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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEORIA GERAL DO PROCESSO

Dinamarco, C. R., Badaró, G. H. R. I. e Lopes, B. V. C. Teoria Geral do Processo, 32. Ed. São
Paulo: Malheiros, 2020.

CAPÍTULO I
A TEORIA GERAL DO PROCESSO E A SOLUÇÃO DE CONFLITOS

1. Teoria Geral do Processo


TGP é um sistema de conceitos e princípios gerais a partir de diversos ramos do direito, positivo
(material) e processual, que orientam relações jurídicas em torno de lides, envolvendo partes
privadas e públicas (o Estado), com o objetivo de solucionar conflitos decorrentes ou causadores
dessas relações jurisdicionais (trabalhistas, civis, penais e arbitrais).
Essas relações se relacionam eventualmente com o poder que determinada parte tem, impõe ou
tenta impor sobre outra ou outras.
A relevância e utilidade de uma teoria geral do processo pode alcançar desde os ramos do direito
processual jurisdicional (civil, penal, trabalhista, arbitral) a relações não jurisdicionais, como no
âmbito dos direitos processuais administrativo, legislativo e eleitoral, ou mesmo de processos que
envolvam entidades intermediárias, entre indivíduos e o Estado (e.g., associações, fundações,
sociedades civis ou empresárias, clubes e partidos políticos).
Em suma, sempre que se faça necessária a adoção de critérios procedimentais para pacificar
relações de poder entre agentes, de forma imparcial, com direito ao contraditório e respeitando
procedimentos normatizados pelo Estado.
A existência de relações de poder demanda que esses procedimentos sejam alicerçados sobre
garantias constitucionais e legais que regulem e limitem tal poder, como o devido processo legal, o
contraditório e demais princípios consagrados pela teoria e prática processual (e.g., juiz natural,
imparcialidade jurisdicional, impessoalidade, igualdade, etc.), buscando sempre confiabilidade,
segurança e o compromisso com a busca da justiça e a pacificação das partes, com vistas a um
convívio social saudável.
Não basta ao direito processual contentar-se com uma conceituação instrumental na mera resolução
de conflitos. É necessário que essa aplicação útil do sistema processual busque uma pacificação
fundamentada em um ideal de justiça e de um ambiente em que o bem comum prevaleça por meio
de compromissos multilaterais e respeito às normas elaboradas a partir de esforços sociais, políticos
e legiferantes a partir do convívio civil, do exercício da cidadania e da expressão e representação da
soberania popular.
Nesse sentido, é necessário que o processo seja fundamentado no culto às liberdades cívicas e
públicas, sempre em busca da pacificação de eventuais conflitos e sem descuidar-se da necessidade
de tutelar o cidadão e suas relações do risco de desmandos do Estado (e.g., como na adoção do
instituto do habeas corpus).
O direito processual assume, assim, uma responsabilidade concreta – revelando uma dualidade com
o direito material, genérico e abstrato em sua natureza – e uma caráter essencialmente subjetivo na
medida em que em sua aplicação demandante e demandado tenham reconhecidas suas
particularidades e lugar no plano concreto.
Por analogia, é possível perceber que o direito processual tem, então, um compromisso com a
eficiência, na medida em que se espera que o sujeito que tenha razão na disputa saia dela em uma
condição melhor daquela em que se encontrava antes do exercício jurisdicional pelo Estado ou da
autocomposição – i.e., que o conflito ou lide, em vista de uma pretensão resistida, tenha
eventualmente uma solução de alguma forma a contento das partes, na medida da lei, com ou sem
intermediação, pela jurisdição do Estado.
É importante destacar que a Teoria Geral do Processo não e restringe às normas, práticas,
procedimentos e métodos aplicados nos ramos do direito processual civil, penal, trabalhista ou
arbitral, i.e., aqueles de natureza jurisdicional. Pelo contrário, a TGP busca incluir também os
elementos equivalentes encontrados nos processos típicos dos direitos administrativo, legislativo,
eleitoral e mesmo daqueles que regulem as relações jurídicas entre o Estado e indivíduos, partidos
políticos, sociedades civis ou empresárias, associações, clubes, etc.
Consequentemente, o ordenamento das relações entre essas diversas pessoas adquire a dimensão
processual, na medida em que a noção de processo afasta-se de um visão reducionista deste como
uma mera coleção de procedimentos, mas sim como um sistema em que se reconheça a existência
de uma relação de poder de um agente sobre os demais, segundo o qual sobrepõe-se regras
metodológicas e procedimentais – sob os auspícios de princípios, como o devido processo legal, o
respeito ao contraditório, ao duplo grau de jurisdição, etc. – com o objetivo de solucionar conflitos.
Presume-se, contudo, que para otimizar as condições de satisfação da paz social, esse poder emane
não de uma fonte unilateral, mas de um processo de construção de uma ordem constitucional, em
um Estado democrático de direito, em que as normas de direito processual sejam fruto de
deliberação social na mesma medida que as normas de direito material. A noção de processo não
deve se afastar da máxima de que a resolução de conflitos e a jurisdição são legitimados na medida
em que seus objetivos sejam precisamente essa paz e mais um desdobramento da busca pela justiça
– i.e., na mesma medida em que o direito material.
O direito processual – i.e., como um todo, não apenas segmentado em ramos do direito material –
tem uma dimensão político-constitucional que representa o compromisso do Estado jurisdicional
com a tutela constitucional da sociedade, de seus indivíduos, oferecendo-lhes um aparato
metodológico e principiológico destinado a que o poder desse Estado seja exercido dentro das
fronteiras da paz social, da segurança e confiabilidade jurídica e do compromisso com a justiça.
Dessarte, a TGP não se desenvolvida em termos de um escopo meramente jurídico, mas social
e político vis-à-vis o papel do Estado como agente jurisdicional na resolução de conflitos.
Por fim, torna-se evidente que a TGP tem entre seus elementos essenciais princípios genéricos e
específicos (i.e., a cada um dos ramos do direito processual); a jurisdição (i.e., o espaço jurídico-
político em que o conflito de interesses ocorre e em que o juiz conduz sua solução); bem como a
ação e as partes (i.e., a demanda da parte ativa, o autor, sobre outra passiva, o réu ou a defesa, em
relação a seus percebidos direitos)

2. A instrumentalidade do processo, os escopos da jurisdição e o processo de resultados


A noção de que o processo seja meramente um instrumento peca na medida em que pode conduzir à
sua dissociação de sua natureza, seus escopos e seus objetivos. Torna-se, então, essencial que o
processo seja compreendido a partir de uma perspectiva teleológica a fim de que esses elementos
essenciais sejam preservados e que o processo – que não deixa de ser também um instrumento –
seja dimensionado e empregado de forma eficiente. Isto é, que o exercício eficiente da jurisdição
seja levado adiante da forma a ter o maior alcance possível e produza efeitos mais úteis possíveis à
sociedade. O processo deve ser preordenado, empregado e orientado (i.e., em termos dos agentes
envolvidos no processo jurisdicional) segundo os escopos políticos, sociais e jurídicos semelhantes
àqueles que norteiam a noção (mais abrangente) da TGP: a solução de conflitos entre partes,
mediante a ação de uma gente jurisdicional (e.g., um juiz), para assegurar a paz social e tutelar a
justiça.
Primeiro, é possível definir o escopo social da ação jurisdicional como a eliminação de conflitos e a
busca pela paz social, incluindo a necessidade de educação das pessoas para o respeito a direitos
alheios e seus (e.g., para o exercício da cidadania). Em seguida, o escopo político pode ser
compreendido como a medida de garantia, segurança, confiabilidade, estabilidade e previsibilidade
jurídica asseguradas ou geradas pela ação jurisdicional (pelo Estado) e à luz do direito material. O
escopo político, em termos processuais, se manifesta claramente, por exemplo em remédios
constitucionais como a ação popular e o habeas corpus. O escopo político também representa o
espaço em que o público e o privado têm de conviver, sendo essa convivência mediada por forças
igualmente coletivas e individuais. Em terceiro, o escopo jurídico seria “atuação concreta da
vontade do direito”; ressaltando, contudo, à luz da teoria dualista do direito, que o agente da atuação
estatal, no processo jurisdicional, e.g., um juiz, limita-se à análise do caso concreto, à luz do
ordenamento em vigor, interpretando-o e associando uma conduta ou situação a um caso abstrato
previsto no ordenamento (i.e., vis-à-vis a adequada hipótese legal) e à fixação de uma
correspondente consequência jurídica igualmente prevista em lei (i.e., uma “sanctio juris”). Ou seja,
segundo a doutrina, o juiz, como agente jurisdicional, aplica uma norma abstrata ao devido caso
concreto, concluindo-se, assim, que ao juiz cabe, na verdade, apenas aplicar uma norma abstrata,
segundo normas processuais formais ou de outras formas consagradas pelo ordenamento, que rege
um determinado conflito real entre as partes, sejam elas indivíduos, coletivos, privados ou públicos.
Dessa forma, é possível compreender que direitos e obrigações – que comumente constituem os
objetos de uma lide – precedem o conflito e que ao juiz, norteado pelas regras e princípios
processuais, a consciência de que a jurisdição se desdobra, inevitavelmente, nesses três escopos,
devendo, então, em sua atuação na solução dos conflitos nortear-se não por um mero instrumento,
mas por meio de uma estrutura processual de caráter social, política e jurídica. O sucesso da ação
jurisdicional será medido não apenas na esfera jurídica, mas igualmente nas esferas social e política.
Não é por acaso que esses três espaços ou escopos da jurisdição não são absolutamente estanques,
frequentemente se amalgamando, como na noção de cidadania e de suas garantias e em exercício.

3. As crises jurídicas
Sem prejuízo da necessidade de se manter em mente o objetivo de solução do conflito à luz desses
três escopos distintos, o conflito sobre o qual a TGP se debruça não deixa de ser um conflito
jurídico – i.e., uma situação em que há uma pretensão resistida, de alguma forma, de uma parte por
outra, em relação a direitos ou obrigações – não deixa de exigir métodos para sua
operacionalização. Nesse sentido estrito, o processo pode ser entendido como um instrumento de
solução de conflitos que podem também ser entendidos como uma crise jurídica em que ocorre
um estado de fraqueza, instabilidade ou risco de uma das partes, ao menos.
Dinamarco et al definem essas crises em quatro espécies:
i) crise de certeza, em torno de uma dúvida sobre a ocorrência, existência, modo-de-ser ou
aplicabilidade de um direito, obrigação ou relação jurídica – solucionada mediante uma
decisão declaratória;
ii) ii) crise de adimplemento, quando uma parte reclama omissão ou mal cumprimento em
relação a uma pretensão devida, pela outra parte, por via jurisdicional – solucionada
mediante uma sentença condenatória e, se necessário, de um ato de execução forçada;
iii) iii) crise de situação jurídica, quando um sujeito recorre à jurisdição para questionar
uma situação desfavorável ou indesejada, pretendendo sua desconstituição e implantação
de outra mais conveniente – solucionada mediante uma sentença constitutiva;
iv) iv) crise de conhecimento, quando um sujeito recorre à jurisdição em busca de
informações que lhe reafirmem a pretensão a um direito, seja quanto a provas para tal,
sua existência ou valor – sendo dirimida via produção antecipada de prova.
4. Solução de conflitos e tutelas alternativas
Condicionantes ambientais, demográficos, econômicos, sociais, etc. levam inexoravelmente a
pretensões divergentes entre entes – sejam pessoas naturais ou institucionalizadas juridicamente –
que podem dar origens a conflitos. Sendo uma das funções do Estado garantir condições de
convívio entre seus sujeitos de forma pacífica e organizada, é natural que muitos desses conflitos
demandem sua ação jurisdicional para que sejam solucionados.
Contudo, dada a infinidade de forças que podem levar duas partes a conflitos de interesses e os
recursos limitados que o Estado tem a seu dispor para mediar esses possíveis conflitos – entre eles o
tempo e o formalismo que o Poder Judiciário exige para agir em sua função típica de jurisdição em
face de inevitáveis aspectos burocráticos inscritos em seus métodos, organização e supervisão – há
situações em que o Estado pode incentivar a aplicação de tutelas alternativas à jurisdição estatal na
solução desses conflitos, em especial em observância a princípios como o da economicidade ou
eficiência, da celeridade processual ou razoável duração do processo, e da oportunidade.
A relevância de tutelas alternativas à jurisdição estatal pode ser explicada, assim pela dinâmica
social e seus decorrentes potenciais conflitos, que surgem em formas diversas, múltiplas,
aceleradas, imprevistas e complexas, demandando, por vezes, uma atuação estatal flexível
(jurisdições diferenciadas) ou formas de autocomposição, oferecendo alternativas menos
burocráticas e mais céleres. É importante, entretanto, que o emprego dessas alternativas seja
realizado dentro do escopo de políticas públicas no âmbito do Estado, em especial da política
jurisdicional, de forma que tais alternativas não constituam uma forma do Estado de fugir à sua
responsabilidade constitucional de garantir o acesso ao judiciário – i.e., o princípio do acesso à
justiça (art. 5º, XXXV, CF).
A discussão sobre tutelas alternativas impõe também considerações sobre política judiciária e o
tratamento de conflitos que envolvam direitos e interesses insuscetíveis de disposição pelo Estado
ou pelas partes. Por exemplo, certos direitos da personalidade, como os direitos à vida, à
incolumidade física, à liberdade, etc., são indisponíveis, implicando que conflitos que os envolvam
não podem prescindir da jurisdição estatal. O mesmo se aplica ao direito de punir no direito penal,
que constitui não só uma prerrogativa do Estado, mas uma obrigatoriedade, decorrente do princípio
da legalidade, de ele exercer a tutela jurisdicional penal, via a ação penal pública, conforme a lei.
Excetuam-se, entretanto, os casos em que seja admitida, por lei, a transação entre o ofendido e o
MP. Por exemplo: em causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor
potencial ofensivo (art. 98, I, CF/88, e art. 60, LJE - L 9.099/95); ou em caso de imunidade
processual concedida por colaboração premiada (art. 4º, § 4º, L12850/13); ou por acordo de não
persecução penal, em casos de infração penal sem violência ou ameaça grave, com cominação de
pena mínima de até quatro anos, tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente e
aceitado, em substituição, uma pena restritiva de direito e o arquivamento da investigação (art. 28-
A, CPP).
A jurisdição estatal pode ser ainda dividida em tutela jurisdicional ordinária e tutela jurisdicional
diferenciada. A jurisdição ordinária diz respeito à jurisdição estatal propriamente dita, aderente
integralmente aos métodos dispostos pelo direito processual. Por outro lado, a jurisdição
diferenciada diz respeito às instâncias para as quais o direito processual prevê métodos específicos,
com formalismo reduzido, em razão dos contextos concretos de certos conflitos e da necessidade
de maior celeridade na produção dos resultados em instâncias, em certa medida, constituindo
também formas alternativas de jurisdição. Por exemplo, em causas cíveis de menor complexidade
(art. 98, I, CF/88) e, inclusive, remédios como habeas corpus ou figuras de autocomposição como
conciliação e mediação. É possível também distinguir a tutela jurisdicional em subespécies
conforme a natureza do conflito a ela submetido, e.g., trabalhista, administrativa, tributária,
empresarial, societária, etc., quando suas relações são regidas pela lei comum representada no
Código Civil.
Há também vantagens de se buscar solução jurisdicional em caso de demandas coletivas (ações
populares e ações de classes) como forma de aumentar a instrumentalidade do direito processual,
especialmente considerando-se os três escopos possíveis, discutido anteriormente, da jurisdição, dos
quais decorrem o reconhecimento do acesso à justiça como bem social e individual e da própria
jurisdicional como função inerente ao Estado, reforçando os argumentos acerca dos benefícios da
pluralidade de vias na solução e pacificação de conflitos (i.e., jurídicos).
Sem prejuízo ao princípio (constitucional de garantia) do acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF/88),
há formas alterativas de solução de conflitos fora da esfera da jurisdição estatal, e.g., a mediação, a
conciliação e a arbitragem. O Código de Processo Civil (art. 165) prevê os institutos da mediação e
conciliação, estabelecendo diretrizes para estabelecimento de centros judiciais com esse fim, mas a
Lei 13.140/15 (art. 9º), a Lei da Mediações, dispõe que qualquer pessoa capaz pode estabelecer-se
como mediador extrajudicial, desde que as partes tenham confiança nela e em sua capacidade para
tal, “independentemente de integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou associação, ou
nele inscrever-se”. Dessarte, o direito brasileiro reconhece a mediação (e a conciliação) como uma
forma de solução de conflitos em que não ocorre uma jurisdição stricto sensu, apenas uma
facilitação para que as próprias partes cheguem a um denominador comum – seja em um centro de
autocomposição judicial ou privado. Para o CPC (art. 165, §§ 2º e 3º) caberiam ao mediador
preferencialmente os casos em que houvesse vínculo anterior entre as partes; enquanto ao
mediador caberiam preferencialmente casos em que não houvesse vínculo prévio entre as partes,
podendo este, entretanto, sugerir soluções às partes. Por outro lado, a arbitragem, regulada pela
L9.307/96, apesar com os institutos anteriores ser privada, é reconhecida pela doutrina (Dinamarco,
Badaró e Lopes, 2020, p. 37) como uma via jurisdicional, ainda que não necessariamente sob o
manto estatal, pois cabe ao árbitro a decisão final após o devido processo arbitral, conforme
acordado pelas partes desde sua instalação.
Por fim, há que se destacar o papel inovador do Brasil, entre os países que seguem a civil law, na
introdução de processos coletivos (Dinamarco, Badaró e Lopes, 2020, p. 38), como a ação civil
pública e as ações coletivas sobre direitos difusos, que não só apresentam uma inovação em termos
processuais, mas contribuem para que a jurisdição cumpra seus princípios constitucionais (e.g.,
duração razoável do processo, celeridade processual, economicidade, etc.), bem como alcance todos
seus escopos, i.e., o político, o social e o jurídico.

CAPÍTULO II
SOCIEDADE E TUTELA JURÍDICA

5. Sociedade e direito
Juristas e sociólogos do direito parecem concordar que havendo sociedade, há direito; bem como
havendo direito, há uma sociedade. Ubi societas ibi jus e ubi jus ibi societas juntas revelam uma
quase unanimidade de que sociedade e direito são duas faces de quase uma mesma moeda. É
possível entender a razoabilidade dessas máximas e da relação entre elas por conta de que sociedade
e direito são ambos fenômenos socias e que seria difícil vislumbrar uma sociedade sem qualquer
forma de organização ou tampouco qualquer forma de direito que não, também, implicasse alguma
forma de organização e de organizar. A partir daí torna-se igualmente razoável admitir que
organização e organizar possam ser equivalentes às noções de controle e ordenamento e que, dessa
forma, por sua vez, não impliquem também em eventuais antinomias, tensões e conflitos – para os
quais, evidentemente, o direito pode servir como instrumento de redução e remediação – e,
consequentemente a necessidade de cooperação, mediação e alguma instancia de jurisdição.
6. Conflitos e insatisfações
As normas de direito material por si só podem não ser suficientes para afastar ou solucionar
conflitos, pois o simples enunciado da norma, por exemplo, pode permitir diversas interpretações e
levar alguém, consequentemente, a entender que alguma pretensão sua seja procedente, ao mesmo
tempo que outra parte pode entender diferentemente, então, resistindo àquela pretensão.
À guisa de ilustração, isso pode ocorrer: (i) quando aquele que poderia atender à pretensão de uma
parte a determinado bem não o faz, resiste a ela, sendo necessária a tutela jurisdicional, por
exemplo, para solucionar a lide, indicando com quem resta a legitimidade, a parte que tem sua
pretensão resistida, ou a parte que decide não satisfazê-la; ou (ii) quando a própria ordem jurídica,
conforme uma interpretação juridicamente reconhecida dela, proíbe a satisfação voluntária e
autônoma daquela pretensão (e.g., um casamento não pode ser anulado por um simples ato
consensual das partes). Há, ainda, os casos em que a pretensão punitiva do Estado não pode ser
automaticamente implementada pela mera submissão do indigitado criminoso (“nulla paena sine
judicio”), sendo necessário o rito jurisprudencial em que tal pretensão possa ser oposta pelo direito
ao devido processo legal, mediante os princípios do contraditório e do duplo grau de jurisdição,
“exempli gratia”.
Essas divergências podem constituir, então, crises de incerteza ou fragilidade entre os entes da
sociedade – sejam eles pessoas naturais ou jurídicas, stricto ou lato sensu, em um polo ativo,
passivo ou mesmo sendo ela um terceiro, interessado ou não – ou mesmo situações jurídicas, como
crises de adimplemento, de conhecimento entre eles, a cada uma delas cabendo uma modalidade
processual específica de tutela jurisdicional.
Tais potenciais estados de divergência de pretensões, em regra, constituem origem de insatisfação
social e, na medida em que se tornam mais frequentes e sem solução, essa insatisfação tende a
ganhar volume e reverberação, levando a uma ruptura da ordem social e pública.

7. Da autotutela à jurisdição
Quando uma pretensão de uma parte é resistida por outra, hoje, frequentemente o Estado-juiz é
acionado – e.g., consoante o princípio do impulso oficial – para que declare a vontade do
ordenamento em relação ao caso concreto ou mesmo faça com que essa vontade se cumpra (e.g.,
mediante uma execução judicial) na realidade prática. Contudo, o percurso cumprido pela sociedade
até alcançar um estado em que se possa contar com um ordenamento jurídico adequado foi longo.
Ao nos voltarmos para a história, é evidente que as pessoas muitas vezes buscavam na autotutela a
forma de defender suas pretensões. Na medida em que a sociedade aperfeiçoou suas estruturas e
relações organizacionais, em especial desenvolvendo a instituição Estado tal qual a percebemos
hoje, inevitavelmente lançando mão de ordenamentos normativos essenciais à sociedade complexa
e mais ainda a esse Estado, houve uma redução e limitação do uso da autotutela em benefício da
jurisdição estatal e de meios alternativos, de autocomposição, tutelados pelo próprio ordenamento
jurídico que se alcançou nesse percurso.
Ao longo da história das sociedades ocidentais, as soluções privadas de conflitos não só passam a
dar lugar à tutela estatal, pública, como passam a ser aceitas na medida em que o ordenamento
jurídico imbricado com o Estado as reconhecem, limitam e regulam, legitimando-as à luz do
Direito. O “olho por olho, dente por dente” não só passa pelo crivo filosófico-jurídico, como
também é fortemente limitado pelo Estado, a ponto de, hoje, qualquer forma aceita de autotutela ser
oposta ao “uso arbitrário das próprias razões”. Isto é, a autotutela é aceita na medida em sua forma é
admitida pelo ordenamento jurídico. Assim a legítima defesa, por exemplo, no Brasil, é reconhecida
desde que observado os limites ou requisitos do Código Penal – “Entende-se em legítima defesa
quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou
iminente, a direito seu ou de outrem. (art. 25, caput, CP).
Analogamente, as formas de autocomposição são adotadas, em benefício da celeridade e eficiência
da jurisdição estatal, nos limites do art. 165 do Código de Processo Penal e da Lei das Mediações
(L13.140/15) por exemplo, sendo que Dinamarco et al (2020, p. 44) as definem em termos de seus
objetivos, i.e.: (i) a renúncia a uma pretensão; (ii) a submissão à pretensão, ou à renúncia resistir a
esta; e (iii) uma transação, implicando concessões recíprocas em relação à presentão e à resistência
a esta. A autocomposição, assim, representa uma solução comum construída sobre a autonomia das
vontades das partes, por vezes mediada por uma terceira parte, mas sempre sujeita aos pertinentes
limites legais – que, em certa medida, reflete os poderes jurisdicional e legislativo do Estado.

8 A função estatal pacificadora (jurisdição)


A função jurisdicional do Estado tem braços longos, sendo a última e imperiosa voz na solução de
conflitos. Nesse sentido, resta com o Estado o poder de império de decidir e impor decisões sobre as
pessoas. Primeiro, diretamente quando as partes – entre as quais o Estado pode inclusive figurar,
tanto no polo passivo como no ativo – buscam de imediato a jurisdição estatal para solucionar um
conflito. Segundo, quando estabelece limites, ainda que indiretamente, às formas alternativas de
jurisdição de conflitos.
Exemplificando, além de regular práticas como a mediação em lei (e.g., L13.130/15), as soluções
alcançadas no âmbito das câmaras privadas de mediação não estão isentas de escrutínio legal
posterior, caso uma das partes venha a identificar qualquer vício naquela solução e busque a
jurisdição estatal para remediá-lo. Para tal, então, o Estado cria um sistema processual com seus
órgãos, métodos e normas específicas, expressando seu monopólio da lei e a relação de necessidade
recíproca entre a sociedade e a jurisdição estatal.

9. Meios alternativos de solução de conflitos (pacificação social)


Desde que a República Romana deixou para a posteridade sua contribuição jurídica, o Direito
Romano, até o Estado moderno, houve tal fortalecimento da instituição Estado, que se verificou um
quase total monopólio deste sobre a função jurisdicional. Hoje, aceita-se que a autotutela seja a
expressão, via de regra, de um abuso de poder privado (i.e., o abuso arbitrário das próprias razões,
e.g., o “Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando
a lei o permite...”, do art. 345, caput, CP) ou mesmo do poder da autoridade estatal, i.e., além
daquilo que lei permite e da observação do devido processo legal (e.g., L13.869/2019). O mesmo
pode ser dito sobre a autocomposição, que só recentemente vem sendo incentivada, por meio da
mediação, conciliação e arbitragem, para oferecer soluções de conflitos com menos formalismo
processual, quando possível, e aliviar o volume excessivo de demandas à tutela jurisdicional
estatal, buscando, enfim, otimizar a celeridade e eficiência processual, o (razoável) prazo do
processo, e o acesso à justiça. Nesse mesmo sentido, tem-se também buscado incentivar a busca de
solução de conflitos de menor complexidade e causas de menor potencial ofensivo em juízos
especiais, formas de jurisdição estatal por juízes togados, mas com procedimentos igualmente
menos complexos.

10. Autotutela, autocomposição e arbitragem no direito moderno


Apesar de, em regra, o ordenamento jurídico afastar a autotutela como meio ordinário de solução de
conflitos, é possível encontrar, no direito brasileiro, exceções legais que a autorizam: na legítima
defesa (art. 25, CP); no excludente de ilicitude por estado de necessidade (art. 24, CP); ou na defesa
de direitos patrimoniais (arts. 1.210, § 1º, 1.283 e 1.219, CC).
Quanto a autocomposição, é importante ressaltar que um dos critérios a autorizá-la é o de que o
direito tenha natureza disponível, i.e., que a lei garanta constituir ele parte da autonomia da vontade
das partes e que a lei não impeça que seu titular o abdique, e.g., o direito à vida, que não pode ser
objeto de renúncia como em casos de eutanásia.

11. Controle jurisdicional indispensável (nulla poena sine judicio)


“Não há pena sem processo”, essa regra se aplica a casos em que a jurisdição estatal é
indispensável, e.g., quando a pretensão objeto de conflito tem natureza indisponível; no âmbito do
processo penal; i.e., quando a lei não admite a solução do conflito por autocomposição, por juízo
arbitral e muito menos pela autotutela ou pela satisfação voluntária da pretensão.

12. Acesso à justiça pelo processo estatal


O objetivo último da jurisdição estatal, a justiça, objetivo máximo do direito, material ou
processual, somente se concretiza quando a solução do conflito vai além de meros aspectos formais,
processuais ou técnicos, garantindo o acesso a uma ordem jurídica justa. Dessarte, o zelo pelo
formalismo não pode ser justificado quando se ofusca o mérito da disputa, pois, segundo Dinamarco
et al (2020, p. 57-58), a primazia do julgamento do mérito é o real desiderato da moderna
processualística brasileira em sua busca, precisamente, por uma ordem jurídica justa (cf. art. 4º,
CPC). Segundo os autores, é possível verificar a manifestação dessa busca em diferentes artigos do
CPC, como na determinação de que a consideração sobre o mérito prevaleça sobre eventuais lapsos
processuais, nos artigo 1.032 e 1.033, em que se prevê que o STJ e STF, respectivamente, agilizem
o acesso à justiça, reencaminhado, no primeiro caso, ao outro (STF) um REsp erroneamente
encaminhados a ele (STJ), bem como, no segundo caso, em que o STF deve reencaminhar
diretamente ao STJ um RE que, erroneamente, trate de ofensa reflexa à Constituição. Além de
prover evidencia para a primazia do julgamento de mérito, esses dispositivos asseveram princípios
amplamente reconhecidos do direito processual: o princípio da celeridade (art. 5º, LXXVIII,
CF/88, e o princípio do aproveitamento dos atos processuais (cf. arts. 282 e 283, CPC).
É certo que, tendo em mente a noção de justiça e o acesso a uma ordem jurídica justa, a jurisdição
estatal, deve se pautar por fases e atos processuais, bem como pelos critérios ou princípios que os
orientam. O critério de justiça, então, confunde-se com o direito constitucional de acesso à justiça
(art. 5º, XXXV, CF/88) como também com uma jurisdição estatal justa, seja ela atendida por órgão
do Estado, ou de outra forma, alternativa ou indireta, tornada possível pelo ordenamento jurídico,
mediante supervisão ou facilitação estatal nela previstas. A estruturação, os métodos e as
interpretações expressões da tutela jurisdicional estatal, consequentemente, observam também, por
exemplo, o devido processo legal, a garantia do contraditório e o duplo grau de jurisdição às partes,
bem como seus fatos, argumentos e atos processuais – desde a petição inicial até a sentença
(incluindo as demais decisões e pronunciamentos do juiz e dos tribunais emitidas durante o
conhecimento e após a sentença).
Em suma, da relação entre a noção de justiça, o conceito de jurisdição justa, o poder-dever
jurisdicional do Estado, o espírito das leis (i.e., em termos de compromisso com um ideal de justiça)
e seus textos positivados – sejam eles de natureza material ou processual – é que decorre a ordem
jurídica justa.

13. Acesso à justiça pelos meios alternativos


Viu-se que o acesso à justiça garantido constitucionalmente (art. 5º, XXXV, CF/88), reflete uma
concepção contemporânea de ordenamento jurídico e uma ampliada noção ampliada de jurisdição
estatal, alcançando não só uma tutela estatal stricto sensu, como também formas alternativas de
acesso à justiça, como a mediação e conciliação (cf. Exposição de Motivos da Resolução n. 125, de
2 de novembro de 2010, do CNJ, acerca do artigo 5º, XXXV, da CF/88, bem como a L13.140/15) e
como arbitragem e as sentenças por tribunal arbitral (cf. L9.307/96).
CAPÍTULO III
O PROCESSO E O DIREITO PROCESSUAL
14. As funções do Estado moderno
Segundo os autores, o Estado moderno teria características contrárias às bases da filosofia política
liberal, que, por sua vez, se cateterizaria por opor ao Estado “extremas” (nas palavras dos autores)
restrições às funções daquele (do Estado). Isso porque o Estado moderno tenderia a assumir uma
postura de fomentador às funções estatais “essenciais” (mais uma vez, nas palavras dos autores)
relacionadas à vida e ao desenvolvimento da nação e de seus cidadãos.
Contudo, a meu ver, isso pode ser questionado como aplicado mais adequadamente a certos
Estados-nação, como Alemanha e Itália, onde o Estado, ao mesmo tempo, decorreu um processo
união a partir de elementos históricos, bem como foi um ator central na própria formação e
confirmação dessas “nações” como entes políticos. Por outro lado, é possível argumentar que,
outros Estados-nação, e.g., EUA e Inglaterra, tenham nascido de um processo de confirmação de
nações já formadas ou já em formação, i.e., dois processos em certa medida historicamente
concorrentes. Ou ainda, Estados-nação formados em decorrência de processos de descolonização,
e.g., Brasil, Peru, Angola, Indonésia, em que o Estado, segundo algumas correntes de pesquisadores
sobre o tema, formou-se sem que houvesse qualquer traço forte de nação consolidado de nação em
todos os recortes possíveis de seus membros ou cidadãos daquela sociedade.
Contudo, é inegável que seja comum antever entre as funções do Estado, independente de
características específicas à sua gênese, sua responsabilidade de tutela jurisdicional (m.p.: consoante
inclusive com a noção de monopólio do Estado sobre as leis e a força, ressaltado por pensadores
como Machiavelli a Weber), especialmente como forma de tutelar a paz social, as instituições e
valores associados à noção de personalidade.
Por um lado, é certo que a noção de justiça pode flexionar conforme os valores da sociedade
e a forma como ela decida organizar-se politicamente. Por outro, pode ser difícil dissociar justiça,
qualquer que seja sua acepção, da responsabilidade de o Estado garantir uma ordem jurídica justa e
uma jurisdição estatal justa. Nesse sentido, quando uma sociedade decide se organizar privilegiando
o bem-estar coletivo é razoável supor que a tutela jurisdicional pelo Estado seja proporcional e
convergente com essa decisão, podendo, então, as funções estatais terem um maior alcance sobre a
sociedade, seus indivíduos e instituições. Nesse sentido, o Estado social é uma organização política
que privilegia não só a lei – estabelecida por vias democráticas e definidora de direitos e obrigações
de suas pessoas, naturais ou jurídicas, e de suas instituições, públicas ou privadas – e o bem-estar
social, como também, consequentemente, tende dar maiores poderes ao Estado de intervenção na
sociedade vis-à-vis a forma ortodoxa de Estado liberal.

15. Legislação e jurisdição


Decorre, então, das funções do Estado moderno duas formas de atuação na tutela da paz social: sua
função legislativa e sua função jurisdicional. Diz-se que enquanto a primeira volta-se para o futuro,
sobre um acontecimento ou não acontecimento hipotético, a segunda debruça-se sobre o passado,
sobre o fato acontecido. Contudo, é possível haver casos em que a jurisdição se volta também para
o futuro, como no caso de modulação de efeitos temporais em controle abstrato de
constitucionalidade pelo STF (art. 27, L9.868/99), em que decisões em regra ex nunc, que não
retroagem, passam a ter efeitos ex tunc, retroagindo em virtude de risco de incerteza jurídica ou
para atender excepcional interesse social, enfim, para garantir a paz social, i.e., cumprir com um
dos objetivos da própria jurisdição. O mesmo ocorrendo excepcionalmente em casos de alteração de
jurisprudência dominante do STF, dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de
casos repetitivos (Art. 927, § 3º, L13.105/15); nas condenações para o futuro em geral (obrigações
de trato sucessivo); no mandado de segurança preventivo e nas demais modalidades tutela
jurisdicional preventiva; nas condenações por obrigação de fazer ou de não fazer; no controle
jurisdicional de políticas públicas, etc.
Cabe ao Estado, por meio de sua função legislativa, tipicamente exercida pelo Poder
legislativo e atipicamente, conforme a lei preveja, por suas demais instituições, estabelecer normas,
regras e princípios que norteiam a vida em sociedade, incluindo os limites de ação do Estado, de
suas instituições, de sua sociedade, i.e., seus indivíduos e instituições, e das relações intersubjetivas
entre todos esses agentes. Isto é, a legislação define de forma genérica e abstrata e a priori
direitos, poderes, faculdades, obrigações e o que é lícito ou ilícito, por meio de tipos ou modelos de
condutas desejadas ou reprovadas, bem como com a previsão dos efeitos cabíveis em caso de um
fato concreto de se adaptar ou não ao tipo ou modelo de conduta genérica e abstrata desejada ou
rejeitada a priori pela legislação.
Por conseguinte, a jurisdição estatal é a função que o Estado tem, segundo um conjunto de
deveres, poderes e poderes-deveres, de fazer valer a legislação, aplicando-a a casos concretos de
conflitos intersubjetivos. Para tal o Estado deve seguir um conjunto de normas e métodos que são
aplicados em uma fase de conhecimento do processo, em que os fatos concretos são apurados à luz
da legislação, e, a seguir, impor os efeitos cabíveis conforme a adaptação do caso concreto à
previsão genérica e abstrata prevista também na legislação, o que é feito em termos processuais, no
processo, na sentença e na execução, conforme o caso.
Teorias dualista ou unitária do ordenamento jurídico? A teoria unitária, tradicionalmente a
adotada pela doutrina, no Brasil, vê clara e definida distinção entre o direito material e o direito
processual. O direito material define, como argumentado acima, o tipo ou modelo abstrato e
genérico previsto na legislação para condutas desejadas ou rejeitadas, ou seja, a norma abstrata, que
se concretiza, independentemente de qualquer participação do juiz, no momento em que ocorre
o fato que se adapta a suas previsões. Assim, direitos subjetivos e obrigações preexistem ao
processo, o que juiz faz é declará-los, tendo assim essa teoria uma natureza declaratória. O
processo seria uma atuação da vontade do direito e uma realização prática que devem ser
conduzidas segundo as normas e métodos processuais igualmente previstos pela legislação (direito
processual) – teoria de Chiovenda.
Por outro lado, a teoria unitária, de Carnelutti, entende que o direito objetivo não
consegue produzir sozinho a solução dos conflitos de pretensões. Frequentemente caberia ao
processo complementar a lei positivada, que não garantiria, por exemplo, um direito, apenas sua
previsão abstrata. O processo, então, teria o objetivo de compor a lide e concretizar o próprio
direito, por exemplo, ou qualquer outro comando legal. Dessa forma, o direito somente nasceria
efetivamente com a sentença – p.m.: esse tema pode levantar diversos questionamentos: se o
processo, a sentença e consequentemente é o juiz que efetivamente faz nascer o direito, completa
efetivamente o ordenamento, então não haveria o risco de uma invasão do judiciário no papel típico
do legislador? A teoria unitária tem arrebanhado adeptos entre a magistratura, talvez por lhes
empoderar.
De qualquer forma, como argumentam Dinamarco et al, volte-se o juiz para o futuro ou para
o passado, ao exercer a função jurisdicional do Estado, ele ou ela limitar-se-á, por seu dever de
observar o princípio da legalidade em seus atos, a interpretar a lei – resultante da Lei Maior, das leis
infraconstitucionais, dos princípios do Direito e dos valores da sociedade – nunca inovando-a.

16. Direito material e direito processual


Quando há conflito em torno de uma pretensão, o juiz age, em regra, em conjunto com ambas as
partes – autor e réu – envolvidas no conflito, salvo no caso de revelia do demandado no processo
civil (art. 344, CPC).
Processo é a soma das atividades desenvolvidas pelas partes e pelo juiz, bem como dos
poderes, faculdades, deveres, ônus e sujeições, a cada um deles cabível, que impulsionam, regulam
e efetivam a atividade jurisdicional.
Direito processual (aka direito adjetivo) é o conjunto de normas e princípios que regem a
tutela jurisdicional e seus métodos, seja ela representada por um juiz ou arbitro, com o objetivo de
solucionar uma lide entre uma ação do autor (i.e., a demanda ou pretensão do autor) e a defesa do
demandado (o réu).
Direito material (aka direito substantivo), por outro lado, é o conjunto de normas que
regulam as relações jurídicas entre sujeitos (privados ou públicos, individuais ou coletivos, naturais
ou jurídicos), incluindo bens (materiais/concretos ou abstratos, móveis ou imóveis, naturais ou
artificiais) e suas utilidades, i.e., bens da vida, bens jurídicos, sejam eles pertinentes a esfera civil,
penal, administrativa, empresarial, tributária, trabalhista, etc.

17. Relações do direito processual com outros ramos do direito


Não se deve limitar o direito processual, contudo, a um sistema técnico, pois, como visto, tanto o
processo quanto a jurisdição se desdobram em três escopos: social, jurídico e político, que, isolada
ou conjuntamente, impõe desafios complexos na missão de tutelar a justiça e, consequente e
intrinsicamente, a necessidade de que a própria jurisdição seja também justa e parte de um
ordenamento jurídico igualmente justo.
Essa complexidade ao mesmo tempo decorre e impõe especificidades tanto ao direito
material quanto ao direito processual, dando origem não só a ramos daquele como também deste, a
fim de, nos dois casos, atender demandas específicas de contextos específicos. Assim, por exemplo,
na esfera do direito administrativo e de seus processos, o reconhecimento do princípio da
supremacia do interesse coletivo sobre o público pode ser entendido como uma das forças
legitimadoras da regra que exige o esgotamento dos processos na esfera administrativa, primeiro,
antes que sejam encaminhados ao Poder Judiciário. Esse mesmo princípio basilar da Administração
Pública e do direito que a rege tem outros diversos desdobramentos em termos do processo
administrativo, como determinadas prerrogativas do Estado ao contratar com entes privados; bem
como dar sustentação a regras específicas relativas às relações trabalhistas, distintas daquelas que
regem o trabalhador na esfera da sociedade civil.

18. Os institutos fundamentais do direito processual


A jurisdição, a ação, a defesa e o processo, i.e., todas as demais unidades sistêmicas, com seus
procedimentos e métodos, do direito processual ramificam-se desses quatro institutos fundamentais.
Esses quatro institutos e seus anexos, obviamente, por observância da própria noção essencial à
ideia de ordenamento, mais que isso, ordenamento justo, estão em harmonia, podendo, contudo,
apresentar antinomias aparentes.
Esses quatro institutos – que obviamente são sujeitos às normas e princípios da Constituição
e do Direito em sua acepção mais ampla – são o objeto da ciência processual.
A jurisdição consiste na atividade e estrutura administrativo-judiciária do Estado que tutela a
paz social como o recurso organizacional-jurídico a quem as partes se dirigem na busca da solução
de conflitos em virtude da pretensão de uma das partes frente à oposição da outra a essa mesma
pretensão. Nesse processo, a tutela jurisdicional do Estado aprecia o conflito de vontades concretas
antagônica à luz da legislação material, genérica e abstrata, aplicável ao fato e seu contexto
concreto. Ao desse processo, então, a jurisdição estatal, em sua forma típica, por meio do juiz,
busca entender o caso concreto à luz de seu contexto e da legislação a eles aplicável (processo de
conhecimento, de cognição), declarando sua pertinência e, em seguida, determina a solução cabível
ao conflito, igual e obrigatoriamente à luz da legislação material, produzindo o resultado cabível,
por meios práticos (e.g., o cumprimento da sentença ou a execução forçada, conforme o caso).
Uma das formas de definir o processo é entende ele é uma cooperação entre o juiz e as
partes.

19. Linhas evolutivas da ciência processual – um enfoque supranacional


Fase sincretista.
Fase autonomista.
Fase instrumentalista:
A atual, em que a jurisdição do Estado é fortemente influenciada pela teoria
constitucionalista e pelo compromisso do ordenamento com ditames constitucionais que orientam o
sistema processual, desde a garantia: ao devido processo legal (art. 5º, LIV, CF); ao contraditório e
ampla defesa (art. 5º, LV, CF); bem como da legislação infraconstitucional igualmente influenciada
pelo espírito da Carta Cidadã (e.g., o novo CPC de 2015, como a definição das condições da ação,
confirmação da legitimidade e do interesse processual de agir, art. 485, VI, do mesmo diploma); até
maior e mais evidente preocupação com o compromisso da jurisdição com um ordenamento
jurídico justo, expressa na criação das defensorias públicas; no fortalecimento de interesses
supraindividuais e instrumentos processuais equivalentes, como a Ação Civil Pública, mandado de
segurança coletivo, as vias de controle de constitucionalidade abertas a instituições representativas
da sociedade civil e o princípio da precaução no direito ambiental; na garantia de um acesso a
justiça mais facilitado, formas alternativas de jurisdição (juizados especiais e autocomposição),
menos formalismos sempre que possível, maior celeridade processual, prazos razoáveis,
economicidade e eficiência; bem como legislações específicas, como o CDC, alcançando conteúdos
processuais a elas relevantes.

CAPITULO IV
DENOMINAÇÃO, POSIÇÃO ENCICLOPÉDICA E DIVISAO DO DIREITO
PROCESSUAL
20. Denominação

21. Posição enciclopédica do direito processual


O direito processual se enquadra sob o guarda-chuva do direito público, posto que regula uma
atividade estatal, i.e., a tutela jurisdicional estatal. Contudo, as normas do direito processual são
também aplicáveis aos casos que são jurisdicionados por câmaras arbitrais privadas.
O direito processual rege-se, como todos os demais ramos do direito que compõe o
ordenamento jurídico, pela Lei Maior (i.e., a CF/88). Mas por conta dos próprios princípios a ele
designados pela Constituição e por sua natureza pública – i.e., algo que se estrutura para criar o
Poder Judiciário do Estado e orientar sua atividade típica de jurisdicionar, i.e., solucionar conflitos e
apaziguar a sociedade – no direito processual, talvez, o espírito constitucional, do Estado
democrático de direito (rule of law) e do devido processo legal (due process of law), seja ainda mais
evidente e presente em suas regras, princípios, organização e métodos.
Entretanto, é importante destacar que o direito processual e todos os demais ramos do direito
fazem parte de um só ordenamento jurídico e, assim, suas legislações decorrem da mesma Lei
Maior e estão em harmonia com esta e entre si, não obstante quaisquer conflitos ou antinomias
aparentes que possam surgir entre os diferentes diplomas legais desse ordenamento uno e que, em
regra, são solucionados por critérios, como hierarquia, cronologia e especialidade, conforme o caso.

22. Divisão do direito processual


A jurisdição estatal é una e constitui uma expressão do poder estatal, que também é uno.
Consequentemente, o direito processual também, stricto sensu, uno, mesmo quando aplicado por
extensão a outros ramos do direito, como no direito administrativo, ou em formas de jurisdição
alternativas, como na arbitragem em câmaras privadas.
Dessarte, não obstante possíveis especificidades do direito processual aplicado a
determinados ramos do direito, como verificadas na comparação entre o direito processual civil e o
direito processual penal, há diversas noções e princípios comuns aos diferentes ramos do direito,
como o direito civil ou direito penal, seja processual ou material. Por exemplo, as noções
estruturantes do direito processual de jurisdição, ação, defesa e processo; institutos como coisa
julgada, recurso, preclusão e competência; os princípios do contraditório, ampla defesa, duplo grau
de jurisdição e juiz natural são todos comuns ao processo penal ou civil. Igualmente não constitui
óbice à pretensão de se definir uma teoria geral do processo a independência entre decisões em
diferentes esferas processuais, como cível, penal ou administrativa, prevista na legislação, eg.:
L 8.112/90, Estatuto dos Servidores Federais:
Art. 125. As sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendo independentes entre si.
Art. 126. A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal
que negue a existência do fato ou sua autoria.
Del 3689/41, CPP:
Art. 66. Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando
não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato.
Art. 67. Não impedirão igualmente a propositura da ação civil:
I - o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação;
II - a decisão que julgar extinta a punibilidade;
III - a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime.
L 10.406/02, CC:
Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a
existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo
criminal.

Pois essa independência se baseia não em diferenças irreconciliáveis entre princípios ou regras dos
ramos dos ramos do direito, mas sim em especificidades de suas respectivas naturezas. Princípios e
regras do direito e de seus ramos são em geral transversalmente válidos, ainda que alguns possam
ser específicos a um ramo ou outro. Em essência, o direito penal trata de uma pretensão punitiva do
Estado frente a ofensas de maior gravidade; enquanto os direitos civil, constitucional, tributário,
administrativo e trabalhista tratam daquelas pretensões ou interesses que não se enquadram como
penais. O direito penal trata de ofensas diretas e graves à paz social, daí a urgência de tutela estatal.
Quando os efeitos de uma ofensa a uma pretensão têm menor gravidade e tendem a atingir
interesses individuais ou difusos, ainda que também a paz social seja afetada e que o Estado possa
estar envolvido no conflito, i.e., no âmbito do direito público, tal ofensa não será necessariamente
apreciada pelo direito penal, mas pelo direito civil e suas relações com outros ramos do direito,
como o tributário, administrativo, o constitucional, etc.
Nesse sentido, interesses de naturezas distintas, com objetivos distintos e que gerem efeitos
distintos quando ofendidos podem demandar formas tutelas distintas, e.g., estatal ou privada,
coletivamente difusa ou personalíssima, implicando diferentes possiblidades de jurisdição, em
instâncias específicas, civil ou penal. Isso não significa que a independência entre decisões em
diferentes âmbitos processuais, e.g., penal, civil, administrativa, etc., seja um abandono do princípio
da economia processual, mas sim o reconhecimento de especificidades da pretensão e dos efeitos de
uma ofensa a ela. Isso pode demandar considerações que levem a jurisdições, ações, defesas e
processos específicos – e.g., considerações sobre a disponibilidade de um direito, a eventual
necessidade de se privilegiar o interesse público sobre o privado, o direito do indivíduo em ajuizar
uma ação penal privada (exclusiva ou propriamente dita, personalíssima, ou subsidiária de ação
penal pública).

CAPITULO V
PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO PROCESSUAL
23. Conceito e delimitação conceitual
Princípios são ideias básicas e fundamentais sobre as quais o ordenamento jurídico ou
direito (consequentemente também seus ramos) é construído e que também orientam sua
interpretação e aplicação. Dentre esses princípios há princípios que emanam da Lei Maior e que,
assim, por sua supremacia hierárquica, gozam de força constitucional. Muitos desses princípios são
comandos explícitos elencados como garantias fundamentais (a igualdade das partes, caput; o juiz
natural, incisos XXXVII e LIII; a inafastabilidade da jurisdição, XXXV; o devido processo legal,
LIV; a ampla defesa e o contraditório, inc. LV; a publicidade dos atos processuais, LX, todos no art.
5º, da CF/88). Contudo, outros desses princípios, como o tempo razoável e a celeridade processual
(art. 5º, LXXVIII, CF/88) são por vezes postos a prova, não passando “de uma promessa
constitucional” (Dinamarco et al. 2020, p. 79), em especial por conta da aplicação do princípio da
reserva do possível frente a desproporcionalidade entre a demanda ao judiciário e sua capacidade
jurisdicional.
Por outro lado, há também princípios constitucionais implícitos que orientam o direito
processual. Por exemplo, o duplo grau de jurisdição, que decorre diretamente do estado democrático
de direito e do due porcess of law (art. 5º, LV, CF/88), assim como o faz a proporcionalidade e
razoabilidade. Salvo o duplo grau de jurisdição, em regra, todos os princípios constitucionais do
processo são extensíveis às demais formas alternativas de jurisdição extraestatal, em grande parte
pela própria força hierárquica da Constituição.

24. Meras regras técnico-processuais não constituem verdadeiros princípios


A noção de princípio pode se estender a outros orientadores fundamentais do direito e de seus
ramos que se originam na doutrina, conforme esta reconhece e consagra aqueles, particularmente na
medida em que o tempo corre e esses “princípios” vão quase que se imiscuindo na tradição do
ordenamento jurídico. Contudo é necessário se distinguir o princípio da regra técnico-processual.
Muitas vezes pode parecer difícil distinguir princípios constitucionais implícitos de princípios
doutrinários. O primeiro critério é a relação que o princípio em pauta guarda com uma
fundamentação constitucional, ainda que esta derive do espírito da Constituição. Assim, como o
duplo grau de jurisdição e a proporcionalidade e a razoabilidade, um outro princípio implícito
poderia derivar da vontade da soberania popular que, investida no constituinte originário, optou por
produzir a Carta Cidadã que consagra o regime democrático e o Estado de direito.
Uma mera regra técnico-processual limita-se a estipular comandos e procedimentos que
podem não ser inerentes à noção de Estado democrático de direito, mas apenas orientar os passos e
instrumentos que devem ser seguidos e utilizados para garantir-se uma jurisdição justa, tampouco
sua inobservância tenderá a ferir o espírito da Constituição e os princípios por ela postos. Dentre
esses comando técnicos-processuais, é possível mencionar: as regras do impulso oficial ou inércia
do juiz ou “princípio” da ação; da instrumentalidade das formas; do livre convencimento do juiz; da
indisponibilidade do direito material em litígio; do aproveitamento dos atos processuais; da
correlação entre a sentença e a demanda; etc. (Dinamarco, 2020, p 81).
Por fim, em vista da supremacia constitucional, deve-se presumir que um princípio
(constitucional, expresso ou implícito) seja aplicável tanto ao direito processual penal quanto ao
civil – a menos que o próprio constituinte faça alguma ressalva. Assim é que se entende por que a
indisponibilidade da ação pública pode ser entendida como regra e não com um princípio derivado
da Constituição, visto que a presunção de disponibilidade da ação no direito processual civil.

25. Os princípios informativos


Dinamarco et al argumentam ainda que os princípios informativos – lógico (busca dos meios mais
eficazes e rápidos de procurar e descobrir a verdade e evitar o erro); jurídico (igualdade no
processo e justiça na decisão); político (máximo de garantia social com o mínimo de sacrifício da
liberdade individual); e econômico (acessibilidade universal ao processo em termos de custos e
duração) – tampouco podem ser considerados como tais, pois não passariam de regras que visam a
garantir a organização e correto exercício da jurisdição estatal, não resguardando quaisquer relações
com valores fundamentais da nação tratados na Constituição.

26. A inafastabilidade do controle jurisdicional – art. 5º, XXXV, CF


Garantia de não exclusão da apreciação pelo Poder Judiciário – ou de meios alternativos de
jurisdição como a arbitragem (STF), ainda que sujeitas a posterior apreciação pelo Judiciário
inclusive podendo ser anulada (art. 33, caput, L9307/96) – de ameaça ou lesão a direito, nem
mesmo limitá-la. Ou seja, garantia à tutela jurisdicional cognitiva, executiva e cautelar do Estado
a direito lesado ou ameaçado.
Não se deve confundir a garantia da ação com a inafastabilidade do controle jurisdicional.
Aquela estabelece que as pretensões sejam deduzidas em juízo, para um posterior pronunciamento
judicial. A segunda implica que não só a pretensão seja admitida em juízo, mas processada,
julgada e que o juiz ofereça a tutela cabível por ato seu, de forma tempestiva, adequada e
efetiva (p. 83); i.e., implica um dever com oferecer e efetivar a tutela jurisdicional e seus resultados
cabíveis.
Contudo, há limitações legais ao controle jurisdicional:
1) por conta de regras de competência internacional que venham a limitar o poder jurisdicional
do país em relação à pretensão;
2) em relação à censura jurisdicional de atos da Administração Pública por razões de
oportunidade ou conveniência (mérito do ato administrativo), podendo o Poder Judiciário
apenas julgar o ato quanto a competência do agente e sua licitude (Súmula 473, STF);
3) igualmente, afasta-se a censura jurisdicional do mérito de decisões arbitrais, cabendo ação
anulatória apenas nos casos previsto no art. 33, LA;
4) tampouco poderá a jurisdição ser plenamente imposta quando o juiz se vir impedido de
resolver o mérito por falta de pressupostos de admissibilidade, como (arts. 17 e 485, I a X,
CPC):
i. por indeferir a petição inicial;
ii. quando o processo ficar parado por mais de um ano por negligência das partes;
iii. quando o autor abandonar a ação por mais de 30 dias, não cumprindo os atos e
diligências que lhe couber;
iv. não verificar os pressupostos de constituição de desenvolvimento válido e regular
do processo;
v. reconhecer a existência de preempção, litispendência ou de coisa julgada;
vi. verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;
vii. quando acolher a legalidade da convenção de arbitragem ou quando o juízo
arbitral reconhecer sua competência;
viii. homologar a desistência da ação;
ix. quando do óbito da parte, a ação for intransmissível por dispositivo legal.
Os autores ainda citam a ocorrência de óbices perversos, por vezes apoiados ou agravados
por valores ou interpretações ultrapassadas da própria lei, que podem não ter qualquer valor
processual, como a pobreza, a ignorância e o temor reverencial (p. 83).

27. Tempestividade da tutela jurisdicional e razoável duração do processo


O esforço de se oferecer à sociedade uma tutela jurisdicional tempestiva busca mitigar os efeitos do
tempo sobre os direitos; i.e., busca oferecer a tutela tão longo ocorra um risco de ofensa ou uma
ofensa a um direito e reduzir o tempo necessário para que essa tutela produza os resultados efetivos
cabíveis.
No direito brasileiro, é possível localizar, cronologicamente, em 1992, com internalização da
Convenção Americana de Direitos Humanos – tbc Pacto de São José da Costa Rica, de 1969: 1º)
celebrada em 22 de novembro de 1969; 2º) aprovada pelo Decreto Legislativo nº 27, de 28 de
maio de 1992; 3º) ratificada pela Carta de Adesão de 25 de setembro de 1992; e 4º) Promulgada
pelo Decreto 678, de 6 de novembro de 1992, do PR –, que em seu artigo 8, item 1, Garantias
Judiciais, estabelece que “Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro
de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial,...”
Mais adiante, a EC 45/04, incluiu o inciso LXXVIII, com o princípio da razoável duração do
processo e da celeridade; mais recentemente também ratificado em norma infraconstitucional, no
art. 4º, CPC, dessa feita, destacando que o princípio tem aplicação inclusive à atividade satisfativa
resultante e parte constitutiva do processo.
Igualmente, tanto a Constituição quanto a legislação infraconstitucional, estabelecem
remédios e instrumentos que visam contornar potenciais riscos à tempestividade, à duração razoável
e à celeridade do processo, respectivamente, por exemplo, mediante a possibilidade mandado de
segurança, ou de tutela provisória (arts. 294 ss., CPC), em caráter de urgência (quando há
evidências da plausabilidade do direito e risco ao resultado útil do processo) ou por evidência
(quando a plausibilidade do direito é tão óbvia que deve ser prontamente reconhecido pelo juiz).
Entretanto, deve haver uma razoabilidade e proporcionalidade entre aplicação da
tempestividade, o tempo razoável do processo, sua celeridade ou sua aceleração, e a possiblidade da
jurisdição oferecer ao juiz os meios, recursos e informações necessárias à cognição suficiente para o
alcance de uma solução conciliadora e justa, conforme o ordenamento jurídico aplicável, ou seja,
alcançar-se uma solução integral do mérito e a respectiva atividade satisfativa para o conflito,
dentro dos parâmetros da norma vigente.
Esse equilíbrio entre tempestividade, duração razoável, celeridade e tempo demandado para
uma cognição justa e a resultante atividade satisfativa da tutela jurisdicional estatal, juntos,
somados, representam o devido processo legal e seu compromisso com uma ordem jurídica
consequentemente também justa.
Por fim, os autores destacam que a razoável duração do processo e sua celeridade aplicam-se
também a eventual procedimento, penal, de desencarceramento de acusado preso cautelarmente.

28. Igualdade
O princípio da igualdade processual é essencialmente um corolário do art. 5º, caput, primeira parte,
CF/88 – Todos são iguais perante a lei, ... – e devidamente reconhecidos no arts. 7º e 139, I, CPC –
respectivamente: “É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos
e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções
processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório” e “O juiz dirigirá o processo
conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: I - assegurar às partes igualdade de
tratamento”.
Contudo, essa igualdade não é absoluta, admitindo modulações em face da sua razoabilidade
e proporcionalidade em relação a outros princípios, direitos ou deveres. A igualdade substancial
(i.e., fundamental, essencial) pode ser influenciada pela necessidade de avaliação do equilíbrio entre
a igualdade real e a igualdade proporcional. Tem-se, então, mais uma situação em que a máxima
aristotélica de tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais na medida de suas desigualdades
se prova útil. A noção da igualdade por vezes pode ser melhor entendida e aplicada no sentido da
equidade entre os cidadãos de uma entidade político-social justa.
A vontade do constituinte originário de garantir o tratamento isonômico a todos perante a lei
– e.g., a paridade de armas entre as partes do processo para trazer suas razões a juízo, concedendo
oportunidades iguais de tê-las consideradas e de forma imparcial pelo juiz – pode, por vezes, ver-se
frente a frente com considerações decorrentes da noção de equidade, que podem levar a atenuações
ou ajustes do nobre espírito da Carta Cidadã.
Isso pode ocorrer por conta de limitações econômicas, sociais, educacionais ou culturais de
uma das partes, e.g., quando um defensor público de uma parte hipossuficiente demonstrar clara
negligência e o juiz decide ser cabível demandar alguma prova de ofício. Ou mesmo em decorrência
do princípio da supremacia do interesse coletivo sobre o privado, do qual decorre determinados
privilégios processuais para o Estado; e.g., prazos em dobro em benefício da Fazenda e Ministério
Públicos (arts. 180 e 183, CPC). Bem como no tratamento diferenciado dispensado a causas que
envolvam pessoas acima de 60 anos (art. 1.048, I, CPC, e art. 71, caput, L10.741/03) e 80 anos (art.
71, § 5º, L10.741/03).
Dinamarco et al também chamam a atenção para o favor rei, instituto segundo os interesses
do acusado podem prevalecer mediante certas circunstâncias como: a insuficiência de provas (art.
386, VII, CPP); a legitimidade da defesa para embargos infringentes (art. 609, parágrafo único,
CPP); ou a revisão criminal somente a favor do réu (art. 623 e 626, CPC).

29. Contraditório e ampla defesa


O princípio do contraditório e da ampla defesa está expresso no art. 5º, LV, CF/88, e também pode
ser considerado relacionado com o inciso anterior, LIV, CF.
O contraditório implica participação, sendo, assim, considerado pelo autor uma redundância
o uso da expressão contraditório participativo.
Essas duas noções, contraditório e ampla defesa, demandam que o ordenamento do processo
determine não só os procedimentos como momento em que esses devem ser realizados de forma
tempestiva e sequencial. Assim o autor alega e pede na petição inicial. Em seguida, instituído o
processo, ajuizada a inicial e citado o réu, este, por sua vez, está apto a pedir e alegar, i.e., a
contrapor, podendo manejar seus elementos de defesa e postular a improcedência da demanda ou a
extinção do processo. Ambas as partes, então, podem apresentar provas para sustentar suas
alegações. Decidida a demanda pelo juiz, a parte contrariada pode, então, recorrer. Enfim, observa-
se que, durante e após o processo, há diversos momentos em que a lei processual garante às partes
oportunidades para alegar e buscar convencer o juízo de suas pretensões, pedidos e contra-
argumentos, garantindo que ninguém seja condenado sem ter sido ouvido em juízo, i.e., sem o
direito ao contraditória e à ampla defesa.
Os autores também lembram que as mesmas garantias devem ser observadas em juízo de
natureza não punitiva – como em processos administrativos, que não têm acusados, mas litigantes
titulares de interesses conflitantes –, tampouco, complemento, estendendo a mesma ressalva à
jurisdições alternativas, como no âmbito de mediações, conciliações ou arbitragens, ocorram elas
sob a tutela do Estado ou limitadas à autonomia privada das partes.

N.B.:
PEDIDO E CAUSA DE PEDIR
Pedido é aquilo que se pede em juízo, o tema da ação, o provimento judicial pretendido, e que
constitui o núcleo da pretensão material, dividindo-se em: 1) pedido imediato; e 2) pedido
mediato. O pedido imediato é aquilo que imediatamente se pede, que é a atuação da lei,
consistente numa providência jurisdicional (i.e., a resposta judicial correspondente),
declaratória, condenatória, constitutiva ou de execução, tendo natureza de direito processual. O
pedido mediato é o bem da vida ou interesse que se quer ver tutelado pela sentença, seja esse bem
material ou imaterial, econômico ou moral, consistente no pagamento do crédito, na restituição do
imóvel etc., tendo natureza de direito material.
A causa de pedir é o que suporta o pedido, é a motivação baseada em fatos jurídicos que ensejaram
a pretensão posta (art. 282, III do CPC). No direito brasileiro, adota-se a teoria da substanciação
(art. 319, III, CPC), a petição inicial indicará o fato (causa remota) e os fundamentos jurídicos do
pedido (causa próxima), que juntos formam a causa de pedir.
Assim, na ação de despejo por falta de pagamento, deverá o autor indicar a relação jurídica
de locação, i.e., o contrato de aluguel (causa de pedir remota) e demandar o pagamento de
aluguéis atrasados, i.e., a inadimplência (causa de pedir próxima). Note-se que a causa de pedir
próxima, o fundamento jurídico do pedido, pode ser mais de uma para uma mesma causa de pedir
remota. Por exemplo, o se o locatário insistir em inadimplir, privando o proprietário da renda
daquele aluguel, com o qual contava para, como locatário de outro imóvel, pagar seu aluguel a um
terceiro (i.e., o locador do imóvel em que o primeiro proprietário mora), pode este entrar com uma
ação de despejo (nova causa de pedir próxima), relativa a um pedido com a mesma causa de pedir
remota (o contrato de aluguel entre o proprietário/locatário e o seu locatário inadimplente).

30. O contraditório e o juiz – o dever de diálogo deste com as partes

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