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RECUPERAÇÃO DA LACTOSE: UM ESTUDO COMPARATIVO

BASEADO EM SONOCRISTALIZAÇÃO

G. R. OLIVEIRA1, C. L. S. LISBOA1, T. S. SANTOS1, A. S. LIMA1, O. L. S. ALSINA1, C. M. F.


SOARES1
1
Universidade Tiradentes, Instituto de Tecnologia e Pesquisa, Departamento de Engenharia de
Processos
E-mail para contato: rodriguesufcg@yahoo.com.br

RESUMO – A lactose pode ser definida como um dissacarídeo encontrado no leite e


produtos lácteos. Essa biomolécula tem despertado o interesse da indústria no que se
refere ao aprimoramento e desenvolvimento de técnicas de recuperação devido a suas
aplicações em diversas áreas, como a farmacêutica, alimentícia e química. Dentre as
técnicas de recuperação possíveis, a técnica de cristalização assistida por ultrassom tem
apresentado algumas vantagens, como a formação de cristais menores e a maior
uniformidade de tamanho. O objetivo deste trabalho foi estudar a recuperação da lactose
por meio do processo de cristalização a partir da adição de etanol assistida por
ultrassom ao invés de agitação. Para otimização do processo, variou-se o volume de
etanol (40-60 mL) e o tempo de adição de etanol (10-60 min), aplicando pulsos de
ultrassom durante todo tempo de adição. Os resultados mostraram que o processo
assistido por ultrassom apresentou uma recuperação de 86,3 % para um volume de
etanol (60 mL) e um período de aplicação de pulsos de (60 min).

1. INTRODUÇÃO
A lactose pode ser definida como um dissacarídeo encontrado no leite e produtos lácteos,
constituindo-se como a principal fonte de carboidrato sintetizada nas células das glândulas mamárias
(CAMPOS et al., 2014). É largamente utilizada como excipiente em indústria farmacêutica,
particularmente na formulação de produtos de medicamentos tanto para uso inalatório e oral, na
indústria de alimentos; na fabricação de diversos produtos: pães, sorvetes e farinha (KOUGOULOS et
al., 2010). Essa diversidade de aplicações tem despertado o interesse da indústria no que se refere ao
aprimoramento e desenvolvimento de técnicas de recuperação

Uma das formas para separar os produtos orgânicos a partir de soluções aquosas é a adição de
compostos não-solvente que reduzem a solubilidade do soluto, sem a criação de uma nova fase
líquida. Portanto, é possível imaginar que a formação de cristais irá ocorrer de maneira diferente,
quando um dos solventes é alterado (PATEL e MURTHY, 2010).
A cristalização é o principal método utilizado na indústria de lacticínios para recuperar lactose a
partir de soro de queijo, tendo como principais etapas a nucleação e crescimento de cristais (SHI e
ZHONG, 2014).

A nucleação é a fase que inicia o processo de cristalização, envolvendo surgimento de cristais a


partir de uma solução supersaturada, enquanto que a fase final está relacionada ao crescimento dos
cristais que por sua vez compreende duas etapas, a etapa difusional em que o soluto migra da solução
para a interface de uma camada de adsorção, e a etapa seguinte em que as moléculas se acoplam ao
retículo cristalino, numa reação de primeira ordem (WONG e HARTEL, 2014). Ambas as fases de
nucleação e crescimento dos cristais, podem ser influenciadas por diversos fatores como:
solubilidade, supersaturação, semeadura, fator de forma do cristal, taxa de crescimento e cinética de
aglomeração. Esses fatores determinam a velocidade e a natureza do cristal no processo de
cristalização da lactose cristal (PATEL e MURTHY, 2012).

Utilização de ondas de ultrassom para controlar o processo de recuperação da lactose por meio
de cristalização, é conhecida como sonocristalização. A sonocristalização consiste em utilizar ondas
sonoras de alta intensidade que ao passar através de soluções geram uma cavitação, proporcionando o
surgimento e crescimento de bolhas que irão implodir na solução (DINCER et al., 2014).

Estes efeitos ultrassônicos conferem uma série de benefícios significativos para o processo de
cristalização, por exemplo, redução do tamanho do cristal, rápida indução de nucleação, inibição da
principal aglomeração e manipulação da distribuição de tamanho do cristal (PATEL e MURTHY,
2012).

O presente trabalho trata do estudo da recuperação da lactose por meio do processo de


cristalização assistido por ultrassom, utilizando um planejamento experimental como ferramenta para
análise da influência das variáveis, volume de etanol e período de aplicação dos pulsos, bem como a
otimização do processo.

2. MATERIAIS E MÉTODOS
Neste estudo foi utilizado no processo de cristalização o padrão de α-lactose e o etanol grau
absoluto HPLC, ambos obtidos da Sigma Aldrich. O ultrassom utilizado foi o modelo ECO-SONICS
com frequência de 25 kHZ.

2.1. Procedimento Experimental


O processo de recuperação da lactose por meio da cristalização foi realizado a partir da diluição
de 6 g do padrão de α lactose em 20 mL de água MiliQ. A solução foi inicialmente aquecida a 60 °C
para garantir a completa dissolução e em seguida resfriada a temperatura de 25°C antes da adição do
etanol. Após a adição, a solução foi submetida a pulsos de ultrassom em períodos de tempos distintos.
Transcorrido o tempo, solução foi filtrada utilizando Kitassato de borosilicato, funil de Buchner e
papel filtro quantitativo porosidade 0,8 μm, ligados a uma bomba de vácuo, separada e secada num
dessecador por um período de 24 h antes do processo de pesagem.
2.2. Planejamento Experimental
Para avaliar a influência das variáveis no processo de recuperação da lactose, utilizou-se um
planejamento experimental 2² com dois pontos centrais, possuindo como fatores o volume de etanol e
o período de aplicação dos pulsos, cujos níveis são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1 – Níveis e fatores do planejamento experimental

Fatores Nível

-1 0 1

Volume de etanol (mL) 40 50 60

Período de aplicação dos pulsos (min) 10 35 60

O processo de recuperação da lactose por cristalização foi realizado conforme planejamento


apresentado na Tabela 2.

Tabela 2 – Planejamento Experimental

Ensaio Volume de etanol Período de aplicação dos pulsos

(mL) (min)

1 40 10

2 60 10

3 40 60

4 60 60

PC1 50 35

C2 50 35
*
Ponto Central (PC)
2.3. Métodos de caracterização morfológica e físico-química da lactose
A caracterização do padrão de lactose e dos cristais de lactose recuperados, foi realizada pelos
seguintes ensaios: análise estrutural por Espectrometria na Região do Infravermelho com
Transformada de Fourier (FTIR), análise térmica com o objetivo de identificar as transições térmicas
ocorridas durante a queima das amostras, por meio da interpretação das curvas de TGA.

Análise Termogravimétrica (TGA): As curvas de TGA foram obtidas no equipamento DTG-


60H simultâneo com o DTA-TG Shimadzu e analisadas no software Thermogravimetric Analyser,
tomando por base a perda da massa em função da temperatura. As seguintes condições operacionais
foram utilizadas: razão de aquecimento de 20 ºC/min, na faixa de temperatura ambiente a 1000ºC,
com variação de massa de 2 a 6 mg e fluxo de nitrogênio de 50 mL/min.

Análise por Espectroscopia no Infravermelho por Transformada de Fourier (FTIR): A análise de


FTIR BOMEMMB-100 das amostras sólidas foi realizada em um Espectrofotómetro FTIR
BOMEMMB-100. Os espectros foram obtidos no intervalo de comprimento de onda de 400-4000 cm-
1
, para avaliação dos cristais de lactose recuperados.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 Otimização das Condições de recuperação da lactose


Os efeitos do volume de etanol e do período de aplicação dos pulsos sobre o processo de
recuperação da lactose por cristalização foram avaliados empregando um delineamento 22 com pontos
centrais. Conforme as condições experimentais estudadas, a recuperação da lactose variou de 39,50%
a 86,33% (Tabela 3).

A partir da matriz do planejamento e dos resultados do processo, foi possível analisar as


tendências por meio do software STATISTICA versão 7.0. No gráfico de Pareto como mostra a
Figura 2 verificou-se que a maior influência no processo de recuperação da lactose foi o volume de
etanol.

Conforme descrito na Figura 2, apesar das variáveis estudadas influenciarem o processo de


recuperação da lactose, este foi o mais significativo ao nível de confiança de 90%. Esse resultado
também foi observado por Kougoulos et al. (2010), que atribuem ao estado de saturação da solução
na presença de etanol, como o sendo o principal responsável pelo surgimento dos cristais. Tal
mudança é gerada pela adição de um antissolvente, composto que tem a capacidade de reduzir a
solubilidade do soluto e criar novas condições de cristalização, gerando elevadas taxas de nucleação.
Tabela 3 – Matriz Experimental e Resultados da recuperação da lactose em sonocristalização

Ensaio Volume de etanol Período de aplicação dos pulsos Recuperação

(mL) (min) (%)

1 40 10 39,50

2 60 10 71,81

3 40 60 55,12

4 60 60 86,33

PC1 50 35 78,99

PC2 50 35 78,86

Figura 1 – Gráfico de Pareto para a Recuperação da lactose (%).

Já o fato do período de aplicação dos pulsos de ultrassom ter apresentado menor influência no
processo de recuperação da lactose, foi explicado por Bund e Pandit (2007) que observaram que as
ondas de ultrassom exercem uma maior influência na fase de nucleação, considerada como fase inicial
do processo de cristalização.
Após esta análise, foi obtido o modelo estatístico, baseado no método de regressão dos mínimos
quadrados para a estimação dos parâmetros, conforme a Equação 1.

R (%) = −21,54 + 1,59V + 0,30 P (1)

Tabela 4 – Análise da variância para o ajuste do modelo linear de recuperação da lactose

Forma de variação Somas dos Graus de Liberdade Quadrado Fcalculado


quadrados médio

Regressão 29335,90 3 9778,633 88,78

Resíduos 330,43 3 53,59

Total 29666,33
*Ftabelado=9,28 R2=0,90

Observando os valores encontrados na Tabela 4, verifica-se que de acordo com o teste F, o


modelo é altamente preditivo, pois o Fcalculado foi bem maior que o Ftabelado. Desta forma, o modelo é
estatisticamente significativo, podem-se construir superfícies de resposta para verificar as condições
que maximizem a recuperação da lactose. A superfície de resposta do planejamento fatorial
experimental 22 com 2 pontos centrais é apresentada na Figura 2, na qual se observa que a maior
quantidade de lactose recuperada (86,33%) se encontra na região onde o volume de etanol é 60 mL e
o período de aplicação dos pulsos é igual a 60 min.

Figura 2 – Efeito do volume de etanol e do período de aplicação dos pulsos sobre a recuperação da
lactose.
4.2 Espectroscopia no infravermelho (FTIR)
Os espectros de FTIR do padrão de lactose e dos cristais de lactose recuperados são
apresentados na Figura 3. Essas curvas mostram que as amostras recuperadas apresentaram perfis
similares a amostra padrão de lactose, indicando semelhanças na composição dos materiais e a não
interferência do solvente no processo de recuperação.

Figura 3 – Espectros de FTIR do padrão de α lactose e dos cristais de lactose obtidos através do
processo de cristalização.

Através dos espectros da Figura 3, é possível observar que a banda característica para α-
lactose foi localizada em 920 cm-1 e a banda de β-lactose está entre 950 cm-1 e 833 cm-1 (KIRK et
al., 2007; LISTIOHADI et al., 2009). O aparecimento de todos os picos característicos de α e β-
lactose nos espectros de FTIR, provavelmente estão associados à mutarrotação da lactose em
solução aquosa. Além disso, a Figura 3 mostra que todos os espectros obtidos possuem bandas
características de grupos funcionais presentes na lactose, destacando-se as bandas a 3600-3200
cm-1 associadas à frequência de vibração do alongamento do grupo OH, e as bandas fracas em
1656 cm-1 e entre 1200 cm-1 e 1070 cm-1, que correspondem respectivamente, à deformação
angular dos grupos OH da água, e ao estiramento assimétrico da ligação C-O-C (ISLAM et al.,
2010).

4.3 Análise termogravimétrica (TGA)


Com base nos resultados obtidos, a amostra que representa a maior (60mL-60min) recuperação,
foi caracterizada através da análise termogravimétrica e comparada com as propriedades térmicas do
padrão da α lactose utilizado na preparação das soluções estudadas.

A partir das curvas térmicas obtidas conforme a Figura 4 foi possível determinar a região onde o
material é termicamente estável até o momento em que toda fase orgânica é consumida.

118℃
154℃
231 ℃

344 ℃

Figura 4 – Curvas de TGA em atmosferas de N2 da α lactose e cristal obtido a partir do processo de


cristalização.

As curvas termogravimétricas da Figura 4 mostram que a amostra recuperada apresenta um


perfil similar a amostra padrão, indicando semelhança na composição dos materiais. Nota-se que no
primeiro patamar que compreende as temperaturas de 118 °C a 154 °C ocorreu a primeira perda de
massa da lactose, também observada por PITCHAYAJITTIPONG et al., (2010), justificada pela a
etapa de desidratação associada à perda de água da lactose. Entre 231 °C e 344 °C observou-se a
maior perda de massa devido à fusão da lactose, que ocorre a uma temperatura de no mínimo 220 °C
(SUTEEWONG et al., 2012). Por fim, o processo de decomposição da amostra ocorreu para
temperatura superior a 344 °C, onde ocorreu praticamente a degradação completa da amostra.

5. CONCLUSÃO
O processo de recuperação da lactose por cristalização assistida por ultrassom apresentou uma
boa eficiência e uma rápida cristalização. Por meio do estudo das variáveis foi possível perceber que o
volume de etanol exerce uma maior influência na eficiência de recuperação, sendo as ondas de
ultrassom responsáveis por acelera à fase de nucleação na formação dos cristais. A partir desses
resultados será possível avaliar o efeito dessas ondas na morfologia e distribuição dos tamanhos dos
cristais de lactose com o intuito de direcionar a sua aplicação comercial.
6. REFERÊNCIAS
BUND, R. K.; PANDIT, A. B. Rapid lactose recovery from buffalo whey by use of “anti-solvent,
ethanol”. Journal of Food Engineering, v. 82, n. 3, p. 333–341, 2007.
DINCER, T. D.; ZISU, B.; VALLET, C. G. M. R.; JAYASENA, V.; PALMER, M.; WEEKS, M.
Sonocrystallisation of lactose in an aqueous system. International Dairy Journal, v. 35, n. 1, p. 43–
48, 2014.
ISLAM, M.I.U., LANGRISH, T.A.G. An investigation into lactose crystallization under high temperature
conditions during spray drying. Food Research International, 43, 46-56, 2010.
KIRK, J.H., DANN, S.E., BLATCHFORD, C.G. Lactose: A definitive guide to polymorph
determination. International Journal of Pharmaceutics, 334, 103-114, 2007.
KOUGOULOS, E.; MARZIANO, I.; MILLER, P. R. Lactose particle engineering: Influence of
ultrasound and anti-solvent on crystal habit and particle size. Journal of Crystal Growth, v. 312, n. 23,
p. 3509–3520, 2010.
LISTIOHADI, Y., HOURIGAN, J.A., SLEIGH, R.W., STEELE, R.J. Thermal analysis of amorphous
lactose and α-lactose monohydrate. Dairy Science & Technology, 89, 43-67, 2009.
PATEL, S. R.; MURTHY, Z. V. P. Waste valorization: Recovery of lactose from partially
deproteinated whey by using acetone as anti-solvent. Dairy Science & Technology, 2010.
PATEL, S. R.; MURTHY, Z. V. P. Lactose Recovery Processes from Whey: A Comparative Study
Based on Sonocrystallization. Separation & Purification Reviews, v. 41, n. 4, p. 251–266, 2012.
PITCHAYAJITTIPONG, C., PRICE, R.; SHUR, J.; KAERGER, J.S; EDGE, S. Characterisation and
functionality of inhalation anhydrous lactose. International Journal of Pharmaceutics, 390, 134-141,
2010.
SHI, X.; ZHONG, Q. Enhancing lactose crystallization in aqueous solutions by soluble soybean
polysaccharide. Food Research International, v. 66, p. 432–437, 2014.
WONG, S. Y.; HARTEL, R. W. Crystallization in Lactose Refining-A Review. Journal of Food
Science, v. 79, n. 3, p. 257–272, 2014.

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