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Introdução

Desde a pré-história as associações agrícolas fazem parte da


organização das sociedades humanas na luta pela sobrevivência frente
às adversidades de cada época, e através dos tempos contribuíram para
estruturação das diferentes organizações sociais.

A política de administração e gestão de terra em Moçambique assenta


em aspectos estruturais e conjunturais e tem em conta os factores de
força e fraqueza e as oportunidades que o país apresenta em relação ao
acesso, uso e aproveitamento da terra.
Objectivos

• Objectivos gerais:

 Descrever a lei da terra;

 Abordagem dos movimentos rurais antes e após a independência.

• Objectivos específicos:

 Analisar o impacto da lei da terra nas associações rurais;

 Compreender o papel das associações nos direitos e aproveitamento


da terra nas comunidades rurais.
Lei da Terra em Moçambique

(DIREITO DE USO E APROVEITAMENTO DE TERRA)

(Na república de Moçambique a terra é propriedade do Estado e não pode ser


vendida, ou por qualquer outra forma, alienada, hipotecada ou penhorada.
Como meio universal de criação da riqueza e bem-estar social, o uso e
aproveitamento da terra é direito de todo povo moçambicano).
Lei n° 19/97 de 1 de Outubro
CAPÍTULO I

ARTIGO 1 (Definições)

Para efeitos da presente Lei, entende-se por:

1.Comunidade local: agrupamento de famílias e indivíduos, vivendo numa circunscriação territorial de nível de
localidade ou inferior, que visa a salvaguarda de interesses comuns através da protecção de áreas habitacionais,
áreas agrícolas, sejam cultivadas ou em pousio, florestas, sítios de importância cultural, pastagens, fontes de água e
áreas de expansão.
2.Direito de uso aproveitamentoda terra: direito que as pessoas singulares ou colectivas e as comunidades locais
adquirem sobre a terra, com as exigências e limitações da presente Lei.
19.Zona de protecção da natureza: bem de domínio público, destinado à conservação ou preservação de certas
espécies animais ou vegetais, da biodiversidade, de monumentos históricos, paisagísticos e naturais, em regime de
maneio preferencialmente com a participação das comunidades locais, determinado em legislação específica.
CAPÍTULO II
Propriedade da terra e domínio público
ARTIGO 3
(Princípio geral)
A terra é propriedade do Estado e não pode ser vendida ou, por qualquer forma
alienada, hipotecada ou penhorada.
ARTIGO 7
(Zonas de protecção total)
Consideram-se zonas de protecção total as áreas destinadas a actividade de
conservação ou preservação da natureza e de defesa e segurança do Estado.
ARTIGO 9
(Licenças especiais para o exercício de actividades nas zonas de protecção
total e parcial)
Nas zonas de protecção total e parcial não podem ser adquiridos direitos de uso
e aproveitamento da terra, podendo, no entanto, ser emitidas licenças especiais
para o exercício de actividades determinadas.
CAPÍTULO III
(Direito de uso e aproveitamento da terra)
ARTIGO 10

(Sujeitos nacionais)
1. Podem ser sujeitos do direito de uso e aproveitamento da terra as pessoas
nacionais, colectivas e singulares, homens e mulheres, bem como as
comunidades locais.

2. As pessoas singulares ou colectivas nacionais podem obter o direito de


uso e aproveitamento da terra, individualmente ou em conjunto com
outras pessoas singulares ou colectivas, sob a forma de co-titularidade.

3. O direito de uso e aproveitamento da terra das comunidades locais


obedece aos princípios de co-titularidade, parar todos os efeitos desta Lei.
CAPÍTULO III
(Direito de uso e aproveitamento da terra)
ARTIGO 11
(Sujeitos estrangeiros)
As pessoas singulares ou colectivas estrangeiras podem ser sujeitos do direito
de uso e aproveitamento da terra, desde que tenham projecto de investimento
devidamente aprovado e observem as seguintes condições:
a) Sendo pessoas singulares, desde que residam há pelo menos cinco anos
na República de Moçambique;
b) Sendo pessoas colectivas, desde que estejam constituídas ou registadas na
República de Moçambique.
CAPÍTULO III
(Direito de uso e aproveitamento da terra)
ARTIGO 12

(Aquisição)

O direito de uso e aproveitamento da terra é adquirido por:

a) Ocupação por pessoas singulares e pelas comunidades locais, segundo as


normas e práticas costumeiras no que não contrariem a constituição;

b) Ocupação por pessoas singulares nacionais que, de boa fé, estejam a utilizar a
terra há pelo menos dez anos;

c) Autorização do pedido apresentado por pessoas singulares ou colectivas na


forma estabelecida na presente lei.
CAPÍTULO III
(Direito de uso e aproveitamento da terra)
ARTIGO 18
(Extinção do direito de uso e aproveitamento da terra)
1. O direito de uso e aproveitamento da terra extingue-se:

a) pelo não cumprimento do plano de exploração ou do projecto de investimento, sem


motivo justificado, no calendário estabelecido na aprovação do pedido, mesmo que as
obrigações fiscais estejam a ser cumpridas;

b) por revogação do direito de uso e aproveitamento da terra por motivos de interesse


público, precedida de pagamento de justa indemnização e/ou compensação;

c) no termo do prazo ou da sua renovação;

d) pela renúncia do titular.

1. No caso de extinção do direito de uso e aproveitamento da terra, as benfeitorias não


removíveis revertem a favor do Estado
CAPÍTULO III
(Direito de uso e aproveitamento da terra)
ARTIGO 24
(Comunidades locais)

1. Nas áreas rurais, as comunidades locais participam:

A) na gestão dos recursos naturais;

B) na resolução dos conflitos;

C) no processo de titulação, conforme o estabelecido no nº 3 do artigo 13 da


presente lei;

D) no exercício das competências referidas na alíneas a) e b) do nº 1 do


presente artigo, as comunidades locais utilizam, entre outras, as normas e
práticas costumeiras.
ASSOCIAÇÕES EM MOÇAMBIQUE

Uma associação rural é uma organização formada por agricultores, criadores de


gado ou outros membros da comunidade rural, com o objectivo de promover os
interesses comuns e atender às necessidades colectivas relacionadas à actividade
agrícola e ao desenvolvimento rural.
As associações rurais desempenham um papel fundamental no desenvolvimento
do sector agrário em Moçambique, promovendo a organização, cooperação e
capacitação dos agricultores para melhorar suas condições de vida e aumentar a
produtividade agrícola. Vou abordar brevemente a evolução histórica das
associações rurais em Moçambique:
ASSOCIAÇÕES EM MOÇAMBIQUE

Em Moçambique o desenvolvimento na vertente das associações encontra-se


dividido em dois grandes períodos: o período colonial e o período pós-

independência. A formação de uma associação de pequenos agricultores

surgiu durante a realização do congresso operário de Maio de 1915, em que


debateu os problemas da pequena agricultura, um ano depois fundou-se

em Lourenço Marques uma associação de pequenos agricultores destinada a

impulsionar os interesses agrícolas no distrito de Lourenço Marques

especialmente no vale de Limpopo e de Infulene. Nesta fase constituía a


maior dificuldade dos agricultores era o acesso ao mercado (Rocha, 1991).
Cont.
• Período colonial

No período colonial as associações eram caracterizadas por diferentes factores

separatistas tais como, diferença de princípios e de processos de aprovação dos

estatutos segundo a cor da pele dos associados.

Durante o período colonial, as políticas agrárias em Moçambique visavam

principalmente atender aos interesses das potências coloniais, resultando em um

cenário desfavorável para o desenvolvimento das comunidades rurais. A organização

dos agricultores era limitada e muitas vezes controlada pelas autoridades coloniais.

Alguns exemplos de associações rurais durante o tempo colonial em Moçambique

podem incluir:
Cont.
• Associações de Camponeses: Essas associações eram frequentemente
criadas sob a supervisão das autoridades coloniais e podiam ter objectivos
variados, como a promoção da produção agrícola para exportação, o
fornecimento de mão de obra barata para as plantações coloniais ou o
controle da distribuição de insumos agrícolas.

• Cooperativas Agrícolas: As cooperativas agrícolas também surgiram


durante o período colonial em Moçambique, muitas vezes incentivadas
pelas autoridades coloniais como uma forma de organizar os agricultores
locais e facilitar a comercialização de produtos agrícolas. No entanto, essas
cooperativas geralmente operavam dentro de um contexto de desigualdade
e exploração.
Cont.
• Período pós-independência
No período pós-independência, sobretudo após a realização do III
congresso do partido Frelimo em 1977, decidiu-se a nível do ministério
da agricultura a criação do Gabinete de organização e desenvolvimento
das cooperativas agrícolas (GODCA) em que o governo adoptou uma
política de desenvolvimento assente na socialização do campo, pois o
desenvolvimento rural seria promovido através da produção de forma
colectiva, nas cooperativas. As cooperativas eram consideradas como
sendo instituição caracterizada pela socialização da produção, dos
meios de produção e da força de trabalho
Cont.
Pós-independência
Este fase subdivide-se em:
• Período de dominação da ideologiamarxista: as atenções do Governo
estavam viradas para o sector cooperativo, o sector privado, e o estatal ( origem
das empresas agrícolas de Magude e regadio de Chokwé.
• Período de liberalização: as atenções estavam viradas para o sector familiar
(traçados organizados no quarto congresso em 1984).
O processo de mudanças que influenciou na evolução das associações e extensão
rural em Moçambique, passou pela criação do Gabinete de Organização e
Desenvolvimento das Cooperativas Agrícolas (GODCA), Departamento de
Desenvolvimento Rural (DDR).
CONT.
Alguns exemplos de associações rurais que surgiram após a independência em
Moçambique incluem:
• União Nacional dos Camponeses de Moçambique (UNAC): A UNAC é
uma das principais organizações que representa os interesses dos pequenos
agricultores em Moçambique. Ela trabalha para fortalecer a capacidade dos
camponeses, promover a segurança alimentar e influenciar políticas agrícolas
em benefício das comunidades rurais.
• Associação Rural de Ajuda Mútua (ORAM): A ORAM é uma organização
não-governamental que apoia as comunidades rurais em Moçambique,
promovendo a gestão sustentável dos recursos naturais, a segurança alimentar
e a participação das comunidades na tomada de decisões.
• Associação Nacional dos Agricultores de Moçambique (ANAM): A ANAM
é uma organização que representa os interesses dos agricultores comerciais em
Moçambique, buscando promover práticas agrícolas sustentáveis e defender os
direitos e interesses dos seus membros.
Lei da terra-Associação
• Importância da lei da terra
Na sociologia rural, a lei da terra desempenha um papel fundamental nas
associações rurais por várias razões importantes. Aqui estão algumas maneiras
pelas quais a lei da terra é importante para as associações rurais:
1. Segurança e protecção dos direitos de propriedade: A lei da terra estabelece
os direitos de propriedade sobre a terra e os recursos naturais, garantindo
segurança jurídica para os agricultores e membros das associações rurais. Isso é
essencial para evitar conflitos de terra e proteger os interesses dos agricultores
em relação às suas terras.
2. Acesso à terra e distribuição justa: A legislação fundiária pode influenciar o
acesso à terra e a distribuição de terras entre os membros das associações
rurais. Leis que promovem a redistribuição equitativa da terra podem ajudar a
reduzir a concentração de terras nas mãos de poucos proprietários e promover
uma distribuição mais justa dos recursos naturais.
Cont.
1. Estímulo à produtividade agrícola: Regulamentações fundiárias claras e eficazes
podem incentivar investimentos na produção agrícola, uma vez que os agricultores
têm segurança sobre o uso da terra e podem planejar a longo prazo. Isso pode levar a
um aumento da produtividade agrícola e ao desenvolvimento sustentável das
comunidades rurais.
2. Promoção do desenvolvimento rural sustentável: A legislação fundiária pode
incluir disposições relacionadas à conservação ambiental, uso sustentável dos
recursos naturais e protecção dos direitos das comunidades locais. Ao garantir que as
práticas agrícolas sejam ambientalmente responsáveis ​e socialmente justas, as leis da
terra podem contribuir para o desenvolvimento rural sustentável.
3. Fortalecimento das associações rurais: Uma legislação fundiária adequada pode
fortalecer as associações rurais, proporcionando-lhes um ambiente legal favorável
para operar, negociar contratos de arrendamento ou cooperação, e defender seus
interesses colectivos perante as autoridades governamentais e outros atores.
A lei da terra desempenha um papel crucial no contexto das associações rurais ao garantir
direitos de propriedade seguros, promover o acesso equitativo à terra, estimular a
produtividade agrícola, fomentar o desenvolvimento sustentável e fortalecer as
organizações comunitárias no meio rural.
As associações e sua Importância no Âmbito Rural

Sendo assim, o papel desempenhado pelas associações, inclusive nas


associações rurais, é de extrema importância, já que, elas acabam
servindo de instrumento para o alcance de objectivos mútuos. Mas,
particularizando as associações de pequenos produtores rurais,
verificamos que, para os trabalhadores elas podem significar um acesso
maior a bens e serviços, entretanto, para as grandes empresas, essas
associações podem significar uma ameaça, devido, a introdução de
novos intermediários políticos no meio rural ou mesmo pelas suas
bandeiras de luta e meios de mobilização. (COSTA & RIBEIRO, 1999).
As associações e sua Importância no Âmbito Rural

As associações agrícolas servem como um instrumento de luta para os


pequenos produtores, podendo proporcionar a permanência na terra,
elevação do nível de renda e a participação como cidadãos. Uma
associação não é somente uma organização de pessoas com objectivos
comuns, mas sim uma organização mais complexa com objectivos
também de carácter social, desempenhando importantes e complexas
funções por meio de estatutos e regimentos. (RICCIARDI & LEMOS
apud PEDROSO, 2006)
PAPEL DA ASSOCIACAO: LEI DA TERRA
• Mobilização e Conscientização: As associações rurais podem mobilizar os
agricultores locais, conscientizá-los sobre seus direitos territoriais e as leis que
protegem suas terras, bem como informá-los sobre possíveis ameaças de usurpação
por parte de empresas privadas.

• Advocacia e Representação: As associações rurais podem actuar como defensoras


dos interesses dos agricultores junto às autoridades locais, regionais e nacionais,
pressionando por políticas e regulamentações que protejam as terras agrícolas e
garantam que as empresas privadas cumpram suas promessas.

• Monitoramento e Denúncia: As associações rurais podem monitorar de perto as


actividades das empresas privadas em áreas rurais, identificar práticas ilegais ou
injustas, denunciar violações de direitos territoriais e exigir responsabilização por
parte das autoridades competentes.
CONT.
• Capacitação e Educação: As associações rurais podem capacitar os agricultores para

que compreendam melhor seus direitos, saibam como se proteger contra a usurpação de

terras e estejam preparados para negociar de forma mais equitativa com empresas

privadas.

• Mediação e Resolução de Conflitos: Em casos de disputas ou conflitos relacionados à

usurpação de terras ou ao não cumprimento de promessas feitas por empresas privadas,

as associações rurais podem actuar como mediadoras para buscar soluções justas e

sustentáveis para todas as partes envolvidas.

As associações rurais têm um papel crucial na defesa dos direitos territoriais dos

agricultores, na promoção da transparência nas relações entre comunidades rurais e

empresas privadas, e na garantia do cumprimento das promessas feitas em benefício das

populações locais
CASO PORTUCEL
O caso da Portucel em Moçambique envolve a empresa portuguesa Portucel S.A., que é
uma das maiores produtoras de celulose e papel do mundo, e sua presença no país
africano para o estabelecimento de plantações de eucalipto destinadas à produção de
celulose.

O conflito em torno das operações da Portucel em Moçambique está relacionado a


questões como a aquisição de terras, o impacto ambiental das plantações de eucalipto,
os direitos das comunidades locais afectadas e as condições de trabalho nas plantações.
As comunidades locais e organizações da sociedade civil têm levantado preocupações
sobre a perda de terras agrícolas, o deslocamento de famílias, a contaminação da água e
a falta de consulta e consentimento livre, prévio e informado.
Caso Green Resources
A Green Resources é uma empresa norueguesa que atua na área de reflorestamento e
produção de madeira em vários países da África, incluindo Moçambique. No entanto, a
actuação da Green Resources em Moçambique tem sido objecto de controvérsias e críticas,
especialmente em relação aos direitos das comunidades locais e ao impacto ambiental de
suas operações.
Alguns dos principais pontos de controvérsia envolvendo a Green Resources em
Moçambique incluem:
• Conflitos de terra: Há relatos de que a Green Resources teria obtido concessões de
terra em Moçambique sem o consentimento adequado das comunidades locais ou sem
garantir que essas comunidades fossem devidamente compensadas pelos impactos em
suas terras e meios de subsistência.
• Impacto ambiental: A expansão das plantações florestais da Green Resources pode ter
impactos negativos sobre os ecossistemas locais, incluindo a perda de biodiversidade, a
degradação do solo e a escassez de recursos hídricos.
• Condições de trabalho: condições de trabalho nas plantações da Green Resources em
Moçambique, com relatos de baixos salários, longas jornadas de trabalho e falta de
condições adequadas de segurança e saúde para os trabalhadores.

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