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Breakfast at Tiffany’s trata-se de contar o percurso de uma jovem que vive as suas

aventuras sexuais e a sua liberdade social sem repressões, passando de um homem para
outro e de uma identidade para outra, na procura incessante de um marido rico. A leveza
sexual de Holly surge num momento da história da América ainda marcado pelos estudos
de sexologia de Alfred Kinsey dos anos 40 e 50. Os comportamentos sexuais de Holly
refletiam os estudos de Kinsey e aquilo que a América conservadora queria suprimir.
Holly Golightly, que nasceu Lulamae Barnes e se casou com Doc Golightly
em Tulip, no Texas ao chegar a Nova Iorque, com cerca de dezoito anos, vive à
custa de homens ricos. Holly nunca se considerou uma prostituta, pois
convenceu-se que sempre amou os seus onze amantes quando dormia com eles.
Holly simbolizava o crescente número de jovens que procuravam autonomia
social e sexual naquela época. A autenticidade, para a personagem Holly, passa
pela correlação que ela vê entre o amor e o sexo, o que lhe proporciona veracidade
emocional. Ela apenas aceita a superficialidade desde que lhe seja permitida essa
genuidade emocional, postura essa que desafiava as normas sociais dos anos 50.
Ao mesmo tempo, Holly rejeita a repressão sexual quando diz “Love should
be allowed” aceitando assim a sexualidade como parte da identidade humana.
Ao rejeitar a vida de uma dona de casa convencional e o casamento como
suporte para uma vida estável, a personagem principal de Breakfast at Tiffany’s
sente que a América lhe nega um lugar e sai do país.
É curioso o modo diversificado de ver a novela Breakfast at Tiffany’s. Talvez a
maneira mais comum visse a preservação da inocência e o percurso descontraído
de Holly numa sociedade mundana, cheia de vicissitudes como é a sociedade de
Manhattan.
Holly, teve uma infância infeliz e, quando se muda para Nova Iorque, usa o
seu carisma, a aparência física e o seu talento literário para ascender socialmente.
Ela representa dois tipos de mulheres livres na América dos anos 40: as que
tinham origem num meio provinciano ou extrato social baixo e que, por esse motivo,
tinham que se reinventar de modo a terem acesso a uma elite social e económica; e
as filhas dessa elite, que eram ‘naturalmente’ sofisticadas e privilegiadas e que
podiam, assim, fazer aquilo que quisessem.
Mesmo quando está em casa, Holly não está, na realidade, lá, mas sim
constantemente em movimento, anda constantemente de um lugar para o outro,
reinventando-se. É claro que já não representa a mulher americana passiva,
tradicional, doméstica e dependente do século XIX. A novela retrata os anos 50 na
América, o que, por um lado, mostra a vulnerabilidade e solidão das mulheres e, por
outro lado, o espírito de independência e força emocional.
O filme apresenta-nos Holly como uma criatura selvagem, sempre a viajar, de
modo a escapar do passado, do seu apartamento em Nova Iorque, do gato ou de
qualquer ser humano. Apesar das suas roupas de estilo único, Holly é insegura,
inadaptável e autodestrutiva. O mecanismo de defesa de Holly consiste em vaguear
pela vida, fugindo dela própria e de todas as pessoas ou coisas que atrapalhem a
sua independência. Ela necessita de manter a sua aparente independência de modo
a poder sobreviver num mundo cruel, que se mantém indiferente às suas
necessidades.
Parece ser um segredo bem guardado que Holly veio de uma localidade rural
do Texas, uma zona profundamente afetada pela Grande Depressão, tendo-se
tornado numa mulher cobiçada pela sociedade de Manhattan. Esse segredo será,
mais tarde, revelado pela própria, sem ocultar detalhes. Ela é vista como
enganadora e falsa.
Holly é enganadora, no sentido em que aquilo em que acredita está de
acordo com as normas sociais. No entanto, é autêntica, na medida em que tudo em
que ela acredita é tudo o que tem. A autenticidade no período pós-guerra era vista
em função do modo como separava a pessoa do seu contexto social. Daí, estando
inserida no seu mundo, Holly nunca pode ser vista como totalmente autêntica,
apesar da sua falta de fingimento. Por volta do final do século, a autenticidade
tornou-se sinónimo de pertença, um ponto de equilíbrio com a cultura vigente.
Quando é forçada a encarar o ex-marido, Doc Golightly, com quem casou
com apenas catorze anos, Holly reconhece a natureza da identidade contraditória
que a caracteriza.
Ao reconhecer o nome pelo qual era conhecida na infância, Holly admite que
parte da sua identidade ainda pertence ao passado e que, sobre essa identidade,
ela construiu máscaras representativas dela própria. Admite que mudou, mas
reconhece que não conseguiu cortar completamente com o passado.
A problemática da autodescoberta é apresentada através da natureza
contraditória de Holly e do mistério que envolve a sua origem. O final ambíguo da
história poderá ser interpretado como sugerindo quão desafiadoras são as
expetativas na construção da subjetividade feminina, dentro de uma sociedade em
que os alicerces ideológicos se baseiam na negação dessa mesma subjetividade.
O que mantém Holly segura e calma é a joalharia Tiffany’s, que é uma
solução temporária que parece compensar tudo o que ela não teve.
Ela possui uma personalidade simples e vulnerável, cujo único objetivo na
vida é encontrar um ‘lar’, ao mesmo tempo que faz de acompanhante para homens
ricos. No entanto, se por um lado sente a necessidade de ‘pertencer’ a alguém, por
outro lado, Holly não se quer sentir acorrentada a nenhum relacionamento. Para
outros críticos, Holly é uma mulher avançada para a época, corajosa e com muitas
reservas em se conformar com os papeis de género pós-Segunda Guerra Mundial.
Uma faceta de autenticidade no percurso de Holly, no entanto, é Fred, seu
irmão, que cumpre serviço militar. Talvez por representar sentimentos verdadeiros,
como o amor fraterno e a reminiscência de momentos felizes da infância, Fred é
alguém que ela protege. A importância que lhe dá traduz-se, por exemplo, no facto
de Holly tratar Paul pelo nome de Fred. Ao fazê-lo, ela cria uma ligação ao passado,
enquanto lhe atribui um sentimento fraternal e assexuado.
Quanto ao gato, sem nome, como Tiffany’s, o abrigo seguro de Holly,
remetem-nos para a temática central da novela: a fuga, a liberdade e o sentimento
de não pertença. O gato de Holly é também o símbolo de ansiedade em manter um
relacionamento. Ela não admite o quanto gosta do gato e recusa-se a dar-lhe um
nome.
Essa temática confere com a imagem do “animal selvagem” que Holly atribui
a si própria, relacionando o seu passado misterioso com o facto de não querer ser
propriedade de ninguém. Tal como um animal selvagem, por vezes ferido, ela
também está despedaçada, mantendo-se à distância das outras pessoas, não as
deixando aproximarem-se de si, nem ela se aproximando delas. Devido aos
problemas de infância, Holly está obcecada com o seu enclausuramento e com o
não se apegar romanticamente a ninguém, fugindo do amor e do afeto pelas
pessoas, dos animais e lugares.
Jovem rebelde feminista, escolhida para representar as mulheres liberais do
início do século XX, que se afastou do conceito de dona de casa. Holly será, assim,
a personagem que se afasta da figura masculina para se afirmar, mas que, no
entanto, e simultaneamente, precisa dela para lhe dar segurança, por exemplo,
através da instituição legal que é o casamento.
A novela apresenta algumas personagens pouco recomendáveis, como por
exemplo, Salvatore “Sally” Tomato, o criminoso siciliano, ou Rutherfurd “Rusty”
Trawler, o milionário simpatizante nazi. No entanto, se, por um lado, essas
personagens desafiam a simplicidade da narrativa de Breakfast at Tiffany’s, por
outro lado, e sobretudo, são estratégias que contribuem para a vertente estética da
novela, aproximando-a de uma certa superficialidade que, no entanto, não retira
peso representativo à obra, nem à dimensão icónica de Holly.
A leveza de Breakfast at Tiffany’s não é uma falha, mas sim a articulação de
uma sensibilidade estética, que deliberadamente privilegia o estilo sobre o
conteúdo, o superficial e momentâneo sobre o sentido profundo do texto. Assim, no
sentido puramente denotativo, Breakfast at Tiffany’s conta-nos uma história simples,
na qual se notam algumas dificuldades em interpretar a personagem Holly Golightly.
O filme Beakfast at Tiffany’s é considerado uma comédia romântica com um
final feliz. No entanto, devido ao modo como Holly e Paul ganham a vida, o tema do
amor é por vezes confundido com o tema da posse. Isso é exemplificado através
dos diálogos que tanto Holly como Paul mantêm sobre relacionamentos anteriores
que tiveram com outras personagens e um com o outro. O tema do amor surge
também sobreposto à metáfora do casamento, quando nos apresenta a relação das
duas personagens inserida nas normas sociais, onde amor e posse se
correlacionam.
Quando Paul sai do carro, à procura do gato, Holly junta-se a ele e, após o
encontrarem, beijam- se ao som de “Moon River”.
É nesse momento que ele a chama para a realidade. As suas palavras
entristecem-na e ela chora convulsivamente, apercebendo-se que Paul tem razão e
que ela lhe quer pertencer, a ele e ao gato. O final feliz reúne os três, como que
compondo uma família. Esse final, de certa forma, alerta os espetadores para terem
esperança relativamente aos seus próprios sentimentos.

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