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Prólogo

O ensino médio é para muitos um lugar maravilhoso e


libertador, já outros, um pouco desesperador e, algumas vezes, ruim.
Os adolescentes "sortudos" assim por dizer, acabam amando o ensino
médio por se darem bem ou serem mais livres pelos seus pais; por
outro lado, os "azarados" são aqueles em que os pais ficam pegando
no pé à questão de trabalho e futuro ou se dando mal no colégio.
Sou John, um estudante do segundo ano no ensino médio.
Atualmente com 16 anos, escrevo esse livro para contar minha
experiência com esse lugar maravilhoso (ou desesperador) chamado
colégio, mais conhecido por mim e meus amigos da região: prisão do
mato.
Aqui, descrevo um pouco detalhadamente sobre o que
aconteceu na minha adolescência, mais precisamente, minha vida
amorosa, onde conheci a garota que fez uma mudança imensa em
mim desde o início de nossa amizade, mas, que houve alguns
acontecimentos infelizes entre nosso relacionamento, principalmente
envolvimento externo de outras pessoas, tanto indiretamente quanto
diretamente.
Até o início do ano passado eu era alguém totalmente diferente
de quem sou hoje, tanto fisicamente quanto mentalmente. De certa
forma, mudei de forma espontânea, pois, foi em um curto período de
tempo comparado a outras pessoas juntando todas as mudanças que
tive.

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Ensino fundamental II

I
Havia acabado de terminar o fundamental II, o tão temido nono
ano para as crianças dos sextos e sétimos anos na época, pois,
pensavam que seria uma série problemática de passar, o que é
mentira, é apenas um ano juntando os outros passados te preparando
para o ensino médio (o qual é o verdadeiro plot twist na vida de todo
adolescente).
Estavam todos escolhendo qual escola iriam estudar no ano
seguinte, porque isso de certa forma decidiria seu futuro. Haviam
quatro escolas a qual podíamos priorizar:
1. Carmela;
2. Massud;
3. Sproesser;
4. Etec.
A Etec é uma escola técnica, o qual pode fazer o ensino médio
enquanto faz um curso disponível. Caso não me engano, tinham
quatro cursos na época em que haviam aberto as vagas para ela, que
eram: administração, logística, desenvolvimento de sistemas e
informática. Era definitivamente uma oportunidade ótima para os
alunos que queriam adiantar as coisas no futuro, que não é meu caso.
Os professores conversaram conosco e disseram que teríamos
que fazer um passe escolar para utilizar o ônibus circular, pois, as
escolas ficavam no centro da cidade, um pouco longe da escola local.
Havia apenas um problema nisso tudo: quando se transferisse de
escola, o passe seria mudado para 50%. A Etec é uma escola técnica,
ou seja, só tem como entrar nela através de algo externo, não

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Ensino fundamental II

diretamente, que na época, eram as notas do sétimo ano por conta da


pandemia. Então a única forma de ir para Etec é através de
transferência, resultando nos 50% do passe escolar.
Após a explicação dos professores, eles recomendaram nós
escolhermos o Carmela para fazermos o ensino médio, pois, era a
melhor escola no momento. Eu não fazia a mínima ideia de como
eram as escolas, então acreditei na inspetora que veio dar um
depoimento sobre como a experiência da filha dela, no Carmela.
— O ensino do Massud é integral, havendo a carga horária de
presença equivalente a 9 horas diárias, das 07:00 até às 16:00. —
disse a inspetora. — Minha filha estudou no Carmela e não houve
problema algum, muito pelo contrário, amou essa escola.
Estava um pouco confuso sobre o que escolher, tudo era tão
novo para mim, então, confiei na inspetora e priorizei o Carmela
como escola do ensino médio primária após a Etec.
Tudo certo, desde então, cheguei em casa e comentei com meus
pais sobre a escolha das escolas que, em seguida, fui tirar dúvidas
sobre o ensino médio com eles. A principal mudança que achei
inovadora e interessante foi ter que aprender a utilizar os passes
escolares para pegar ônibus, pois, queria muito ir ao centro da
cidade, sozinho ou com os poucos amigos que tinha na época para
aproveitar um pouco.
Desde o início sempre fui fechado, fazia apenas o necessário
para o momento e meu bem próprio. Não gostava de sair de casa,
mas, chegou uma hora que enjoei e queria aproveitar o meu tempo
restante na adolescência, ou seja, o ensino médio.
Meus pais sempre decidiam as coisas por mim, seja visual,
ensino ou oportunidades. Nunca me importei com essas coisas, só

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Ensino fundamental II

aceitava o que der na telha por não conseguir sentir algo, meus
sentimentos eram praticamente trancados.
Haviam decidido que eu iria para a Etec pela grande
oportunidade de ouro. Terminar o ensino médio e ainda ganhar um
diploma técnico de forma gratuita, que tipo de pai não acharia isso
incrível? Ainda mais para eles que tentaram me colocar na Oficina de
Campinas, uma escola particular difícil de entrar que só tem alunos
excelentes e com futuros prestigiados. Eu havia passado na prova da
Oficina, mas os custos de ensino eram insanos, então meus pais
deixaram isso de canto.
Não estava muito esperançoso sobre a Etec, mas, fui à ideia
dos meus pais, escolher o Carmela e em seguida me transferir à Etec.
Todos os meus amigos próximos fizeram a inscrição para a tal escola
técnica de Monte Mor, alguns sem esperança por causa de suas notas
no sétimo ano, já outros, com o ego a mil.
Os irmãos gêmeos: Vitória e Murilo, que eram meus amigos
desde o sexto ano, fizeram a inscrição só por influência de minha
mãe dizendo que iam passar de forma tranquila por serem bons
alunos.
— Duvido muito que vou passar, mas vou tentar. — disse
Vitória, com uma atmosfera de desânimo ao redor.
— Vai passar pra cozinha e lavar a louça, capivara, você é
burra, não vai conseguir nem ferrando entrar na Etec do jeito que é
minha irmã gêmea, igualzinha a mim. — disse Murilo, enquanto
debochava da cara dela rindo.
— Cala a sua boca, lagartixa de quatro olhos. Você é outro que
não pode falar nada, é mais burro que tudo. — revidou Vitória
enquanto virava o corpo com os braços cruzados e rosto fechado.

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Ensino fundamental II

Eu e minha mãe só riamos dessa situação engraçada dos irmãos


discutindo por algo bobo.
— Coitada dela, Murilo. Larga de maldade, vocês são
inteligentes, tenho certeza que vão passar! — disse minha mãe aos
gêmeos enquanto sorria.
Eles decidiram fazer a inscrição como eu e esperar os
resultados sobre a confirmação na Etec, o qual demoraria um pouco.
Nesse meio tempo de espera, eu e minha mãe fomos ao centro da
cidade comprar os materiais meu e de meus irmãos que, depois disso,
iriamos à escola Carmela para ver sobre minha matrícula.
Tudo certo até aí, pegamos o Uber e estávamos chegando perto
do local, mas, tinha algo de errado. Nós confundimos as escolas,
achamos que o Massud era o Carmela, pois ambos ficam um do lado
do outro. Fomos andando até a rua debaixo para entrar no portão do
Carmela.
— Nossa! Que escola pequena. Eu jurava que era uma creche,
não uma escola do ensino médio. — disse minha mãe incrédula.
Lá estava, a tal escola que a inspetora me recomendou. Na
minha visão, não parecia nada uma escola com estrutura boa para o
ensino médio, estava mais para uma infantil, uma creche. Fomos à
secretária ver tudo certinho e tirar algumas dúvidas em relação ao
passe e transferência, o qual tudo ocorreu bem.
Com a matrícula no Carmela feita e tudo garantido para o ano,
eu e minha mãe fomos ver como estava a situação da Etec, pois, não
tínhamos nenhuma resposta ou novidade até então. Para a minha
surpresa, eu não tinha sido aceito. A partir daí, aconteceram diversas
discussões entre mim e meus pais, eles queriam muito que eu
entrasse na Etec pelo ensino técnico gratuito na época.

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Ensino fundamental II

Descobri que quando estava fazendo a inscrição nas vagas da


Etec no curso de desenvolvimento de sistemas, coloquei meu
documento no lugar errado, o que invalidou totalmente minha
inscrição. Eu não sabia se era bom ou ruim acabar perdendo essa
oportunidade de entrar na Etec, pois, não sentia tanta firmeza nisso,
como se o Carmela realmente fosse a melhor opção para mim no
momento.
— Poxa, John Erick! Eu te avisei pra fazer com calma e rever a
sua inscrição! Seu pai tava do seu lado, ele não viu isso não? Olha a
oportunidade que você perdeu, cara. — disse minha mãe, reclamando
comigo e meu pai, enquanto nos culpava continuamente sem parar.
— Vem gritar pro meu lado não, eu avisei pra esse moleque
fazer isso direito. Ainda perguntei se tava tudo certo quando acabou e
ele disse que sim. Só quer saber de jogo, queria terminar logo a
inscrição pra voltar pro joguinho dele. — respondeu meu pai à
reclamação de minha mãe.
E, realmente, meu pai não estava errado. Na época, eu era um
adolescente qualquer viciado na internet, que não saia um minuto da
tela do computador. Era da hora que eu acordava até a hora de dormir
(isso se dormisse). Tinha um problema sério com vício em
computador ou celular.
— Não é só fazer ano que vem a inscrição de novo, povo? —
eu perguntei.
— Óbvio que não, você vai ter que fazer o primeiro ano de
novo, por conta do curso técnico da Etec, John. Poxa vida, velho. Eu
te avisei pra fazer isso direito, cara. — respondeu minha mãe,
enquanto não perdia uma brecha para me culpar.
Minha mãe sempre foi explosiva quando se tratava de um erro
ou outro. Eu era acostumado com aquilo, era a natureza dela, mas, de

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Ensino fundamental II

certa forma, me sentia mal em ter que escutar isso toda vez, ainda
mais me culpando sem poder dizer nada.
Alguns dias se passaram após aquela discussão. Tudo estava
certo, meus pais não reclamavam mais, somente tocavam no assunto
uma vez ou nunca para tocar na ferida. Faltavam poucos dias para
começar as aulas no Carmela. De certa forma, eu estava ansioso,
pois, era a minha primeira vez no ensino médio e não sabia muito
bem como se comportar, ainda mais por ter muitos alunos na minha
classe na qual eu não conhecia.
Dois dias antes de começar as aulas, os gêmeos vieram falar
comigo sobre o que tinham descoberto.
— Eu passei! Eu passei! — gritou Vitória de forma muito
contente.
— Passou onde, maluca? Se acalma, explica isso aí direito. —
disse eu de forma confusa, não sabia do que ela estava falando.
— Passei na inscrição da Etec. A Livia Fernanda foi lá ver
quem passou e achou o nome meu e do Murilo! Mas, o seu não, isso
que é estranho. Como é que você não passou? — respondeu Vitória.
— Olha só, parabéns pros dois então. E é uma longa história o
porquê de eu não ter passado. — respondi a ela com um ar de ironia.
Livia era a melhor amiga de Vitória na época, ficavam o tempo
todo juntas conversando. Não foi surpresa minha eles conseguirem
entrar para a Etec, até porque grande parte do povo que conheço
entrou, ainda mais os nerds de plantão, como, por exemplo, o
Gustavo, um amigo meu alto por volta dos 1,88 m, meio gordinho
com um cabelo meio comprido e liso, tonalidade castanha escura.
Faltava apenas um dia para começar as aulas no ensino médio,
eu não sabia muito bem o que esperar.

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Bem-vindo ensino médio

II
O primeiro dia de aula no ensino médio era em uma quinta-
feira, e, definitivamente, eu não iria nessa semana por preguiça.
Antigamente não tinha um apego pela escola, tanto é que faltava
direto, influenciando também a faltar as duas primeiras semanas de
aula no ensino médio.
Sempre tive uma insegurança imensa com meu corpo, ainda
mais do jeito que eu era. Corpo gordo e peludo, inicialmente com 85
kg, cabelo meio cacheado curto com penteado jogado para o lado,
com o famoso bigodinho código de barras. Meu rosto era todo
manchado por conta de espinhas e falta de cuidado. Minha
alimentação era totalmente desregulada, assim como meu sono na
época, que, um ano atrás, tinha insônia e virava noites jogando.
Dito como antes, nunca tive vontade própria de fazer, preferir
ou decidir algo, sempre deixei meus pais escolherem por mim.
Minhas roupas eram bem comuns, cheias de estampas e com um look
que definitivamente não combinava, ainda mais as cores.
Minha mãe odeia cabelo grande masculino, sempre preferiu os
curtos, cortando geralmente no degradê básico. A única coisa que eu
queria na época era um cabelo comprido, nem que seja com uma
franja um pouco grande, o qual não era possível por conta de minha
mãe. Toda vez que eu via uma esperança ao ter esperado 2 meses e
ver meu cabelo um pouquinho grande, chegava minha mãe me
forçando a cortá-lo e voltar ao estado zero.
Além disso, também havia problemas familiares entre meus
pais. Eles em breve iriam se separar decisivamente. Desde os meus
11 anos eles começaram a discutir isso tudo, o que durou até a
primeira série do ensino médio. Começou tudo quando minha mãe

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Bem-vindo ensino médio

estava suspeitando do meu pai ao chegar tarde todo dia em casa, e,


algumas vezes, não chegar. Começaram com discussões básicas, até
minha mãe descobrir que ele estava saindo com outra mulher.
Minha mãe sempre foi explosiva e orgulhosa, então nunca
ficava quieta quando realmente devia. Ela quem puxava briga ou
motivo para brigar do nada. Podia estar a maior paz e tranquilidade,
mas, minha mãe tinha que abrir a boca para começar as discussões.
Tudo começou com brigas simples, onde um apenas gritava
com o outro às vezes, entretanto, ao decorrer dos anos e descobertas,
as coisas foram intensificando e piorando cada vez mais. De
conversas normais, foram para ameaças e possíveis tentativas de
agressões físicas. Eu não me importava com as brigas, pensava que
não adiantaria me envolver ou me importar com aquilo, era um
problema apenas dos dois, de mais ninguém.
Na época, minha avó por parte de pai estava ficando em nossa
casa por conta desses problemas, só que, estando ou não, dava no
mesmo. Ela apenas bebia e apagava no sofá, ignorando tudo. Meus
irmãos toda vez ficavam chorando e gritando, pedindo para os meus
pais pararem de brigar, só que não adiantava nada.
— Tá vendo o que você tá mostrando para os seus filhos? É
isso que você quer pra eles? Ficar com a imagem nossa brigando na
cabeça deles? — disse minha mãe, alfinetando meu pai enquanto
desesperadamente xingava-o.
Meu pai sempre chegava de boa em casa, brincando com todo
mundo, mas, minha mãe tirava motivo do além para discutir, eu
odiava isso. De certa forma entendo o porquê do meu pai se estressar
tanto na época com ela, até eu me irritava do tanto que ela falava
mesmo todo mundo estando quieto, apenas ouvindo ela reclamar pela
mesma coisa sempre.

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Bem-vindo ensino médio

Chegou um momento em que as discussões deixaram de ser


apenas conversa e gritos, indo para agressões em ambos. Meu pai ia
para cima de minha mãe, enquanto ela revidava e xingava. Cada vez
mais o irritando. Tinha vezes que eu interferia por conta de meus
irmãos, eles ficavam entrando no meio daquilo como se pudessem
parar apenas chorando. Tinha medo deles se machucarem e meus
pais se culparem por aquilo.
Lembro nitidamente os sons que podia escutar: o armário
sendo batido, que era minha mãe se jogando contra ele; os gritos dos
meus irmãos que iam aumentando cada vez mais entupidos de choro
e desespero pedindo para meus pais pararem com aquilo e, meu pai,
querendo que minha mãe parasse de encher o saco a todo momento
que chegava em casa, causando aquela discussão toda vez por causa
da mulher que ele ficava saindo um dia sim, outro não. Não a julgo,
sou outro que ficava chateado por isso.
Eu só podia ficar quieto e escutar tudo aquilo que estava
acontecendo, interferindo ou não dava no mesmo. Algumas vezes até
pensei em ligar à polícia, mas, acabava desistindo no meio da
vontade. Me sentia um inútil por não conseguir fazer nada, era um
sentimento horrível.
Houve um dia em que eles estavam brigando e minha irmã
entrou no meio dos dois, resultando em ser arremessada na quina da
parede. Choros, gritos e desespero eram as únicas coisas que podiam
ser percebidas naquela cozinha. Minha mãe foi rapidamente levantar
minha irmã, a qual estava com a cabeça sangrando.
— Foi culpa sua! Seu monstro! — gritou minha mãe,
redirecionando a culpa ao meu pai.
Eu não concordo com isso, era culpa de ambos, tanto minha
mãe por começar quanto meu pai por ser levado pela raiva e estresse.

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Bem-vindo ensino médio

— Tá doendo muito, tá doendo! — gritava minha irmã,


enquanto não sabia se chorava ou olhava para os meus pais.
Fui dar uma olhada na cabeça dela e, havia um pequeno corte
causado pela pancada na quina da parede. Nada muito grave, apenas
um machucado que seria eventualmente fechado por uns pontos e
sumiria ao decorrer do tempo.
Meus pais saíram desesperados no meio da noite para levar
minha irmã ao hospital. Meu irmão não esboçava reações mais,
apenas ficava com o rosto cheio de lágrimas enquanto soluçava.
Fiquei com ele até eles chegarem, resultando no que eu tinha dito
anteriormente, apenas alguns pontos e estava tudo certo.
Após aquele dia, as brigas pararam definitivamente. Graças a
Deus ocorreu tudo bem. Minha mãe não arrumava motivos para
discutir e nem meu pai era levado pelo estresse. Caso acontecesse
algo, meu pai pedia para levar minha mãe ao quarto e falar para ela
ficar quieta. Ele não queria brigar nem nada.
Voltando ao tempo da escola, os dias iam passando e eu teria
que ir às aulas, pois já faziam 10 dias letivos que faltei
continuamente. Estava com preguiça e falta de vontade para ir,
porém, era obrigado aparecer na escola, se não, meus pais tirariam a
internet de mim.
Eu não queria. De jeito algum queria ir às aulas. Nunca fui de
gostar de ir à escola. Lembro-me que uma vez no fundamental
inventei que não haveria aula no dia primeiro de abril para minha
mãe. Tudo isso apenas para faltar.
Observação: as minhas memórias do primeiro ano no ensino
médio são bem vagas. Então, desde já, peço desculpas por contar
apenas as partes principais ou que me lembro. É bem capaz que eu

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Bem-vindo ensino médio

esqueça muitos detalhes e acontecimentos consideravelmente


importantes.
Enquanto para mim iria ser o primeiro dia de aula, aos outro,
era o décimo primeiro, início da terceira semana letiva. Havia faltado
duas semanas seguidas. A aula era na parte da tarde, começaria
pontualmente às 13:00 e terminava quase de noite, às 18:00.
Eu tinha acordado por volta das 10:04 da manhã, com o corpo
todo mole de tanto sono, ainda tentando me recuperar após uma noite
mal dormida. Os raios de sol invadiam o quarto, criando uma
atmosfera aconchegante e preguiçosa, que contrastava com a
ansiedade crescente à medida que o horário da aula se aproximava.
Vestir-me e tomar café da manhã foram tarefas que pareceram exigir
um esforço hercúleo naquela manhã, e a tentação de ficar na cama
era quase irresistível. A preguiça era avassaladora, e eu confesso que
não estava com a menor vontade de ir à aula.
O meu visual para a escola consistia em uma rotina
meticulosamente elaborada para enfrentar cada dia (só que não).
Como alguém que tinha insegurança em relação ao seu corpo, minha
escolha era sempre a primeira camisa grande que eu visse no meu
guarda-roupa. Eu a vestia com uma sensação de conforto, pois ficava
bem larga em mim, apesar do calor muitas vezes implacável. Por
cima, não importava o quão quente estivesse lá fora, eu colocava
uma blusa de frio, criando uma camuflagem pessoal que me fazia
sentir um pouco mais à vontade. O boné preto era meu aliado
constante, ocultando parte do rosto e disfarçando meu cabelo curto
na época. Não poderia esquecer a boa e velha máscara preta minha, o
que era obrigatório naquela época devido à pandemia de Covid-19,
que não apenas protegia minha saúde, mas também garantia uma
camada adicional de anonimato.

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Bem-vindo ensino médio

O ônibus passava pontualmente às 12:10, havendo cerca de 15


minutos até chegar ao meu ponto mais próximo da escola, o
supermercado Extra, situado a 650 metros de distância. Era um
percurso de 4,4 quilômetros no total até minha escola.
Peguei o ônibus no devido horário, e para minha surpresa, os
gêmeos estavam comigo. Como era o mesmo horário para todos os
alunos, o ônibus estava meio lotado. Quando chegamos ao ponto do
supermercado e descemos, começamos a conversar sobre como
foram as aulas passadas. Para minha surpresa, eles haviam faltado
também, o que significava que este era o primeiro dia de aula deles
junto comigo. Enquanto caminhávamos o resto do caminho para a
escola, íamos compartilhando nossa ansiedade, já que era a nossa
primeira vez no ensino médio, ainda mais havendo muitos alunos
novos. Estávamos todos ansiosos para essa nova fase de nossa vida.
Chegando lá, tivemos que esperar o portão abrir, o relógio
marcava 12:35 e a ansiedade crescia a cada minuto que se passava. O
portão só seria liberado às 12:50, e o tempo parecia se arrastar. Mas,
para nossa surpresa, ao nos aproximarmos do portão, avistamos
alguns rostos familiares de nossa antiga escola.
Geiciel, o mineiro das exatas, era o primeiro a chamar atenção.
Um rapaz meio bobinho, mas de coração enorme. Ele compartilhava
alguns dos meus interesses da época, como montar cubo mágico,
desenhar e ter um vasto conhecimento sobre tecnologia. Todos o
chamávamos de “pão de queijo” devido ao seu sotaque mineiro e à
sua paixão por esse quitute.
Bruno, um moreninho de boné azul, era outra figura cativante.
Seu nariz proeminente lhe rendia algumas brincadeiras, como por
exemplo chamar de “narigudo” ou “aspirador de pó”. Ele as encarava
como uma zoação amigável, algumas vezes até revidando. Seu estilo

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Bem-vindo ensino médio

relaxado, semelhante a um mandrake falido, era uma constante em


seu visual.
Gabriel, o gordinho que costumava ser bastante reservado no
fundamental, nos surpreendeu. Ele parecia ter passado por uma
transformação pessoal ou tomado a decisão de mudar, pois estava se
comunicando com todos de maneira amigável e íntima, como se
fosse um novo Gabriel que nunca conhecêramos.
Ketlyn, a loira baixinha que fazia parte do nosso trio
inseparável de trabalhos escolares, também estava presente.
Apelidávamos de “tartaruga ninja” na época do fundamental, devido
ao tamanho de sua mochila, que parecia maior que ela mesma.
Este era o nosso grupinho principal, antes de todos se
enturmarem com os colegas da escola. Gabriel já estava conversando
com toda a sala, revelando uma mudança que era de certa forma
inesperada.
— Ei, povada! Como cês tão? — gritou Geiciel, todo
sorridente de uma forma bem alegre ao ver nós.
— É nada, você veio pra cá, doido? — respondi ao grito de
Geiciel
— É tudo. Vim pra cá por causa de vocês e, também, porque
não passei na Etec. — disse Geiciel.
— Ainda bem que vocês vieram logo pras aulas, eu e o Geiciel
estávamos enlouquecendo já sem nossos velhos amiguinhos. — disse
Bruno. — Tem bastante lição que cês perderam, viu?
Eu estava genuinamente feliz em rever esses rostinhos
familiares, e essa felicidade, de certa forma, aliviou minha ansiedade
crescente. Era como se, naquele momento, eu pudesse deixar para
trás algumas das preocupações que me afligiam. Ali, diante de mim,

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Bem-vindo ensino médio

estavam todos, os amigos que compartilharam comigo risadas,


desafios e memórias especiais. Era como se um abraço silencioso da
amizade e da familiaridade me envolvesse, proporcionando um
refúgio emocional diante do desconhecido que estava por vir, o
ensino médio.
— E aí, vocês se cumprimentam tudo mas esquecem de mim?
— reclamou Ketlyn de forma brincalhona com a cara meio fechada.
— É assim, esqueceram os de verdade.
— Desculpa aí, Ketlyn. É porque você é pequena, acabei não te
vendo. — respondi a ela brincando com um ar de deboche enquanto
erguia as sobrancelhas.
— Nossa. Vai se lascar, John. Volta pra casa que é melhor. —
me respondeu Ketlyn, de forma meio agressiva enquanto ria.
Havia cumprimentado todo mundo, mas, tinha um rostinho o
qual sentia falta e não vi: Gabriel.
— Bom, já que mataram a saudade, queria perguntar onde
diabos tá o Gabriel. Vocês disseram que ele estava conversando com
todo mundo. Ele simplesmente sumiu. — perguntei.
— Cê tá falando daquela bola ambulante ali? — disse Bruno
apontando ao Gabriel. — Aquele safado tá bem ali conversando com
o resto do povo da sala, aparentemente são os amigos novos que ele
fez: André, Victor e Luciano.
Não esperava ver aquilo logo no meu primeiro dia de aula. O
Gabriel era alguém extremamente fechado, assim como eu. Ver ele
falando com o pessoal novo me deixou intrigado

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