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Títulos de crédito Marcelo Soldi

DIREITO EMPRESARIAL
TÍTULOS DE CRÉDITO

O que é um documento? É qualquer bem corpóreo capaz de resguardar a memória histórica de um


determinado fato jurídico. Não é preciso ser escrito; deve poder recuperar algo que já aconteceu. Ex: foto,
vídeo.

Os documentos podem ser:

i. Documento probatório: provar algo que aconteceu no passado (função exclusiva)


ii. Documento constitutivo: instrumento de nascimento de novos direitos subjetivos em favor de uma
determinada pessoa.
iii. Documento dispositivo: cria novos direitos subjetivos, bem como transmite para outras pessoas esse
direito – natureza patrimonial. Exemplo: títulos de crédito. Servem para dar agilidade, facilidade na
transmissão de crédito.

O que é título de crédito? É “documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele
contido” (Cesare Vivante), conceito presente no Art. 887 do Código Civil. É um documento imprescindível
para que o titular exerça o seu direito – ou seja, ele deve ser apresentado para isso.

As obrigações representadas em um título de crédito ou têm origem extracambial (credor e devedor


reconhecem a dívida e a representam num título de crédito), ou de um contrato de compra e venda, mútuo, etc.
Pode ter também origem exclusivamente cambial, como na obrigação do avalista.

Títulos de crédito são sempre escritos; os direitos ali determinados devem estar em uma linguagem
escrita. São autônomos (os direitos são independentes entre si) – num mesmo título pode-se ter vários direitos.

Ele possui três características principais, que visam possibilitar a segurança no tráfico jurídico:

i. Princípio da cartularidade: impõe a apresentação física do documento para se passa extrair efeitos
deste. Tem que ser a via original para se ter eficácia efetiva. Sem o preenchimento dessa condição,
mesmo que a pessoa seja efetivamente a credora, não poderá exercer o seu direito de crédito valendo-
se dos benefícios do regime jurídico-cambial. Não basta, também, apresentação de cópia xerografaria
do título do crédito.
ii. Princípio da literalidade: O documento é literal porque sua existência se regula pelo teor de seu
conteúdo. É dotado de uma linguagem escrita, portanto os direitos de crédito incorporados no

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documento devem estar definidos em sinais gráficos escritos. O que não se encontra expressamente
consignado no título de crédito não produz consequências na disciplina das relações jurídico-cambiais.
iii. Princípio da autonomia: os direitos incorporados são independentes uns dos outros (de forma total).
Os vícios de um determinado direito não contaminam os outros direitos.

Obrigação cautelar

Obrigação cartular é aquela incorporada num título de crédito. Nos títulos há a “coisificação” dos
créditos. Apresenta algumas peculiaridades:

 Instabilidade do polo ativo da obrigação: pode-se mudar a identidade do credor sem que o devedor seja
comunicado.
 É subordinada à perfeição do documento.

Teorias explicativas

i. Teoria dos créditos sucessivos (Gino Sègre): toda vez que um título fosse transferido para outro credor
haveria a extinção do crédito anterior e a criação de um novo crédito, uma nova obrigação.
ii. Teoria da delegação (Edmon Thalles): o primeiro credor, quando transfere, passa poderes para o outro
atuar em seu nome e seus interesses.
iii. Teoria da personificação (Georg Gierke): o título de crédito tem características de um sujeito de
direito. O documento é o próprio credor.
iv. Teoria da pendência (Umberto Navarrini): o título de crédito continha uma obrigação que só se definia
no vencimento – ficava numa situação de indefinição até lá. Só se sabia quem era o credor no
vencimento. Em algumas situações, o credor pode agir antes do vencimento, como por exemplo com a
proposição da medida cautelar de arresto.
v. Teoria da propriedade (Ageo Arcangelli e Túlio Ascarelli): há uma relação de direito real sobreposta à
relação obrigacional do título de crédito. Quem for titular de direito real de propriedade dos
documentos é o credor. O proprietário é sempre quem é qualificado como portador legítimo – quando
transfere a propriedade do título, transfere-se o crédito.

Existência, validade e eficácia da obrigação cartular:

 Criação: ato de reunir num mesmo documento todos as formas necessárias que compõem o
documento. A obrigação cartular passa a ter existência.

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 Emissão: entrada em circulação do título de crédito. É o momento para se examinar a validade da


obrigação cartular.
 Vencimento: plena exigibilidade de cumprimento da obrigação, ou seja, quando ela passa a ter eficácia.

O que é a causa de uma obrigação? A causa é o motivo jurídico para surgimento de uma determinada
obrigação. É uma relação de causalidade adequada.

Quando há abstração num título de crédito? São títulos que podem ser criados a partir de qualquer causa. Há
apenas na letra de câmbio, a nota promissória e cheque.

A inoponibilidade das exceções

 Vícios da criação – intrínsecos: são os vícios de forma, ao modo em que ele foi composto, caso haja
alguma imperfeição. O vício é detectado na leitura do título. Atinge a existência da obrigação cartular,
logo não há obrigação.

Objeções são defesas do réu, de caráter absoluto. Podem ser deduzidos a qualquer tempo e a qualquer
credor, e atingem a existência da obrigação.

 Vícios da emissão – extrínsecos: entrada em circulação dos títulos de crédito, e também dizem respeito
à causa, e também vícios de consentimento. Precisa de uma análise dos fatos externos ao documento
para verificar o vício.

Exceções são a defesa do réu nesse caso, de natureza material. São relativas, porque tem limites de
duas naturezas:
 Temporal: devedor não pode entrar com exceção a qualquer tempo; há um momento certo para
isso. Os títulos são executivos. Numa execução, em até 15 dias da citação, o devedor deve
entrar com embargos de devedor – é nesse momento que ele entra com a exceção.
 Subjetivo: nos títulos com abstração, as exceções não podem ser alegadas diante do credor de
boa-fé. Visa segurança ao tráfico jurídico, para que o credor não tema ser surpreendido por
uma defesa de origem desconhecida.

Classificação dos Títulos de Crédito


Os títulos de crédito são geralmente classificados usando-se de sete critérios:

i. forma de circulação dos títulos: existem quatro categorias:


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a. nominativos: a identificação do credor se dá pelo seu nome no documento. O devedor mantém


livros, e neles tem que anotar a transferência do título de crédito – ou seja, ele controla quem é
o credor.
b. endossáveis ou “à ordem”: a grande maioria dos títulos se enquadram nessa categoria.
Também há o nome do credor, mas basta a tradição da coisa e uma declaração de vontade
(endosse) do credor em transferir o título. A cláusula “à ordem” indica a natureza.
c. ao portador: não há o nome do credor. A titularidade é de quem tem a posse do documento,
bastando transferir a posse do mesmo para que se transfira o crédito. Possui um defeito de
segurança, portanto foi proibido pela Lei 8.021/90. No entanto, o CC, em 2002, em seu Art.
907, possibilitou novamente desde que haja uma autorização legislativa. O legislador ainda não
fez nenhuma autorização, então é uma categoria vazia no Brasil, no momento.
d. “não à ordem” ou “normativos impróprios” – deriva da cláusula “à ordem”. O título só pode
ser transferido com as formalidades da cessão de crédito (Art. 286 e 290, do CC). É necessário
notificar o devedor para ter eficácia. Não é muito frequente.

ii. previsão legal: se há previsão legal daquele tipo de crédito.


a. Típico: se há um modelo normativo, como ele deve ser disciplinado, etc.
b. Atípico: sem previsão legal antecedente. O Art. 890 do CC prevê a possibilidade de títulos
atípicos, regidos pelas regras gerais dos títulos de crédito.

iii. relevância do negócio adjacente: a causa do título de crédito.


a. Abstratos: a causa é irrelevante para a avaliação da validade da obrigação cautelar.
b. Causais: parte de uma causa adequada – tem que ter certa operação econômica-jurídica para ter
validade. Ex: duplicata.

iv. espécie de direito incorporado: conteúdo da prestação devida. É a mais usada com fins didáticos, na
seguinte ordem:
a. Cambiários: são aqueles que pressupõem uma troca de dinheiro presente por futuro. Não
precisa ter acontecido de verdade – são os títulos mais antigos, como a nota promissória e letra
de câmbio. Há uma rigidez formal, não permitindo nenhuma variação.
b. Cambiarieformes: prevê prestação pecuniária, mas não há mais aquela pressuposição da
categoria acima. Ex: cheques e duplicata.
c. Representativos: é uma prestação de dar coisa certa, vinculada à uma mercadoria. Existem 5
tipos: (1) conhecimento de transporte; (2) conhecimento de depósito; (3) certificado de

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deposito agropecuário; (4) warrant1; (5) warrant agropecuário. Tem forma rígida e são todos
causais.

v. consideração de uns em relação aos outros


a. Principais: a validade independe da pré-existência de outro título de crédito – é a grande
maioria.
b. Acessórios: depende da pré-existência de outro. Ex: warrant (em relação ao conhecimento de
depósito), e certificado de crédito bancário CCCB (depende dos títulos precedentes, como
títulos de financiamento).

vi. formas de criação: como o título foi criado.


a. Singulares: uma declaração de vontade gerando um título de crédito, feito de maneira
individualizada. Ex: cheque.
b. Seriados: uma declaração de vontade dá origem a vários títulos idênticos, de mesmo conteúdo,
mesmo direitos – títulos ligados a mercadorias de capitais, títulos de financiamento. Conduzem
à formação de uma comunidade de interesses entre os credores, que podem agir em conjunto
perante o devedor.

vii. graus de cartularidade: apresentação física do documento.


a. Absoluta: exige a apresentação física do documento a todo momento, para quaisquer direitos
de determinado título. A maioria se encontra nessa categoria.
b. Relativa: permitem a apresentação vez ou outra para exercer direitos a partir da obrigação
cartular. A apresentação física é apenas exigida na transferência do documento; em outras
situações, pode-se usar um documento substitutivo. Ex: cédula de crédito (pode-se apresentar a
certidão de registro).

Letra de câmbio
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Warrant é um título emitido por estabelecimentos encarregados da guarda e conservação de mercadorias, passível de ser
vendido ou negociado, e que atesta ao seu portador a propriedade do objeto em custódia.
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A letra de câmbio é um título de crédito cambiário, endossável, abstrato, singular, absoluto, típico e
principal, que contém uma ordem pura e simples de pagar uma quantia certa ou determinada, à vista ou a
prazo. Sendo uma ordem de pagamento que alguém dirige a outrem para pagar a terceiro, importa numa
relação entre pessoas que ocupam três posições no título:
 Sacador: é o criador da letra de câmbio, pessoa que elabora o título de crédito. É o autor da ordem,
formula a ordem de pagamento e a dirige ao sacado, em favor de um beneficiário.
 Sacado: é a pessoa incumbida de cumprir a ordem de pagamento. Deve realizar o pagamento em favor
do beneficiário.
 Beneficiário: este é o terceiro que recebe a cártula do sacador e procura o sacado para, junto a tal
pessoa, receber os valores previstos na ordem.

Evolução histórica
a. Período Italiano – século XIII a XIV. A letra de câmbio nasce da necessidade de troca de moedas. As
feiras de comerciantes trocavam mercadorias por moedas de prata. Por conta do problema em viajar
com muitas moedas em vias inseguras e inçadas de emboscadas, tornou-se necessário ter valores à sua
disposição, não no lugar em que estava, mas naquele para o qual se dirigia. Criou-se uma letra de
câmbio – o documento era informal e contém uma mera carta. O comerciante entregava o dinheiro ao
banqueiro, que escrevia uma carta para o banqueiro de uma outra cidade. Apresentando essa carta, o
comerciante era restituído por esse outro banqueiro.

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b. Período francês – século XVII – a letra de câmbio nada mais foi do que a documentação de um
contrato de compra e venda, que resultava de uma relação de delegação ou mandato. Tomou impulso a
circularidade do título, com a introdução do endosso.
c. Período alemão – A letra de câmbio passa a possuir sua feição moderna de título de crédito perfeito e
a endossibilidade se torna elemento natural e implícito. A letra passa a ser usada de forma comum no
mercado. Ocorre a Convenção Internacional da Letra de Câmbio.
d. No Brasil – A legislação brasileira evoluiu com o Decreto 2.044/1908, inserindo o país no período
alemão. Em 1930, foi firmada uma convenção internacional para a adoção de uma lei uniforme sobre
letra de câmbio e nota promissória, a chamada Convenção de Genebra. Com a adesão do Brasil a esta
convenção em 1942, criou-se uma séria controvérsia em relação Decreto 2.044/1908, que vigorava na
época, e que não tinha sido revogado expressamente por nenhuma lei. A Lei de Genebra passou a
vigorar de fato apenas em 1966.

Rigor cambiário
A letra de câmbio tem forma rígida, fixada pelo legislador. Há a proibição de que sejam inseridos
caracteres que tornem incerta a obrigação cartular.
O sacador tem o dever jurídico de inserir no título de crédito todos os elementos previstos pelo
legislador. Há duas espécies diferentes de elementos:
 Elementos essenciais: aqueles tidos como imprescindíveis (a ausência não pode ser suprida de forma
nenhuma – vicia o título).
 Elementos não essenciais: permite que se possa suprir a sua ausência com o uso de presunções (são
absolutas e não permitem prova em contrário, sem questionamento, portanto).
Os elementos são:
 Cláusula cambiária: a denominação do título deve constar na página frontal e deve estar escrita no
mesmo idioma do texto do título.
 Ordem pura e simples de pagar quantia certa e determinada: o título deve se referir a um valor em
moeda, e deve ser determinada. O valor deve estar escrito por extenso e em algarismos – se houver
discordância, a letra perde a natureza de título de crédito. Além disso, a ordem de pagamento deve ser
feita em moeda nacional. A moeda estrangeira só é permitida se o pagamento for feito no país da
moeda e se o título foi elaborado no exterior.
 Nome do beneficiário;
 Nome do sacado: deve conter número de identificação (CPF/CNPJ) para evitar homônios;
 Data de elaboração (criação);
 Assinatura do sacado ou de seu representante: não pode ser substituída por nenhum sinal gráfico.
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 Época do pagamento ou vencimento: é o momento a partir do qual há plena exigibilidade da obrigação


cartular. O vencimento pode ser de quatro formas:
 à data certa;
 à tempo certo da data: estabelece um prazo, contado da criação do título, sem desprezar o dia
da criação. Ex: vencimento em 30 dias após a criação.
 à vista: basta a exibição do documento ao credor pelo responsável do pagamento.
 à tempo certo da vista: há uma primeira apresentação (para aceite) para o sacado não ser
surpreendido. Conta a partir dessa vista o prazo.
Se o título for omisso quanto ao vencimento, este se presume à vista.
 Local do pagamento: considera-se o local de pagamento, caso o título seja omisso, o local mencionado
ao lado ou abaixo do nome do sacado (geralmente o domicílio do sacado). É uma presunção limitada,
ou seja, submetida a uma condição “ex lege” para ser aplicada. Se todo omisso (ou se indicar local
inexistente ou de impossível acesso), o título deixa de ser título de crédito e não há mais obrigação
cartular.
 Local de criação: a presunção nesse caso, no caso de omissão, será aquele mencionado ao lado ou
abaixo da assinatura do sacado.

Capacidade cambiária ativa e passiva


Capacidade cambiária é a aptidão concreta de uma pessoa para figurar como credor ou devedor de um
título de crédito.
 Capacidade ativa: é a capacidade para ser credor. Basta ter personalidade jurídica.
 Capacidade passiva: é a capacidade para ser devedor. Deve ter capacidade civil plena:
 se analfabeto: não pode se obrigar por si próprio em título de crédito, pois não sabe ler ou
escrever e o título é formulado em ordem escrita, não tendo instrumento próprio para se
obrigar. Só poderá fazê-lo por meio de procurador dotado de poderes especiais e constituído
por instrumento público. O translado ou certidão deve ser juntado ao título de crédito.
 se falido (pessoa física ou jurídica): uma vez decretada a falência, perde o poder de
disponibilidade sobre o próprio patrimônio, não tendo mais legitimidade para vincular seus
bens (Lei 11.101/2005).
 se mulher casada: pode dispor apenas dos bens reservados (bens constituídos pelo seu trabalho,
unicamente).

Saque

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O saque é o negócio jurídico de natureza unilateral e complexo que resulta na criação de um título de
crédito. Após este ato cambial, o beneficiário estará autorizado a procurar o sacado para, dadas certas
condições, poder receber dele a quantia referida no título.
O sacador é vinculado ao pagamento da letra de câmbio. Se o sacado não pagar o título, ou se não se
realizarem as condições da obrigação do sacado, o beneficiário poderá cobrar a letra de câmbio do próprio
sacador, que, ao praticar o saque, tornou-se codevedor do título.
LGU. Art. 9º - O sacador e garante tanto da aceitação como do pagamento de letra. O sacador
pode exonerar-se da garantia da aceitação; toda e qualquer cláusula pela qual ele se exonera da
garantia do pagamento considera-se como não escrita.

Direção do saque
LUG. Art. 3º - A letra pode ser a ordem do próprio sacador.
Pode ser sacada sobre o próprio sacador.
Pode ser sacada por ordem e conta de terceiro

É possível, segundo o art. 3º da Lei Uniforme de Genebra promover a cumulação subjetiva na relação
obrigacional incorporada na letra de câmbio. Pode então haver uma única pessoa ocupando duas posições
jurídicas.
 Saque à ordem do sacador: (sacador + beneficiário) – uma pessoa ocupa o lugar do sacador e do
beneficiário ao mesmo tempo. Esse sacador dirige uma ordem de pagamento ao sacado, para que o
sacado lhe pague. Nesse caso, tem-se a letra sendo utilizada como instrumento de cobrança.
 Saque sobre o próprio sacador: (sacador + sacado): tem-se uma única pessoa acumulando as posições
de sacador e sacado. A mesma pessoa cria o título de crédito e também se incube de pagamento
previsto no próprio título. Nesse caso, o sacador está fazendo uma promessa de pagamento.
 Saque à ordem e por conta de terceiro: corresponde à estrutura clássica da letra, com diferenciação
entre as pessoas que ocupam cada uma das posições jurídicas estabelecidas neste titulo.

Letra em branco e contrato de preenchimento


É a letra que está incompleta, para a qual não ocorreu ainda a conclusão do saque.

STF. Súmula 387. A cambial emitida ou aceita com omissões, ou em branco, pode ser
completada pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto.

A letra em branco pode ser completa pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto. Depois da
cobrança, ou do protesto, a obrigação cartular inexiste.

LGU. Art. 10 - Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada
contrariamente aos acordos realizados não pode a inobservância desses acordos ser motivo de
oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha
cometido uma falta grave.

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Se o sacador passar o título de crédito para terceiro, o sacado pode arguir má-fé e se abster de pagar o
título, se o terceiro sabe do contrato de preenchimento ou se provado falta grave (ele sabia, mas optou por
ignorar). Nesse caso, o terceiro não tem como exigir o pagamento.

Limitação da responsabilidade do sacador


LGU. Art. 9º - O sacador é garante tanto da aceitação como do pagamento de letra. O sacador
pode exonerar-se da garantia da aceitação; toda e qualquer cláusula pela qual ele se exonera da
garantia do pagamento considera-se como não escrita.

Cláusula de juros
Só pode ter juros remuneratórios no título de crédito, sendo vedados os juros moratórios. O título de
crédito deve mencionar uma taxa fixa (violaria o princípio da literalidade se não tivesse esse tópico). O
vencimento deve ser a vista, ou a tempo certo da vista. Quando há financiamento, pode sim haver juros
moratórios, desde que não flutuantes2.

Saque por procuração


Deve ser anexado o título ao instrumento de mandato. Surge duas figuras jurídicas: desvio de poderes
(finalidades da criação muda), respondendo civilmente; e excesso de poderes (representante atua (?)) – nula.

Endosso
Endosso é negócio jurídico unilateral, formal e simples, por meio do qual são transferidos a
titularidade ou o exercício de direitos incorporados num título de crédito.
 Endossante: quem transfere.
 Endossatário: a quem destina a transferência.

Modalidades
 Em branco: sem identificação. Só pode ser feito no verso do título. Bastava a tradição manual para
efetuar-se a sua transmissão. Isso foi vedado pela Lei 8.088/90, contradizendo a Lei Uniforme de
Genebra.
 Em preto: com identificação do endossatário. Pode constar em qualquer lugar do título.

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Juros flutuantes são aqueles que acompanham um ou alguns índices econômicos, como IPCA e IGPM, e são aplicados em
financiamentos nessa modalidade, ou seja, as parcelas mudam de valor, acompanhando o índice ao qual o empréstimo está
atrelado. Portanto, não se tem previsão do valor mensal a ser pago.
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Espécies de endosso
 Translativo: transmissão da propriedade de documento e, por consequência, da titularidade do crédito
(endosso simples);
 Endosso-mandato ou endosso-procuração: transmissão de poderes de representação – “por mandato”,
“por procuração”, “por cobrança”, “ad judicia”. Se há a morte do representado, a representação
continua valendo. É utilizado bastante nas carteiras de cobrança bancária.
 Endosso-penhor ou pignoratício: instituição de direito real de penhor (direito real de garantia) sobre o
título de crédito – “por penhor”, “como garantia”.
 Endosso fiduciário: instituição de propriedade fiduciária sobre o título de crédito Passou a ser muito
utilizado depois da Lei de Falência.

Responsabilidade do endossante no endosso translativo


O endossante é responsável pela existência do crédito e solvência do mesmo, porém o endosso
possibilita cláusulas de limitação ou exclusão (o que não ocorre no saque, por exemplo).
LGU. Art. 15 - O endossante, salvo cláusula em contrário, é garante tanto da aceitação como
do pagamento da letra. O endossante pode proibir um novo endosso, e, neste caso, não garante
o pagamento as pessoas a quem a letra for posteriormente endossada.

Endosso e cessão de crédito


Apesar de possuírem funções assemelhadas, em muito eles diferem:
Endosso Cessão de crédito
Eficácia Basta uma assinatura para ter eficácia Requer um instrumento escrito apartado
Notificação Não necessita de notificação ao devedor, Requer a notificação do devedor para ter
ao devedor por conta do principio da cartularidade. efeitos perante a ele
Responsabilidade O endossante é responsável pela solvência A responsabilidade do cedente é bem
do endossado, e pelo pagamento efetivo menor.

Cláusula “não à ordem”


Só podem transmitir os títulos de crédito seguindo as formalidades da cessão de crédito. Há, portanto,
uma conversão do negócio jurídico. Pode ser inseridas posteriormente.

Pluralidade do endosso
A lei permite que sejam feitos quantos endossos sejam necessários no título de crédito, por conta do
princípio da continuidade. Apenas nos cheques há uma limitação.

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Cancelamento do endosso
O cancelamento é ato jurídico de sentido estrito por meio do qual são extintos os efeitos gerados no
título. Basta riscar a assinatura do endossante.

Endosso póstumo
Se feito depois do protesto ou prazo para protesto, o endosso é considerado póstumo. Vai produzir os
mesmos efeitos de uma cessão de crédito. O endossante só tem as responsabilidades de um cessante – não
responde mais, portanto, pela solvência do endossatário. É muito utilizado atualmente.
LGU. Art. 20 - O endosso posterior ao vencimento tem os mesmos efeitos que o endosso
anterior. Todavia, o endosso posterior ao protesto por falta de pagamento, ou feito depois de
expirado o prazo fixado para se fazer o protesto, produz apenas os efeitos de uma cessão
ordinária de créditos. Salvo prova em contrário, presume-se que um endosso sem data foi feito
antes de expirado o prazo fixado para se fazer o protesto.

Aceite
O sacado de uma letra de câmbio não tem nenhuma obrigação cambial pelo fato do sacador ter-lhe
endereçado a ordem de pagamento. Estará vinculado ao pagamento do título apenas se concordar em atender à
ordem que lhe é dirigida – o chamado aceite.
Trata-se de negócio jurídico unilateral, formal e simples, por meio do qual é manifestada a
aquiescência com a ordem de pagamento contida no título (letra). Só pode ser feita em títulos que tem ordem
de pagamento. Há duas hipóteses de aceite necessário:
 Título com vencimento a tempo certo da vista: o título deve ser apresentado ao sacado num prazo de 1
ano.
Art. 23 - As letras a certo termo de vista devem ser apresentadas ao aceite dentro do prazo
de um ano das suas datas. O sacador pode reduzir este prazo ou estipular um prazo maior.
Esses prazos podem ser reduzidos pelos endossantes.

 Cláusula especial no título de crédito: impõe a apresentação do título de crédito para aceite.

Espécies
 Puro e simples: concordância total do aceitante pela ordem de pagamento formulado pelo sacador. Se
dá pelo cumprimento integral da ordem.
 Limitado: concorda com valor inferior à da ordem.
 Modificativo: não fez nenhuma objeção ao valor, mas altera um dos elementos do saque, como o local
de pagamento, época do pagamento, etc.

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A lei prevê equiparação do aceite limitado e aceite modificativo com a recusa do aceite – prevê a
possibilidade de protesto e extração de responsabilidade do título.
LGU. Art. 26 - O aceite é puro e simples, mas o sacado pode limitá-lo a uma parte da
importância sacada. Qualquer outra modificação introduzida pelo aceite no enunciado da letra
equivale a uma recusa de aceite. O aceitante fica, todavia, obrigado nos termos do seu aceite.

Apresentação para aceite e retenção indevida do título


O título vai ser apresentado ao sacado para que ele confira ou não o aceite. O título fica na posse do
sacado provisoriamente. Muitas vezes isso é feito por via postal.
Se o sacado recusa o aceite, o título é levado a protesto. O não aceite é comportamento lícito – no
entanto, ocorre o vencimento antecipado do título. Se o sacado não aceitar a ordem de pagamento que lhe foi
dirigida, o beneficiário poderá cobrar o título de imediato do sacador, posto que o vencimento originariamente
fixado para a cambial é antecipado com a recusa do aceite.
LGU. Art. 43 - O portador de uma letra pode exercer os seus direitos de ação contra os
endossantes, sacador e outros co-obrigados:
No vencimento: Se o pagamento não foi efetuado.
Mesmo antes do vencimento:
1 - Se houve recusa total ou parcial de aceite;
2 - Nos casos de falência do sacado, quer ele tenha aceite, quer não, de suspensão de
pagamentos do mesmo, ainda que não constatada por sentença, ou de ter sido promovida, sem
resultado, execução dos seus bens.
3 - Nos casos de falência do sacador de uma letra não aceitável.

Se ele não devolve o título de crédito ao credor, há retenção indevida do documento. O credor deve
atuar pois, sem o título, ele não pode receber o seu crédito. Deve ajuizar, portanto, uma ação de busca e
apreensão do título de crédito com medida cautelar de natureza satisfativa. Ele estará sujeito a prisão
administrativa, que deverá ser requerida ao juiz. Trata-se de medida coercitiva, destinada a forçar a restituição
da letra ao seu portador legitimado, sendo liberdado imediatamente na hipótese de devolução ou pagamento
do título.
Nesse meio tempo, elabora-se um documento com o resumo do título retido, que é remetido ao cartório
de protesto, que faz a anotação. A soma do documento referido com a anotação de protesto tem o mesmo
valor de novo título de crédito, possibilitando que sejam tomadas as providências para satisfação do crédito.

Aceite por intervenção


O interveniente (terceiro não vinculado ao título) aceita o título e se torna o novo devedor. Geralmente
isso se dá em relações de parentesco, ou em hierarquias de subordinação societária. Só pode ser aceite puro e
simples. O interveniente assume todas as responsabilidades de um aceitante.

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Aceite prévio
Dá-se quando alguém realiza o aceite de um título em branco. Esse aceite só produz efeitos se o título
for completado antes da cobrança, ou do protesto.

Aceite bancário
É o aceite conferido por um banco.

Cancelamento do aceite
Ato jurídico de sentido estrito por meio do qual os efeitos do aceite são extintos. O cancelamento do
aceite só é válido se o credor ainda não recebeu o título de volta. Se o título voltar para o credor com o aceite,
ele se torna irrevogável.
LGU. Art. 29 - Se o sacado, antes da restituição da letra, riscar o aceite que tiver dado, tal
aceite é considerado como recusado. Salvo prova em contrário, a anulação do aceite considera-
se feita antes da restituição da letra. Se porém, o sacado tiver informado por escrito o portador
ou qualquer outro signatário da letra de que a aceita, fica obrigado para com estes, nos termos
do seu aceite.

Aval
É negócio jurídico unilateral, cartular e simples pelo qual alguém, denominado avalista, assume a
posição de garante do pagamento de um título, equiparando sua responsabilidade à de um dos coobrigados
existentes.
O aval é simples; para que ele seja formalizado, é apenas necessário que haja uma assinatura do
avalista sobre a face do título de crédito. Se houver uma assinatura na face de um título de crédito sem
nenhuma explicação, essa assinatura é considerada como um aval.
O aval pode estar no verso do título, mas nesse caso a assinatura do avalista pode ser acompanhada de
alguma expressão que indique a natureza de declaração (ex: “por aval” ou “por garantia”).
Não pode haver o aval extracartular. O aval é dado apenas no título de crédito e não pode ser dado fora
dele.

Aval x fiança
Tem a mesma função, mas essa é a única semelhança.
Aval Fiança
Natureza É obrigação cartular, utilizada no âmbito É um contrato
dos títulos de crédito.

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Declaração É declaração unilateral Há ajuste de vontade entre as partes.


de vontades
Benefícios Não há O credor pode escolher cobrar do devedor
de ordem ou do fiador.
Autonomia É autônomo – a obrigação do avalista é É contrato acessório – se houver vício no
independente, pois os vícios de qualquer contrato principal, o contrato de fiança é
outra obrigação não atingem o aval. contaminado.
Cônjuges O cônjuge não pode prestar aval ou fiança sem autorização do outro.

Aval parcial
LGU. Art. 30 - O pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval.
Esta garantia é dada por um terceiro ou mesmo por um signatário da letra.

Delimita-se a responsabilidade para apenas uma parcela do valor do título de crédito.

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