receber alimentos. Já
em relação a maiores o direito a alimentos está sujeito ao condicionalismo expresso na lei.
Aliás da redação do corpo art. 248.° que usa o termo «Só», se pode retirar a norma
orientadora sobre quais os maiores que têm direito a alimentos no nosso ordenamento
jurídico: os que não tenham capacidade para o trabalho e simultaneamente não disponham de
recursos.
A transformação dessa realidade leva a que se deva alterar a lei para uma melhor proteção dos
filhos maiores de 18 anos, mas que necessitem de apoio dos pais para a sua formação de
ensino superior, no condicionalismo que for estatuído por lei.
A obrigação de alimentos a menor, é mais extensa, e incumbe em primeiro lugar aos pais e
adotantes e depois aos demais ascendentes em linha reta, sem qualquer limite (avós, bisavós,
etc.). Faltando os ascendentes, a obrigação recai sobre os irmãos maiores, sejam eles
germanos, uterinos ou consanguíneos, não distinguindo a lei nenhuma prioridade entre eles.
Os tios são ainda obrigados a prestar alimentos aos sobrinhos, no caso da falta dos parentes
atrás mencionados,
pelo que a obrigação de alimentos entre parentes existe até ao 3.° grau da linha colateral. Em
último lugar aparece o padastro ou a madrasta, mas só no caso da morte do cônjuge, o que
significa que a obrigação de alimentos existe só no l.° grau da linha reta da afinidade.
A Convenção sobre os Direitos da Criança no seu art. 27.° n.° 2 atribui primacialmente aos pais
«assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida
necessárias ao desenvolvimento da criança».
Seguem-se por esta ordem: os descendentes (e dentre eles os de grau mais próximo) e os
adotados, os ascendentes (dentre eles os de grau mais próximo) e os irmãos, também sem
distinção entre irmãos bilaterais ou unilaterais.
A obrigação de alimentos entre maiores vai só até ao 2.° grau na linha colateral. A ordem
presente na lei é de natureza taxativa e cada obrigado na respetiva escala deve cumprir a
obrigação de alimentos em sucessivo e não em simultâneo.
Como a obrigação é de natureza recíproca, aquele que é hoje sujeito ativo (credor da
obrigação) pode mais tarde passar a ser sujeito passivo (devedor da obrigação).
A obrigação de alimentos pode recair sobre mais de um sujeito passivo: pai e mãe, avós
maternos e paternos, diversos irmãos maiores, etc..
Havendo mais do que um obrigado (por exemplo os avós em relação a um neto, os filhos
maiores em relação ao pai ou à mãe, etc.) o credor de alimentos pode optar entre pedir a
prestação de alimentos a um só devedor ou a um conjunto de devedores. A lei não determina,
dentro de cada classe de obrigados, qual a prioridade a dar à linha materna ou à linha paterna
de parentesco, a este ou àquele parente quando forem mais do que um dentro da mesma
classe.
O art. 253.° do Código de Família refere-se à pluralidade de obrigados, dizendo que, quando a
obrigação recair sobre mais de uma pessoa, a prestação de cada uma será proporcional à sua
capacidade económica.
Dentro de cada classe de obrigados, a obrigação de alimentos não é solidária mas proporcional
à capacidade económica de cada um (art. 253.° do Código de Família).
O n.° 3 do art. 249.° diz que a obrigação pode ser repartida por vários obrigados. Se algum dos
obrigados não puder satisfazer a prestação, a parte que lhe cabe acresce aos demais (art.
253.°, n.° 2). A cada co-obrigado caberá uma cota proporcional à sua capacidade económica o
que desde logo não envolve uma responsabilidade solidária.
Estamos, porém, perante uma forma especial de concurso de devedores, a qual não se rege
stricto sensu pelas regras da obrigação conjunta. O alimentado pode requerer a prestação de
alimentos a um só dos obrigados, aquele que entende estar em situação de maior desafogo
económico para a poder prestar.
Neste caso, como vimos, cabe ao demandado fazer intervir na ação os demais co-obrigados
para estes virem a assumir a obrigação da prestação da sua quota- parte, ou vir a posteriori
exercer a ação de regresso contra eles. No caso de dentro duma classe de obrigados um ou
mais, não estiverem em condições de prestar alimentos, a obrigação recai sobre os demais que
integrem essa mesma classe.
O alimentando é que, a nosso ver, não deve ver dificultado o direito à obtenção da pensão de
alimentos, sem embargo de que, se o devedor escolhido não for o mais indicado sob o ponto
de vista da capacidade económica, este pode só vir a ser condenado a uma prestação de
acordo com a sua capacidade.
Já atrás vimos como se concretiza a obrigação de alimentos entre cônjuges, pois quando existe
coabitação essa obrigação efetua-se na participação comum nos encargos gerais da vida
familiar que visam prover às necessidades da vida material e inteletual dos membros da
família.
Essa obrigação prolonga-se havendo simples separação de facto c depois da dissolução do
casamento por divórcio — artigos 260.° e 262.°, n.° 1 do Código de Família.
A obrigação de alimentos entre os companheiros de união de facto produz-se desde que esta
reuna os pressupostos legais para o reconhecimento por comum acordo ou por via judicial —
art. 260.°. No primeiro caso, os efeitos são os mesmos que os do casamento, e os
companheiros passam a ter reciprocamente os mesmos direitos e deveres dos cônjuges, entre
os quais se inclui o de prestar alimentos. No segundo caso, o pedido pode ser formulado
conjuntamente com o do reconhecimento da união de facto por via judicial.
No caso de reconhecimento de união de facto judicial por rutura, ele produz os mesmos
efeitos que a dissolução do casamento por divórcio (art. 126.° do Código de Família).
Neste caso, o art. 111.° do Código de Família manda atender à situação social e económica, à
necessidade de educação dos filhos e às causas do divórcio.
No caso da união de facto que terminou por rutura, o art. 262.°, n.° 2 impóe que o
companheiro não tenha dado causa exclusiva à rutura.
Compreende-se a razão de ser desta disposição, uma vez que a união de facto é de natureza
eminentemente voluntária, e, portanto, se um dos companheiros é o responsável exclusivo do
fim da união, não seria curial que pudesse ainda vir pedir alimentos ao ex-companheiro.
A disposição nova introduzida no art. 264.° do Código de Família prevê que o pai de uma
criança já concebida, mesmo que não coabite com a respetiva mãe, esteja obrigado a prestar
alimentos durante o período de gravidez e até seis meses após o parto, pois, em regra,
durante este período, a mulher não tem condições para exercer uma atividade profissional
plena.
Neste caso, a obrigação de alimentos tem a sua raiz no vínculo de paternidade em relação ao
nascituro e ao recém-nascido, sendo necessário que se verifiquem os demais requisitos legais.
a) em prestação pecuniária;
b) em espécie.
Permite, porém, que seja adotada solução diversa quando tal se justifique.
A lei prevê que se possa acumular a prestação pecuniária com a prestação em espécie, como
por exemplo quando o pai pode dar a um filho, além de uma pensão mensal, o direito ao
levantamento de bens de comércio para consumo, a assistência médica, ou permitir a entrega
de produtos agrícolas ou pecuários para alimentação, etc..
Em cada caso, e de acordo com as circunstâncias concretas, será fixado o modo como deve ser
cumprida a prestação.
Os alimentos podem ser fixados por acordo das partes ou por decisão judicial. Se os alimentos
disserem respeito a menores, o acordo terá de ser homologado pelo tribunal.
Quando os alimentos tiverem sido fixados de forma amigável entre o alimen¬tado e o devedor
da obrigação, os alimentos são devidos a partir da data do acordo.
No caso de terem sido fixados por decisão judicial, os alimentos são devidos desde a data da
propositura da ação (art. 254.° do Código de Família), pois entende-se que foi a partir dessa
data que o alimentado começou a necessitar de que lhe fossem atribuídos os alimentos.
Atendendo à premência que o alimentado pode ter em que lhe sejam prestados os alimentos,
por poder estar em causa a sua sobrevivência, está previsto que eles sejam fixados a título
provisório. Na verdade, a situação de urgência em que se encontra a pessoa que vem pedir os
alimentos pode não ser compatível com o decurso até final de uma ação judicial.
O art. 256.°, n.° 1 do Código de Família permite que, não estando ainda reunidas as condições
para uma decisão definitiva, o juiz possa, segundo o seu prudente critério, conceder alimentos
provisórios, devendo indicar como provisoriamente responsável pelo seu pagamento um único
obrigado.
O alimentado em caso algum terá de restituir os alimentos provisórios que recebeu — art.
256.°, n.° 3. Isto compreende-se porque, destinando-se os alimentos, sob as suas diversas
formas, a ser consumidos, torna-se impossível a sua devolução.
Mas se quem prestou alimentos não foi a pessoa que estava obrigada a fazê-lo, ou se só uma
pessoa prestou alimentos sendo vários os obrigados a prestá-los, essa pessoa terá direito a ser
reembolsada do que tiver prestado, total ou parcialmente, por aquele(s) sobre quem recaia a
obrigação de alimentos ou por aquele(s) que também era(m) legalmente devedor(es) da
prestação (art. 256.°, n.° 2, do Código de Família).
Quanto ao lugar do cumprimento da obrigação de alimentos, o Código de Família nada estatui,
pelo que é de aplicar a regra geral das obrigações segundo a qual o lugar do cumprimento da
prestação é no domicílio do credor (art. 774.° do Código Civil). Deverão ficar a cargo do
devedor todos os custos que derivarem do cumprimento da obrigação no domicílio do
alimentado.
Deverá atender-se ao nível social e económico de quem está obrigado a prestar alimentos, de
forma a que quem os recebe possa manter um nível de vida idêntico àquele de que
beneficiaria se vivesse no seio do agregado familiar do obrigado a prestar os alimentos.
Quando a prestação de alimentos for devida a filho menor deverão ser tidas em conta as suas
necessidades de instrução e educação e de manutenção do nível de vida idêntico ao do pai ou
da mãe que lhe presta os alimentos.
O art. 251.° do Código de Família contém uma disposição inovadora, pois, quando os alimentos
forem devidos a filhos menores, o seu montante deve ser fixado entre o mínimo de 1/4 e o
máximo de 1/2 do valor auferido pelo progenitor em causa. No cômputo desse montante
serão englobados todos os valores auferidos (vencimentos, rendimentos e outras formas de
ganhos).
Ao fixar a prestação de alimentos, o tribunal, de acordo com o seu prudente arbítrio, deverá
determinar qual o quantitativo justo, de forma a não prejudicar o demais agregado familiar do
obrigado, nem tampouco permitir que a prestação fixada não seja adequada à satisfação das
necessidades do obrigado.
Quanto maiores forem os recursos económicos do obrigado, maior será, obviamente, a pensão
alimentar, procurando-se obstar a que os tribunais sigam a tendência que tem vindo a
predominar, de fixarem pensões diminutas.
Pode até verificar-se a impossibilidade de prestação de alimentos por de tal resultarem graves
prejuízos para o cônjuge, para outros filhos menores e para o próprio obrigado.
A solução legal, no caso de o obrigado não ter disponibilidade para satisfazer uma prestação
pecuniária, é a de este se oferecer para receber em sua casa o alimentado, como vem previsto
no art. 252.°, n.° 2 do Código de Família.
Esta via de solução tem que partir da iniciativa do obrigado, que deve requerer isso mesmo à
entidade que tiver o pedido entre mãos, o tribunal, mas tem que ser aceite voluntariamente
pelo alimentando, ou pelo seu representante legal, pois não se pode impor uma convivência
familiar indesejável.
Como em regra, o pedido de alimentos é formulado pela mãe relativamente ao pai, esta forma
de cumprimento da obrigação levaria a que o filho deixasse de estar entregue à mãe para
passar a conviver com o pai e uma madrasta, o que em regra não é bem aceite.
Na maior parte dos casos, esta solução também não é satisfatória, pois, se os recursos já são
insuficientes, o acréscimo de mais uma pessoa dentro do lar só virá a piorar a situação
daqueles que lá se encontram e não vai satisfazer devidamente as necessidades do
alimentado.
A lei trata de forma diferente a obrigação de alimentos quando forem prestados a maiores,
pois neste caso, como vimos, o credor do pedido tem que justificar que não possui recursos e
que não tem possibilidade de os angariar pelos seus próprios meios. Cada cidadão tem o dever
de trabalhar para prover à sua própria subsistência, devendo em cada caso ser avaliada a
situação de quem pede os alimentos.
Uma vez fixada a prestação alimentar, ela será variável desde que se alterem as circunstâncias
em que se baseou a decisão.
Ela visou uma situação concreta e será alterada de acordo com as circunstâncias que lhe
serviram de premissa, quer em relação ao sujeito ativo quer em relação ao sujeito passivo da
obrigação.
O art. 257.° do Código de Família prevê a natureza variável da medida dos alimentos, dizendo
no seu n.° 1 que ela pode ser alterada de acordo com as circunstâncias de quem recebe e de
quem presta os alimentos. Trata-se de um princípio de ordem pública, pelo que não pode ser
objeto de renúncia.
O n.° 2 do art. 257.° acrescenta que, por essa razão, poderão ser chamadas outras pessoas a
prestar os alimentos. Pode ocorrer que, depois de terem sido atribuídos os alimentos, a pessoa
que esteja obrigada a prestá-los se venha a encontrar na impossibilidade de continuar a fazê-
lo, podendo transferir-se a obrigação para outro parente de grau mais afastado.
Dada a situação inflacionista que atualmente se vive, consideramos mesmo indispensável que
nas decisões judiciais se prevejam índices de atualização permanente das pensões alimentares,
poupando aos alimentados a necessidade de recorrer periodicamente a juízo para obter a
atualização do valor da pensão.
Porque a prestação de alimentos visa prover à subsistência de uma pessoa, esta finalidade
confere-lhe especial importância de natureza social. Não é só o interesse do beneficiário que
está em jogo mas o da sociedade, e, por conseguinte, o do próprio Estado. Está instituído o
princípio de que a falta de cumprimento da obrigação de alimentos se presume, e, salvo prova
em contrário, recai sobre o próprio obrigado.
Daí que nos diversos sistemas jurídicos estejam previstas medidas específicas para obter
coercivamente o cumprimento da obrigação, enveredando por vias expeditas de execução e
prevendo sanções de natureza penal para os relapsos.
No aspeto criminal, é certo que existia, como ainda existe, a Lei n.° 2053, de 22 de agosto de
1952 (Lei do Abandono de Família), que pune a falta de cumprimento voluntário dos deveres
conjugais e paternais, designadamente o não cumprimento da obrigação alimentar.
O conceito de abandono abrange uma conduta que consiste na ausência da prestação de ajuda
material e moral que a lei impõe a um membro da família, seja na qualidade de cônjuge seja
na qualidade de progenitor e que se traduz na assistência material e moral, inererentes à
«patria potestas, à tutela ou ao estado matrimonial».
«Abandono quer dizer omissão, desamparo, renúncia, ou abstenção de algo que se é obrigado
relativamente à família, imposto pela natureza ou pela lei« O delito de abandono de família
castiga a omissão dos deveres de assistência de solidariedade conjugal e paternofilial» .
O Anteprojeto do Código Penal integra como «Crimes Contra Outros Bens Jurídicos Familiares»
o crime de Abandono material no art. 230.°: «1 — Quem sem justa causa, deixar de prover à
(...). Cônjuge ou de pessoa em situação análoga, de filho menor de 18 anos ou incapaz para o
trabalho, ou de ascendente incapacitado não lhe proporcionando os recursos necessários ou
faltando ao pagamento de pensão alimentícia a que estejajudicialmente obrigado (...) épunido
com pena de prisão até 2 anos ou com multa até 120 dias.» A omissão tem que ter caráter
voluntário e ser imotivada, sem causa que a justifique.
A Lei Contra a Violência Doméstica, Lei n.° 25/11 de 14 de junho, integra o abandono familiar
como infração criminal definindo como «qualquer conduta que desrespeite, de forma grave e
reiterada, a prestação de assistência nos termos da lei», art.° 3.°, n.° 2 al. f). No seu art.° 25.°,
al. b) define como crime público entre outros «afalta reiterada de prestação de alimentos a
criança » que é punido com a pena de prisão de 2 anos, se outra mais grave lhe couber nos
termos da legislação.
Em França, por exemplo, prevê-se até que, em certas condições, se use o pro¬cesso de
cobrança pública em que é exequente o Procurador da República e que segue as normas de
cobrança das contribuições diretas devidas aos Estado.
O Estado, por sua vez, toma sobre si o encargo de pagar previamente a pensão de alimentos
ao seu beneficiário, executando depois o devedor com o acréscimo de uma taxa legal.
Em Portugal a Lei n.° 75/98 de 19 de novembro estatui que seja pago pelo Estado ao menor
residente em território português, desde que o alimentado não possua rendimentos
superiores ao salário mínimo nacional, a pensão de alimentos que devia ser paga pelo
obrigado.
O sistema previsto antes da entrada em vigor do Código de Família, ou seja no Código Civil e
no Estatuto da Assistência Jurisdicional aos Menores, era de débil garantia quanto à efetiva
cobrança da pensão de alimentos, verificando-se inúmeros casos em que os obrigados ficavam
impunes, apesar de não cumprirem as suas obrigações legais, mesmo quando reconhecidas
por decisão judicial.
Há que reconhecer, porém, que a Lei do Abandono de Família, ao longo da sua longa
existência, não tem sido objeto de aplicação prática e tem deixado sem sanção a generalidade
dos casos de violação dos deveres de assistência familiar, quer sob o ponto de vista moral quer
material. Mormente o dever de prestar alimentos, que é sem dúvida um dos mais importantes.
O Preâmbulo da Lei n.° 1/88, que aprovou o Código de Família, menciona precisamente as
alterações feitas quanto à medida de alimentos devidos a menores, acrescentando que se
atribui ao tribunal a possibilidade de ordenar à entidade patronal do obrigado que pague os
alimentos diretamente ao alimentando.
No geral, podemos dizer que a execução da obrigação de alimentos pode efetuar-se por duas
vias:
O art. 255.° do Código de Família prevê o que poderá ser feito pela via judicial civil, no caso de
execução de alimentos.
O n.° 1 do art. 255.° diz expressamente que o tribunal deve promover oficiosamente todas as
diligências que se mostrem necessárias.
O alcance desta disposição é muito lato. Permite que, por iniciativa do próprio juiz, que pode
para tal mandatar o escrivão do tribunal, se investigue a existência de bens do devedor,
pedindo informações a entidades públicas e privadas para saber da sua situação económica, e,
em consequência, proceder à penhora dos bens que forem encontrados.
O Ministério Público e o credor de alimentos podem também vir aos autos indicar os bens a
apreender para satisfação da quantia exequenda.
Como muitas vezes acontece que o devedor dos alimentos procura subtrair-se à sua obrigação
ocultando os seus bens em nome de terceiros, o tribunal deverá, investigar e se em concreto
se convencer de tal, ordenar a penhora sobre bens que estejam na efetiva posse do obrigado,
como recheio de residência, viaturas automóveis, etc..
No caso de se tratar de trabalhador por conta de outrem, o n.° 2 do art. 255.° permite que se
efetue o pagamento direto entre o centro de trabalho (seja ele entidade patronal pública ou
privada) e o beneficiário da pensão de alimentos.
Basta para tal que o tribunal mande proceder à notificação judicial de ter¬ceiro que é devedor
do salário ou vencimento, ficando esse terceiro obrigado a
Na grande maioria dos sistemas jurídicos, a tendência é, como vimos, considerar hoje a falta
injustificada de pagamento da pensão de alimentos como uma infração penal, prevista entre
os delitos cometidos contra a família.
A legislação penal angolana carece de urgente atualização, de forma a punir os infratores que
voluntariamente se furtem ao cumprimento da obrigação de alimentos.
A execução da obrigação de alimentos pode seguir em simultâneo a via civil e a via criminal, de
forma a que seja alcançado o cumprimento efetivo da obrigação, sempre tendo em conta o
interesse do beneficiário e o da sociedade em geral, em que ela seja devidamente satisfeita.
O citado art. 27.° da Convenção dos Direitos da Criança, prevê no seu n.° 4 que sejam tomadas
medidas para a cobrança da pensão alimentar mesmo entre Estados diferentes.
ARTIGO 14.°
(Decisões abrangidas)
X As decisões e transações referidas nos números antecedentes tanto podem ser as que fixem
alimentos como as que modifiquem decisões ou transações antecedentes.
a) a verificação de um facto;
b) a decisão judicial.
O art. 258.°, n.° 1, alínea a), diz que a obrigação de alimentos cessa pela morte do obrigado ou
do alimentado. No seu n.° 2 prevê este artigo que o alimentado exerça o seu direito em
relação a outros, igual ou sucessivamente obrigados.
Isto não significa que, se houver prestações já vencidas e não pagas, o credor da obrigação (o
alimentando), não possa vir exigi-las sobre os valores existentes da herança do devedor da
obrigação. Por ter cessado o vínculo familiar que unia o obrigado e o alimentado, deixou de
existir um dos pressupostos legais.
A extinção da obrigação por via de decisão judicial é aplicável a todos os demais casos. O art.
258.° do Código de Família menciona como casos de extinção da obrigação os seguintes:
a) quando o alimentado maior de idade viole gravemente os seus deveres para com o
obrigado;
b) quando aquele que presta os alimentos não possa continuar a prestá-los ou aquele
que os recebe deixe de ter necessidade deles.
Por sua vez o art. 263.°, no caso específico de ex-cônjuges e companheiros, acrescenta ainda o
caso de atentado grave contra a honra do obrigado.
No caso da alínea b) do art. 258.° estamos perante pessoas ligadas por vínculo familiar que
estão adstritas a determinados direitos e deveres específicos. Havendo violação grave desses
deveres, pode julgar-se extinto também o dever de alimentos.
Em regra, dado o caráter de reciprocidade da obrigação alimentar, se aquele que era obrigado
a prestá-la não a prestou, como por exemplo no caso do pai em relação ao filho menor que
deixe desamparado, tem de se entender que, mais tarde, o pai não pode vir pedir alimentos ao
filho.
A violação grave do dever pode ser apreciada pelos tribunais, sopesando as circunstâncias de
cada caso concreto e avaliando se os factos são em si graves, se revestem de natureza dolosa
ou meramente culposa.
Por fim, cessa a obrigação de alimentos quando o obrigado deixe de poder continuar a prestá-
los ou ainda quando quem os receber deixe de ter necessidade de os receber. Num caso e
noutro, estaremos perante pressupostos legais da obrigação de alimentos que, se deixarem de
existir, vão fazer extinguir a própria obrigação.
Na verdade, a obrigação de alimentos, que é de natureza variável, pode ser reduzida ou até
extinta consoante se alterem as circunstâncias económicas do obrigado e do beneficiário.
As disposições do art. 258.° do Código de Família são de natureza geral e são aplicáveis a todos
os casos da obrigação de alimentos.
O Código Civil tinha um conceito mais restrito da obrigação de alimentos neste caso, pois
mencionava que era causa de extinção o facto de o alimentado se tornar indigno pelo seu
comportamento moral.
O Código de Família não aceitou este critério, pois entendeu-se que o facto da indignidade
moral do alimentado não lhe retirava a carência dos alimentos.
O art. 263.° do Código de Família impõe que o alimentado cometa algum ato dirigido
diretamente contra a pessoa do obrigado.
E tem que ser um ato grave: um atentado contra a vida ou um grave atentado contra a honra
do obrigado. Os factos previstos no art. 263.° devem ser posteriores à dissolução do
casamento ou à rutura da união de facto.
O art. 264.° prevê que: «0 pai que não coabite com a mãe do filho é obrigado a prestar-lhe
alimentos, quando ela deles careça, relativamente ao período de gravidez e até 6 meses após
o parto».O vínculo que liga o progenitor ao nascituro é o fundamento da obrigação de
alimentos que se prolonga pelos seus primeiros 6 meses de vida, em relação à mãe do filho,
tendo em conta que ela no período pós-natal estará impossibilitada de trabalhar.
BIBLIOGRAFIA
Introdução
Compêndios
CZACHORSKI, Witold — Droit Civil de Famille (Introdution aux Droits Socialistes). DINIZ, Ma
Helena — Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 5.°, Direito de Família. ECKELAAR, Jonh e KATZ,
Sanford — Ihe Resolution of Family Conflicts.
Revistas
e actualizada — 2005
e actualizada — 2005
Independência — 2003