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O despertar da matemática: como garantir a base do ensino?

“A negligência da matemática prejudica todo o conhecimento, visto que aquele que a


ignora não pode conhecer as outras ciências ou coisas deste mundo. E o que é pior,
aqueles que são assim ignorantes, são incapazes de perceber sua própria ignorância e,
portanto, não procuram um remédio.” Roger Bacon

Compartilho conteúdos diariamente sobre a importância da leitura e escrita, mas não


menos importante do que a linguagem é a aprendizagem da matemática. Porém, mais do
que saber o que e como ensinar a matemática, o mais bonito dessa disciplina é entender
a sua importância e levar esse olhar aos pequenos aprendizes, nossas crianças. Como
um verdadeiro despertar para a matemática, começando por nós que educamos e,
consequentemente, atingindo as crianças. O quanto antes elas entenderem a importância
dessa aprendizagem, tão mais fácil será o seu envolvimento e compreensão.

A realidade da educação brasileira coloca a matemática como uma disciplina utilitária,


que deve ser usada para um fim específico associado, por exemplo, a aprovação em um
concurso ou para ingressar em uma universidade. E os resultados dessa concepção da
matemática não são bons: no último exame do Pisa (2018) realizado entre
estudantes entre 15-16 anos de vários países, incluindo o Brasil, ocupamos a
posição 69-72 dentre 79 países. O mais alarmante é o fato que os alunos brasileiros
em sua maioria (68%) apresentaram nível 1 ou abaixo de 1. Na prática isto
significa que nossos estudantes não estão conseguindo entender questões explícitas
e básicas de matemáticas.

Para a educação clássica, Platão afirmou que a matemática deveria ser a primeira
matéria de educação:

"[...] Nota-se que os que têm


um talento natural para o cálculo
também mostram grande vivacidade
para compreender todas
ou quase todas as ciências,
e que mesmo os espíritos tardios,
quando foram educados
e exercitados nesta disciplina,
tiram dela,
quando não outro proveito,
pelo menos o se fazerem mais atilados

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do que antes eram.
Fica, pois, assentado que
esta será
nossa primeira matéria
de educação" Platão

Esta defesa oriunda da ideia de que a matemática é uma disciplina que deveria ser
estudada por si só, pelo bem que ela propicia a alma do ser humano, pela capacidade de
mostrar que existe uma verdade e que nós podemos conhecer. Para Aristóteles, a
matemática tem uma capacidade inerente de tentar mostrar a existência de uma verdade
e que nós podemos conhecer. E buscar a verdade, educar para a verdade, para
conhecer o que de fato é real, esse é o objetivo final da educação: levar o homem a
uma circunstância, a um conhecimento que ele não chegaria se não fosse pelo
ensino e estudo.

Para a educação clássica era inconcebível não conhecer e estudar a matemática e


por qual motivo atualmente perdeu-se essa vontade genuína de aprender
matemática sem um fim utilitário?

Uma das causas advém do fato do ensino atualmente ser segmentado entre matérias de
exatas versus humanas, como se fosse de fato possível separar as disciplinas, ou a vida,
dessa forma. Não o é, a vida, assim como o estudo é articulação entre os saberes. E uma
das consequências de se desarticular esses saberes é perder o encantamento pela
aprendizagem. Além disso, o ensino atualmente carece de uma sistematização de uma
instrução clara do que as pessoas precisam fazer, o caminho que precisam e o que
precisam aprender para dominar os saberes. Isso acaba por causar desconforto e
desinteresse ao aprender. Ao contrário do que deveria acontecer; para aprender as
pessoas precisam querer aprender e ainda que crianças pequenas tenham um querer
ainda em formação, elas podem ser conduzidas a querer aprender através de um
professor engajado ao ensinar, que sabe o que ensinar e que segue uma sistematização
para tal. Este cenário faz com que, atualmente as crianças percam, sobretudo os
benefícios de uma verdadeira aprendizagem, que no caso da matemática lhe conduz a
dificuldade em reconhecer a verdade dos fatos.

Os benefícios de compreender a importância da matemática vão além de entender sobre


o nosso sistema monetário e a contagem de brinquedos, sendo eles:

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1 - A matemática tem uma verdade estabelecida, atemporal, imaterial, imutável, 2 + 2 é
sempre 4, independente das condições que ela seja utilizada. Ao perceber que existem
verdades estabelecidas para a matemática, a consequência é perceber que existem
verdades em outros campos da vida, independente das minhas opiniões, paixões ou
convicções. Uma pessoa consciente disso busca a verdade em todos os campos da sua
vida, o quanto antes uma criança for inserida num ambiente que busca identificar a
verdade, melhor para a sua formação.

2 - A matemática é uma disciplina que exige uma organização de pensamento para a


demonstração de um resultado, visto que é necessário mostrar como se chegou a um
determinado resultado. Na linguagem, seja ela oral ou na comunicação de um texto,
utilizar desse pensamento contribui para a organização da comunicação, através do uso
do raciocínio lógico.

3 – A matemática ajuda a levantar hipóteses visando a resolução de problemas, na vida


prática analisar as situações reais com esse olhar, associado com a busca pela verdade,
dificulta a manipulação do pensamento.

Resumidamente, restaurar a forma de olhar a matemática, promover o seu despertar


contribui para o desenvolvimento do intelecto e formação humana. Mas, o
encantamento pela disciplina vem de quem conduz a educação. Preparar uma criança
para perceber a verdade das coisas começa desde cedo e a matemática, conforme citado
anteriormente, contribui para isto, através de um educador que reconhece a importância
dessa disciplina e que a mostra acontecendo concretamente na vida real. Seja pela
demonstração de como a matemática acontece, por exemplo, associando os números a
respectivas quantidades de elementos no mundo real, ao demonstrar que o número 2 se
associa a 2 unidades de um determinado elemento, um brinquedo ou dois dedos das
mãos. E que ao somar com mais dois dedos chega-se ao total de 5 dedos. No avançar da
aprendizagem a criança aprender que o número 10 refere-se a 10 unidades e é
equivalente a uma dezena, assim como o número 20 que se refere a 20 unidades e 2
dezenas, esse é o entendimento do valor posicional, conhecimento essencial para o
desenvolvimento da matemática nos anos inicias da educação formal.

E esse conhecimento deve ser estimulado desde cedo, tão logo a criança inicie a pré-
alfabetização, considerando que há uma notável convergência entre os processos de

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aquisição de numeracia e literacia nos anos iniciais da educação infantil, conforme
citado por Haase (2021): “A aquisição de ambas as competências se fundamenta
crucialmente nas habilidades de processamento fonológico, incluindo acesso lexical,
memória fonológica de trabalho e consciência fonêmica. Junto com o conhecimento do
conceito de valor posicional, o processamento fonológico é um correlato importante
das habilidades de transcodificação numérica (relação número – quantidade). Os
conceitos e evidências revisados quanto às conexões entre a aquisição de numeracia e
literacia sugerem que é importante integrar as atividades linguísticas e matemáticas na
transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental inicial. Isso pode ser feito
sob a forma de atividades didáticas propriamente ditas, mas também sob a forma de
historinhas e jogos”.

Além disso, quanto antes propiciarmos um ensino explícito da matemática para todas as
crianças, mais cedo conseguiremos identificar e intervir em possíveis dificuldades de
aprendizagem na matemática e não precisaremos esperar até seus 15-16 anos para
constatar a partir de avaliações internacionais, como o PISA, que o ensino-
aprendizagem da matemática não vai bem. Pois, segundo Haase (2021) as origens das
dificuldades com a matemática na adolescência e idade adulta podem ser identificadas
desde o início da trajetória de desenvolvimento individual. Déficits nas habilidades
matemáticas informalmente adquiridas antes ou na pré-escola são preditivos de
dificuldades persisntentes na aprendizagem dessa disciplina que se estendem dos anos
iniciais do Ensino Fundamental até a adolescência.

E estudos, evidências e a própria realidade se apresentando, têm demonstrado que todas


as crianças se beneficiam e apresentam melhores resultados na aprendizagem da
matemática diante de uma abordagem de ensino explícito e sistemático que garanta que
a criança aprenda conhecimentos prévios, fatos e procedimentos bem memorizados a
fim de executar adequadamente as atividades de matemática. Além disso, a
aprendizagem quando é bem ordenada, envolve os alunos que desejam aprender cada
vez mais e aprendem cada vez melhor. Para isso é importante partir de um ensino por
concretos, passando ao pictórico e concluindo na aprendizagem abstrata para subsidir a
"ginástica mental e a concepção da matemática como uma disciplina mental", conforme
defendeu Platão.

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Partindo disso, quais seriam os conhecimentos necessários e esperados de matemática
por faixa etária, leia abaixo alguns exemplos:

Aritmética básica (4 aos 6 anos):

 Estabelecer senso numérico;


 Trabalho com os números;
 Estabelecer a contagem;
 Formação numérica;
 Valor posicional: ordem dos algarismos dentro dos números.

Geometria básica (4 aos 6 anos):

 Formas básica; noções espaciais de medição e localização;


 Ordenar o espaço que o circunda.

A partir dos 7 anos:

 Domínio da transcodificação;
 Cálculos escritos;
 Cálculo por aproximação;
 Raciocínio aritmético;
 Fluência matemática: velocidade, depois de aprender um conceito que já
dominou.

Importante ressaltar que as faixas etárias indicadas servem apenas como uma referência,
pois o que tem acontecido atualmente é que crianças de terceiro, quarto ano ou mais do
ensino fundamental se encontram "presas" ao conhecimento básico, aquilo que não é
necessário uma instrução explícita, como por exemplo, dominam bem o senso numérico
mas se perdem ao estabelecer contagem e cálculos. Desta forma, é necessário retornar
para as habilidades básicas que, teoricamente, crianças dos 4 aos 6 anos deveriam
dominar. Portanto, isso demonstra que para aprender, não se trata de uma questão de
idade mas do desenvolvimento ou não de habilidades. E para isso o ensino precisa ser
bem ordenado e seguir uma ordem de progressão.

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Melhor ainda, associar atividades práticas e desenvolvimento de habilidades adquadas
na matemática, com a beleza da matemática e o motivo de estudá-la deveria ser o
objetivo do seu ensino desde a mais tenra idade; que é levar a criança a perceber a
verdade dos fatos e conduzi-la a buscar sempre por isso. Mas, conforme citado
anteriormente, para isso é preciso uma educadora bem formada. Para tal é
essencial compreender a sua importância e se dedicar ao estudo das disciplinas que
elevam as almas das crianças para a verdade e conforme citou Ruy Nunes (1978)
em seu livro “A ideia de verdade e a educação”: “sem leitura, sem estudo, sem
pesquisa, sem reflexão, não se consegue adquirir conhecimentos nem buscar e
difundir a verdade”. Que sejamos todas nós promotoras da verdade desde sempre
na vida das crianças.

Referências

Haase, V. G. 2021. Numeracia e Literacia: Como associar o ensino e aprendizagem da


matemática básica com a alfabetização? In: Relatório Nacional de Alfabetização
baseada em evidências (RENABE) disponível em: https://www.gov.br/mec/pt-
br/media/acesso_informacacao/pdf/RENABE_web.pdf

Nunes, R. A. C. 1978 (3º edição 2019). A ideia de verdade e a educação. Kírion.

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