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XVIII Jornada de Iniciação Científica PIBIC CNPq/FAPEAM/I PA Manaus - 2009

o USO DE SAL (NaCL) COMO MITIGADOR DO ESTRESSE NO PÓS-


TRANSPORTE DE MATRINXÃ, Brycon amazonicus.

Valesca Magalhães TRINDADE! ; Elizabeth Gusmão AFFONS02; Érica Santiago 3;


'Bolsista PIBIC/CNPq/INPA; 20rientadora CPAQ/ INPA; 3Co-orientadora CPAQ/ INPA

1. Introdução
. O transporte de peixes vivos é uma prática rotineira na piscicultura e é considerado um
procedimento traumático e gerador de estresse que expõe os oeixes a uma série de estímulos
responsáveis por uma cadeia de respostas fisiológicas. Tais estímulos incluem captura,
adensamento, manipulação, transporte e liberação nos tanques de destino e ete. (Nunes, 2006;
Urbinati e Carneiro, 2006; Oliveira, 2008). Para minimizar o efeito desses estímulos, são aplicadas
técnicas no pré-transporte, tais como: jejum, densidade de estocagem, temperatura da água,
sistema de transporte e uso de produtos na água, tais como anestésicos, antibióticos, gesso, e,
mais comumente, o sal (NaCl) que é bastante popular entre os produtores devido a fácil obtenção
e o baixo custo (Kubitza, 1999; Carneiro e Urbinati, 2001; Nunes, 2006). A adição de sal (NaCI) na
água reduz o estresse durante e após o transporte através da diminuição do gradiente osmótico
entre a água e o plasma do peixe e, consequentemente, diminue o gasto energético para a
manutenção do equilíbrio osmorregulatório (Nunes, 2006). Além disso, o sal também estimula a
secreção de muco sobre o epitélio branquial, dificultando a passagem de íons através das
membranas celulares (Wedemeyer, 1996). Embora o sal seja o principal produto utilizado para o
transporte de peixes, tanto por aqüicultores como por aquariofilistas do mundo inteiro, isto não é
suficiente para manter a sobrevivência dos peixes nos primeiros dias que se sucedem ao transporte
«Lim et aI., 2003). Alguns trabalhos têm mostrado que a mudança brusca causada pela
tranferência dos peixes transportados com água contendo sal ou com outros aditivos para água
sem nenhum aditivo pode causar choque osmótico durante a recuperação dos peixes (Bendhack,
2004; Nunes, 2006). Resultados positivos no uso de sal para a recuperação dos peixes após o
transporte têm sido descritos na literatura (Lim et aI., 2003). Tal resultado tem sido descrito por
Nunes (2006) para o peixe ornamenta I da região amazôn ica borboleta (Carnegiella strigata) , cujos
resultados demonstraram a eficiência deste produto na sobrevivência dos peixes após 96 h de
recuperação do estresse do transporte. Uma das espécies de grande importância para a piscicultura
da região é o matrinxã. Brycon amazonicus, um Characiforme da família Characidade, cuja
distribuição na América do Sul se dá no Rio Amazonas e alguns tributários. Apesar de todos os
avanços, ainda existem entraves que têm dificultado a criação de matrinxã em cativeiro como, por
exemplo, a falta de oferta de alevinos o ano todo (Camargo et aI., 2008) e o intenso canibalismo
causado pelo comportamento agressivo da espécie na fase larval até a juvenil (Ceccarelli e Volpato,
1997). Um outro grande problema enfrentado pelos produtores é a alta taxa de mortalidade do
matrinxã, principalmente nas primeiras fases de vida, durante as práticas de manejo do transporte
(Kubitza, 1999; Inoue et aI., 2003, Oliveira, 2008). Na literatura são descritos alguns
procedimentos que podem ser utilizados para minimizar o estresse causado nesta espécie durante o
transporte, tais como sal (Carneiro e Urbinati, 2001; Urbinati e Carneiro, 2006), anestésicos (Inoue
et aI., 2003), imunoestimulantes (Oliveira, 2008) e gesso (Bendhack, 2004). Apesar dos resultados
positivos destes produtos na manutenção da homeostase e, conseqüentemente, na sobrevivência
dos peixes, os efeitos adversos das respostas ao estresse no pós-transporte são problemáticos e
devem ser minimizados.
Assim, este estudo teve como objetivo avaliar a eficácia do sal como mitigador do estresse do
transporte durante o período de recuperação dos peixes, tendo como indicadores a sobrevivência e
o perfil fisiológico dos peixes.

2. Materiais e Métodos
Juvenis de matrinxãs foram submetidos a 4 diferentes concentrações de sal na água durante a
recuperação do transporte. Foram utilizados 25 peixes com peso médio de 100 g, totalizando 300
peixes. Esses foram distribuídos em 12 sacolas plásticas com 25 L de solução salina (6g/L de sal)
de acordo com as recomendações de Carneiro e Urbinati, (2001), e aproximadamente 15 L de
oxigênio puro em cada, e transportados por um período de 5 horas. Após o transporte, os peixes de
cada sacola foram colocados em tanques de PVC com 250 L cada, seguindo delineamento

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experimental inteiramente casualizado, formado por 4 tratamentos (0,0; 2,0; 4,0 e 6,0 g NaCljL)
com 3 repetições cada, por um período de 96 h. O sistema de exposição foi estático, com aeração
constante, sem adição de alimento e duração de 96 horas. Todas as soluções salinas foram
preparadas usando sal comercial de uso agropecuário, o qual foi analisado num espectrofotômetro
de absorção atômica, e cujo.s resultados obtidos foram: Ca2+= 104; Na+= 451.75; K+= 25; e
Mg2+= 14 mgjL. Antes (basal) e após o transporte e ao final das 96 h, foram coletadas amostras de
sangue da punção do vaso caudal dos peixes utilizando seringas com EDTA 10%, as quais foram
destinadas à determinação de: hematócrito (Ht), pelo método de microhematócrito; contagem de
eritrócitos (RBC) em solução, de Natt e Herrick (1952) e concentração de hemoglobina ([Hb]) pelo
método da cianometahemoglobina e glicose plasmática pelo método colori métrico da glicose
oxidase. Os parâmetros fisko-qufrnicos da água foram monitorados durante todo o período
experimental. As concentrações de oxigênio dissolvido, temperatura e pH foram determinados com
uma sonda multiparamétrica. As concentrações de amônia total foram determinadas pelo método
colorimétrico segundo Verdouw et aI. (1978), nitrito, alcalinidade e dureza pelo método descrita por
Boyd e Tucker (1992).

3. Resultados e discussão
Em ambiente de cultivo, a qualidade da água pode ser decisiva no crescimento, na reprodução, na
saúde, na conversão alimentar, na qualidade dos peixes e até mesmo na sua sobrevivência
(Kubitza, 2003). Em condições de bioensaio, esse é um fator importante, uma vez que qualquer
alteração em um dos seus parâmetros físicos e químicos pode afetar a qualidade dos resultados e,
por isso, têm sido avaliados, conjuntamente, com os resultados de parâmetros sanguíneos de
peixes. No presente estudo, os parâmetros físico-químicos analisados não apresentaram variações
que pudessem interferir na homeostase iônica dos peixes durante a recuperação, embora a
alcalinidade e a dureza tenham apresentado diferenças significativas entre os tratamentos (Tabela
1), devido a inclusão de sal na água
Durante o período de 5 horas transportados em solução salina com 6 g NaCI/L na água, os
matrinxãs apresentaram 100% de sobrevivência. Tal concentração, de acordo com Urbinati e
Carneiro (2006), mantém o equilíbrio iônico entre o meio interno do organismo e o meio externo,
minimizando os efeitos adversos do estresse causado pelas práticas do transporte. Entretanto,
durante a recuperação, todos os tratamentos apresentaram mortalidade de peixes, mas não foi
estatisticamente diferente entre eles.
A análise hematológica tem sido comumente usada para diagnosticar os efeitos produzidos por
agentes estressores na saúde dos peixes (Urbinati e Carneiro, 2006). O hematócrito, a
concentração de hemoglobina e a glicose são considerados importantes ind icadores fisiológicos do
estresse (Carneiro e Urbinati 2001). Nesse experimento, os parâmetros hematológicos analisados
não apresentaram diferenças estatísticas significativas entre os tratamentos (Figuras 1 a 3).

Tabela 1. Média e desvio-padrão dos parâmetros físico-químicos da água dos tanques com
matrinxãs, Brycon amazonicus, submetidos a diferentes concentrações de sal na água de
recuperação.
Parâmetros o gjL 2gjL 4gjL 6gjL
O2 dissolvido (rnq/L) 6,61 ± 1,30 5,29 ± 1,69 6,17 ± 2,39 6,84 ± 3,35
Temperatura (0C) 26,11 ± 0,38 26,28 ± 0,40 26,30 ± 0,39 26,30 ± 0,42
pH 6,51 ± 0,67 6,40 ± 0,59 6,13 ± 0,60 6,27 ± 0,66
CO2 (rnq/L) 20,00 ± 0,71 13,30 ± 0,50 17,80 ± 0,67 16,70 ± 0,50
Dureza
16,77 ± 2,09a 41,11 ± 11,51 b 51,65 ± 9,66 b 70,14 ± 5,77 c
(mgCaC03jL)
~~~~~~~~;L) 6,30 ± 2,15 a 17,23 ± 2,54 b 14,45 ± 6,39 b 26,40 ± 6,14 b

Amônia (rnq/L) 2,27 ± 1,06 2,54 ± 1,15 2,80 ± 0,69 2,85 ± 0,68
Nitrito (mgjL) 0,57 ± 0,10 0,20 ± 0,09 0,20 ± 0,06 0,54 ± 0,16
Médias seguidas de letras diferentes na mesma linha diferem entre si pelo teste de Tukey (p<O,OS).

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Hematócritos Hemoglobina
70
60 14 .--------------------------

50
12+1~----------_r--_.--_.---
.T T B24h 10+Hr-~r_--+=~~~_rr~~~~ B24h
40 8-H:1~---j:t!_--I:tI±:.,L,__i:ti;l_f:'_t_~~_1:I~"
j;j48h ~48h
30 0- 0-

~'- 6 -HI:r-----fB---Emj
D96h C196h
20 0-
00-
°or- 4 -H:I:I----tti---1:t)(J
10 0- 0-
00-
2 -HI:}-----j:+t---~
O+D~~~~~~~~rW~~~~
O
Basal TempoControle29 sal 49 sal 69 sal
Basal Tempo Controle 29 sal 49 sal 69 sal
O
O

Figura 1. Valores médios do hematócrito (%) Figura 2. Valores médios da hemoglobina em


em matrinxãs recuperadas em diferentes matrinxãs recuperadas em diferentes
concentrações de sal por um período de 96 concentrações de sal por um período de 96
horas, após o transporte. horas, após o transporte.

160 Glicose
140

120

100
'T
-El24h
80
,L_ il48h
01-
60 '- 096h
'--
40 I- .- .-
.1- C-
20 'C-

o
Basal Tempo O Controle 29 sal 49 sal 69 sal

Figura 3. Valores médios de glicemia


plasmática em matrinxãs recuperadas em
diferentes concentrações de sal por um
período de 96 horas, após o transporte.

4. Conclusão
Com esses resultados, podemos concluir que a inclusão de sal/I, durante a recuperação do
transporte de juvenis de matrinxã não foi eficiente para diminuir as respostas fisiológicas do
estresse nesta espécie.

5. Referencias bibliográficas:
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