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MORFEMAS, MORFES E ALOMORFES

PROFA. DRA. MARCELA VASCONCELOS


FORMA, SIGNIFICADO E FUNÇÃO

 Sabemos que a Morfologia, como disciplina linguística, trata da forma das


palavras (Ortega, 1990, p. 3).
 Mas o que devemos entender por forma?
 Forma é sinônimo de estrutura e toda estrutura contém elementos
minimamente relacionados (MONTEIRO, 2002, p. 11).
 Como a Morfologia trata da forma das palavras, pode-se perceber que a
Morfologia trata da estrutura interna das palavras, a qual pode conter elementos
relacionados.
 As unidades menores que constituem as palavras produzem um significado.
 As palavras, portanto, apresentam forma e significado. Ex.: serpentes
Palavra: serpentes
Forma Significado

Serpent e s
RAIZ/RAD VT DN
 Como não costumam ser empregadas isoladamente, as palavras também
exercem uma função em cada enunciado em que aparecem.
Ex.: João presenciou a luta de serpentes.
Serpentes qualifica a luta, restringe seu significado. Exerce a função de adjunto
adnominal.
 De acordo com Câmara Jr. (1968), a função diz respeito à aplicação que uma
forma tem na língua em função de seu valor gramatical.
 Na forma serpentes, o [s] final tem a função de indicar o plural.
 Forma, função e significado são elementos solidários e interdependentes, só
num plano de abstração um existe sem o outro.
 Existem formas às quais não é possível atribuir significado.
Ex.: luta de serpentes → os vocábulos luta e serpente estão associados e ambos
expressam ideias; o de, ao contrário, parece vazio, apresentando apenas a
função de relacionar dois termos.
 Vocábulos que não têm significado não são considerados palavras. Reservamos
o termo palavra apenas para vocábulos que apresentam significado.
 Logo: toda palavra é vocábulo, mas nem todo vocábulo é palavra.
 São palavras (e vocábulos) as formas livres, geralmente nomes, pronomes e
verbos.
 São apenas vocábulos as formas dependentes, como preposições e conjunções.
MORFEMAS, MORFES E ALOMORFES

 Sabemos que a forma ou estrutura interna de uma palavra é constituída de


elementos menores que, normalmente, se combinam uns aos outros.
 Os morfemas são as menores unidades formais dotadas de significado. É uma
entidade abstrata.
 A realização, concretização de um morfema se denomina morfe.
 Nas palavras vida e vital, há um mesmo morfema, a raiz. Na primeira, o
morfe (a realização concreta) é [vid], enquanto, na segunda, é [vit].
 Quando há mais de uma realização para o mesmo morfema, podemos reconhecer
alomorfes.
CLASSIFICAÇÃO DOS MORFEMAS
 Morfema lexical ou semantema: é a parte da palavra em que se encontra o
significado lexical básico, confundindo-se com o que geralmente se denomina
de raiz. É o morfema que concentra o núcleo significativo da palavra.
Ex.: belíssimas → semantema [bel] + outros morfemas [íssim + a + s]
 Para alguns autores que adotam um conceito de morfema mais restrito, o termo
morfemas é reservado apenas para os elementos que se opõem ao semantema,
que, assim, não seria um morfema, mas uma categoria autônoma.
 O semantema é a parte comum a um grupo de palavras aparentadas pelo
vínculo de significação.
Ex.: [caval] → cavalo, cavalar, cavalaria, cavalariça, cavaleiro, cavalete etc.
 Morfema derivacional: é aquele que possibilita a criação de novas palavras a
partir de uma forma primitiva.
 Forma primitiva: é o vocábulo de que se originam outros através do processo
de derivação.
Ex.: cavalo
 Forma secundária: é o vocábulo derivado de uma forma primitiva.

Ex.: caval + [eiro]


caval + [aria]
 Morfema flexional ou categórico: é aquele que sinaliza as categorias próprias
de nomes (gênero e número) e verbos (modo, tempo, número e pessoa).
Ex.: peru + [a] → [a] sinaliza o gênero feminino
peru + [s] → [s] indica o número – plural
cant + [o] → [o] traduz a noção de 1ª pessoa do singular

 Morfemas flexionais ou categóricos indicam as flexões que as formas assumem


e não formam novas palavras.
 Morfema relacional: é aquele que funciona como elo entre duas palavras.
Ex.: Falo com José.
 Distinguem-se dos morfemas categóricos ou dos derivacionais porque não são formas
presas (não integram o corpo fonológico do vocábulo).
Feliz + [mente] → morfema derivacional (integra o corpo fonológico do vocábulo)
Café + [s] → morfema categórico (integra o corpo fonológico do vocábulo)
Livro de João → morfema relacional (não integra o corpo fonológico do vocábulo)

 Como se trata de uma forma dependente, o morfema relacional apresenta a possibilidade


de intercalação ou de disjunção.
Livro de João → Livro de seu grande amigo João
O livro se encontra à venda nesta livraria → O livro encontra-se à venda nesta livraria.
 Morfema classificatório: é aquele que sinaliza a estrutura do vocábulo, se
nominal ou verbal. Segundo Monteiro (2002, p. 17), os morfemas
classificatórios, identificados pela vogal temática, “nada parecem acrescentar
ao significado do vocábulo”.
Ex.: menin + [o] estud + [a] + [r]
cadeir + [a] corr + [e] + [r]
doent + [e] dorm + [i] + [r]

 A vogal temática nominal é a vogal átona final oral dos nomes que não indica
gênero.
 A vogal temática verbal é a vogal que indica a conjugação dos verbos.
RESUMINDO
CLASSIFICAÇÃO DOS MORFEMAS

Morfemas lexicais Raízes

Morfemas derivacionais Afixos

Morfemas flexionais ou categóricos Desinências nominais e verbais

Morfemas relacionais Preposições, artigos, conjunções, pronomes


relativos
Morfemas classificatórios Vogais temáticas
TIPOS DE MORFES

 O termo morfema se refere a uma entidade abstrata que, quando se concretiza,


passando a fazer parte da estrutura de uma palavra, passa a ser denominada de morfe.
 O ideal seria que houvesse uma correspondência direta entre morfemas e morfes, mas
essa relação nem sempre é perfeita.
Ex.: autor + ⌀
autor + a
 Morfe zero: muitas vezes, o morfe deixa de estar presente na palavra, mas isso
não significa que ele não existe: ele apenas está ausente. Inclusive, essa ausência
tem uma função ou significado e, por isso, é chamada de ausência significativa.
A ausência de um morfe é convencionalmente simbolizada por ⌀.
 Se o nome apresenta uma correspondência de formas (uma para o masculino,
outra para o feminino), é evidente que ambas devem ser marcadas por morfes
distintos. O feminino, geralmente, é marcado pelo morfe [a], já o que caracteriza
o masculino é a ausência de qualquer marca, ou seja, o morfe zero ⌀.
Ex.: peru + ⌀ guri + ⌀
peru + [a] guri + [a]
 O plural é marcado pelo [s], enquanto o singular, pela ausência e consequente
uso do ⌀.
Ex.: tigre + ⌀ jardim + ⌀
tigre + [s] jardin + [s]

 Em muitas formas, subentende-se um zero em oposição a outros morfes.


Ex.: Radical VT DMT DNP
cant a va m
cant a ⌀ ⌀
 Até mesmo a raiz de um vocábulo pode ser formalmente vazia.
Ex.: ⌀ + o = o ⌀ + o + s = os

 Às vezes, ocorre também a ausência de um morfe derivacional numa palavra


que reconhecidamente é derivada de outra. Nesse caso, o morfe derivacional
pode ser interpretado como zero.
Ex.:
Raiz Morfe VT DMT
derivacional
Flor esc e r
Flor ⌀ i r
 Casos discutíveis em que a maioria dos estudiosos não admite que se recorra
à noção de morfe zero
 Nomes que no singular e no plural terminam do mesmo modo.
Ex.: o lápis / os lápis
o pires / os pires
 Conceber que o morfe zero pode representar o plural de tais palavras parece
um contrassenso, já que ele não poderia opor-se a outro zero, o do singular.
 Parece mais coerente admitir que o mecanismo de indicação de plural, em
tais casos, não é morfológico, porém sintático (o determinante esclarecerá o
número).
 Substantivos comuns de dois gêneros, que não apresentam a marca formal do
feminino
Ex.: o estudante / a estudante
o artista / a artista
 Sabemos que o feminino, em Português, é marcado por um [a], oposto à
ausência de qualquer morfe no masculino. Mas, nos exemplos acima, são
iguais as formas para ambos os gêneros. De que modo então seria possível
interpretar a formação do feminino, se não há qualquer marca opositiva?
 Admitir a ocorrência do morfe zero para o feminino, nessa situação, seria um
contrassenso.
 Parece mais coerente, mais uma vez, recorrer a um critério sintático: o gênero
será identificado por meio de determinantes. Ex.: bela estudante, o artista etc.
 Morfe vazio: ocorre quando a segmentação de uma palavra deixa um
segmento residual que não corresponde a nenhum significado. Em tese, não
deve se constituir como morfema, já que este se define como um elemento
estrutural dotado de significado.
Ex.: cha + l + eir + a

 Não existe um consenso quanto a destacar esse tipo de segmento. Alguns


estudiosos defendem que tais elementos devem ser agregados ao sufixo (ex.:
saud + á + vel saud + ável), porém esse critério mostra-se frágil em diversas
situações (ex.: em cas + u + al, parece mais coerente agregar o [u] à raiz:
[[cas(u)]al] . O mesmo ocorre em palavras tais como ou [frut(u)]oso].
 Parece mais coerente a proposta de destacar esse elemento, o que reduziria
bastante o número de sufixos no Português.
 Morfe cumulativo: ocorre quando um só morfe apresenta mais de um
significado, expressa duas ou mais noções.
 A desinência [mos], em viajamos, indica a pessoa (primeira) e o número (plural).
Ela é indivisível e expressa as duas noções ao mesmo tempo.
 Todas as desinências verbais portuguesas são morfes cumulativos.
 Em muitos casos, é mais coerente recorrer à noção de morfe zero que afirmar
que um só morfe acumula a função de vários.
 Na palavra lindo, é mais pertinente admitir que há uma vogal temática e
morfe zero na desinência de gênero, pois, se o [o] for considerado morfe
cumulativo (vogal temática e desinência de gênero), também seria necessário
conceber que o [e] de mestre ou o [a] de solista acumulam essas funções.
 No caso dos artigos, parece mais plausível a ideia de morfe zero na raiz à
crença de que o [o] de os acumula as funções de raiz e vogal temática.
 Morfe superposto: ocorre quando um só morfe apresenta mais de um significado, expressa
duas ou mais noções, mas apenas em alguns contextos.
Am - a - ⌀ - ste com - e - ⌀ - ste sa - í - ⌀ - ste
 Sabemos prontamente que essas formas verbais se encontram no pretérito perfeito do
indicativo, mas como sabemos isso, se há um morfe zero na desinência modo temporal? O
simples fato de haver um morfe zero não garante a ocorrência do pretérito perfeito do
indicativo, já que, no presente do indicativo, encontramos morfe zero na desinência modo
temporal (ex.: viajo, canto).
 O que nos faz afirmar que se trata do pretérito perfeito são as desinências número-pessoais,
a marca [ste], que só aparece neste tempo e modo verbal.
 Só em alguns contextos ocorre essa acumulação (uma forma indica simultaneamente as
noções de tempo, modo, número e pessoa).
 Se, em todas as formas verbais, a desinência que marca o número e a pessoa indicasse
também o modo e o tempo, haveria apenas um caso de morfe cumulativo, mas, como esse
fenômeno só ocorre em alguns contextos, há uma superposição de morfes.
 Morfes alternantes: ocorre quando a oposição entre duas formas se verifica não
em termos de acréscimo de um segmento, mas da permuta entre dois ou mais
fones.
Oposição por morfes aditivos Oposição por morfes alternantes

Autor - ⌀ Avô
Autor - a Avó

 Sabemos que as desinências nominais e verbais em Português, em geral, são


morfes aditivos, os quais se acrescentam ao semantema ou núcleo da palavra.
Nos morfes alternantes, não ocorre acréscimo, mas permuta de segmentos.
 A alternância pode ser foneticamente condicionada (acontece sempre que o
contexto fônico se realiza), sendo, portanto, regular e automática. Ex.: o
fonema /k/ alterna com o fonema /s/ quando aparece uma vogal anterior: opaco
→ opacidade, público → publicidade.
 A alternância também pode ser morfofonológica, aquela que, embora possa
ocorrer em função do contexto fônico, se circunscreve a morfemas específicos.
Ex.: nas desinências modo-temporais na segunda pessoa do plural, o ditongo
/ay/ se transforma em /ey/: [canta(va + is)] → [canta(ve + is)].
 Os fonemas que se encontram nos morfes alternantes podem ser de qualquer
natureza: vocálicos, consonantais, acentuais.
 Alternância vocálica
Firo ≠ fere
Bebo ≠ bebe
 Alternância consonantal
[trag]-o ≠ [traz]-es
[dig]-o ≠ [diz]-es
[faç]-o ≠ [faz]-es

 Alternância acentual
exército ≠ exercito
agência ≠ agencia
retífica ≠ retifica
 Morfes redundantes: são aqueles que reforçam o contraste entre duas formas sem
que sejam os morfes realmente responsáveis pela oposição.
 Certas palavras, quando sofrem flexão de número ou de gênero, recebem marcas
desinenciais que estabelecem a oposição entre singular e plural ou entre masculino
e feminino. Porém, além dessas marcas, ocorre uma alternância que é redundante.
Avô ≠ avós ovo ≠ ovos grosso ≠ grossos
 O plural é marcado pelo [s] oposto ao morfe zero do singular. Como marca
redundante, ocorre a alternância de [ô] para [ó], que apenas reforça a oposição.
bondoso ≠ bondosa sogro ≠ sogra formoso ≠ formosa
 O feminino é caracterizado pela desinência [a], em oposição ao morfe zero do
masculino. A alternância de [ô] para [ó] constitui um morfe redundante, que
apenas reforça o caráter contrastivo.
 Morfes homônimos: ocorre quando um único morfe corresponde a dois ou mais
morfemas distintos.
 O [s] indica o plural em (as) amas. O mesmo morfe, contudo, indica a pessoa e
o número em (tu) amas.
 O [a] expressa o feminino em (as) amas, porém indica a conjugação a que
pertence o verbo em (tu) amas.
 A forma em si, tomada isoladamente, não identifica o morfema. A ambiguidade
somente se resolve pela recorrência ao contexto da palavra em que se encontra o
morfe.
 A homonímia entre morfes se verifica também entre semantemas: vocábulos como
terra, terrestre, terreno etc. são cognatos, porque em todos aparece o mesmo
semantema [terr]. Mas em terror, terrível, aterrorizar, o semantema continua
sendo a forma [terr], sem que se possa dizer que se associa à mesma base de terra.
REFERÊNCIAS

MONTEIRO, José Lemos. Morfologia Portuguesa. 4. ed. Campinas: Pontes,


2002.
ORTEGA, Soledad Varela. Fundamentos de morfologia. Madrid: Editorial
Sintesis, 1990.

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