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CCL/CCLA/UFRR
CL513 Estudos Morfológicos do Português – Nível I
Prof. Manoel Gomes dos Santos
Morfologia: conceito e objeto (Laroca, 2005, p. 11-18)

Essa compreensão de que a palavra “morfologia” (do grego: morphé “forma” + logía “estudo”)
designa o estudo das formas das palavras não era familiar aos gramáticos gregos e latinos.

Esses gramáticos não tinham consciência de que a palavra era constituída de formas menores, por
isso viam a palavra como unidade indivisível que apresentava variações (flexões), modelo de
análise chamado Palavra-e-Paradigma.

Assim, uma palavra era paradigma (palavra que significa em grego: modelo) que representa todas
as palavras que se flexionam (variavam a parte final) da mesma maneira que ela. Por exemplo: o
verbo amar é paradigma (modelo) de flexão para os verbos de primeira conjugação (os terminados
em –ar), como cantar, falar:

Eu amo Eu canto Eu falo


Tu amas Tu cantas Tu falas
Ele ama Ele canta Ele fala
Nós amamos Nós cantamos Nós falamos
Vós amais Vós cantais Vós falais
Eles amam Eles cantam Eles falam

Modelo Palavra-e-Paradigma
Palavra → unidade central mínima (não havia consciência das unidades constituintes)
Palavra apresenta flexões (variações acidentais em suas formas dentro de diferentes paradigmas)

A palavra morfologia, importada da biologia, foi usada como termo linguístico, envolvendo flexão
e derivação no século XIX, aproximadamente em 1860.

Conceito e objeto

Para alguns linguistas (dentre eles Saussure) a morfologia não tem um campo próprio de atuação, de
forma que, ressaltando as inter-relações entre os níveis morfológico e sintático, preferem o termo
morfossintaxe.
A concordância é um dos fatos gramaticais que envolvem a relação entre morfologia e sintaxe, pois
ocorre uma mudança na forma da palavra (fato morfológico) decorrente da relação entre palavras
numa construção (fato sintático):
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Livro bom → livros bons


(a forma “bom” fica no singular) ou (“bons” vai para o plural) concordando com “livro(s)

Ele leu livros. ou Eles leram livros.


(a forma “leu” fica em P3) ou (“leram” vai para o plural) em concordância com ele(s)

Outros linguistas entendem que a morfologia tem um objeto próprio, pois pode apresentar valores
morfológicos independentes da sintaxe. Mattoso Câmara Jr. defende essa posição, a partir das
oposições categoriais da forma pronominal “ele”. Assim:

Oposição quanto à categoria de gênero: ele (masculino) ela (feminino);


Oposição quanto à categoria de número: ele (singular) eles (plural);
Oposição quanto à categoria de pessoa: ele (P3) eu, tu (P1, P2).

Definição de morfologia enquanto componente separado da sintaxe (tendo como unidade


mínima: o morfema e como unidade máxima: a palavra):

“Parte da gramática que descreve as unidades mínimas de significado, sua distribuição, variantes e
classificação, conforme as estruturas onde ocorrem, a ordem que ocupam, os processos na formação
de palavras e suas classes.” (Cabral)

Dois ramos da Morfologia: flexional (ou gramatical) vs. lexical (ou derivacional)

Morfologia flexional (ou gramatical)

Estudo das relações entre diferentes formas de uma mesma palavra (seu paradigma flexional).
Flexão tem caráter morfossintático: exigida pela concordância (nominal ou verbal) e outras
combinações de elementos pela sintaxe. Na frase:

Antigamente fazíamos longas viagens.

Há concordância número-pessoal do verbo com o pronome sujeito “nós” (concordância verbal);


Combinação sintagmática entre o advérbio “antigamente” e a forma verbal do pretérito imperfeito
do indicativo;
Concordância do adjetivo “longas” com o substantivo “viagens” (concordância nominal de gênero
(feminino) e de número (plural)).

O paradigma de uma palavra corresponde ao conjunto de suas flexões:

FAZER: faço, fazes, fazíamos, fizeste...


LONGO: longo, longa, longos, longas.
VIAGEM: viagem, viagens.

Morfologia lexical (ou derivacional)

Estudo da estrutura das palavras e de seus processos de formação e, assim, envolve relações entre
paradigmas diferentes (formas com paradigmas separados):

jogar/jogador (jogar + -dor) “jogar” e “jogador” são palavras diferentes com paradigmas distintos:
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jogar jogador
jogo, jogamos, jogavas, joguei.... jogador, jogadora, jogadores, jogadoras

belo/beleza (belo + -eza) “belo” e “beleza” são palavras diferentes com paradigmas flexionais
diferentes:

belo beleza
belo, bela, belos, belas beleza, belezas

Obs.: para alguns estudiosos → a diferença entre os dois tipos é apenas uma questão de gradação.

Critérios para distinguir a expressão flexional e a derivacional (lexical)

➢ Obrigatoriedade (e consequente previsibilidade) – flexões exigidas sintaticamente:

Antigamente nós dançávamos no velhíssimo clube de nossa cidadezinha.

dançávamos concorda com nós; no e velho concordam com clube; nossa concorda com
cidade. Derivação é opcional (não exigida sintaticamente);

Obs.: com base nessa característica a categoria de grau não é flexão, mas derivação → é
opcional seu emprego: velhíssimo/velho clube (razão estilística).

➢ Generalidade (produtividade vs. semiprodutividade) – a flexão é aplicada para todos os


constituintes de categorias que a requerem (nomes adjetivos, artigos, possessivos,
demonstrativos em concordância com os nomes substantivos):

Aqueles nossos brilhantes alunos japoneses.

A aplicabilidade da expressão lexical ou derivacional é restrita:

Por questão de extensão de sentido:

No par “certo/certeza”

certo → certeza (substantivo abstrato) / certo → certidão (substantivo concreto)


receber → recepção (acolhimento de pessoas) / recebimento (de objetos);

Por existência de lacunas:

medo → medonho, riso → risonho / choro → *choronho;

Por bloqueio (rejeição), se o correspondente semântico já existir:

alegre → triste/*inalegre oposto a feliz → infeliz;

➢ Estabilidade semântica – flexão tem estabilidade semântica (plural é sempre “mais de um”);
na derivação pode haver extensões de sentido: redigir → redação (ato de redigir / trabalho
resultante do ato de redigir / conjunto de pessoas que redigem para um periódico / lugar
onde os redatores trabalham);

➢ Grau de relevância semântica – flexão não muda o significado da palavra (jardim / jardins);
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a derivação, por outro lado, muda (jardim “local do cultivo de flores e plantas” / jardineiro
“indivíduo que cuida do jardim”);

➢ Mudança de classe gramatical – a flexão não muda a classe da palavra: pedra (subs.) →
pedras (subs.); a derivação pode mudar: pedra (subs.) → apedrejar (verbo).

[Exercício: Laroca, p. 17-18]

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