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Resumo
Este artigo busca entender e refletir, através de revisão bibliográfica, porque o bilinguismo
ainda não é consenso nas políticas educacionais de Estado e entre famílias e surdos, pois há
muitos que continuam desejando uma educação baseada no oralismo ou na comunicação total,
embora movimentos sociais dos surdos defendam o bilinguismo, com o uso da Língua
Brasileira de Sinais - Libras e da Língua Portuguesa na modalidade escrita, como principal
ferramenta na área de educação dos surdos. Verifica se este fato sofre a influência da falta de
políticas públicas ou do acesso a elas e se a construção da identidade surda tem relação com
esta discussão. Mostra que os sujeitos principais na defesa da escola bilíngue são os surdos
que avançam, mas são restringidos por políticas difundidas que tentam igualar os desiguais,
silenciando suas identidades, normatizando, de forma precária, os discursos. Conclui que a
Lei de Libras de 2002 lhes permitiu exigir direitos, e a escola bilíngue que desejam ainda é
uma tentativa que passa por necessária mudança social sobre a visão identitária deste grupo
historicamente excluído, mas que vem ganhando espaço nesta discussão à medida que os
sujeitos surdos passam a exigir participação nos espaços de decisão das políticas públicas, não
mais delegando este papel aos ouvintes e aceitando um papel secundário nas decisões
tomadas pelos agentes públicos, mas como autores transformadores de suas próprias
realidades, organizando seus movimentos e engajando-se na sua luta por igualdade de
direitos, de acesso à sociedade e de respeito a sua identidade que é plural.
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Graduada em Bacharelado e Licenciatura de História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Pós-graduada em Libras - Língua Brasileira de Sinais pela Faculdade São Braz. Pós-graduanda em Educação
Especial: Educação Bilíngue para Surdos – LIBRAS/ Língua Portuguesa pelo Instituto Paranaense de Ensino e
Faculdade de Tecnologia América do Sul. Endereço eletrônico: mairawoodasouto@gmail.com
ISSN 2176-1396
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Introdução
A educação dos surdos toma novos rumos e a luta do povo surdo em defesa de uma
educação bilíngue se evidencia, novas políticas inclusivas são traçadas e discutidas como o
Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que regulamenta a Lei 10.439/2002 e o artigo 18
da Lei 10.098, de dezembro de 2000 (sobre a formação de intérpretes e tradutores em Libras).
Contudo, as discussões de métodos, práticas e visões permanecem, o decreto 5.626, em seu
capítulo VI art. 22 §3º deixa claro que os pais e os próprios alunos podem optar e dar
preferência pela educação sem o uso de Libras. Desta forma, apesar de o método bilíngue ter
adquirido bastante força com o movimento surdo, o método de ensino não é consenso na
atualidade, persistindo, em diversos espaços escolares, tanto o oralismo quanto o bilinguismo.
Ora, se o movimento surdo através de sua Federação Nacional vem defendendo o bilinguismo
como o método capaz de desenvolver as habilidades educacionais dos surdos. Por que o
bilinguismo ainda não é consenso? Por que a família ou os surdos ainda desejam uma
educação baseada no oralismo ou na comunicação total? Este fato sofre a influência da falta
de políticas públicas ou do acesso a elas? A construção da identidade surda tem relação com
esta discussão? É a reflexão sobre o contraste destas filosofias educacionais e como esta se dá
na atualidade brasileira que se propõe este artigo.
No século XVIII, coexistiam dois métodos de ensino para os surdos, o método francês,
propagado pelo Abade Michel de L’Epée, baseado em um sistema de sinais e o método
alemão, de Samuel Heinicke, que defendia toda a instrução partindo do desenvolvimento da
oralização dos surdos, segundo Capovilla (2000) este método tem em sua raiz o ufanismo e a
formação da própria identidade nacional alemã. Foi em 1880, em um período da história
marcado por um forte nacionalismo das potências europeias, que ocorre o importante
Congresso de Milão onde se tem um divisor de águas sobre a educação para surdos.
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O método também não frutificou como prática pedagógica, uma vez que,
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[...] é mais uma filosofia que se opõe ao oralismo estrito do que propriamente um
método [...]. Sob proteção desta nova filosofia educacional, nesta época, começaram
a surgir diversos sistemas de sinais, cujo objetivo central era aumentar a visibilidade
da língua falada, para além da labial (CAPOVILLA, 2000 p. 104).
O bilinguismo tem como pressuposto básico que o surdo deve ser bilíngue, ou seja,
deve adquirir como língua materna a língua de sinais, que é considerada língua
natural dos surdos, e como segunda língua, a língua oficial de seu país. [...] O
conceito mais importante que a filosofia bilíngue traz é que os surdos formam uma
comunidade, com cultura e língua próprias. A noção de que o surdo deve, a todo
custo, tentar aprender a modalidade oral da língua para poder se apropriar do padrão
de normalidade é rejeitada por esta filosofia. Isto não significa que a aprendizagem
da língua oral não seja importante para o surdo, ao contrário, este aprendizado é
bastante desejado, mas não é percebido como único objetivo educacional do surdo,
nem como possibilidade de minimizar as diferenças causadas pela surdez
(GOLDFELD, 1997, p. 42-43).
Segundo Capovilla (2000), a Suécia foi o primeiro país a reconhecer os surdos como
minoria linguística e a assegurar o direito político à educação em língua falada e de sinais. Na
sequência, vários países passam a adotar as devidas línguas de sinais para a educação da
criança surda. A Dinamarca teve um programa de pesquisa pioneiro, descrito por Hansen
(1990), que acompanhou durante oito anos os avanços da língua de sinais e das línguas falada
e escrita com nove crianças surdas conforme a filosofia do bilinguismo. Foi registrado tanto o
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A língua deve ser introduzida e adquirida o mais cedo possível, senão seu
desenvolvimento pode ser permanentemente retardado e prejudicado, com todos os
problemas ligados à capacidade de ‘proposicionar’ mencionados por Hughlings-
Jackson. [...] As crianças surdas precisam ser postas em contato primeiro com
pessoas fluentes na língua de sinais, sejam seus pais, professores ou outros. Assim
que a comunicação por sinais for aprendida - e ela pode ser fluente aos três anos de
idade -, tudo, então, pode decorrer: livre intercurso de pensamento, livre fluxo de
informações, aprendizado da leitura e escrita e, talvez, da fala. Não há indícios de
que o uso de uma língua de sinais iniba a aquisição da fala. De fato, provavelmente,
ocorre o inverso.
A proibição total da língua de sinais acarretou, para o povo surdo, uma defasagem
histórica de aquisição ao conhecimento acumulado pela humanidade, a necessária
readequação desta filosofia metodológica oralista estrita foi embasada em estudos de
psicologia e pedagogia e na análise da dificuldade de apreensão do conhecimento da criança
surda.
Goldfeld (1997) faz um relato sobre a educação de surdos no Brasil iniciada em 1885
com a chegada do professor surdo francês Hernest Huet, a pedido de D. Pedro II. Em 1857,
com a fundação do ‘Instituto Nacional de Surdos-Mudos’ (INES) a língua de sinais era
utilizada como estrutura educacional. Em 1911, o Instituto estabelece o Oralismo em todas as
disciplinas, mas a língua de sinais é proibida oficialmente em 1957, permanecendo como
língua exilada aos pátios e corredores da escola. Em 1970, a Comunicação total é defendida
no Brasil e é a partir da década de 1980, com bases na pesquisa da linguista Lucinda Ferreira
Brito sobre a língua de sinais, que o Bilinguismo entra em pauta na educação brasileira.
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Atualmente, essas três abordagens convivem no Brasil, e pode-se dizer que todas
têm relevância e representatividade no trabalho com surdos. As diferentes
abordagens causam muitas discórdias e muitos conflitos entre os profissionais que as
seguem [...] hoje, em alguns países do mundo como a Venezuela, existe uma
filosofia adotada oficial e obrigatoriamente em todas as escolas públicas para surdos
(no caso, a filosofia bilíngue), mas como no Brasil, a maioria dos países convive
com essas diferentes visões sobre os surdos e sua educação, acreditando que a
verdade única não existe e, portanto, todas as abordagens seriamente estudadas
devem ter espaço (GOLDFELD, 1997, p. 33).
Nas duas primeiras décadas dos anos 2000, com o reconhecimento da Libras “como
meio legal de comunicação e expressão” (BRASIL, 2002) e os movimento surdos
propositivos em defesa a escolas bilíngues, que tiveram seu ápice em 2011, quando, após
infrutífera participação na Conferência Nacional da Educação, foram desprezados em suas
proposições e acusados de segregacionistas tendo, na sequência, a comunicação do
fechamento do INES e a sentença de a educação para surdos ser destinada somente às escolas
inclusivas. O Movimento dos Surdos Brasileiros e suas entidades representativas como a
‘Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos’ (FENEIS) travaram uma imensa
resistência e articulação em defesa das Escolas Bilíngues para os Surdos, objetivando garantir
emendas específicas no Plano Nacional de Educação (PNE) sancionado em 2014. Esta
resistência, descrita por Campello e Rezende (2014), procurou incluir o texto proposto
elaborado pela Feneis sobre a educação para os surdos, porém o texto sancionado foi
modificado à revelia. Desconsideraram-se, então, as proposições dos surdos, abraçando o que
Campello e Rezende (2014) chamam de “concepções errôneas sobre nossa educação”
sinalizadas pela nota de esclarecimento da Feneis em 2013, onde salienta que o modelo
proposto pelo Ministério da Educação (MEC) afirma que as escolas e classes bilíngues
possuem como única especificidade a presença de intérpretes de Libras e que, com isso,
enfraquecem as conquistas obtidas pelos surdos e vão contra o Decreto 5625/2005,
reafirmando que, em escolas e classes bilíngues, as aulas sejam ministradas diretamente em
Libras, com metodologias específicas.
Ainda hoje, o cenário descrito por Goldfeld (1997) se faz presente, a coexistência das
filosofias educacionais para os surdos resistem nos espaços educativos. A existência de
escolas bilíngues, de classes bilíngues e de Atendimentos Educacionais Especializados nas
escolas inclusivas convive com escolas especiais destinadas à oralização dos jovens surdos.
Muitos trabalhos acerca da importância e dos desafios das escolas bilíngues são publicados na
mesma conjuntura onde sites e blogs pessoais de surdos oralizados, e que defendem esta
filosofia, são divulgados.
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Não sei se V. Exas. sabem da existência dos surdos oralizados. Estes comunicam-se
oralmente, sem problemas, embora alguns tenham dificuldade na fala e entendem
por leitura labial. Como podem ver, nós, surdos oralizados, por nos comunicarmos
oralmente, não usamos língua de sinais. Nada temos contra a língua de sinais, a
oralização foi uma opção exclusivamente nossa e de nossos pais, sem
menosprezarmos e negarmos nossa surdez, como muitos psicólogos e educadores de
surdos gostam de afirmar. Nós, mais do que ninguém, sabemos que somente a
oralização amplia nossas possibilidades e iniciativas como qualquer ser humano e,
por isso mesmo, acreditamos que somente o oralismo é capaz, como um todo, de nos
incluir na sociedade, sem sermos marginalizados. Por este motivo, não concordamos
com o fato de a língua de sinais ser a língua exclusiva e única do surdo. [...]
Finalizando e resumindo nossa mensagem, a legalização da língua de sinais não nos
ajuda, nem resolve nossas dificuldades. Seria como uma obra de fachada, de
aparência humanitária. Os surdos não precisam somente de demonstração de
humanitarismo do Poder Público. Precisam de um apoio mais direcionado, mais
eficaz, mais positivo, mais competente. O que adianta colocar um intérprete de
LIBRAS em cada serviço público? Melhor usar esta verba para colocar uma
fonoaudióloga em cada escola! Nada adianta nos encaminhar ao aprendizado de uma
língua que visa excluir e separar as pessoas (MANIFESTO DE SURDOS
ORALIZADOS, 2008).
Ou ainda:
Mas, damos ênfase no grupo de surdos oralizados justamente porque nosso grupo
tem pouca divulgação e muita gente nem sabe que existimos. Daí, quando se depara
com um surdo oralizado, acha que é um caso raríssimo e por isso, nem deve ser
considerado como um grupo que precisa de acessibilidade. Ou acha que não
precisamos de nada, já que ‘estamos tão bem’. Divulgamos o grupo junto com a
solicitação de acessibilidade, estamos aproveitando o gancho apenas para debater
dois assuntos relevantes […] (LOBATO, 2011, p.1).
Neste contexto, analisar a educação inclusiva que se dá aos surdos que estão
matriculados no ensino regular com apoio de intérpretes em Libras e participando, no
contraturno, em salas de recursos se faz necessário refletir sobre as premissas da educação
inclusiva.
Skliar (2016, p. 19) aponta que na América Latina, a partir da Declaração de
Salamanca a ideia de inclusão na escola regular inclusiva absorve dois discursos, um
progressista que salienta a discriminação e exclusão das escolas especiais, salientando o
direito dos diferentes sujeitos em participar da escola pública que deve “aceitar, conter e
trabalhar com a diversidade”, e outro, um discurso totalitário que propõe a inclusão para todos
os diferentes sujeitos, sem perceber a especificidade de cada caso “[...] sem debater a ética do
processo junto com associações e grupos que compõem a alteridade de deficiente e suas
famílias”. Nos discursos historicamente construídos permanecem os olhares sobre deficiência
e normalidade e seus sistemas de representação e significação política formam parte “de uma
mesma matriz de poder”. O pensamento da inclusão que apoie a socialização da diversidade
deficiente leva à “inclusão excludente ou integração social perversa”, “a ilusão de ser como os
demais, o parecer como os demais, o que ressalta numa pressão etnocêntrica de ter que ser,
forçosamente, como os demais”.
Assim, as questões referentes à construção de identidade não podem continuar sendo
renegadas a um segundo plano.
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Estar atento às novas atitudes dentro do espaço escolar solicita dos educadores uma
visão crítica, política, social, cultural e um questionamento amplo sobre as práticas e
narrativas que lhes constituem, assim como a manutenção dessas narrativas através
de suas ações. As lutas por identidade no espaço escolar implicam uma atenção
especial para o conceito da diferença, um aprofundamento nas discussões referentes
à diversidade cultural (como o polêmico multiculturalismo), uma posição crítica
frente aos poderes da linguagem social e dos discursos hegemônicos (LULKIN,
1998, p. 42).
Conclusão
e de formação humana, o século de proibição da língua natural dos surdos ainda é nocivo ao
empoderamento e participação política dos sujeitos surdos. Mas isso não significa afirmar que
grandes passos em direção à emancipação dos discursos surdos não foram dados. A Lei de
Libras de 2002 lhes permitiu exigirem direitos, e a escola bilíngue que desejam ainda é uma
busca que passa por necessária mudança social sobre a visão identitária deste grupo
historicamente excluído em seu direito de falar por si, através dos meios que lhe são naturais:
as mãos.
REFERÊNCIAS
______. Lei Nº 10.098, de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos
para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade
reduzida, e dá outras providências. Distrito Federal, 2000.
______. Lei Nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais -
Libras e dá outras providências. Distrito Federal, 2002.
CAMPELLO, Ana Regina; REZENDE Patrícia Luiza Ferreira. Em defesa da escola bilíngue
para surdos: a história de lutas do movimento surdo brasileiro. Educar em Revista, v.
Especial, n. 2, 2014, p. 71-92.
LULKIN, Sérgio Andrés. O discurso moderno na educação dos surdos: práticas de controle
do corpo e a expressão cultural amordaçada. In: SKLIAR, Carlos. A surdez: um olhar sobre
as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998, p. 33-49.
SACKS, Oliver. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. Editora Companhia das
Letras, 2010.
SKLIAR, Carlos. Seis perguntas sobre a questão da inclusão ou de como acabar de uma vez
por todas com as velhas e novas-fronteiras em educação! Pro-posições, v. 12, n. 2-3, p. 11-
21, 2016.
STROBEL, Karin Lilian. Surdos: vestígios culturais não registrados na história. 2008. Tese
(Doutorado em Educação). Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis,
2008.