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CADERNOS DE CIÊNCIAS

SOCIAIS APLICADAS
DOI: https://doi.org/10.22481/ccsa.v19i34.11098
Ano XIX Volume 19 Nº 34 jul./dez. 2022 e-ISSN: 2358-1212

Do litígio à pacificação: uma análise do processo de normatização da Política Judiciária


Nacional de tratamento adequado de conflitos de interesses

Fabiane Mazurok Schactae1


Monia Regina Damião Serafim2

Resumo: O presente artigo caracteriza-se em uma análise de conjuntura da Resolução nº 125 publicada
no ano de 2010 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que instituiu a Política Judiciária Nacional de
tratamento adequado de conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário.Esse acontecimento
institucionalizou os métodos consensuais, em especial a conciliação e a mediação, como um serviço a ser
prestado pelo Poder Judiciário, sendo um marco normativo para o estabelecimento de um novo
paradigma na resolução de conflitos de interesses. O objetivo é verificar, por meio de uma análise do
contexto social e político, os motivos que contribuíram para que o CNJ instituísse a referida política
judiciária, que apresenta grande relevância na conjuntura processual brasileira e teve reflexo direto na lei
que instituiu o novo Código de Processo Civil brasileiro. Para tanto, realizou-se uma investigação com a
metodologia qualitativa, utilizando-se do método dedutivo, realizando-se uma pesquisa descritiva e
bibliográfica. Como resultado, observou-se que a Resolução 125/2010 apresenta grande relevância na
conjuntura processual brasileira, inclusive como marco normativo para a instituição de um novo
paradigma voltado para a solução consensual de conflitos de interesse, sendo que o cenário de surgimento
da referida Resolução é marcado pela constatação de uma crise do Poder Judiciário, que buscava encontrar
solução para a morosidade, falta de eficiência e elevados gastos para sua manutenção.

Palavras-chave: Análise de conjuntura. Métodos consensuais. Resolução 125 do CNJ.

From litigation to pacification: an analysis of the normatization process of the National Judicial Policy
for the adequate treatment of conflicts of interest

Abstract: This article is characterized by an analysis of the context of Resolution No. 125 published in
2010 by the National Council of Justice (CNJ), which instituted the National Judicial Policy for the
adequate treatment of conflicts of interest within the scope of the Judiciary. This event institutionalized
consensual methods, especially conciliation and mediation, as a service to be provided by the Judiciary,
being a normative framework for the establishment of a new paradigm in the resolution of conflicts of
interest. The objective is to verify, through an analysis of the social and political context, the reasons that
contributed to the CNJ instituting the referred judicial policy, which has great relevance in the Brazilian
procedural conjuncture and had a right reflection in the law that instituted the new Code of Conduct.
Brazilian Civil Procedure. For that, an investigation was carried out with the qualitative methodology,
using the deductive method, carrying out a descriptive and bibliographic research.

Keywords: Analysis of the situation. Consensual methods. CNJ Resolution 125.

1 Mestranda em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (PPGCSA/UEPG-PR).
Graduada em Direito pela UEPG. Docente do Centro Universitário Santa Amélia (UNISECAL). Advogada. E-mail:
fabiane.schactae@gmail.com
2 Mestranda em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (PPGCSA/UEPG-PR).

Especialista em Direito Penal e Criminologia (ICPC). Defensora Pública do Estado do Paraná. Bacharel em Direito
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e graduada em Ciências Sociais pela Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas (USP). E-mail: moniaserafim@yahoo.com.br.
Do litígio à pacificação: uma análise do processo de normatização da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos de interesses

Introdução

A investigação caracteriza-se em uma análise de conjuntura da ‘Política Judiciária Nacional


de Tratamento Adequado de Conflitos de Interesses’, que regulamentou a mediação e a
conciliação no âmbito do Poder Judiciário. A análise foi realizada a partir de pesquisa
bibliográfica e documental.
A vida em sociedade gera inúmeros conflitos, sendo que, inicialmente, a resolução desses
ocorria por meio da força ou do poder, vigorava a justiça do mais forte, a Lei de Talião conhecida
pela expressão “olho por olho, dente por dente”.
Com o fortalecimento do Estado este se incumbiu de solucionar os conflitos, proibindo a
realização da justiça pelas próprias mãos, surgindo, assim, a jurisdição estatal, ou seja, o Poder do
Estado de dizer o direito. Nesse sentido, afirma Chiovenda (2015, apud DIDIER JR, p.154):
Exercendo a jurisdição, o Estado substitui, com uma atividade sua, as atividades
daqueles que estão envolvidos no conflito trazidos à apreciação. Não cumpre a
nenhuma das partes interessadas dizer se a razão está com ela própria ou com a outra;
nem pode, senão excepcionalmente, quem tem uma pretensão invadir a esfera jurídica
para satisfazer-se.

A substituição da vontade dos conflitantes pela do Estado é denominada de


resolução do conflito por heterocomposição. Nessa modalidade, o Estado, na figura do juiz, um
terceiro alheio às partes, aplica a lei ao caso concreto da maneira como considera, a partir dos
ditames legais, a melhor forma para a resolução do conflito.
Com a monopolização da resolução dos conflitos por parte do Estado, esse precisou
criar meios para que aqueles que vivenciassem um conflito pudessem buscá-lo a fim de obter
uma resposta.
O avanço da globalização, as transformações ocorridas na sociedade ao longo do século
XX, a expansão dos direitos sociais, a passagem de um Estado liberal para o Estado de bem-estar
social, o acesso da classe trabalhadora aos bens de consumo, refletem no Poder Judiciário que vê
aumentar o número de sujeitos que a ele recorrem para resolver seus conflitos. Essa crescente
intensificação na busca pelo judiciário, indica uma crise no sistema de administração da justiça.
(SANTOS,1999 p.143-145).
O crescente aumento de demandas resulta na demora da prestação jurisdicional, o que
fere o direito fundamental de acesso à justiça bem como o da razoável duração do processo,
desencadeando na necessidade de reformas no sistema jurídico, dentre as quais está a ‘Política
Nacional de Tratamento Adequado de Conflitos’, instituída pela Resolução 125, do Conselho
Nacional de Justiça no ano de 2010.

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Assim, o artigo objetiva verificar, por meio de uma análise do contexto social e político,
os motivos que contribuíram para que o CNJ instituísse a referida política judiciária, que
apresenta grande relevância na conjuntura processual brasileira e teve reflexo direto na lei que
instituiu o novo Código de Processo Civil brasileiro em 2015. Para tanto, realizou-se uma
investigação com a metodologia qualitativa, utilizando-se do método dedutivo, realizando-se uma
pesquisa descritiva e bibliográfica.
A estrutura do trabalho aborda o contexto e o cenário da ‘Política Judiciária Nacional de
Tratamento Adequado de Conflito de Interesses’, que institucionalizou a mediação no Brasil,
buscando identificar os atores envolvidos na implementação e execução dos métodos
consensuais de solução de conflitos e a relação de forças necessária para a concretização da
política.

Métodos autocompositivos

Os métodos autocompositivos caracterizam-se pela resolução de um conflito pelas


próprias partes com o auxílio de um terceiro. Ao distinguir os meios de solução de conflitos
hetero e autocompositivos, Calmon afirma que:

Autocomposição é a solução do litigio por decisão consensual das próprias partes


envolvidas no conflito. Distingue-se da tutela jurisdicional porque enquanto esta é uma
solução heterocompositiva exercida mediante a imposição de um terceiro (imparcial),
na autocomposição não há imposição e a solução é parcial (por obra dos próprios
envolvidos) [...] é fruto do consenso. (CALMON, 2019, p. 51, grifo do autor).

Além da mediação e da conciliação, existem outras metodologias como por exemplo, a


negociação e os círculos de construção de paz, contudo no presente texto apenas aquelas serão
abordadas, vez que somente elas estão previstas na normativa que é objeto da análise.
A mediação e a conciliação, diferentemente do modelo de justiça tradicional -
heterocompositiva - em que o Estado atua como o protagonista e por meio de uma sentença
impõe a solução a partir da aplicação da lei ao caso concreto, o protagonismo é exercido pelas
partes, sendo elas as responsáveis pela construção da solução, vigorando o princípio do
autorregramento da vontade. Conforme destaca Vezzulla (1998, p.16), a mediação é:

Técnica de resolução de conflitos não adversarial, que, sem imposições de sentenças ou


de laudos e com um profissional devidamente formado, auxilia as partes a acharem seus
verdadeiros interesses e a preservá-los num acordo criativo em que as duas partes
ganhem.

Com relação à conciliação, o que a distingue da mediação é que o terceiro, conciliador,


além de auxiliar também poderá sugerir possíveis soluções, o que não cabe ao mediador.

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Essas metodologias de resolução de conflitos foram utilizadas ao longo da história em


diversos locais. Estudos realizados no final da década de 50 apontaram que áreas da África
Oriental, África Central, Austral e Sudão se utilizavam de padrões de vida jurídica e de direito que
se moldavam de maneira completamente diversa daqueles do modelo de justiça tradicional
adotado em nosso país. Embora os estudos tenham indicado que tais métodos sejam fenômenos
utilizados há séculos, foi há aproximadamente 70 anos que seu processo passou a ser objeto de
estudos e aprimoramento influenciando os sistemas de justiça estatal. (SANTOS, 1999).
A partir de então diversos países ao redor do mundo passaram a institucionalizar essas
metodologias como uma opção dentro do serviço prestado no judiciário. No Brasil, desde a
década de 90, tanto a mediação quanto a conciliação já eram utilizadas por instituições privadas,
sendo que com relação a elas existia previsão no âmbito do processo judicial, contudo de maneira
distinta da proposta na normativa analisada, uma vez que é realizada dentro do processo
tradicional e conduzido por magistrado ou servidor nem sempre capacitados para a prática desta
forma de ato.
A tentativa de institucionalizar a mediação, como método de prevenção e solução
consensual de conflitos se iniciou com o Projeto de Lei n° 4827/1998, de autoria da Deputada
Federal Zulaiê Cobra. O projeto apresentado continha apenas sete artigos, os quais serviam a
conceituar mediação, os casos em que poderia ser utilizada, quem poderia exercer a função de
mediador, as regras do procedimento que poderia ser tanto judicial quanto extrajudicial.
(BRASIL, 1998).
Embora o legislativo tenha iniciado a discussão acerca da positivação dos métodos
autocompositivos, a institucionalização se deu por ato de um órgão do Poder Judiciário em 2010,
mais de 30 anos após de ter sido adotada em países como Reino Unido, França e Estados
Unidos, e não só nos países desenvolvidos, mas também foi abrigada logo depois em nações
vizinhas, como Colômbia e Argentina. (GABBAY, 2013).
A referida regulamentação será o objeto de análise do presente artigo, tendo em vista
que pode ser considerada um acontecimento, segundo o conceito elaborado por Souza (1984),
vez que se trata de uma ocorrência com dimensão e efeitos que afetam de forma significativa o
sistema judicial brasileiro, por permitir uma nova forma de pensar, conduzir e dar solução às
demandas jurídicas da população.

O contexto da promulgação da Resolução 125


A Constituição Federal de 1988 estabelece como direito fundamental o acesso à
justiça, dispondo no artigo 5º XXXV que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça de direito”, (BRASIL, 1988). Tal direito, também denominado inafastabilidade

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da jurisdição ou direito de ação, é a garantia de ter o seu conflito analisado pelo Estado. Além da
inafastabilidade da jurisdição, no mesmo artigo a Carta Magna prevê, no inciso LXXVIII, que “a
todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os
meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. (BRASIL, 1988).
A intensificação da busca pelo judiciário após o restabelecimento do regime
democrático é evidenciada pelo aumento considerável dos números de demandas no Poder
Judiciário. No ano da entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 foram ajuizadas 350 mil
ações, no ano de 2010, ano de edição da Resolução 125, o número chegou 24.227,727. (CNJ,
2011).
Esse aumento exponencial acaba por ferir o direito fundamental de acesso à justiça, vez
que este não resguarda apenas o direito de levar o conflito à apreciação do judiciário, que seria o
viés formal do referido direito, mas também abarca o viés material, que consiste na garantia de
um acesso efetivo, ou seja, que tenha a resolução do conflito e em tempo reduzido para garantir
sua efetividade e atingir o fim da jurisdição que é a pacificação social. (BEDAQUE, 2003).
Desde a década de 1960 ganhou destaque o debate sobre os problemas relacionados ao
acesso à justiça, sendo colocado como pontos críticos a capacidade restrita do Judiciário de
processar um número cada vez maior de demandas e a menor possibilidade de determinados
indivíduos ou grupos acessarem os órgãos judiciários – principalmente aqueles econômica e
socialmente mais vulneráveis. Diante desta realidade, o acesso à justiça ganhou status de “o mais
básico e fundamental dentre os direitos humanos”. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988).
O questionamento acerca da necessidade de uma mudança no sistema judiciário no
Brasil ganhou força na década de 90, com a implantação da política neoliberal do governo
Fernando Henrique Cardoso. Numa contribuição para a política neoliberal, o Banco Mundial
elaborou estudos sobre o sistema judiciário da América Latina. O estudo teve como finalidade
implantar a ideia da necessidade de reforma, contudo não estava voltada diretamente à melhoria
da prestação jurisdicional ao cidadão brasileiro, mas sim, à promoção do desenvolvimento
econômico e à expansão do capital.
Esse objetivo fica evidente no documento técnico 319, de autoria de Maria Dakolias,
intitulado “O setor judiciário na América Latina e no Caribe: Elementos para Reforma”,
publicado em 1996 pelo Banco Mundial. Consta no referido documento, no item denominado
“Os objetivos da Reforma do Judiciário”, a afirmação de que “as novas relações comerciais
demandam decisões imparciais com a maior participação de instituições formais. Todavia, o atual
sistema jurídico é incapaz de satisfazer esta demanda[...]”. Destacam-se entre os objetivos do
documento a redução da morosidade, ampliação do acesso à justiça, a implantação dos

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Mecanismos Alternativos de Resolução de Conflitos (MARC). (DAKOLIAS, 1996, documento


não paginado).
O Banco Mundial, por meio do referido documento, orientou acerca da necessidade de
promover uma reforma no âmbito do Poder Judiciário para promoção do desenvolvimento
econômico dos países latino-americanos, conforme destaca o texto:

A reforma do Judiciário faz parte de um processo de redefinição do Estado e suas


relações com a sociedade, sendo que o desenvolvimento econômico não pode
continuar sem um efetivo reforço, definição e interpretação dos direitos e garantias
sobre a propriedade. Mais especificamente, a reforma do judiciário tem como alvo o
aumento da eficiência e equidade em solver disputas, aprimorando o acesso à justiça
que atualmente não tem promovido o desenvolvimento do setor privado.
(DAKOLIAS, 1996, documento não paginado).

A mencionada diretriz do Banco Mundial veio orientar a reforma do judiciário, iniciada


em 1992 com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 96, do então deputado Hélio Bicudo,
que sofreu posteriormente diversas alterações e foi implementada com a promulgação da
Emenda Constitucional (EC) 45, no ano de 2004. A exposição de motivos da alteração legislativa
original constata a necessidade de modernização da justiça, “com a consciência de que os juízes
fazem parte da comunidade e que somente enquanto partícipes dessa comunidade podem
distribuir a justiça”. (BRASIL, 2004)
A referida emenda provocou diversas alterações no texto constitucional, alterou a
estrutura e o funcionamento do Poder Judiciário e também instituiu o Conselho Nacional de
Justiça (CNJ). O CNJ é um órgão de natureza administrativa que detém dentre suas funções a de
fiscalização da atuação administrativa e financeira, elaboração de relatórios anuais acerca do
judiciário brasileiro e proposição de providências que julgar necessárias para melhorar a atuação
de tal Poder, tendo exercido o papel de protagonista na institucionalização da mediação e da
conciliação.
O CNJ é composto por 15 membros que exercem mandato por 2 (dois) anos admitida
uma recondução, sendo composto por membros do Poder Judiciário, a quem compete a
presidência do órgão, que é exercida pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), do
Ministério Público (MP), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Sociedade Civil.
Os cenários, na análise de conjuntura, são os espaços onde se desenvolvem as ações da
trama social e política, têm elementos específicos que influenciam os acontecimentos, podendo
ter vários cenários simultâneos. (SOUZA, 1984,p. 11-12).
O acontecimento objeto da análise, que data de 2010, é reflexo do plano da implantação
da política neoliberal no início da década de 90, que atendendo à orientação do Banco Mundial,

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dá início à reforma do judiciário que se concretiza em 2004 com a promulgação EC 45, a qual
dentre as profundas alterações no texto constitucional, criou o CNJ.
No ano de 2001, a pedido do Ministério das Relações Exteriores do Governo do Brasil,
o Serviço de Assessoramento sobre Investimentos Estrangeiros (SAIE), um serviço conjunto da
Corporação Financeira Internacional e do Banco Mundial, realizou, na época, uma análise do
clima para investimentos no Brasil, com ênfase especial nos IED (investimentos estrangeiros
diretos). Segundo este documento, in verbis:

Muitos investidores brasileiros e estrangeiros acreditam aparentemente que os


funcionários do governo (inclusive os juízes) estão de fato imunes dos processos por
corrupção ou por outros crimes e que o Judiciário pouco faz, se é que faz algo, para se
aperfeiçoar. Como diz um professor brasileiro “o sistema judiciário brasileiro não tem
credibilidade. É lento, ineficiente, oligárquico e incompetente”. Com o mesmo espírito,
o estudo de uma autoridade bem conhecida, Armando Castellar, concluiu que a
economia brasileira sofre uma redução de 20% na sua taxa de crescimento econômico
como conseqüência direta da ineficiência do Judiciário. (BANCO MUNDIAL, 2001, p.
38-39).

Verifica-se, portanto, que nos anos que antecederam o surgimento da normativa ora
analisada foram realizados estudos impulsionados pelo Banco Mundial relacionando problemas
enfrentados no Poder Judiciário com relação à economia nacional, estabelecendo que a
morosidade, a falta de confiança e a descredibilidade do seu funcionamento tinham papel
relevante para a falta de investimentos no país.
Outro estudo publicado também indicou que os problemas acerca da ineficiência do
Poder Judiciário refletiriam negativamente na economia brasileira, destacando que:

A partir de um modelo simples relacionando investimento e crescimento, podemos


concluir que esse aumento no investimento levaria a taxa de crescimento do PIB a
aumentar em aproximadamente 25%. Ou seja, esses resultados sugerem que o mau
funcionamento do judiciário reduziu a taxa de crescimento do PIB em cerca de um
quinto. É claro que essa é apenas uma medida aproximada. Uma estimativa precisa iria
exigir, entre outras coisas, uma amostra maior, que permitisse estimar o impacto sobre
o investimento setorial com alguma precisão e levar em conta as diferentes relações
capital-produto em cada setor. Não obstante, o que esses valores deixam claro é que o
impacto do mau funcionamento da justiça sobre o crescimento econômico é
significativo.(CASTELAR, 2009, p. 74).

Ademais, a crise econômica mundial de 2008, sem dúvida, deve ser levada em
consideração como pano de fundo para se analisar propostas de mudanças na estrutura do
Estado, tendo em vista que dentre as estratégias liberais-internacionais, está a da redução de
gastos públicos (SOUZA, 1984, p. 41). Nesse contexto, e como o judiciário brasileiro é um dos
mais custosos do mundo, sem dúvidas o cenário de crise internacional apresenta impactos nas
estratégias e decisões do referido poder.

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As referidas dificuldades apontadas nos estudos se agravaram ao longo dos anos em


razão do aumento significativo de processos judiciais. Conforme consta no relatório Justiça em
Números (2010), em 2009 havia no Brasil 86,6 milhões de ações, ressaltando-se que somente
naquele ano havia ingressado no judiciário 25,5 milhões. Destaca-se que de cada 100 processos
em andamento, apenas 29 tiveram decisão definitiva até o final do ano, o que significa que 71
ficaram pendentes.
O levantamento do CNJ é corroborado pela Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD), realizada em 2009 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), que divulgou os dados sobre Vitimização e Justiça. Com relação ao tema Justiça,
destaca-se que dos domicílios pesquisados, relativos aos 5 últimos anos, “12,6 milhões de pessoas
de 18 anos ou mais de idade que tiveram situação de conflito, 92,7% (11,7 milhões) buscaram
solução, sendo que 57,8% recorreram principalmente à justiça e 12,4% ao juizado especial”. Das
pessoas que não procuraram solução junto à justiça ou juizado especial, 15,9% apontaram como
causa a demora e 6,6% por não acreditarem na Justiça. Das que haviam buscado a justiça, 52%
ainda não tinham resolvido o conflito. (IBGE, 2010).
Diante deste cenário, por iniciativa dos conselheiros Germana de Moraes e Eduardo
Lorenzoni, com o apoio da ministra Ellen Gracie, surge o ‘Movimento pela Conciliação’ que se
iniciou em 23 de agosto de 2006, com o projeto ‘Conciliar é Legal’, encabeçado pelo próprio
CNJ, focando no incentivo e divulgação da solução de conflitos mediante a construção de
acordos. Essas atividades se materializaram posteriormente como projeto permanente do CNJ.
No ano de 2007 o movimento foi ampliado com a Primeira Semana Nacional da
Conciliação, atividade que contou com a participação de mais de três mil magistrados e vinte mil
servidores e colaboradores para o atendimento de mais de quatrocentas mil pessoas. O ano de
2008 agregou assinatura de termos de cooperação, sendo aberta a semana simultaneamente em
sete capitais do país.
A fim de fortalecer o movimento, em 2009, foi instituído o Comitê Gestor da
Conciliação, cujas atividades ficaram sob a responsabilidade da Comissão de Acesso à Justiça e
Cidadania. A partir da referida iniciativa, diversas ações foram implementadas, como parcerias
com entidades representativas de classe, com empresas públicas e privadas e com órgãos
públicos; criação de centrais de conciliação; realização de cursos técnicos e de mutirões
conciliatórios no âmbito dos Tribunais.
O Ministro Cezar Peluzo em sua posse como presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), em 23 de abril de 2010, em seu discurso de posse, enfatizou o cenário caótico que se

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encontrava a Justiça brasileira e destacou a utilização de meios alternativos de resolução de


conflitos para contornar esta situação.
O ano de 2010 trouxe, então, a consolidação do Movimento Nacional da Conciliação,
com destaque para a capilarização das práticas, o enraizamento do projeto que, para além da
semana nacional da conciliação, incorporou-se à agenda permanente dos Tribunais mobilizados
para o desenvolvimento do aparato judicial, por meio de soluções alternativas, que visavam à
melhoria da prestação jurisdicional, materializada por meio a Resolução 125 do CNJ.
O cenário que gestou a referida normativa, portanto, é o do ‘Movimento pela
Conciliação’, com o ‘Conciliar é Legal’, que foi sendo desenvolvido nos Tribunais de Justiça dos
diversos estados do país que aderiram ao projeto, culminando, após ganhar força, na elaboração
da referida norma no Plenário do Conselho Nacional de Justiça, cenário onde se efetivou o
acontecimento aqui analisado.
A aprovação da referida Resolução ocorreu no ano seguinte ao da criação, por parte do
CNJ, de um plano de metas para o Poder Judiciário, a fim de dar vazão nas demandas judiciais.
Tais metas foram criadas pela Resolução CNJ n. 70, de março de 2009, o qual definiu o
Planejamento Estratégico do Poder Judiciário. Segundo o resumo executivo do Relatório
apresentado após o período estabelecido (2009-2013), foram prioridades o aumento da
produtividade judicial, a adoção de soluções alternativas de conflitos, a realização de iniciativas
para melhoria do sistema criminal, a busca pela razoável duração dos litígios judiciais e a solução
célere dos processos relativos a crimes contra a administração e o patrimônio público e as ações
de improbidade administrativa.
O Judiciário brasileiro é considerado um dos mais caros dentre os países federais
ocidentais, equiparável aos investimentos de países desenvolvidos, sendo elevado, inclusive, em
relação à grande maioria deles, destacando-se que a maior fatia das despesas se destina ao
pagamento de pessoal. (DA ROS, 2015, p. 4-5).
É nesse contexto de direcionamento e otimização de recursos que surge a normativa e
os esforços do CNJ no sentido do fortalecimento dos métodos alternativos de solução de
conflitos.
Assim, observa-se que embora o acontecimento date do ano de 2010, é resultado de um
processo iniciado muito anteriormente, constituído por um contexto internacional e nacional que
influenciou na instituição da Política Nacional de Tratamento Adequado de Conflito de
Interesses.

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Os atores envolvidos no processo da elaboração da Política Judiciária Nacional de


tratamento adequado de conflito de interesses

Segundo Herbert de Souza (1984, p. 12) na análise de conjuntura, pode-se denominar:


“ator é alguém que representa, que encaderna um papel dentro de um enredo, de uma trama de
relações”. Assim, o ator pode ser um indivíduo, uma classe, categoria ou grupo social, bem como
instituições, sindicatos, partidos políticos, jornais, rádios, emissoras de televisão, igrejas, etc.
Levando-se em consideração a referida conceituação, tem-se o Poder Judiciário como
protagonista na institucionalização e implantação da Política de solução de conflitos de interesses.
Ainda, deve ser destacada a atuação do então Presidente do STF e CNJ, Ministro Cezar Peluso,
no direcionamento da política, que em seu discurso de posse em 23/04/2010, deixou clara a sua
preocupação com o sistema heterocompositivo de justiça, afirmando

O mecanismo judicial, hoje disponível para dar-lhes resposta, é a velha solução


adjudicada, que se dá mediante a produção de sentenças e, em cujo seio, sob o influxo
de uma arraigada cultura de dilação, proliferam os recursos inúteis e as execuções
extremamente morosas e, não raro, ineficazes. É tempo, pois, de, sem prejuízo doutras
medidas, incorporar ao sistema os chamados meios alternativos de resolução de
conflitos, que, como instrumental próprio, sob rigorosa disciplina, direção e controle do
Poder Judiciário, sejam oferecidos aos cidadãos como mecanismos facultativos de
exercício da função constitucional de resolver conflitos. Noutras palavras, é preciso
institucionalizar, no plano nacional esses meios como remédios jurisdicionais
facultativos, postos alternativamente à disposição dos jurisdicionados, e de cuja adoção
o desafogo dos órgãos judicantes e a maior celeridade dos processos, que já será
avanços muito por festejar, representarão mero subproduto de uma transformação
social ainda mais importante, a qual está na mudança de mentalidade em decorrência da
participação decisiva das próprias partes na construção de resultado, que, pacificando,
satisfaça seus interesses. (PELUSO, 2010, p. 9-10).

Assim, conforme analisado pelo contexto de surgimento da normativa, é papel


proeminente do Poder Judiciário a implementação da política de incorporação “ao sistema os
chamados meios alternativos de resolução de conflitos”, sendo esta, inclusive, uma relevante
contribuição do Banco Mundial ao indicar a necessidade de mudanças no sistema de justiça
brasileiro.

A Política Nacional de tratamento adequado de conflitos de interesses e o novo rumo do


Judiciário
Atribui-se a Montesquieu a divisão de poderes tal como se conhece hoje, a saber, a
separação dos poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário, o qual especificou a função a ser
desempenhada por cada um:

Com o primeiro, o príncipe ou o magistrado cria leis por um tempo ou para sempre e
corrige ou anula aquelas que foram feitas. Com o segundo, ele faz a paz ou a guerra,

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envia ou recebe embaixadas, instaura a segurança, previne invasões. Com o terceiro, ele
castiga os crimes, ou julga as querelas entre os particulares. (MONTESQUIEU, 2000,
p.167-168).

Nessa clássica separação de poderes, cujo intuito é evitar arbitrariedade por parte do
Estado, coube ao Legislativo a função de elaborar as leis. Contudo, nem sempre o legislador
acompanha as transformações sociais, sem contar que o processo de elaboração, votação e
promulgação das normas demanda tempo.
Com a criação do CNJ em 2004, este passou a ter dentre as suas funções, a de elaborar
relatórios anuais sobre a situação do Poder Judiciário e propor providências que julgar
necessárias. Foi no exercício dessa função que constatou a necessidade de modificação do sistema
judiciário tradicional, heterocompositivo, o qual se mostrava congestionado, conforme apontado
por diversos dados já mencionados, propondo assim a Política Nacional de Tratamento
Adequado de Conflitos de Interesses por meio da Resolução 125/2010, que emana de órgão
administrativo, não possuindo assim força de lei, vinculando apenas os integrantes do Poder
Judiciário.
A partir do contexto apresentado, verifica-se que a crise do Sistema Judiciário brasileiro
foi constatada não apenas por dados e estudos nacionais, mas também por dados do Banco
Mundial, sendo que evidentemente, esta análise possui peso bastante relevante na elaboração de
metas pelo Poder Judiciário. As análises acerca do impacto da referida crise na economia nacional
certamente estimulam o Poder Público a pensar em soluções para a questão.
Fundado em tais constatações, considerando ainda o cenário de crise mundial dos anos
de 2008 e 2009, o CNJ estabelece uma série de metas, por meio da Resolução CNJ n. 70, de
março de 2009, a qual definiu o Planejamento Estratégico do Poder Judiciário, sendo que uma
destas metas é justamente o estímulo a formas alternativas de solução de conflitos.
A existência de um Organismo Internacional como o Banco Mundial, apontando para a
gravidade do problema do Judiciário brasileiro, é um fator bastante relevante para que fosse
criada a referida Resolução.
Por outro lado, internamente, a multiplicação de demandas sem solução também
chamou a atenção para a necessidade de implementação de reformas no sistema de justiça, dentre
os quais, a institucionalização de formas alternativas de solução de conflitos, a fim de dar maior
agilidade e eficiência para o sistema de justiça.
Outro ponto que merece atenção, em especial considerando um cenário de crise
econômica mundial vivenciado nos anos de 2008 e 2009, é o dos gastos envolvidos para
manutenção do Poder Judiciário, sendo que evidentemente, a demora das ações judiciais impacta
de forma significativa o aumento dos custos necessários para manutenção do sistema de justiça.

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Do litígio à pacificação: uma análise do processo de normatização da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos de interesses

Válido analisar dados apresentados pelo relatório ‘Justiça em Números 2019’ acerca da
força de trabalho do Poder Judiciário, vez que boa parte dos recursos destinados ao órgão são
relativos ao pagamento de pessoal. Em 2018, o Poder Judiciário contava com um total de 450.175
pessoas em sua força de trabalho, sendo 18.141 magistrados (4%), 272.138 servidores (60,5%),
73.926 terceirizados (16,4%), 64.609 estagiários (14,4%) e 21.361 conciliadores, juízes leigos e
voluntários (4,75%). Este dado é bastante significativo, tendo em vista que segundo pesquisa
realizada pela Universidade de São Paulo no ano de 2019, apesar do texto da Resolução nº
125/10 ter previsão de pagamento de remuneração, não encontraram, nos estados visitados,
nenhum caso de conciliador remunerado. (CNJ, 2019)
Assim, verifica-se que a atividade jurisdicional, por meio da referida Resolução está
sendo, em parte, transferida para voluntários, dos quais se espera que auxiliem a resolver a crise
do Poder Judiciário. Há delegação de responsabilidade estatal para terceiros que não integram os
quadros do judiciário, tendência observada justamente em estratégias neoliberais de diminuição
do Estado. Assim, percebe-se que o neoliberalismo é uma força presente na estratégia
estabelecida na referida Resolução.
O texto original3 da Resolução é distribuído em quatro capítulos que abordam,
respectivamente, acerca da instituição da política, das atribuições do CNJ, das atribuições dos
Tribunais e dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC) e do Portal da
Conciliação. Dentre os assuntos tratados na Resolução, cabe destacar que a mesma contempla
que “o acesso à justiça vai além da vertente formal, que é a entrada em juízo do pedido
formulado pela parte” (BEDAQUE, 2003, p.71), implicando em uma ordem jurídica justa, que
corresponde a garantia de resposta efetiva e adequada à pretensão, isto é, “resultados que sejam
individual e socialmente justos” (CAPPELLETTI e GARTH 1998, p.8). Também faz expressa
menção à mediação e conciliação como “instrumentos efetivos de pacificação social, solução e
prevenção de litígios” (CNJ, 2010).
A Resolução determinou que os Tribunais criassem, no prazo de 30 (trinta) dias, o
NUPEMEC (Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos) a quem,
dentre outras, compete a implementação da Política e a instalação dos CEJUSC, espaços que
concentrariam a realização dos métodos consensuais.
A implementação e o desenvolvimento da Política Judiciária depende da cooperação
entre dos atores envolvidos, seja na implementação, seja na execução da política, o que Souza
(1984) denomina de relação de forças. Além da criação dos espaços para a aplicação dos métodos

3O texto teve três alterações posteriores, mas que não alteraram sua essência, razão pela qual não serão abordadas
nesse texto.

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consensuais, os CEJUSCs, cuja função foi atribuída aos Tribunais de Justiça de cada Estado,
necessitam também de pessoal capacitado para execução, que são os mediadores e os
conciliadores, uma vez que o Magistrado não pode em um mesmo conflito, exercer as duas
funções. Contudo, de nada adianta haver espaço adequado, profissionais capacitados, se não
houver incentivo a essas práticas.
Para o desenvolvimento da política, não basta a institucionalização pelo Poder
Judiciário, vez que tão importantes quanto a questão normativa e estrutural, são os sujeitos
envolvidos no processo de resolução de conflitos, a quem compete o incentivo à utilização do
serviço, conforme restou destacado no inciso VI do art. 6º da resolução 125, onde está disposto
que é necessário:
[...] estabelecer interlocução com a Ordem dos Advogados do Brasil, Defensorias
Públicas, Procuradorias e Ministério Público, estimulando sua participação nos Centros
Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania e valorizando a atuação na prevenção
dos litígios; (CNJ, 2010).

Assim, para o desenvolvimento da política é necessária uma efetiva participação de


todos atores envolvidos no processo de solução de conflitos.

Considerações finais

Acontecimento são fatos que “adquirem um sentido especial para um país, uma classe
social, um grupo social ou uma pessoa” (SOUZA, 1984, p.10), sendo que a Resolução 125/2010,
que instituiu a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado de Conflitos de Interesse, se
enquadra nesse conceito.
Como visto, essa resolução institucionalizou a mediação e a conciliação, passando estas
a integram os serviços a serem prestados pelo Poder Judiciário na resolução de conflitos de
interesses. Esse acontecimento é um marco para um novo caminho e, igualmente, para
estabelecimento de um novo paradigma no âmbito do Poder Judiciário, onde até então os
conflitos eram resolvidos pelo meio heterocompositivo, ou seja, solução por meio da decisão
imposta, e a partir de então passa-se a priorizar e incentivar a resolução por meio dos métodos
autocompositivos, onde vigora o princípio do autorregramento da vontade.
No Brasil, a institucionalização da mediação e da conciliação, como salientado, ocorreu
por meio de uma resolução oriunda de um órgão do Poder Judiciário, não tendo assim força de
lei. Contudo, a Resolução 125/2010 teve reflexos na reforma processual que deu origem ao Novo
Código de Processo Civil, Lei 13.115 de 20 de abril de 2015, que por sua vez, incluiu a mediação
e a conciliação como um ato processual obrigatório já no início do processo. Ainda em 2015 foi
promulgada a Lei 13.140, conhecida como a Lei da Mediação, que disciplina acerca dos

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Do litígio à pacificação: uma análise do processo de normatização da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos de interesses

princípios, procedimentos da mediação pré-processual, judicial, extrajudicial, que envolva pessoa


jurídica de direito público e capacitação dos mediadores.
Nessa perspectiva, pode-se afirmar que a Resolução 125/2010 apresenta grande
relevância na conjuntura processual brasileira, sendo o marco normativo para a instituição de um
novo paradigma voltado para a solução consensual de conflitos de interesse.
O cenário de surgimento da referida Resolução é marcado pela constatação de uma crise
do Poder Judiciário que buscava encontrar solução para a morosidade, falta de eficiência e
elevados gastos para sua manutenção. Buscou-se estabelecer uma série de medidas a fim de
superar estas questões, sendo que a Resolução 125 é criada dentro deste contexto.

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