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Dinamarco, C. R., Badaró, G. H. R. I. e Lopes, B. V. C. Teoria Geral do Processo, 32. Ed. São
Paulo: Malheiros, 2020.
CAPÍTULO I
A TEORIA GERAL DO PROCESSO E A SOLUÇÃO DE CONFLITOS
3. As crises jurídicas
Sem prejuízo da necessidade de se manter em mente o objetivo de solução do conflito à luz desses
três escopos distintos, o conflito sobre o qual a TGP se debruça não deixa de ser um conflito
jurídico – i.e., uma situação em que há uma pretensão resistida, de alguma forma, de uma parte por
outra, em relação a direitos ou obrigações – não deixa de exigir métodos para sua
operacionalização. Nesse sentido estrito, o processo pode ser entendido como um instrumento de
solução de conflitos que podem também ser entendidos como uma crise jurídica em que ocorre
um estado de fraqueza, instabilidade ou risco de uma das partes, ao menos.
Dinamarco et al definem essas crises em quatro espécies:
i) crise de certeza, em torno de uma dúvida sobre a ocorrência, existência, modo-de-ser ou
aplicabilidade de um direito, obrigação ou relação jurídica – solucionada mediante uma
decisão declaratória;
ii) ii) crise de adimplemento, quando uma parte reclama omissão ou mal cumprimento em
relação a uma pretensão devida, pela outra parte, por via jurisdicional – solucionada
mediante uma sentença condenatória e, se necessário, de um ato de execução forçada;
iii) iii) crise de situação jurídica, quando um sujeito recorre à jurisdição para questionar
uma situação desfavorável ou indesejada, pretendendo sua desconstituição e implantação
de outra mais conveniente – solucionada mediante uma sentença constitutiva;
iv) iv) crise de conhecimento, quando um sujeito recorre à jurisdição em busca de
informações que lhe reafirmem a pretensão a um direito, seja quanto a provas para tal,
sua existência ou valor – sendo dirimida via produção antecipada de prova.
4. Solução de conflitos e tutelas alternativas
Condicionantes ambientais, demográficos, econômicos, sociais, etc. levam inexoravelmente a
pretensões divergentes entre entes – sejam pessoas naturais ou institucionalizadas juridicamente –
que podem dar origens a conflitos. Sendo uma das funções do Estado garantir condições de
convívio entre seus sujeitos de forma pacífica e organizada, é natural que muitos desses conflitos
demandem sua ação jurisdicional para que sejam solucionados.
Contudo, dada a infinidade de forças que podem levar duas partes a conflitos de interesses e os
recursos limitados que o Estado tem a seu dispor para mediar esses possíveis conflitos – entre eles o
tempo e o formalismo que o Poder Judiciário exige para agir em sua função típica de jurisdição em
face de inevitáveis aspectos burocráticos inscritos em seus métodos, organização e supervisão – há
situações em que o Estado pode incentivar a aplicação de tutelas alternativas à jurisdição estatal na
solução desses conflitos, em especial em observância a princípios como o da economicidade ou
eficiência, da celeridade processual ou razoável duração do processo, e da oportunidade.
A relevância de tutelas alternativas à jurisdição estatal pode ser explicada, assim pela dinâmica
social e seus decorrentes potenciais conflitos, que surgem em formas diversas, múltiplas,
aceleradas, imprevistas e complexas, demandando, por vezes, uma atuação estatal flexível
(jurisdições diferenciadas) ou formas de autocomposição, oferecendo alternativas menos
burocráticas e mais céleres. É importante, entretanto, que o emprego dessas alternativas seja
realizado dentro do escopo de políticas públicas no âmbito do Estado, em especial da política
jurisdicional, de forma que tais alternativas não constituam uma forma do Estado de fugir à sua
responsabilidade constitucional de garantir o acesso ao judiciário – i.e., o princípio do acesso à
justiça (art. 5º, XXXV, CF).
A discussão sobre tutelas alternativas impõe também considerações sobre política judiciária e o
tratamento de conflitos que envolvam direitos e interesses insuscetíveis de disposição pelo Estado
ou pelas partes. Por exemplo, certos direitos da personalidade, como os direitos à vida, à
incolumidade física, à liberdade, etc., são indisponíveis, implicando que conflitos que os envolvam
não podem prescindir da jurisdição estatal. O mesmo se aplica ao direito de punir no direito penal,
que constitui não só uma prerrogativa do Estado, mas uma obrigatoriedade, decorrente do princípio
da legalidade, de ele exercer a tutela jurisdicional penal, via a ação penal pública, conforme a lei.
Excetuam-se, entretanto, os casos em que seja admitida, por lei, a transação entre o ofendido e o
MP. Por exemplo: em causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor
potencial ofensivo (art. 98, I, CF/88, e art. 60, LJE - L 9.099/95); ou em caso de imunidade
processual concedida por colaboração premiada (art. 4º, § 4º, L12850/13); ou por acordo de não
persecução penal, em casos de infração penal sem violência ou ameaça grave, com cominação de
pena mínima de até quatro anos, tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente e
aceitado, em substituição, uma pena restritiva de direito e o arquivamento da investigação (art. 28-
A, CPP).
A jurisdição estatal pode ser ainda dividida em tutela jurisdicional ordinária e tutela jurisdicional
diferenciada. A jurisdição ordinária diz respeito à jurisdição estatal propriamente dita, aderente
integralmente aos métodos dispostos pelo direito processual. Por outro lado, a jurisdição
diferenciada diz respeito às instâncias para as quais o direito processual prevê métodos específicos,
com formalismo reduzido, em razão dos contextos concretos de certos conflitos e da necessidade
de maior celeridade na produção dos resultados em instâncias, em certa medida, constituindo
também formas alternativas de jurisdição. Por exemplo, em causas cíveis de menor complexidade
(art. 98, I, CF/88) e, inclusive, remédios como habeas corpus ou figuras de autocomposição como
conciliação e mediação. É possível também distinguir a tutela jurisdicional em subespécies
conforme a natureza do conflito a ela submetido, e.g., trabalhista, administrativa, tributária,
empresarial, societária, etc., quando suas relações são regidas pela lei comum representada no
Código Civil.
Há também vantagens de se buscar solução jurisdicional em caso de demandas coletivas (ações
populares e ações de classes) como forma de aumentar a instrumentalidade do direito processual,
especialmente considerando-se os três escopos possíveis, discutido anteriormente, da jurisdição, dos
quais decorrem o reconhecimento do acesso à justiça como bem social e individual e da própria
jurisdicional como função inerente ao Estado, reforçando os argumentos acerca dos benefícios da
pluralidade de vias na solução e pacificação de conflitos (i.e., jurídicos).
Sem prejuízo ao princípio (constitucional de garantia) do acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF/88),
há formas alterativas de solução de conflitos fora da esfera da jurisdição estatal, e.g., a mediação, a
conciliação e a arbitragem. O Código de Processo Civil (art. 165) prevê os institutos da mediação e
conciliação, estabelecendo diretrizes para estabelecimento de centros judiciais com esse fim, mas a
Lei 13.140/15 (art. 9º), a Lei da Mediações, dispõe que qualquer pessoa capaz pode estabelecer-se
como mediador extrajudicial, desde que as partes tenham confiança nela e em sua capacidade para
tal, “independentemente de integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou associação, ou
nele inscrever-se”. Dessarte, o direito brasileiro reconhece a mediação (e a conciliação) como uma
forma de solução de conflitos em que não ocorre uma jurisdição stricto sensu, apenas uma
facilitação para que as próprias partes cheguem a um denominador comum – seja em um centro de
autocomposição judicial ou privado. Para o CPC (art. 165, §§ 2º e 3º) caberiam ao mediador
preferencialmente os casos em que houvesse vínculo anterior entre as partes; enquanto ao
mediador caberiam preferencialmente casos em que não houvesse vínculo prévio entre as partes,
podendo este, entretanto, sugerir soluções às partes. Por outro lado, a arbitragem, regulada pela
L9.307/96, apesar com os institutos anteriores ser privada, é reconhecida pela doutrina (Dinamarco,
Badaró e Lopes, 2020, p. 37) como uma via jurisdicional, ainda que não necessariamente sob o
manto estatal, pois cabe ao árbitro a decisão final após o devido processo arbitral, conforme
acordado pelas partes desde sua instalação.
Por fim, há que se destacar o papel inovador do Brasil, entre os países que seguem a civil law, na
introdução de processos coletivos (Dinamarco, Badaró e Lopes, 2020, p. 38), como a ação civil
pública e as ações coletivas sobre direitos difusos, que não só apresentam uma inovação em termos
processuais, mas contribuem para que a jurisdição cumpra seus princípios constitucionais (e.g.,
duração razoável do processo, celeridade processual, economicidade, etc.), bem como alcance todos
seus escopos, i.e., o político, o social e o jurídico.
CAPÍTULO II
SOCIEDADE E TUTELA JURÍDICA
5. Sociedade e direito
Juristas e sociólogos do direito parecem concordar que havendo sociedade, há direito; bem como
havendo direito, há uma sociedade. Ubi societas ibi jus e ubi jus ibi societas juntas revelam uma
quase unanimidade de que sociedade e direito são duas faces de quase uma mesma moeda. É
possível entender a razoabilidade dessas máximas e da relação entre elas por conta de que sociedade
e direito são ambos fenômenos socias e que seria difícil vislumbrar uma sociedade sem qualquer
forma de organização ou tampouco qualquer forma de direito que não, também, implicasse alguma
forma de organização e de organizar. A partir daí torna-se igualmente razoável admitir que
organização e organizar possam ser equivalentes às noções de controle e ordenamento e que, dessa
forma, por sua vez, não impliquem também em eventuais antinomias, tensões e conflitos – para os
quais, evidentemente, o direito pode servir como instrumento de redução e remediação – e,
consequentemente a necessidade de cooperação, mediação e alguma instancia de jurisdição.
6. Conflitos e insatisfações
As normas de direito material por si só podem não ser suficientes para afastar ou solucionar
conflitos, pois o simples enunciado da norma, por exemplo, pode permitir diversas interpretações e
levar alguém, consequentemente, a entender que alguma pretensão sua seja procedente, ao mesmo
tempo que outra parte pode entender diferentemente, então, resistindo àquela pretensão.
À guisa de ilustração, isso pode ocorrer: (i) quando aquele que poderia atender à pretensão de uma
parte a determinado bem não o faz, resiste a ela, sendo necessária a tutela jurisdicional, por
exemplo, para solucionar a lide, indicando com quem resta a legitimidade, a parte que tem sua
pretensão resistida, ou a parte que decide não satisfazê-la; ou (ii) quando a própria ordem jurídica,
conforme uma interpretação juridicamente reconhecida dela, proíbe a satisfação voluntária e
autônoma daquela pretensão (e.g., um casamento não pode ser anulado por um simples ato
consensual das partes). Há, ainda, os casos em que a pretensão punitiva do Estado não pode ser
automaticamente implementada pela mera submissão do indigitado criminoso (“nulla paena sine
judicio”), sendo necessário o rito jurisprudencial em que tal pretensão possa ser oposta pelo direito
ao devido processo legal, mediante os princípios do contraditório e do duplo grau de jurisdição,
“exempli gratia”.
Essas divergências podem constituir, então, crises de incerteza ou fragilidade entre os entes da
sociedade – sejam eles pessoas naturais ou jurídicas, stricto ou lato sensu, em um polo ativo,
passivo ou mesmo sendo ela um terceiro, interessado ou não – ou mesmo situações jurídicas, como
crises de adimplemento, de conhecimento entre eles, a cada uma delas cabendo uma modalidade
processual específica de tutela jurisdicional.
Tais potenciais estados de divergência de pretensões, em regra, constituem origem de insatisfação
social e, na medida em que se tornam mais frequentes e sem solução, essa insatisfação tende a
ganhar volume e reverberação, levando a uma ruptura da ordem social e pública.
7. Da autotutela à jurisdição
Quando uma pretensão de uma parte é resistida por outra, hoje, frequentemente o Estado-juiz é
acionado – e.g., consoante o princípio do impulso oficial – para que declare a vontade do
ordenamento em relação ao caso concreto ou mesmo faça com que essa vontade se cumpra (e.g.,
mediante uma execução judicial) na realidade prática. Contudo, o percurso cumprido pela sociedade
até alcançar um estado em que se possa contar com um ordenamento jurídico adequado foi longo.
Ao nos voltarmos para a história, é evidente que as pessoas muitas vezes buscavam na autotutela a
forma de defender suas pretensões. Na medida em que a sociedade aperfeiçoou suas estruturas e
relações organizacionais, em especial desenvolvendo a instituição Estado tal qual a percebemos
hoje, inevitavelmente lançando mão de ordenamentos normativos essenciais à sociedade complexa
e mais ainda a esse Estado, houve uma redução e limitação do uso da autotutela em benefício da
jurisdição estatal e de meios alternativos, de autocomposição, tutelados pelo próprio ordenamento
jurídico que se alcançou nesse percurso.
Ao longo da história das sociedades ocidentais, as soluções privadas de conflitos não só passam a
dar lugar à tutela estatal, pública, como passam a ser aceitas na medida em que o ordenamento
jurídico imbricado com o Estado as reconhecem, limitam e regulam, legitimando-as à luz do
Direito. O “olho por olho, dente por dente” não só passa pelo crivo filosófico-jurídico, como
também é fortemente limitado pelo Estado, a ponto de, hoje, qualquer forma aceita de autotutela ser
oposta ao “uso arbitrário das próprias razões”. Isto é, a autotutela é aceita na medida em sua forma é
admitida pelo ordenamento jurídico. Assim a legítima defesa, por exemplo, no Brasil, é reconhecida
desde que observado os limites ou requisitos do Código Penal – “Entende-se em legítima defesa
quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou
iminente, a direito seu ou de outrem. (art. 25, caput, CP).
Analogamente, as formas de autocomposição são adotadas, em benefício da celeridade e eficiência
da jurisdição estatal, nos limites do art. 165 do Código de Processo Penal e da Lei das Mediações
(L13.140/15) por exemplo, sendo que Dinamarco et al (2020, p. 44) as definem em termos de seus
objetivos, i.e.: (i) a renúncia a uma pretensão; (ii) a submissão à pretensão, ou à renúncia resistir a
esta; e (iii) uma transação, implicando concessões recíprocas em relação à presentão e à resistência
a esta. A autocomposição, assim, representa uma solução comum construída sobre a autonomia das
vontades das partes, por vezes mediada por uma terceira parte, mas sempre sujeita aos pertinentes
limites legais – que, em certa medida, reflete os poderes jurisdicional e legislativo do Estado.
CAPITULO IV
DENOMINAÇÃO, POSIÇÃO ENCICLOPÉDICA E DIVISAO DO DIREITO
PROCESSUAL
20. Denominação
Pois essa independência se baseia não em diferenças irreconciliáveis entre princípios ou regras dos
ramos dos ramos do direito, mas sim em especificidades de suas respectivas naturezas. Princípios e
regras do direito e de seus ramos são em geral transversalmente válidos, ainda que alguns possam
ser específicos a um ramo ou outro. Em essência, o direito penal trata de uma pretensão punitiva do
Estado frente a ofensas de maior gravidade; enquanto os direitos civil, constitucional, tributário,
administrativo e trabalhista tratam daquelas pretensões ou interesses que não se enquadram como
penais. O direito penal trata de ofensas diretas e graves à paz social, daí a urgência de tutela estatal.
Quando os efeitos de uma ofensa a uma pretensão têm menor gravidade e tendem a atingir
interesses individuais ou difusos, ainda que também a paz social seja afetada e que o Estado possa
estar envolvido no conflito, i.e., no âmbito do direito público, tal ofensa não será necessariamente
apreciada pelo direito penal, mas pelo direito civil e suas relações com outros ramos do direito,
como o tributário, administrativo, o constitucional, etc.
Nesse sentido, interesses de naturezas distintas, com objetivos distintos e que gerem efeitos
distintos quando ofendidos podem demandar formas tutelas distintas, e.g., estatal ou privada,
coletivamente difusa ou personalíssima, implicando diferentes possiblidades de jurisdição, em
instâncias específicas, civil ou penal. Isso não significa que a independência entre decisões em
diferentes âmbitos processuais, e.g., penal, civil, administrativa, etc., seja um abandono do princípio
da economia processual, mas sim o reconhecimento de especificidades da pretensão e dos efeitos de
uma ofensa a ela. Isso pode demandar considerações que levem a jurisdições, ações, defesas e
processos específicos – e.g., considerações sobre a disponibilidade de um direito, a eventual
necessidade de se privilegiar o interesse público sobre o privado, o direito do indivíduo em ajuizar
uma ação penal privada (exclusiva ou propriamente dita, personalíssima, ou subsidiária de ação
penal pública).
CAPITULO V
PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO PROCESSUAL
23. Conceito e delimitação conceitual
Princípios são ideias básicas e fundamentais sobre as quais o ordenamento jurídico ou
direito (consequentemente também seus ramos) é construído e que também orientam sua
interpretação e aplicação. Dentre esses princípios há princípios que emanam da Lei Maior e que,
assim, por sua supremacia hierárquica, gozam de força constitucional. Muitos desses princípios são
comandos explícitos elencados como garantias fundamentais (a igualdade das partes, caput; o juiz
natural, incisos XXXVII e LIII; a inafastabilidade da jurisdição, XXXV; o devido processo legal,
LIV; a ampla defesa e o contraditório, inc. LV; a publicidade dos atos processuais, LX, todos no art.
5º, da CF/88). Contudo, outros desses princípios, como o tempo razoável e a celeridade processual
(art. 5º, LXXVIII, CF/88) são por vezes postos a prova, não passando “de uma promessa
constitucional” (Dinamarco et al. 2020, p. 79), em especial por conta da aplicação do princípio da
reserva do possível frente a desproporcionalidade entre a demanda ao judiciário e sua capacidade
jurisdicional.
Por outro lado, há também princípios constitucionais implícitos que orientam o direito
processual. Por exemplo, o duplo grau de jurisdição, que decorre diretamente do estado democrático
de direito e do due porcess of law (art. 5º, LV, CF/88), assim como o faz a proporcionalidade e
razoabilidade. Salvo o duplo grau de jurisdição, em regra, todos os princípios constitucionais do
processo são extensíveis às demais formas alternativas de jurisdição extraestatal, em grande parte
pela própria força hierárquica da Constituição.
28. Igualdade
O princípio da igualdade processual é essencialmente um corolário do art. 5º, caput, primeira parte,
CF/88 – Todos são iguais perante a lei, ... – e devidamente reconhecidos no arts. 7º e 139, I, CPC –
respectivamente: “É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos
e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções
processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório” e “O juiz dirigirá o processo
conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: I - assegurar às partes igualdade de
tratamento”.
Contudo, essa igualdade não é absoluta, admitindo modulações em face da sua razoabilidade
e proporcionalidade em relação a outros princípios, direitos ou deveres. A igualdade substancial
(i.e., fundamental, essencial) pode ser influenciada pela necessidade de avaliação do equilíbrio entre
a igualdade real e a igualdade proporcional. Tem-se, então, mais uma situação em que a máxima
aristotélica de tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais na medida de suas desigualdades
se prova útil. A noção da igualdade por vezes pode ser melhor entendida e aplicada no sentido da
equidade entre os cidadãos de uma entidade político-social justa.
A vontade do constituinte originário de garantir o tratamento isonômico a todos perante a lei
– e.g., a paridade de armas entre as partes do processo para trazer suas razões a juízo, concedendo
oportunidades iguais de tê-las consideradas e de forma imparcial pelo juiz – pode, por vezes, ver-se
frente a frente com considerações decorrentes da noção de equidade, que podem levar a atenuações
ou ajustes do nobre espírito da Carta Cidadã.
Isso pode ocorrer por conta de limitações econômicas, sociais, educacionais ou culturais de
uma das partes, e.g., quando um defensor público de uma parte hipossuficiente demonstrar clara
negligência e o juiz decide ser cabível demandar alguma prova de ofício. Ou mesmo em decorrência
do princípio da supremacia do interesse coletivo sobre o privado, do qual decorre determinados
privilégios processuais para o Estado; e.g., prazos em dobro em benefício da Fazenda e Ministério
Públicos (arts. 180 e 183, CPC). Bem como no tratamento diferenciado dispensado a causas que
envolvam pessoas acima de 60 anos (art. 1.048, I, CPC, e art. 71, caput, L10.741/03) e 80 anos (art.
71, § 5º, L10.741/03).
Dinamarco et al também chamam a atenção para o favor rei, instituto segundo os interesses
do acusado podem prevalecer mediante certas circunstâncias como: a insuficiência de provas (art.
386, VII, CPP); a legitimidade da defesa para embargos infringentes (art. 609, parágrafo único,
CPP); ou a revisão criminal somente a favor do réu (art. 623 e 626, CPC).
N.B.:
PEDIDO E CAUSA DE PEDIR
Pedido é aquilo que se pede em juízo, o tema da ação, o provimento judicial pretendido, e que
constitui o núcleo da pretensão material, dividindo-se em: 1) pedido imediato; e 2) pedido
mediato. O pedido imediato é aquilo que imediatamente se pede, que é a atuação da lei,
consistente numa providência jurisdicional (i.e., a resposta judicial correspondente),
declaratória, condenatória, constitutiva ou de execução, tendo natureza de direito processual. O
pedido mediato é o bem da vida ou interesse que se quer ver tutelado pela sentença, seja esse bem
material ou imaterial, econômico ou moral, consistente no pagamento do crédito, na restituição do
imóvel etc., tendo natureza de direito material.
A causa de pedir é o que suporta o pedido, é a motivação baseada em fatos jurídicos que ensejaram
a pretensão posta (art. 282, III do CPC). No direito brasileiro, adota-se a teoria da substanciação
(art. 319, III, CPC), a petição inicial indicará o fato (causa remota) e os fundamentos jurídicos do
pedido (causa próxima), que juntos formam a causa de pedir.
Assim, na ação de despejo por falta de pagamento, deverá o autor indicar a relação jurídica
de locação, i.e., o contrato de aluguel (causa de pedir remota) e demandar o pagamento de
aluguéis atrasados, i.e., a inadimplência (causa de pedir próxima). Note-se que a causa de pedir
próxima, o fundamento jurídico do pedido, pode ser mais de uma para uma mesma causa de pedir
remota. Por exemplo, o se o locatário insistir em inadimplir, privando o proprietário da renda
daquele aluguel, com o qual contava para, como locatário de outro imóvel, pagar seu aluguel a um
terceiro (i.e., o locador do imóvel em que o primeiro proprietário mora), pode este entrar com uma
ação de despejo (nova causa de pedir próxima), relativa a um pedido com a mesma causa de pedir
remota (o contrato de aluguel entre o proprietário/locatário e o seu locatário inadimplente).