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INTRODUÇÃO

Nesta aula estudaremos a Lei 12.846/2013, que trata da “responsabilização administrativa e civil
de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira”,
conhecida como Lei da Responsabilização da Pessoa Jurídica ou, simplesmente, Lei
Anticorrupção1.

Esta Lei surgiu, principalmente, em cumprimento a regras de convenções internacionais assinadas


pelo Brasil, sobretudo da "Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção" da ONU
(Organização das Nações Unidas), de que trata o Decreto 5.687/2006, por meio das quais o Brasil
se comprometeu a reprimir a prática de “atos de corrupção” praticados por pessoas jurídicas.

Trata-se de norma de alcance nacional2, aplicando-se à União, Estados, Municípios e ao Distrito


Federal.

Antes de detalhar suas regras, vale destacar que o grande objetivo da Lei Anticorrupção é punir a
pessoa jurídica pela prática de atos lesivos à Administração.

Como assim, punir a pessoa jurídica?

Vamos responder por meio de um exemplo...

Suponha que os diretores de uma grande empresa privada tenham pago propina a
agentes públicos da Petrobras, por exemplo, para serem beneficiados em contratos com
aquela estatal.
Antes da Lei 12.846, a responsabilidade por tais atos dificilmente chegaria até a própria
empresa (pessoa jurídica), limitando-se a alcançar os diretores da empresa privada,
juntamente com os agentes públicos envolvidos no esquema (pessoas físicas). Estes
responderiam nas esferas civil (prejuízo causado e pelo ato de improbidade), penal (crime
praticado) e administrativa (no caso dos agentes públicos). Em todos estes casos, a
responsabilidade das pessoas físicas demandava comprovação de dolo ou culpa (em
virtude da a responsabilidade das pessoas físicas ser subjetiva).

1
Atualmente regulamentada pelo Decreto 11.129/2022 em âmbito federal.
2
Embora existam dispositivos específicos da esfera federal, como aqueles que se referem à
Controladoria-Geral da União (CGU).
A partir da Lei 12.846, facilitou-se que as sanções pelo pagamento de propina chegassem
até a empresa privada.
Para isto, o legislador estabeleceu uma série de sanções aplicáveis às PJs e o fato de que
elas responderão, perante a Lei 12.846, de maneira objetiva (isto é, sem necessidade de
se comprovar culpa).

A este respeito, de maneira mais detalhada, Di Pietro3 leciona que:

O Código Penal, além de outras leis esparsas, já pune os crimes praticados contra a
Administração Pública, alcançando, porém, as pessoas físicas. A Lei de Improbidade
Administrativa (Lei no 8.429, de 2-6-92) significou considerável avanço em termos de
combate à corrupção, porém punindo especificamente as pessoas físicas (agentes públicos
e terceiros que pratiquem atos de improbidade), ainda que determinadas penas possam
também ser aplicadas a pessoas jurídicas.

Ainda merece menção a chamada Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar no 135, de 4-6-
10), voltada para as pessoas físicas, para torná-las inelegíveis. (..)

A Lei Anticorrupção amplia a responsabilização nas esferas administrativa e civil, na


medida em que alcança as pessoas jurídicas, inclusive as que resultarem de alteração
contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária (art. 4o); e alcança
também os respectivos dirigentes, com previsão expressa da desconsideração da
personalidade jurídica (arts. 3º e 14).

Portanto, a grande inovação da Lei Anticorrupção foi prever a responsabilidade objetiva


de pessoas jurídicas, viabilizando a aplicação de sanções a pessoas jurídicas sem
comprovação de culpa e a pessoas físicas quando houver dolo ou culpa.

3
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Ed. GenMétodo. 31ª ed. 2018. eBook. Item
19.1
Abrangência
Logo em seu artigo 1º, o legislador previu que a Lei 12.846 dispõe sobre a responsabilização
objetiva de pessoas jurídicas (PJs), nas esferas administrativa e civil, pela prática de atos contra a
administração pública, nacional ou estrangeira. Significa, como detalharemos adiante, que as PJs
podem sofrer as penas da Lei Anticorrupção, tanto na esfera cível como na administrativa, mesmo
sem existência de culpa.
Estas pessoas jurídicas infratoras (ou seja, autoras dos atos lesivos) consistem nos sujeitos ativos
dos atos lesivos previstos na Lei Anticorrupção4.
Nesse sentido, é bastante ampla a noção das pessoas jurídicas abrangidas pelas suas disposições
(art. 1º, parágrafo único) 5 , as quais alcançam pessoas jurídicas nacionais ou estrangeiras,
sociedades empresárias ou simples, personificadas ou não, independentemente da forma de
organização ou modelo societário adotado. As regras abrangem também quaisquer fundações,
associações de entidades ou pessoas.
No caso de sociedades estrangeiras, elas devem ter sede, filial ou representação no território
brasileiro, podendo ser constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente6.

Portanto se uma empresa estrangeira com filial no Brasil, por exemplo, pratica um ato de
corrupção previsto na Lei contra um órgão público brasileiro, tal empresa estará sujeita às
sanções da Lei Anticorrupção.

Para evitar a adoção de artifícios fraudulentos para as pessoas jurídicas escaparem das sanções
legais, o legislador tomou o cuidado de frisar que subsiste a responsabilidade da pessoa jurídica
mesmo na hipótese de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária
(art. 4º).
Nos casos de fusão ou incorporação, todavia, a responsabilidade da sucessora, em relação a atos
anteriores à sucessão, restringe-se à multa e à reparação integral do dano causado até o limite do
patrimônio transferido, exceto no caso de simulação ou evidente intuito de fraude (art. 4º, §1º).
Havendo, portanto, fusão ou incorporação, em regra a empresa sucessora (resultante da fusão ou
incorporação) responderá pelo valor da multa ou pelo ressarcimento ao erário, de modo limitado

4
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Ed. GenMétodo. 31ª ed. 2018. eBook. Item
19.2
5
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 27ª ed. Atlas. P. 1037
6
No processo administrativa, a pessoa jurídica estrangeira será representada pelo gerente,
representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil (art. 26,
§2º).
ao valor do patrimônio transferido. Por outro lado, havendo fraude nesta fusão/incorporação, a
empresa sucessora responderá com todo seu patrimônio.
Do outro lado, o sujeito passivo do ato lesivo (vítimas diretas destas infrações) pode ser a
Administração Pública nacional ou estrangeira. No caso da Administração nacional, incluiu-se
tanto a Administração Direta como a Indireta.
Tratando-se, por outro lado, da administração pública estrangeira, além das administrações dos
próprios países, estão aqui incluídas as organizações públicas internacionais (como o Fundo
Monetário Internacional - FMI e a Organização Mundial de Saúde - OMS).

Portanto se uma empresa brasileira pratica ato lesivo contra um órgão público americano,
por exemplo, tal empresa estará sujeita às sanções da Lei Anticorrupção, ainda que o dano
não tenha sido causado ao Brasil.

nacionais (empresas, associações,


fundações)
sujeitos ativos pessoas jurídicas
estrangeiras com representação no
Brasil

nacional (adm. direta e indireta)


sujeitos passivos Administração Pública
estrangeira (inclusive organizações
públicas internacionais)

Responsabilidades
Como havíamos adiantado acima, o art. 2º da Lei Anticorrupção deixa claro que as pessoas
jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, tanto na instância administrativa como na esfera
civil (judicial), pelos atos lesivos previstos na Lei. Tais atos devem ter sido praticados em seu
benefício, seja exclusivo ou não:
pessoas jurídicas pessoas físicas
(dirigentes, administradores, autor,
partícipe do ilícito)

responsabilidade objetiva responsabilidade subjetiva

Significa dizer que, para as PJs, a Lei facilitou a aplicação de sanções, uma vez que sua
responsabilidade depende apenas da comprovação da ocorrência do ato lesivo previsto na Lei
(detalhados adiante), o nexo de causalidade com a conduta da pessoa jurídica e o dano causado
à Administração Pública (isto é, o resultado da conduta lesiva), não se exigindo a comprovação
de culpa empresarial.
Apesar de o grande objeto da Lei Anticorrupção consistir na punição de pessoas jurídicas (PJ), a
responsabilização da PJ não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou
administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito (art.
3º). Neste caso, a responsabilidade destas pessoas físicas, por ser subjetiva (art. 3º, §2º),
dependerá da comprovação da existência de dolo ou culpa em suas condutas (diferentemente do
que se observa em relação à pessoa jurídica).
Além disso, fortalecendo a “desconexão” entre a responsabilidade da PJ e a responsabilidade das
pessoas físicas envolvidas, o legislador reforça dizendo que a pessoa jurídica será responsabilizada
independentemente da responsabilização individual das pessoas físicas (art. 3º, §1º).
Por fim, vale destacar que responsabilização perante a Lei Anticorrupção não afeta a aplicação das
sanções previstas na Lei 14.133/2021, inclusive a multa (art. 30, II).
ATOS LESIVOS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
O artigo 5º do texto legal define os atos lesivos à Administração Pública que, caso praticados, irão
ensejar a incidência da Lei Anticorrupção.
Antes de listar tais condutas, destaco que tais atos podem atentar contra:

nacional
patrimônio público
estrangeiro

atos lesivos - lei atentam princípios da administração


anticorrupção contra pública

compromissos internacionais
assumidos pelo Brasil

Vamos à lista de infrações:


prometer, oferecer ou dar vantagem indevida a agente público, ou a
terceiro a ele relacionado [por exemplo, propina]
comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo
subvencionar a prática dos ilícitos previstos na Lei Anticorrupção
comprovadamente, utilizar-se de pessoa interposta para ocultar ou
dissimular reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos
praticados [por exemplo, utilizando um "laranja"]

frustrar ou fraudar seu caráter competitivo


infrações - lei anticorrupção

impedir, perturbar ou fraudar a realização de


qualquer ato de procedimento licitatório público
afastar ou procurar afastar licitante, por meio de
fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer
tipo
fraudar licitação pública ou contrato dela
em licitações e decorrente
contratos:
criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa
jurídica para participar de licitação pública ou
celebrar contrato administrativo
sem autorização
obter vantagem ou benefício indevido, de modo
em lei, no edital
fraudulento, de modificações ou prorrogações de
da licitação ou no
contratos celebrados com a administração pública
contrato
manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-
financeiro dos contratos celebrados inclusive em
agências
reguladoras e
dificultar investigação, fiscalização ou intervir em sua atuação
órgãos do
sistema financeiro
nacional

Percebam que os atos lesivos relacionados a "licitações e contratos" guardam forte semelhança
com irregularidades previstas na própria Lei 14.133. A este respeito, a grande virtude da Lei 12.846
é viabilizar a sanção também da pessoa jurídica que se beneficia dessas condutas.

Friso que a Lei Anticorrupção busca dissuadir a prática de atos de corrupção também em relação
a estados estrangeiros. Isto se deve ao fato de a publicação da lei ter ocorrido também em virtude
de o Brasil ser signatário da "Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção" da ONU.
Nesse sentido, os parágrafos do artigo 5º preveem que considera-se administração pública
estrangeira os órgãos e entidades estatais ou representações diplomáticas de país estrangeiro, de
qualquer nível ou esfera de governo, bem como as pessoas jurídicas controladas, direta ou
indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro. Além disso, equiparam-se à administração
pública estrangeira as organizações públicas internacionais.
Nesse mesmo sentido, considera-se agente público estrangeiro, quem, ainda que transitoriamente
ou sem remuneração, exerça cargo, emprego ou função pública em órgãos, entidades estatais ou
em representações diplomáticas de país estrangeiro, assim como em pessoas jurídicas
controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro ou em organizações
públicas internacionais.
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Importante destacar que, caso a autoridade competente tome conhecimento destas infrações
acima e deixe de adotar providências para apuração, será responsabilizada penal, civil e
administrativamente (art. 27).
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Uma vez conhecidos os atos lesivos tipificados na Lei 12.846, passaremos a detalhar as sanções e
responsabilidades que podem resultar aos infratores.
De toda forma, vale adiantar que as sanções e responsabilidades podem ser agrupadas nas esferas
administrativa e judicial (cível):
Responsabilização
Responsabilização judicial
administrativa

processo administrativo processo judicial

sanções: Sanções:
•multa adminsitrativa •perda de bens e direitos oriundos da
•divulgação da condenação infração
•suspensão / interdição das atividades
•dissolução compulsória
•proibição de receber subsídios,
doações ou empréstimos de entes
públicos

RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA
Na esfera administrativa, a empresa infratora estará sujeita a duas sanções, uma que irá pesar em
seu "bolso" e a outra que será desfavorável à sua imagem, a saber:

do faturamento bruto
0,1% a 20% do ano anterior ao da
sanções - esfera

instauração do PAR
administrativa

multa
se for possível estimar a multa nunca será
vantagem auferida inferior à vantagem
publicação
extraordinária da
condenação
Quanto à multa , reparem que a regra geral consiste na aplicação de um percentual (0,1% a 20%)
sobre uma base de cálculo (faturamento do ano anterior à instauração do processo).
No entanto, não sendo possível se conhecer o valor do faturamento bruto ou em qualquer caso
que não for possível aplicar tal regra geral, terá lugar a exceção do art. 6º, § 4º, que prevê a
aplicação de multa de R$ 6 mil a R$ 60 milhões.
Estes valores obtidos a partir da multa, preferencialmente devem ser revertidos em favor do ente
público lesado (art. 24).

Exemplo: se o ato lesivo foi praticado em desfavor do Banco do Brasil, a multa decorrente
daquela conduta deve ser, preferencialmente, destinada a seus cofres.

No que se refere à sanção de "publicação extraordinária da condenação", percebe-se que sua


finalidade é dar publicidade à conduta ilícita perpetrada pela empresa, sendo obviamente
desfavorável à sua imagem.
Neste caso, deverá ser publicado um resumo da decisão condenatória (chamado de "extrato de
sentença") em meios de comunicação de grande circulação, sendo ou (i) na área da prática da
infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, (ii) em publicação de circulação nacional.
Além disso, deverá ser afixado edital, pelo prazo mínimo de 30 dias, nas dependências da
empresa, de modo visível ao público, e na internet (art. 6º, § 5º).
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Estas sanções podem ser aplicadas, isolada ou cumulativamente, de acordo com as peculiaridades
do caso concreto e com a gravidade e natureza das infrações (Art. 6º, § 1º), tendo lugar a aplicação
dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade na aplicação das sanções.
Nesse sentido, para a gradação das sanções (especialmente na dosimetria da multa), a autoridade
administrativa deverá levar em consideração as seguintes circunstâncias (art. 7º):
gravidade da infração

vantagem auferida ou pretendida

se a infração chegou a ser consumada ou se foi apenas tentada

grau de lesão ou perigo de lesão

valoração das efeito negativo produzido pela infração


sanções
situação econômica do infrator

cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações


programa de integridade (mecanismos e procedimentos internos de
integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação
efetiva de códigos de ética)
valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou
entidade pública lesados

Quanto ao estabelecimento de programas de integridade pelas pessoas jurídicas contratadas pela


Administração (art. 7º, VIII), destaco que trata-se de uma forma de considerar as empresas que
realizaram trabalhos preventivos de prevenção a atos de corrupção. Nesse sentido, para estimular
ainda mais tal prática empresarial, chegou a ser criado o "Cadastro Empresa Pró-Ética" pela CGU7,
que divulga empresas comprometidas com a promoção da ética e integridade.
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Seguindo adiante, vale salientar que, em geral, estamos diante de multas de valores elevados, o
legislador entendeu por bem exigir que a aplicação destas sanções seja precedida da
manifestação jurídica elaborada pelo departamento jurídico do órgão (Advocacia Pública, órgão
de assistência jurídica ou equivalente) - art. 6º, §2º. Trata-se, portanto, de um controle prévio
quanto à legalidade (conformidade) do processo administrativo de responsabilização.
Ponto interessante da Lei Anticorrupção consiste na obrigação de reparar o dano causado.

7
https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/etica-e-integridade/empresa-pro-etica
A este respeito, o legislador dispôs que a aplicação das sanções não exclui, em qualquer hipótese,
a obrigação da reparação integral do dano causado (art. 6º, § 3º).

Exemplo: suponha que a empresa privada DesviaTudo S/A tenha fraudado uma licitação
da Petrobras, com o auxílio de um empregado da estatal, que recebeu uma propina, o
que acabou resultando na celebração de contrato desvantajoso para a estatal. Em razão
da fraude, a Petrobras deixa de assinar um contrato de R$ 10 milhões e adquire o mesmo
produto por R$ 15 milhões.
Esta diferença de R$ 5 milhões (ou seja, R$ 15 – R$ 10 milhões) representa um dano
causado aos cofres da estatal.
Neste caso, mesmo que a empresa DesviaTudo receba uma multa por aquela infração,
continuará obrigada a “devolver” a diferença de R$ 5 milhões.

Portanto, tomando por base a literalidade da Lei Anticorrupção, a aplicação da multa


administrativa não dispensa a devolução dos recursos relacionados ao dano causado (em hipótese
alguma) e, como veremos adiante, também não afasta a responsabilização judicial (art. 19).
Nesse sentido, o legislador estabelece que a instauração de processo específico para
ressarcimento integral do dano não prejudica a aplicação imediata das sanções estabelecidas na
Lei 12.846 (art. 13).
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O artigo 25 da Lei estabelece o prazo prescricional de 5 anos para que as sanções sejam aplicadas.
Tal prazo é contado da data da ciência da infração ou, no caso de infração permanente ou
continuada, do dia em que tiver cessado.
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Por fim, destaco que, muito embora tais sanções em regra sejam aplicadas pela Administração
Pública, se for constada omissão das autoridades competentes para promover a responsabilização
administrativa, estas sanções podem ser aplicadas judicial por meio de ação ajuizada pelo
Ministério Público (art. 20).
PROCESSO ADMINISTRATIVO DE RESPONSABILIZAÇÃO
(PAR)
Os artigos 8º a 15 da Lei Anticorrupção dispõem sobre o processo que deve ser conduzido, na
esfera administrativa, para viabilizar a aplicação das duas sanções do art. 6º, que acabamos de
estudar (responsabilização administrativa).
Trata-se do Processo Administrativo de Responsabilização (PAR), que possui 4 etapas distintas:
instauração, defesa, e apresentação de relatório e julgamento:
Instauração Defesa Relatório Julgamento

PJ Comissão

Autoridade máxima (regra)

Reparem que a instauração e o julgamento do PAR competem, em regra, à autoridade máxima


de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Ainda sobre as competências para instaurar e julgar o PAR, é importante registrar 3


observações:

a) a competência para instauração e julgamento poderá ser delegada, vedada a


subdelegação (art. 8º, §1º);

b) no âmbito do Poder Executivo federal, a Controladoria-Geral da União (CGU) terá


competência concorrente para instaurar PARs ou para avocar processos já instaurados, para
exame de sua regularidade ou para corrigir-lhes o andamento (art. 8º, §2º);

c) em relação a atos praticados contra a Administração de outros países, cabe à CGU instaurar
e julgar o processo (art. 9º).

Percebam o protagonismo conferido à CGU no âmbito do Executivo Federal. Assim como as


autoridades máximas dos órgãos e entidades daquele Poder, a CGU detém prerrogativa para
instaurar um PAR, destinado à responsabilização de empresas. Daí, dizemos que é concorrente a
competência da CGU para instaurar o PAR.
Além disso, mesmo que o PAR não tenha sido instaurado pela CGU, no âmbito do Poder Executivo
Federal ela poderá chamar para si o processo, isto é, avocar PARs instaurados por autoridades
máximas do Executivo Federal. Esta “avocação” permitirá à CGU conferir a regularidade do PAR
ou, até mesmo, corrigir seu andamento.
A atuação da CGU no bojo dos PARs pode ser assim sintetizada:

avocar PAR já instaurado

Poder Executivo Federal


instaurar PAR (compet.
concorrente)
CGU
atos praticados contra a
Administração Pública processar e julgar PAR
estrangeira

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De toda forma, a instauração pode ocorrer de ofício ou mediante provocação (art. 8, caput, parte
final).
Como o PAR pode resultar na aplicação de penalidades duras, a exemplo de elevadas multas
administrativas, o legislador exigiu que ele fosse realizado por uma comissão de servidores – e
não por um único servidor –, com o intuito de assegurar maior imparcialidade à apuração. Tamanha
é a preocupação com a imparcialidade da apuração que a legislação exigiu que os integrantes da
comissão disciplinar sejam servidores estáveis – e não exoneráveis ad nutum –, como veremos
mais adiante.
Assim, percebam que, além da “autoridade máxima”, atuará também no PAR uma “comissão de
servidores”. A “autoridade competente” é responsável por instaurar o PAR, designar a comissão
e, ao final dos trabalhos desta, decidir pela aplicação ou não da penalidade à empresa, com base
no relatório elaborado pela comissão.
Portanto, uma vez instaurado o processo, designada a comissão e delimitadas as condutas da
pessoa jurídica, chegamos à segunda fase do PAR: apresentação de defesa pela pessoa jurídica.
Assim, em respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa, a PJ processada será
chamada a apresentar sua defesa, no prazo de 30 dias, contados a partir da sua intimação (art.
11).
Na sequência, de posse das provas da conduta empresarial e da defesa apresentada, a comissão
irá elaborar o relatório, o qual irá subsidiar o julgamento pela autoridade máxima (ou por quem
ela delegar).
Pela importância em provas, adiante iremos detalhar as regras aplicáveis à comissão processante.

➢ Comissão do PAR
A apuração administrativa deve ser realizada por uma comissão, designada pela autoridade
instauradora, composta por 2 servidores estáveis ou mais (art. 10, caput).
A missão desta comissão, como adiantamos pouco acima, consiste na elaboração de um relatório
sobre suas apurações, no prazo de 180 dias, contados da data da publicação do ato que a instituir.
Este relatório deve descrever os fatos que estão sendo apurados, a responsabilidade da pessoa
jurídica e, ao final, sugerir as sanções a serem aplicadas (sempre de forma motivada) - art. 10, §3º.
Como são muitas informações a serem examinadas pela comissão, é possível a prorrogação do
prazo de 180 dias, mediante ato fundamentado da autoridade instauradora (art. 10, §4º).
Ao final dos trabalhos, este relatório é remetido à autoridade instauradora para julgamento (art.
12).
Além deste trabalho de apuração, a Lei 12.846 conferiu outras 3 prerrogativas específicas à
comissão.
1) A comissão pode solicitar ao departamento jurídico do órgão a realização de medidas
judiciais necessárias para a investigação e o processamento das infrações, inclusive de busca e
apreensão (art. 10, §1º). Neste caso, a comissão solicita ao departamento jurídico, o qual ingressa
judicialmente requerendo a um juiz a expedição das medidas judiciais investigativas.
2) Além disso, a comissão poderá, como medida cautelar, propor à autoridade instauradora
que suspenda os efeitos do ato ou processo objeto da investigação (art. 10, §2º). Neste caso, a
comissão limita-se a propor a medida, sendo que a competência para efetiva expedição da
cautelar é da autoridade que instaurou o processo.
3) A comissão, após a conclusão do procedimento administrativo, dará conhecimento ao
Ministério Público de sua existência, para apuração de outros delitos, especialmente na esfera
criminal (art. 15).

➢ Outras observações
Quando se observa, até mesmo em um processo administrativo, que a PJ abusou de sua
personalidade jurídica, a Lei 12.846 autoriza sua desconsideração (art. 14)8. Estaremos diante,
assim, da desconsideração da personalidade jurídica.
Isto permitirá que os efeitos das sanções aplicadas à empresa (como por exemplo a multa) sejam
estendidos aos bens e patrimônios dos sócios daquela pessoa jurídica que possuam poder de
administração. Neste caso, deve-se oportunizar o contraditório e a ampla defesa a eles.

8
De modo similar ao previsto no artigo 50 do Código Civil Brasileiro.
Segundo o dispositivo legal, tal desconsideração somente poderá ocorrer quando a personalidade
jurídica da empresa for utilizada para facilitar, dissimular ou encobrir a prática dos atos ilícitos
previstos na Lei 12.846 ou para provocar confusão patrimonial.

efeitos da condenação sejam estendidos


ao patrimônios dos sócios
Desconsideração
da personalidade
facilitar, dissimular ou encobrir
jurídica da empresa
a prática dos atos ilícitos
hipóteses previstos na Lei 12.846

confusão patrimonial

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Por fim, vale reforçar que a instauração de processo administrativo específico para ressarcimento
integral do dano não prejudica a aplicação imediata das sanções estabelecidas nesta Lei (art. 13).
Caso o processo administrativo para apuração do dano seja concluído e este não seja pago, o
crédito apurado será inscrito em dívida ativa da fazenda pública (art. 13, parágrafo único).
Adiante trataremos do acordo de leniência, que pode beneficiar a empresa infratora, reduzindo
as sanções a que se sujeitaria.

ACORDO DE LENIÊNCIA
Leniência, do inglês "leniency", tem significado de clemência, indulgência, abrandamento.
De forma similar à "delação premiada" do direito penal9, a Lei 12.846 criou a figura do "acordo
de leniência" para beneficiar pessoas jurídicas que tenham praticado os atos lesivos estudados
(capitulados no artigo 5º) e desejem colaborar com as investigações.
O “acordo de leniência” é celebrado na via administrativa, previsto nos artigos 16 e 17 da Lei
Anticorrupção, é o instrumento que permite geração de benefícios mútuos, para a empresa e para
a Administração Pública.
De um lado, a empresa que celebra o acordo terá significativa redução nas penalidades que
poderia sofrer (art. 16, §2º).
Por outro lado, ela deverá colaborar efetivamente com as investigações, permitindo (i)
identificação de outros envolvidos, quando couber, e (ii) obtenção célere de documentos que
comprovem o ato lesivo (art. 16, caput).

Empresa Administração
• redução das • pode identificar
sanções a que se demais envolvidos na
sujeitaria irregularidade

• obtém documentos e
provas com maior
celeridade

9
Nome popular da “colaboração premiada”, a exemplo daquela instituída pela Lei 9.807/1999.
Este acordo de leniência, no entanto, não é novidade no direito administrativo brasileiro. Isto
porque, dois anos antes, a Lei do Cade10 (Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Lei )
também previu tal figura, na esfera administrativa, para aquelas empresas que praticassem
infrações à ordem econômica e desejassem colaborar com as investigações.

Dito isto, precisamos conhecer 3 principais aspectos dos acordos de leniência, a saber:

A) quais os requisitos para sua celebração;

B) os efeitos gerados;

C) de quem é a competência para celebrá-lo;

Requisitos do acordo de leniência


Para que o acordo de leniência consiga, efetivamente, gerar os benefícios dele esperados, o
legislador estabeleceu 4 importantes requisitos, cumulativos (art. 16, §1º):

10
Lei 12.529/2011, art. 86. O Cade, por intermédio da Superintendência-Geral, poderá celebrar acordo
de leniência, com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de 1 (um) a 2/3
(dois terços) da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem
autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o
processo administrativo e que dessa colaboração resulte: (..)
PJ admita sua participação no ilícito
comparecendo, sob suas
PJ coopere plena e
expensas, sempre que
permanentemente com as
solicitada, a todos os atos
investigações e o processo
processuais, até seu
acordo de administrativo
encerramento
leniência -
requisitos PJ seja a 1ª a se manifestar sobre seu
interesse em cooperar para a
apuração do ato ilícito

PJ cesse completamente seu a partir da data de


envolvimento na infração propositura do acordo

Comentando um pouco mais estes requisitos, a partir da lista acima, percebam, inicialmente, que
a pessoa jurídica deve “confessar” sua participação na infração. Esta “confissão”, no entanto, não
ocorrerá se a Administração rejeitar a proposta de acordo (art. 16, § 7º). Ou seja, a “confissão”
somente ocorre caso o acordo de leniência seja realmente celebrado.

Exemplo: a empresa XPTO propõe à União a celebração de acordo de leniência em relação


a fraudes praticadas no âmbito de um Ministério. Ao examinar a proposta de acordo, no
entanto, a Administração rejeita sua celebração. Nesta situação, como a proposta foi
rejeitada, não se considera, juridicamente, que a empresa admitiu sua participação no
ato ilícito.

Para ser possível a celebração do acordo, a PJ deve, também, cooperar com as investigações
levadas a cabo pela Administração Pública, de modo permanente e pleno. Assim, sempre que
solicitada, deve comparecer ao processo, arcando com os custos envolvidos.
Além disso, aquela pessoa jurídica deve ter sido a primeira a se manifestar a respeito daquele
ilícito. Tal requisito tem lugar quando o ato lesivo é praticado por mais de uma pessoa, por meio
de um “concurso de agentes”. A despeito da literalidade do dispositivo legal, a regulamentação
conferida pelo antigo Decreto 8.420/2015 (atual Decreto 11.129/2022) e a doutrina têm defendido
a aplicação deste requisito quando for relevante.
Por fim, além de “confessar sua participação no ilícito”, a empresa deve cessar completamente
seu envolvimento na infração, desde a propositura do acordo (e não desde sua celebração).
Caso a pessoa jurídica descumpra obrigações assumidas no acordo, ficará impedida de celebrar
novo acordo pelo prazo de 3 anos, contados do conhecimento, pela administração pública, do
seu descumprimento (art. 16, §8º).

Efeitos gerados pelo acordo


Vamos examinar os efeitos gerados pelo acordo tanto sob a ótica da pessoa jurídica (PJ) como da
empresa.
Para a pessoa jurídica (PJ), sabemos que a celebração do acordo significa redução ou, até mesmo,
isenção de algumas das sanções a que se sujeitaria. Vejam que o acordo não significa que a
empresa estará livre de qualquer sanção, pois ela continuará sujeita às sanções que não forem
objeto de redução ou isenção.
Dito isto, a Lei prevê redução da multa administrativa em até 2/3. Isto significa que, apesar de ser
uma redução expressiva, ao menos 1/3 da multa continua sendo devido pela empresa.
Além disso, o acordo isentará a empresa da sanção administrativa de publicação extraordinária da
condenação.
Em relação às sanções da esfera judicial, o acordo de leniência isenta a empresa da sanção de
“proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de entes
públicos”.
Além destas isenções/reduções, o acordo de leniência da Lei 12.846 pode abranger também
irregularidades previstas na Lei 14.133/2021, de sorte que sua celebração teria o condão de
impedir a aplicação ou reduzir as sanções previstas no art. 156 da Lei 14.133/2021 (advertência,
multa, suspensão para licitar e contratar e declaração de inidoneidade). A propósito, a celebração
do AL suspende a contagem da prescrição para a aplicação das sanções da Lei 14.133/2021.
Em relação ao dano aos cofres públicos causado pela conduta da empresa, ele não será perdoado
ou reduzido (art. 16, §3º). A legislação prevê que, sob hipótese alguma, o ressarcimento do dano
causado será objeto de redução.

Atenção para não confundirmos a sanção de multa com ressarcimento do dano.


O ressarcimento do dano significa uma mera recomposição, uma devolução, o retorno ao
status quo anterior. Por este motivo, parte da doutrina nem considera o ressarcimento do
dano como sendo uma "sanção" propriamente dita.

Por exemplo, se a Administração desembolsou R$ 10 milhões a mais em virtude de fraude


cometida (ou seja, poderia ter comprado por R$ 50 e acabou adquirindo por R$ 60
milhões), estes R$ 10 milhões seriam exatamente o valor a ser recomposto aos cofres
públicos. Mesmo que celebre um acordo de leniência, a empresa não poderá deixar de
devolver estes valores.

A multa, por outro lado, seria uma repercussão adicional, uma quantia que vai além do
dano causado, que poderia ser aplicada à empresa em razão da ilicitude da conduta. Esta,
sim, pode ser reduzida em virtude do acordo de leniência (redução de no máximo 2/3).

Seguindo adiante, destaco que, se a pessoa jurídica compõe um grupo econômico, seja de fato
ou de direito, os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às demais pessoas jurídicas do
grupo, desde que firmem o acordo em conjunto (art. 16, § 5º).
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Já sob o ponto de vista da Administração, o acordo deve permitir o seguinte:

I - a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e

II - a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.

Os detalhes quanto à obtenção de informações, documentos e demais aspectos da colaboração


serão estipulados no próprio acordo, para se assegurar a efetividade da colaboração e o resultado
útil do processo (art. 16, § 4º).
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Agora percebam que, antes da efetiva celebração do acordo, ele consiste em uma mera proposta
de acordo, que ainda depende da anuência das partes envolvidas.
Enquanto ocorrem as tratativas entre a Administração e a pessoa jurídica interessada e até que
seja efetivamente celebrado, a proposta permanece sob sigilo, somente tornando-se pública após
a efetivação do respectivo acordo, salvo no interesse das investigações e do processo
administrativo (art. 16, §6º).
Caso seja efetivamente celebrado, o acordo interrompe o prazo prescricional dos atos ilícitos
previstos na Lei 12.846 (art. 16, §9º), que é de 5 anos (art. 25).
Por outro lado, caso rejeitada a proposta, lembro que não importará em reconhecimento da
prática do ato ilícito investigado.
Sintetizando os principais aspectos que acabamos de comentar, chegamos ao seguinte diagrama:

redução da multa em até 2/3

publicação extraordinária da condenação


isenção
proibição de receber benefícios, doações
ou empréstimos do poder público
Acordo de
leniência - possibilidade de redução ou isenção das
efeitos sanções da Lei 14.133

não afasta a reparação integral do dano

interrompe o prazo prescricional

proposta de acordo é sigilosa, até sua


efetivação

Competência para celebração


A Lei 12.846 atribui à Controladoria-Geral da União (CGU) a competência para celebrar os acordos
de leniência no âmbito do Poder Executivo federal e também em relação a atos lesivos praticados
contra a administração pública estrangeira (art. 16, § 10).
Em relação aos demais poderes e esferas de governo, a competência será, em regra, da
autoridade máxima de cada órgão ou entidade (art. 16, caput).
Portanto, estamos diante de um acordo que é celebrado na via administrativa, não requerendo
processo judicial, tampouco homologação perante o juiz.

Sintetizando os principais aspectos estudados quanto ao acordo de leniência, chegamos ao


seguinte diagrama:
RESPONSABILIZAÇÃO JUDICIAL
Como as esferas de responsabilidades, em regra, são independentes e cumulativas, a
responsabilização da pessoa jurídica na esfera administrativa não afasta a possibilidade de
responsabilização na esfera judicial.
Detalhe importante é que a Lei 12.846, por óbvio, não prevê responsabilidade penal pelos atos
nela contidos, de sorte que a responsabilização judicial resume-se à reponsabilidade na esfera
cível.
Portanto, a empresa que cometer um dos atos lesivos previstos artigo 5º poderão responder a um
processo administrativo (conhecido como PAR) e a um processo judicial na esfera cível.
Assim, na responsabilização judicial (sinônimo, aqui na Lei 12.846, de esfera cível), as ações
seguirão o rito da Ação Civil Pública (ACP), regulamentada pela Lei 7.347/1985 (art. 21).

➢ Legitimidade ativa
O art. 19 da Lei 12.846 estabeleceu legitimidade concorrente para a propositura da ação judicial,
sendo que podem ingressar judicialmente tanto o Ministério Público (MP) como a pessoa política
no âmbito da qual ocorreu o ato lesivo (isto é, União, Estados, Municípios e Distrito Federal).
Como destacado anteriormente (art. 20), sendo a ação proposta pelo MP, caso comprovado que
a autoridade administrativa foi omissa na apuração de infrações cometidas, o juiz poderá também
aplicar as sanções administrativas (multa e divulgação da condenação administrativa).
Parte da doutrina defende que, apesar de o texto legal não mencionar expressamente as
entidades da administração indireta (autarquias, fundações públicas e empresas estatais), não se
pode descartar tal possibilidade, na medida em que também são vítimas dos atos lesivos previstos
na lei, à semelhança do que ocorre nas ações por improbidade administrativa.

➢ Sanções
A Lei 12.846 prevê 4 sanções aplicáveis no âmbito judicial, a saber (art. 19, caput):
perdimento dos bens, direitos ou valores que
ressalvado o direito do lesado
representem vantagem ou proveito direta ou
ou de terceiro de boa-fé
indiretamente obtidos da infração
responsabilização judicial

suspensão ou interdição parcial de suas


atividades
sanções -

dissolução compulsória da pessoa jurídica

proibição de receber incentivos, subsídios,


subvenções, doações ou empréstimos de
órgãos ou entidades públicas e de instituições de 1 a 5 anos
financeiras públicas ou controladas pelo poder
público

Estas sanções podem ser aplicadas, isolada ou cumulativamente (Art. 19, § 3º) e, em relação a
duas delas, vale a pena tecer considerações adicionais.
Tratando-se da sanção de perdimento de bens, vale ressaltar que os valores e bens obtidos
devem, preferencialmente, ser revertidos em favor do ente público lesado (art. 24), assim como
ocorre com a arrecadação das multas administrativas.
A dissolução compulsória da pessoa jurídica será determinada quando comprovado (Art. 19, § 1º):
I - ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a
prática de atos ilícitos; ou
II - ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos
beneficiários dos atos praticados.

Antes de avançar, aproveito para comparar com as sanções administrativas:


Responsabilização administrativa Responsabilização judicial
(processo administrativo) (processo judicial)

perda dos bens, direitos e valores


decorrentes da infração
multa (0,1 a 20% do faturamento)
suspensão ou interdição parcial de suas
atividades

dissolução compulsória da pessoa


jurídica
publicação extraordinária da
condenação proibição de receber subsídios, doações
ou empréstimos de entes públicos (1 a 5
anos)

A Lei das Estatais (Lei 13.303/2016), em seu artigo 94, determina que aplicam-se às estatais
brasileiras as sanções previstas na Lei 12.846/13, exceto aquelas relativas a (i) suspensão ou
interdição parcial de suas atividades, (ii) dissolução compulsória da pessoa jurídica e (iii) proibição
de receber incentivos, doações ou empréstimos.
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De toda forma, a condenação judicial torna certa a obrigação de reparar, integralmente, o dano
causado pelo ilícito, cujo valor será apurado em posterior liquidação, se não constar
expressamente da sentença (art. 21, parágrafo único).

➢ Indisponibilidade de bens
A Lei 12.846 prevê a medida cautelar de indisponibilidade dos bens da empresa acusada, quando
esta medida se tornar necessária para assegurar o efetivo pagamento da multa e a integral
reparação do dano causado (Art. 19, § 4º).
A indisponibilidade poderá ser decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou do
departamento jurídico do ente público lesado, levando em consideração diversas circunstâncias
(previstas no artigo 7º, como gravidade, situação econômica do infrator etc), ressalvado o direito
de terceiro de boa-fé.
➢ Prescrição
O artigo 25 da Lei estabelece o prazo prescricional de 5 anos para que as sanções sejam aplicadas,
também para as sanções judiciais. Tal prazo é contado da data da ciência da infração ou, no caso
de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
CADASTRO NACIONAL DE EMPRESAS PUNIDAS – CNEP
Além de regulamentar a responsabilidade das pessoas jurídicas por atos lesivos à Administração,
a Lei 12.846 criou o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), para agregar e conferir
publicidade às sanções aplicadas com fundamento na Lei Anticorrupção (art. 23)11.
Reparem que este cadastro tem caráter nacional, reunindo informações de todas as empresas
apenadas, compilando sanções aplicadas por entes públicos de todos os Poderes e todas as
esferas de Governo (U, E, DF e M).
O Cnep conterá, entre outras, as seguintes informações acerca das sanções aplicadas:
I - razão social e número do CNPJ da pessoa jurídica
II - tipo de sanção
III - data de aplicação e data final da vigência do efeito limitador ou impeditivo da sanção,
quando for o caso.

Em caso de celebração de acordo de leniência, as autoridades também deverão repassar tal


informação e alimentar o Cnep, salvo se esse procedimento vier a causar prejuízo às investigações
e ao processo administrativo.
Caso a pessoa jurídica não cumpra o acordo de leniência, tal descumprimento também deverá ser
registrado no Cnep, até para que se possa controlar a vedação a novos acordos pelo prazo de 3
anos.

11
Bem como do Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas – CEIS – que reúne dados das
sanções de suspensão para licitar e contratar e a declaração de inidoneidade com base na Lei
14.133/2021.
RESUMO

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